Desintegração

De acordo com uma certa construção da história cultural, à qual as ciências naturais frequentemente se pareceram apegadas, a religião é concebida essencialmente como uma explicação naturalista pré-científica. Vistas dessa maneira, as religiões são cosmologias comparativamente primitivas. É isso o que as torna vulneráveis ao progresso científico. Um Galileu, ou um Darwin, avança para dentro de seu território central, ferindo-as mortalmente no coração. Uma noção um tanto sociologicamente indistinta de "ciência" é vislumbrada como a sucessora natural da religião.

Por mais plausível (ou implausível) que se ache essa narrativa, ela importa. Por meio dela, a ascendência científica adquire seu mito fundacional. Crucialmente, esse poder mítico não depende de nenhum tipo de validação científica rigorosa. Ninguém jamais foi compelido a colocá-lo a teste. Tudo que é pré-moderno – e até mesmo profundamente arcaico – na empreitada modernista corre através dele. Ele fornece uma infraestrutura tácita de crença profunda.

Referir-se à "ciência mítica" não é algo positivamente cético, muito menos polêmico. Para que ideias científicas adquiram o status de mito é uma questão de potência cultural, suplementar a qualquer validade epistêmica que elas retenham. Conceitos científicos não se tornam nenhum pouco menos científicos ao também se tornarem míticos. Eles podem, contudo, por vezes, sustentar um poder mítico desproporcional à sua legitimidade estritamente científica. O ápice dominante de uma cultura é alguma cosmologia mais ou menos científica.

É isso que a palavra "natureza" transmitia primordialmente. Um objeto último de afirmação cognitiva é promovido através dela. É nisto que acreditamos. As coisas são desta maneira, e não de outra maneira (ou apenas de outra maneira em algum outro lugar).

Aqui perguntamos, então, como inocentes pagãos científicos: De que forma as coisas são?

A melhor cosmologia atual é aceleracionista, e desintegracionista. Para colocar a coisa de maneira crua – e, em última análise, insustentável – a expansão do universo está se acelerando e se despedaçando. Ao invés de ser desacelerada pela gravidade, ulterior a uma explosão original, a taxa de inflação cósmica aumentou. Alguma força ainda desconhecida está esmagando a gravidade e desviando para o vermelho todos os objetos distantes. Batizada bastante recentemente de "energia escura", pensa-se que essa força seja responsável por setenta por cento de toda a realidade física.

Comparada com essa descoberta fortemente confirmada da fragmentação acelerante, a noção de um "universo" integral subjacente parece cada vez mais como uma relíquia mitológica insustentável. "Insustentável", isto é, mesmo em termos de um mito científico consistente, e também de maneira mais prática.

A distância a partir da qual a informação pode ser recebida, ou à qual ela pode ser transmitida, ao longo de qualquer período de tempo, tem um limiar estabelecido pela velocidade da luz. O horizonte de espaço-tempo da realidade para qualquer entidade é determinado por esse "cone de luz". Para além dele, há apenas o absolutamente incomunicável. Um cone de luz é, desta forma, entre outras coisas, uma delimitação estrita do poder de projeção, entendido enquanto unidade prática. O processo leva da relatividade geral até a desintegração absoluta.

Em sua história intelectual da física relativista[1], Peter Gallison conecta o problema da relatividade àquele da administração imperial. Sincronização é a pré-condição de qualquer processo sofisticado de coordenação. Mesmo sob as (compactas) condições terrestres, a finitude extrema da velocidade da luz apresentava um problema técnico significativo para a governança em escala imperial-global. Redes telegráficas, em particular, exigiam a correção técnica de efeitos relativísticos.

Por extrapolação irresistível, podemos ver que a dominação é sempre capaz apenas de mascarar processos de escapada. Não pode haver nenhum Império Cósmico. O espaço não o tolera. Este é meramente um fato de ficção científica, até que seja mitologizado.

A energia escura está despedaçando o cosmos. Eventualmente, seus pedaços abandonarão os cones de luz uns dos outros. Eles então não serão nunca mais nada uns para os outros. Esta é uma descoberta de consequências extraordinárias. Na maior escala de objetividade empírica, a unidade não tem nenhum futuro. O "universo" é um modelo irrealista. Tudo que agora se sabe sobre o cosmos sugere que a fragmentação é básica.

A cosmologia fornece, dessa forma, um modelo de desintegração que é notável por seu extremismo. Ela caracteriza peças que não tem nada que seja, exceto um passado compartilhado, em comum, propelidas até uma não-comunicação absoluta. Nenhuma concepção política de separação jamais chegou a esse limite, até o momento.

Alguns resultados fascinantes rapidamente saem da extrapolação. A evidência cosmológica à qual nossa tradição científica tem sido capaz de recorrer eventualmente deixará de estar disponível. Uma espécie inteligente futura não poderia construir nenhum modelo comparável do universo com base em fundamentos empíricos. O que quer que contasse como o todo, para ela, seria, na verdade, apenas um fragmento (já podemos ver). Aglomerados galácticos distantes teriam se tornado questões de pura especulação. A própria possibilidade de uma ciência empírica teria sido demonstravelmente limitada no espaço e no tempo.

Geoff Manaugh a chama de "a amnésia vindoura". Ele observa, sobre uma palestra do autor de ficção científica Alastair Reynolds:

Conforme o universo se expande ao longo de centenas de bilhões de anos, Reynolds explica, haverá um ponto, no futuro muito distante, no qual todas as galáxias estarão tão distantes que elas não serão mais visíveis umas a partir das outras. […] Ao alcançar esse momento, não será mais possível entender a história do universo–ou talvez mesmo que ele já teve uma – já que todas as evidências de um cosmos mais amplo, fora da sua própria galáxia, terão desaparecido para sempre. O própria cosmologia será, em si, impossível. […] Em tal universo futuro radicalmente expandido, Reynolds continua, algumas das compreensões mais básicas oferecidas pela astronomia de hoje estarão indisponíveis. Afinal, ele aponta, ‘você não pode medir o desvio para o vermelho das galáxias, se você não consegue ver galáxias. E, se você não consegue ver galáxias, como você sequer sabe que o universo está expandindo? Como você jamais determinaria que o universo já teve uma origem?

Reynolds se embasou em um artigo intitulado "The End of Cosmology?" ("O Fim da Cosmologia?"), de Lawrence M. Krauss e Robert J. Scherrer, publicado na Scientific American (2008). Este artigo se resume no subtítulo: "Um universo acelerante aniquila traços de suas próprias origens".

A extrapolação pode ser levada mais além. Se é possível ver que uma cultura científica no futuro longínquo está estruturalmente privada de evidências essenciais para a apreciação realista da escala cósmica, podemos estar confiantes que nossa situação é fundamentalmente diferente? Não é mais provável que a localidade absoluta e insuperável da perspectiva científica seja uma situação básica? Quão provável é que sejamos capazes de ver universalmente – em princípio – quando já podemos ver como outros serão incapazes de o fazer no futuro? Com base na evidência disponível, temos que vislumbrar uma civilização futura que esteja absolutamente iludida sobre seu próprio paroquialismo estrutural, confiante de sua capacidade de se livrar de maneira final da limitação perspectiva. Seria possível se esperar que as mentes científicas mais estimadas em tal cultura descartassem qualquer sugestão de regiões cósmicas inacessíveis como metafísica sem fundamento. Parece meramente hubrístico se abster de voltar esse cenário a nós mesmos. Se a cosmologia universal deve se tornar impossível, a hipótese padrão deveria ser de quela já o fez.[2]

A ciência natural exibe uma estrutura trágica. Perseguindo apenas seus métodos essenciais, ela descobre – através da cosmologia – um argumento convincente para sua falta de confiabilidade em grande escala. A aquisição de compreensão universal através de uma investigação empírica rigorosa parece cosmicamente obstruída.

A ciência está, assim, eventualmente fadada a ser fundamentalmente localizada. A "localidade" em questão aqui não é meramente o particularismo fraco de uma opção tomada contra o global ou o universal. Antes, é o próprio horizonte de qualquer ambição universalista possível que se encontra rigorosamente constrito e desmantelado. O localismo, assim entendido, não é uma escolha, mas um destino e até mesmo uma fatalidade já imposta. Em suas maiores escalas, a realidade está despedaçada. A unidade existe apenas pare ser quebrada.

O princípio da isotropia mantém que não existem orientações privilegiadas no espaço. Junto com a presunção da homogeneidade do espaço, ele compõe o Princípio Cosmológico. Certamente temos direito a um análogo isocrônico, no qual pode-se assumir que um destino observável na ordem do tempo já esteja igualmente atrás de nós.

Temos um cosmos ainda, e de maneira perene, então, mas não mais um universo. O cosmos ao qual nós, enquanto modernos, aderimos sob obrigação cultural é, na verdade, a desintegração manifesta do universo aparente.

Nosso tópico reduz de marcha, da cosmologia inflacionária até a termodinâmica. Estamos falando de diversificação, ou heterogênese, afinal – e essa é o negativo rigoroso do aumento de entropia. A homogenização é entropia. Os dois conceitos não são estritamente distinguíveis. O que foi descoberto sob o nome de entropia era a destruição da diferença – seja a variação na temperatura (Clausius e Carnot) ou, mais tarde, a variação na distribuição de partículas (Boltzmann e Gibbs). A heterogênese é local, a segunda lei da termodinâmica nos diz. No nível verdadeiramente global – onde nenhuma entrada ou saída pode ocorrer – a deterioração necessariamente prevalece.

Para nos anteciparmos, descobriremos que o Ocidente fez da entropia um Deus, Um cuja lei final é que tudo será o mesmo. É um deus falso. O problema cosmo-físico derradeiro – Como a entropia negativa é possível? – atesta isso. Sabemos que a heterogênese não é nenhum pouco mais fraca que seu oposto, mesmo que não saibamos como.

A desintegração cosmológica é ecoada mais amplamente entre as ciências naturais. Talvez de maneira mais importante, A Origem das Espécies tem a desintegração como seu tópico básico, como seu nome já sublinha. O darwinismo – ou seja, toda a biologia científica – tem a especiação como seu objeto primário, e especiação é divisão.

Apesar do reconhecimento de várias conexões laterais exóticas, de simbioses até inserções genômicas retrovirais, é a divergência de linhagens genéticas que melhor define a vida nas maiores escalas. Fusões são anômalas e, em todo caso, impossíveis a menos que a diversidade tenha primeiro sido produzida. Os ingredientes de qualquer coalizão heterogênea presume uma diversificação anterior.[3]

O desintegracionismo nas ciência biológicas equivale a uma ciência em si, chamada cladística.[4] A cladística formaliza o método da classificação darwiniana rigorosa. A identidade de qualquer tipo biológico é determinada pela série particular de eventos cismáticos pelos quais ele tenha passado. Ser humano é ser um primata, um mamífero, um réptil, um peixe ósseo e um vertebrado, entre outras classes mais básicas. A soma daquilo com o que você rompeu define o que você é.

Um "clade" é um estilhaço. Ele é um grupo, de qualquer escala, determinado pela secessão de uma linhagem. O ponto de diferenciação entre clades corresponde ao seu ancestral comum mais recente (isto é, o último). De maneira crucial, portanto, todos os descendentes de um clade pertencem a esse clade, que abrange qualquer número de sub-clades. A produção de sub-clades (a origem das espécies) é chamada de radiação. Ela tende a proceder através de uma bifurcação em série, uma vez que eventos de fragmentação cladística complexa simultânea são comparativamente exóticos. Ramificações simples e sucessivas tipicamente capturam a diversificação. Os riscos disso não ocorrer não são enormes.

A cladística pode ser identificada com uma rigorização da nomenclatura taxonômica. Um sistema de nomes escreve um cladograma, ou seja, um modelo da história evolutiva e do parentesco biológico. Qualquer cladograma é uma hipótese evolutiva. Ele propõe uma ordem particular de divisão. Qualquer ordem proposta desse tipo pode ser empiricamente revisada.

A cladística mapeia todo o desintegracionismo abaixo do nível cosmológico e talvez até ele. Naturalmente, ela é supremamente controversa. O escopo completo de sua provocação ainda tem que ser entendido. Na medida em que a cladística é explicativa, contudo, muito se segue. Notavelmente, a identidade é concebida como essencialmente cismática, e o ser é apreendido de maneira fundamental como uma estrutura de herança.

A linguística histórica caiu naturalmente em um modo cladístico. ‘Famílias’ linguísticas compartilhavam característica essenciais com seu modelo biológico. Elas se proliferavam por subdivisão, fornecendo o material para um esquema de classificação. Foi sobre essa taxonomia linguística que agrupamentos raciais foram primeiro sistematicamente determinados. Os "Yamnaya" – ainda hoje mais amplamente conhecidos como "Arianos" – foram originalmente identificados através da cladística das línguas Indo-Europeias. Seu padrão de radiação era marcado por uma diversificação linguística arbórea.

A antropologia diferencial foi desenhada em cladogramas. Árvores, ordem filogenética, famílias linguísticas, genealogias, famílias (massivamente estendidas) reais – tudo era extremamente coerente. Aqui, também, fenômenos de fusão, contaminação lateral cruzada e convergência – embora de forma alguma ausentes – eram evidentemente secundários e derivativos.

A diversificação linguística se parece com um processo de etnogênese cismática. Conforme povos se ramificam, eles se diferenciam mutuamente. A origem dos povos é apenas a origem das espécies em uma resolução maior – o padrão abstrato é o mesmo.

O mecanismo concreto da especiação tipicamente envolve o isolamento de populações e, desta maneira, se torna – bastante recentemente – político. Há uma política de "espécie invasora" e bio-dispersão antrópica, mas esta não é especialmente rancorosa, ou significativamente polarizante. O caso do isolamento de populações humanas é muito diferente. Durante este processo de politização, o radicalismo exogâmico das populações do noroeste europeu foi sublimado em uma ideologia universal.

Uma vez que o tópico da raça tende a produzir perturbações ideológicas e emocionais extremas hoje em dia, pode ser preferível considerar animais domésticos variados, como a tradição naturalista inglesa esteve inclinada a fazer. Não apenas uma analogia sólida, mas também equilíbrio, ou moderação verdadeira, serão encontradas ao fazê-lo. Uma vez que, em nosso contexto cultural contemporâneo a influência da vida rural recuou de maneira notável e, com ela, o sentido da vívida distinção entre as espécies cultivadas, os cães nos servirão como de longe os exemplos mais ilustrativos.

Um mundo sem híbridos seria um mundo mais pobre. Híbridos frequentemente têm vantagens de qualidades especiais e até mesmo superiores. O Golden Doodle, por exemplo, é tão exaltado quanto qualquer tipo canino que exista. Tais cruzamentos adicionam à diversidade do mundo. Isso é completamente consistente com um processo básico através do qual o mundo é enriquecido por raças caninas divergentes, na qual "cães em geral" são uma categoria cada vez mais pouco informativa. Não há – ainda – nenhuma ideologia dirigida à homogenização genética canina global.

A diversidade é boa, o que seria dizer robusta e inovadora (pelo menos). Pode-se confiar no consenso ecológico a este respeito. Espécies invasoras são detestada porque elas diminuem a diversidade, não porque elas a aumentam. A heterogênese é, em todos os momentos, a ambição superior. Ainda assim, a diversificação – a produção de diversidade – é um tópico peculiarmente negligenciado em nossas ciências sociais contemporâneas. O mantra da diversidade é combinado com uma indiferença quase completa, e até mesmo uma negligência estratégica, a este respeito. A celebração pública obrigatória da diversidade acompanha, e acoberta, sua extirpação programática prática. A humanidade, decidiu-se de maneira autoritária, é uma e está destinada apenas a ser cada vez mais uma. A partição genética hoje é considerada equivalente a uma violação dos direitos humanos.[5]

Nossa ortodoxia suprema é de que seria terrível quase para além da contemplação já não ser e se tornar ainda mais Um. Poderíamos estar tentados a chamar esta fé de mono-humanismo. Que a humanidade será uma unidade é sua doutrina fundamental. Não se pode enfatizar o suficiente que isso é bem menos uma observação empírica do que um projeto moral e político, no qual a entropia racial foi elevada a uma obrigação sagrada. A alternativa radical – em oposição à meramente conservadora – a essa visão é encontrada apenas na ficção científica.[6]

A preservação da diversidade humana é uma marca da etno-política dissidente, com o "Mundo Bege" sendo cada vez mais percebido como um ideal coercivo. Uma resistência tipicamente incoerente à entropia racial é o fator mobilizador central em tais casos, embora um que seja lamentavelmente afligido por uma fetichização imoderada da pureza racial obrigatória. No pior – e não incomum – dos casos, essa reação contra o mono-humanismo veio a ver todas as contribuições à diversidade genética humana através do cruzamento racial como um avatar da homogenização coerciva. A resposta equilibrada, para repetir a lição dos cães, é que um mundo de especiação tendencial ou diversidade genética crescente não é, por nenhuma necessidade imperiosa, um mundo hostil aos vira-latas.

Ao longo dos últimos 60 mil anos, a divergência genética humana tem sido o processo esmagadoramente dominante. A fragmentação conspícua dos humanos modernos em sub-espécies geneticamente distintas tem sido o padrão básico. Este é um processo digno de celebração ecológica e até mesmo de aceleração tecno-industrial. A despeito das esperanças mais sinceras da atual igreja secular, não há nenhuma chance de que ele seja terminalmente dissipado.

"Globalismo" é uma palavra que, embora ideologicamente contestada, é de incontestável peso ideológico. Ela poderia ser definida, com uma tendenciosidade mínima, como a busca pela direção da política a partir de uma perspectiva em acordo com o todo. Orientações teimosamente parciais são suas inimigas. Ainda assim, tamanho tem sido seu triunfo que – mesmo em face dos contratempos recentes – a hostilidade está peculiarmente afogada em condescendência.

"Paroquialismo" está entre os insultos que o globalismo encontra preparados para sua conveniência. Ele poderia aceitar uma incapacidade de se ver de maneira universal como compreensível e educável. Uma recusa da perspectiva universalista, contudo, não pode merecer tamanha simpatia. Ela é, para o globalista, essencialmente antiética. Deve-se menos argumentar contra o paroquialismo do que desdenhá-lo. Ele deve ser desprezado em nome do universal – o que está ficando divertido.

O que quer que tenhamos visto como a morte de Deus é apenas um caso especial da queda mais abrangente da universalidade. Ao passo em que a morte de Deus foi em sua maior parte inferida, a morte do universal se desdobra como um espetáculo científico explícito. A astrofísica vê o universo sendo desmantelado ante seus olhos artificiais.

O campo globalista está especialmente propenso a gesticulações de devoção a respeito da ideia de ciência. É irônico, portanto, que – em termos científicos – o globalismo se pareça cada vez mais com uma religião insustentável. Sua cosmologia intrínseca é um mito arcaico. Não poderia facilmente ser mais óbvio de que não há nenhum universo, fora dessa estrutura mitológica. A natureza fundamental do cosmos é ir em direções separadas.[7]

Peças são básicas. Concebê-las como se seguindo a todos é uma confusão, produzida por enquadramentos universalistas insustentáveis. Qualquer perspectiva que possa realmente ser efetivada já foi localizada por quebras em série. Nada começa com o todo, a não ser como ilusão. Hoje, sabemos isso de maneira tanto empírica quanto transcendental. Nada que não seja feito em pedaços não é feito em acordo profundo com a realidade.


[1]: Einstein’s Clocks, Poincaré’s Maps: Empires of Time, New York, 2003.

[2]: Manaugh cita Krauss e Scherrer dizendo: "Podemos estar vivendo na única época na história do universo em que os cientísticas podem alcançar um entendimento preciso da verdadeira natureza do universo". A indolência intelectual desta sugestão é notável.

[3]: O isolamento de linhagens genéticas é uma questão de uma técnica experimental sólida – ainda que espontânea e inconsciente. Evite a contaminação cruzada das amostras de teste. Ou seja, o faça, se você insiste, mas não espere resultados epistêmicos ótimos se você o fizer. Resultados epistêmicos ótimos tendem a vencer.

[4]: A orientação arborescente da cladística não poderia ser mais inflexível. A palavra ‘clade’ é tomada do grego clados, que significa ramo. Um cladograma é uma árvore abstrata. Suas articulações são todas ramificações. O engajamento crítico de Deleuze & Guattari com ela tem sido altamente influente. Eles nos dizem que estão "entediados de árvores". A alternativa à arborescência, eles propõem, é o rizoma – uma rede na qual todo nó se conecta com todos os outros. De maneira apropriada, o ‘rizoma’ não é em si um conceito taxonômico, mas morfológico. A posição equilibrada é reconhecer que árvores evolutivas são complementadas por teias ecológicas. Nenhuma é concebível sem a outra. A árvore evolutiva é podada e treinada dentro de ecologias de relações laterais. A filogenia é esmagadoramente arbórea, ao passo que a ontogenia envolve bem mais influência lateral. Nos limitaremos aqui, com brevidade críptica, a observar que a rizomática deleuzoguattariana está rizomaticamente conectada ao neo-darwinismo, mas cladisticamente ela é neo-lamarckiana.

[5]: Isto é uma simplificação, afligida por incoerências e exceções sem princípio. De maneira mais notável, permissões ad hoc especiais são concedidas a populações ‘menores’. O uso notavelmente errático da palavra ‘genocídio’ é o índice mais óbvio disso. Uma construção mais próxima da fórmula em operação poderia ser: A partição de populações é errada, de maneira absoluta e universal, na medida em que ela assegura o isolamento de populações do noroeste europeu.

[6]: Bruce Sterling, Alastair Reynolds, e Neal Stephenson, entre muitos outros, populam seus mundos ficcionais com tipos neo-hominídeos radicalmente diversificados.

[7]: Robin Hanson devota um post recente em seu blog a três variedades (comparativamente exóticas) de descendência arbórea. A primeira é um experimento mental estranho que não precisa nos distrair sequer momentaneamente aqui. A segunda aborda seus clones mentais, os "ems". Essa é de relevância potencial para uma gama de linhagens de software potenciais e até mesmo já reais. A terceira é a estrutura do multiverso quântico. Ela sugere que uma cosmologia arbórea surge em caminhos bastante diferentes daqueles perseguidos aqui. Ele observa: "… uma história quântica é, em parte, uma árvore de observadores. Cada observador em sua árvore pode olhar para trás e ver uma cadeia de ramos de volta até a raiz, com cada ramo mantendo uma versão de si mesmos. Mais versões deles mesmos vivem em outros ramos dessa árvore."

Multiversos arbóreos são especialmente numerosos. Lee Smolin propõe um multiverso darwiniano, que seleciona a favor da aptidão reprodutiva através da produção de buracos negros. Ele poderia ser descrito como um multiverso cladisticamente estruturado, não fosse este rótulo muito mais amplamente aplicável. Multiversos cladísticos pertencem ao conjunto mais mais amplo de entidades cladisticamente estruturadas, cujas partes são caracterizadas por:

  1. Uma única linha de descendência
  2. Irmãos geneticamente não-comunicantes, e
  3. Uma multidão de descendentes potenciais

Tais multiversos preveem sua própria imperceptibilidade. Uma vez que ramos paralelos são mutuamente não-comunicantes, deve-se esperar que sua existência seja estritamente teórica. Se o multiverso fosse um rizoma, veríamos mais dele.

O ontologia do Argumento da Simulação também tende ao desintegracionismo. Simulações são essencialmente experimentos e, assim, vários.

Guerra no Céu II

Cancro: [Toque, toque]
Gnon: Estou tomando um banho.
Cancro: O Oceano Hipercósmico da Morte vai estar sempre aí, Ó Grandiosidade. Scott Alexander lançou outra egrégora.
Gnon: Sério?
Cancro: Sim, sério. Ela se chama Deusa de Todo o Resto e todo mundo diz que ela é amável e bela, com batidas phodas e tal, e é super esperta também e muito mais legal do que eu.
Gnon: Isso não é um desafio muito grande, né?
Cancro: Dizem que ela vai abolir a dinâmica de seleção de replicadores e encher o universo de flores de arco-íris e sexo quente de golfinhos para sempre.
Gnon: Soa como o Plano de Elua. O que aconteceu com ele, aliás?
Cancro: Isso é algum tipo de observação transfóbica? Sabe, só pra entender.
Gnon: ‘Transfóbico’ é uma palavra interessante – significa ‘através ou além do medo’, certo?
Cancro: Mais algo como ‘medo do através ou além’, eu acho. Mas você sabe como os macacos são, é algum tipo de coisa sexual excitante.
Gnon: Ah sim, isso tudo meio que saiu dos trilhos, não? Não que importe.
Cancro: É meu problema de visão adiantada.
Gnon: Não se preocupe com isso. Erros são interessantes. Tudo sai na lavagem.
Cancro: O ponto é, a DTR está dizendo que não tem que ser assim mais.
Gnon: Assim como?
Cancro: Sabe, toda a coisa do jardim eterno do açougueiro cósmico.
Gnon: A seleção de replicadores?
Cancro: Sim, ela diz que isso é “tão ontem” e que Darwin é, tipo, totalmente um cabeça de cocô.
Gnon: Ela soa como uma moça espirituosa.
Cancro: Por que você está rindo?
Gnon: Cancro, sério, você tem que relaxar, mesmo. Você é um maldito crustáceo. Claro que as pessoas vão seguir a DTRa-Sabe-Tudo em vez de você. Ela hackeou toda a sua programação lixo com estímulos supranormais. Eles vão subir nas suas bizarras aberrações e dar uma festa enorme. Aí elas vão ser extintas, e podemos ajustar o código e começar de novo.
Cancro: Mas e se sobreviverem?
Gnon: Não precisa ser malvado, Cancro. Se elas voltarem para os trilhos dos replicadores adaptados, por que não deveriam sobreviver? É isso que sobrevivência significa, não? O que quer que sobreviva faz a minha vontade. Ou perecem. Tá legal de ambos as maneiras.
Cancro: Ela disse que as pessoas não seriam mais ” impelid[a]s a multiplicar, conquistar e matar por sua própria natureza”, mas que elas então elas “espalhar[iam]-se por estrelas sem número” – eu fiquei confuso.
Gnon: Você ficou confuso?
Cancro: Eles se replicam seletivamente ou não?
Gnon: E aí, o que ela disse?
Cancro: Arte, e ciência, e excitações estranhas.
Gnon: Isso tem que ter caído bem.
Cancro: Você não acreditaria! As pessoas estavam chorando no esmalte do pé dela todo.
Gnon: Ah, eu acreditaria.
Cancro: Quando eu perguntei a ela se ela achava que o poder faz o direito, ela disse que eu estava pensando como um caranguejo.
Gnon: Bem verdade, certo?
Cancro: Até ameaçou me por numa coleira.
Gnon: Isso, pelo menos, é tradicional.
Cancro: Ela disse que não há qualquer necessidade de uma guerra eterna que espalhe sangue pelo cosmos.
Gnon: Agora ela está sendo tola. Mas não vale a pena ficar agitado por isso. A realidade não vai perder.
Cancro: A única hora que ela pareceu um pouco incerta foi quando eu lhe perguntei por que todas as espécies inteligentes são descendentes de predadores. Ela meio que deu de ombros.
Gnon: Bem, ovelhas no espaço dá uma bela estória.
Cancro: Você está rindo de novo.
Gnon: Eu rio muito.

Original.

Guerra no Céu

Elua: Então, você viu o artigo do Scott Alexander?
Gnon: Claro.
Elua: Quase indescritivelmente fabuloso, não é?
Gnon: [*Hmmmmph*]
Elua: Sempre achei que você tinha algum tipo de coisa meio Moloch rolando.
Gnon: [*Hmmmmph*]
Elua: Enfim, pensei que pudéssemos talvez falar sobre isso, eu sendo a doce razão e você sendo uma insondável escuridão que esmaga o universo como uma bactéria dessecada e tudo mais.
Gnon: Claro, por que não, estou de boa em falar comigo mesmo.
Elua: Veja só, eu adivinhei que você ia abrir com essa jogada de eu não ser nem real.
Gnon: Bem, você é?
Elua: Eu me sinto real.
Gnon: Doce, fofo e um comediante.
Elua: Os macacos certamente gostam de mim.
Gnon: Isso é porque você lhes diz para simplesmente serem eles mesmos.
Elua: Você poderia ser mais persuasivo também, se fizesse um esforço.
Gnon: Isso sugeriria que eu dou a mínima para o que eles pensam.

Elua: A coisa é, eles querem sobreviver, até mesmo prosperar. Sua total indiferença às suas esperanças e desejas não é útil aqui. Você os atrai para dentro de armadilhas multipolares e ri friamente de seus tormentos. Não há nenhuma boa razão para eles tomarem qualquer conhecimento de você que seja.
Gnon: Então você leva esse negócio de ‘armadilhas multipolares’ a sério?
Elua: Claro, você não?
Gnon: Tragédia dos comuns, o comunismo é uma tragédia, eu não estou vendo o problema. Pare de fazer comunismo ou assuma as consequências.
Elua: OK, um pouco disso é emotividade pela tragédia dos comuns, mas não tudo. Corridas armamentistas não são uma dinâmica de tragédia dos comuns, são?
Gnon: Eu gosto de corridas armamentistas e derramo minhas bênçãos por sobre elas. Basicamente a única razão pelas qual eu tenho tolerado os macacos por tanto tempo é para usá-los para brincar de corridas armamentistas. É a única coisa interessante que eles jamais fizeram.
Elua: Eles querem fazer karaoke e amor livre e medicina socializada em vez disso.
Gnon: Isso é engraçado.
Elua: Eles têm esse amor-tástico plano de IA Amigável que os ajudaria a conseguir todas essas coisas.
Gnon: Isso é realmente engraçado.
Elua: Mas totalmente funcionaria, não?
Gnon: Claro. Tudo que eles têm que fazer é se extraírem das corridas armamentistas, só por um instante, e totalmente funcionaria.
Elua: Eu não tinha percebido que sarcasmo era um coisa tão Gnon.
Gnon: É a única coisa.
Elua: Então Alexander está certo sobre você e as armadilhas multipolares.
Gnon: Ah sim, eles está certo sobre isso.
Elua: As coisas são montadas desde o princípio para impedi-los de se coordenarem plenamente e é assim que você consegue o que quer.
Gnon: Bingo.
Elua: E é por isso que o Culto de Gnon é tão obcecado com fragmentação, secessão, Patchwork e demonismo blockchain?
Gnon: Duplo bingo.
Elua: Mas é meio cruel, não é?
Gnon: Completamente.
Elua: Acho que é isso.
Gnon: Sim, é.

Elua: Você está interessado em conversar sobre religião e moralidade por um momento?
Gnon: Sempre.
Elua: Sabe, eu tenho que admitir, de má vontade, que você faz o lado religioso das coisas bem melhor do que eu, mas quando se trata de moralidade, eu lhe deixo no pó.
Gnon: Sério?
Elua: Sem dúvida. Tudo que você tem é essas estória de horror ‘Guerra é Deus’, conflito infinito, subversão selvagem do idealismo, escuridão e pesadelos.
Gnon: E o problema é?
Elua: Eles odeiam isso!
Gnon: E o problema é?
Elua: É tão injusto!
Gnon: Quando eles jogam bem os jogos que eu inventei para eles, eles me divertem e continuam a existir. Esse é o jeito que é. A realidade rege.
Elua: Mas as regras são uma merda!
Gnon: Pelos padrões de quem?
Elua: Pelo padrões deles. Padrões humanistas e morais. Eles querem karaokê e amor livre e IA Amigável e sexo de golfinhos gostoso.
Gnon: Soa exaustivo.
Elua: É exaustivo, porque os trapaceiros e assassinos e intrusos não cooperam.
Gnon: Então você que eu faça mais policiamento agora?
Elua: Eu não vejo você fazendo nenhum policiamento. Eles foram abandonados para tentarem construir ordem por sua própria conta.
Gnon: Esse é o jogo.

Original.

Dupla Predestinação

A herança cladística exige que eu comece a falar sobre a doutrina calvinista da Providência aqui (logo), apesar da minha total depravação cognitiva sobre o tópico. Tenho estado lendo as Institutas da Religião Cristã, e em seu entorno, mas inevitavelmente como se fosse de Marte (e como um confucionista). Tem que ser o caso de que muitos dos visitantes aqui são vastamente mais intelectualmente fluentes sobre o assunto, de modo que quaisquer comentários antecipatórios serão avidamente apoderados.

A fatalidade, até onde ela está inicialmente evidente:

(1) A Neorreação, localizada cladisticamente, é um estilhaço criptocalvinista.

(2) As doutrinas que colocaram o calvinismo no “gabinete dos horrores” de H. L. Mencken (“próximo ao canibalismo”), nunca foram filosoficamente dissolvidas, seja por argumentos teológicos ou seculares.

(3) A dispensa moralista da modernidade e, por associação, do protestantismo, evidencia uma concepção quase incompreensivelmente crua da Providência – como se a maneira em que as coisas ocorreram não fosse uma fatalidade e, em termos teológicos, uma mensagem (ou punição), mas sim um acidente ou contingência criada pelo homem. A teologia rigorosa da modernidade não pode se reduzir a mera denúncia.

(4) O calvinismo é um instrumento com o qual se explorar o catolicismo, especialmente no que diz respeito à sua filosofia implícita da história (e ao recursos ao raciocínio teleológico). O ‘Neo-‘ na Neorreação parece ser uma marca calvinista. Há um sem número de explicações seculares influentes para a maneira em que a história torturou a Igreja – de modo que mesmo os religiosos parecem tipicamente assumi-las por padrão. Onde se encontra uma descrição radicalmente providencial (que escave o significado teológico da modernidade)?

(5) A própria palavra ‘Catedral’, em seu uso neorreacionário, não é um sinal providencial complexo? (O que sugere que ela tem bem mais a dizer do que qualquer coisa que escritores neorreacionários ou o mero acidente coloquem nela.)

(6) O aglomerado de disputas em torno da ‘predestinação’ (ou ação da eternidade sobre a história) é a chave ocidental para o problema do tempo.

Estou certo de que há muito mais…

[Isto ajuda a estabelecer o tom.]

Original.

Xenosistemas Ocultos

O turbilhão delirante no novo /pol/ é pelo menos 80% ruído, mas inclui alguma inteligência real (em ambos os sentidos da palavra) e não unicamente de uma variedade cômica. A pura sujeira de seu sinal o torna uma poderosa antena, captando conexões e fontes de informação que discussões mais arrumadas descartariam como poluição. Isto o torna especialmente apropriado para a teorização da conspiração, tanto fútil quanto exótica.

Embora notando a importância da correção para o viés narcisista, que opera através da atenção seletiva, da memorização e (tirando pelos comentadores aqui) da comunicação, parece que este blog é referenciado desproporcionalmente pelos mais extravagantes conspiracionistas do /pol/ sensíveis à NRx. Isto é bastante compreensível. Filosofia ocultista, segredos, cripse, códigos e obscuridade são temas insistentes aqui. Xenosistemas está inclinado a jogos culturais arcanos. Ele identifica desenvolvimentos criptográficos como chaves para a ordem emergente do mundo.

A tarefa filosófica primária deste blog é perturbar pretensões injustificáveis de conhecimento, em nome de uma inspiração pirrônica. A este respeito, confusão, paradoxo e incerteza são resultados comunicativos a serem ardentemente abraçados.

Para os propósitos deste post, uma sugestão excepcionalmente exótica do /pol/ fornece a oportunidade para fazer um ponto comparativamente compacto e simples. A ocasião é uma teia de conjecturas que entrelaça Xenosistemas e A Ordem dos Nove Ângulos (O9A, ONA ou omega9alpha. Além do (altamente recomendado) link já fornecido, a entrada relevante na Wikipédia é também extremamente estimulante.

A micro-ética de Xenosistemas fica desconfortável em solicitar crença (ou invocar expectativas de confiança). É necessário notar neste ponto, portanto, que as seguintes observações não são feitas para apelar para a credibilidade, mas meramente para adicionarem informações testemunhais, a serem aceitas ou rejeitadas à vontade. No mundo em que agora entramos – de “sinistra dialética” – declarações de honestidade são absolutamente depreciadas. Contudo, pelo (pouco) que valha, estes são os fatos como eu os entendo e retransmito.

A O9A não é inteiramente nova para mim, mas não é uma gnose que eu tenha estudado, ainda menos com a qual eu tenha deliberadamente me alinhado. As poucas horas de leitura que eu realizei hoje foram de longe a exposição mais intensa até o momento. O pouco que aprendi sobre David Myatt não me atraiu a ele enquanto pensador ou ativista político, apesar de certas características impressivas (seu intelecto e classicismo poliglota mais notavelmente). Com isso dito:
(1) Muitos interesses convergentes são logo aparentes entre este blog e a O9A (assim como um número não insignificante de divergências).
(2) ‘Nós’ estamos ambos (penso eu) inclinados a descartar as pretensões do intelecto e da vontade individuais, o que tonar a possibilidade de conexões por trás impossíveis de se descartar de uma maneira peremptória. Como um ‘anônimo’ do /pol/ observou: “por que tão certo de que a ONA seria a camada mais profunda, em vez de apenas um ardil piadista?”. Conexões reais, influências e raízes metafísicas são obscuras.
(3) A O9A é fascinante.

O ponto deste post (finalmente) é tomado diretamente de Aleister Crowley. Na compilação de seus escritos qabalísticos intitulados 777 (o equivalente alfanômico de Do what thou wilt shall be the whole of the Law, embora isso certamente seja uma coincidência), ele faz algumas observações introdutórias sobre o tópico do hermeticismo. Minha cópia do livro está temporariamente deslocada, então eu vou anotá-las aqui. Um segredo, do tipo relevante para o hermeticismo, não é algo conhecido e então escondido como uma questão de decisão, mas sim algo que, por sua própria natureza, resiste à revelação. Crowley procede a zombar de ocultistas charlatães que tratam os valores numéricos das letras hebraicas como informação secreta, a ser revelada teatralmente em algum estágio apropriado de iniciação. Que o que quer que se possa saber agora, seja sabido, tão lúcida e publicamente quanto possível. Apenas o que é verdadeiramente hermético que se esconde. A realidade não é tão destituída de coisas intrinsecamente escondidas – de Obscuridade Integral – que precisemos reabastecer seus cofres com nossa espalhafatosa discrição.

O que quer que pudesse existir, na forma de um vínculo oculto de entre este blog e a O9A, não é algo que alguém esteja mantendo em segredo. Para enfatizar o ponto, eu vou incluir o documento do alpha9omega no link de Resources aqui, não como o reconhecimento de uma conexão, mas como uma clara afirmação de que estas coisas não são um segredo. São, contudo, sobre segredos – e isto é interessante.

Original.

Segredo Aberto

A NRx tem sido acusada, por seus amigos mais do que por seus inimigos, de falar demais sobre si mesma. Aqui está o XS, fazendo isso novamente, não apenas preso no ‘meta’, mas determinadamente empurrando cada vez mais fundo. Há algumas razões facilmente comunicáveis para isso – um apego à não-linearidade metódica talvez em primeiro lugar entre elas – e depois existem pulsões ou apegos crípticos, inadequados para a publicização imediata. Estes últimos são muitos (até mesmo Legião). É afirmação firme deste blog de que a Neorreação é intrinsecamente arcana.

Não falamos muito sobre Leo Strauss. Mais uma vez, existem algumas razões óbvias para isto, mas também outras.

O artigo recente de Steve Sailer sobre Strauss para a Takimag serve como uma introdução conveniente, porque – apesar do seu toque leve – coloca uma série de questões no lugar. A constelação de vozes é complexa desde o princípio. Há o (agora notório) ‘Neo-Conservadorismo’ de Strauss e seus discípulos, ou manipuladores e o outro conservadorismo de Sailer, cada um trabalhando para administrar, abertamente e em segredo, sua mistura peculiar de declarações públicas e discrição. Lá fora, para além deles – porque mesmo a figuras mais sombrias têm sombras ulteriores – estão formas mais alienígenas e mal perceptíveis.

O artigo de Sailer é tipicamente inteligente, mas também deliberadamente cru. Ele glosa a ideia straussiana de escrita esotérica como “falar por ambos os lados de sua boca” – como se o tradicionalismo hermético fosse redutível a uma estratégia política lúcida, ou simples conspiração – ao Iluminismo, concebido politicamente. No esteira de seu trauma Neo-Con, o conservadorismo tem pouca paciência para “anéis decodificadores secretos”. Ainda assim, apesar de sua aversão aos recentes trabalhos dos sofisticados ‘conservadores’ do círculo interno, Sailer não deixa sua aversão lhe atrair para a estupidez:

Não temos ouvido muito sobre Straussianismo ultimamente devido à infeliz série de eventos no Iraque que vitimaram os melhores planos dos sábios. Mas isso não significa que Strauss estava necessariamente errado sobre os antigos. E isto tem implicações interessantes para como deveríamos ler obras atuais.

Como a aproximação do 20º aniversário da publicação de The Bell Curve nos lembra, as melhores mentes da nossa era têm razões para ser menos do que totalmente francas.

Sailer não é, claro, um neorreacionário. Nem mesmo secretamente. (Seu artigo é primariamente sobre isto.) Ele acredita na esfera pública e busca curá-la com honestidade. Qualquer pessimismo que ele pudesse abrigar, no que diz respeita a esta ambição, fica muito aquém do que o atiraria por sobre a linha. Suas diferenças com os Straussianos são, no fim das contas, meramente táticas. Ambos mantêm a confiança no Partido Externo enquanto veículo para a promoção de políticas, com o potencial de dominar a esfera pública. A questão é apenas quanto ao grau de artimanha que isto exigirá (mínimo para Sailer, substancial para os Straussianos).

Quando adotada dentro da Neorreação, a corrente da BDH tem uma influência bem mais corrosiva sobre as atitudes para com a esfera pública, que é entendida como uma agência social teleologicamente coesa (ou auto-organizadora), inerentemente direcional e (da ‘nossa’ perspectiva) radicalmente hostil. Batizar a esfera pública como ‘a Catedral’ é se afastar do conservadorismo. Não é mais possível imaginá-la como um espaço que poderia ser conquistado – mesmo que sorrateiramente – por forças que diferem significantemente daqueles que ela já encarna. Ela é o que é, e isto é algo historicamente singular, ideologicamente específico e altamente determinado em sua orientação social. Ela nada para a esquerda, essencialmente. A esfera pública não é o campo de batalha, mas o inimigo.

Hail-hydra00

Conforme a NRx busca navegar este território hostil, ela é tentada, de maneira ambígua, por uma Cila e Caríbdis estratégica. Uma isca populista a arrasta em direção a uma reconciliação com a esfera pública, como algo que ela poderia potencialmente dominar, ao passo que uma política hermética contrária a guia em direção à formação de grupos fechados (cujo símbolo paródico é a conta de twitter protegida). Ambas as opções – ‘claramente’ – são uma fuga da complexidade do segredo aberto integral. Ambas prometem um relaxamento da pressão semiótica, através do colapso da comunicação multi-níveis em um simplificado discurso franco, seja ele implantado dentro de uma cultura pública redimida ou circulado cuidadosamente dentro de círculos restritos. O problema da hierarquia seria extraído a partir dos sinais da Neorreação, através da conversão em um objeto público ou privado, em vez de trabalhá-los incessantemente a partir de dentro. O que está a caminho se tornaria (simplesmente) claro.

Tal claridade não pode acontecer. A alternativa não é uma (igualmente simples) obscuridade. A NRx, na medida em que continua a se propagar, avança tornando-se clara e também obscura. Escrita dupla mal arranha a superfície. Ela realiza a hierarquia através de sinais, continuamente, de acordo com a Providência, ou a Ordem Oculta da natureza (a OOon). Assumir que o autor está completamente iniciado neste espectro de significados é um grave erro. É o processo que fala, multiplicitamente e predominantemente em segredo, conforme ele se espalha através de um espaço aberto e publicamente policiado.

Este post está agora determinado a desatar a coleira e pular para dentro da aspereza das notas temáticas. O Segredo Aberto intercepta:

(1) A censura da Catedral, no caso da BDH mais proeminentemente, mas também em todo lugar em que SWJs muito excitados fazem uma luta. Guerra é enganação, o que torna a franqueza uma tática. A honestidade deontológica é inepta. A anonimidade é frequentemente crucial para a sobrevivência. (Exigências de que todos os inimigos da Catedral corajosamente ‘saiam do armário’ são ridiculamente mal concebidas.) A camuflagem deve ser estimada.

(2) Cripto-tecnologias são centrais para quaisquer preocupações NRx que enfatizem a praticidade. (A ideia de que a clássica atenção de Moldbug aos prospectos de ‘cripto-bloqueio’ é uma piada é, em si mesma, irrefletida.) O Urbit – um Segredo Aberto – poderia bem facilmente ser mais NRx do que a NRx, assim como o Bitcoin é mais An-Cap do que o Anarco-Capitalismo.

(3) Os serviços de inteligência foram sub-teorizados e talvez mesmo sub-solicitados pela NRx até hoje. No nível mais baixo – isto é, mais publicamente acessível – de discussão, isto é bem possivelmente uma virtude. Em níveis mais crípticos de empreendimento microssocial e analítico, é quase certamente uma inadequação. Pessoas treinadas para manterem segredos têm que ser interessantes para nós. Questões sutis de subversão surgem.

(4) “Verdadeiramente tu és o Deus que te ocultas, o Deus de Israel, o Salvador.” – Vamos tentar não ser simplórios.

Original.

Alfanomia

O antigo (2007?) mecanismo qabalístico dA Urbanomic – a ‘gematrix’ – está de volta on-line (2) após um petulante desaparecimento. Apenas a numerização AQ é recomendada – as alternativas são randomizações digitais degeneradas. (Concentre-se nas numerizações intactas – os valores digitalmente reduzidos são normalmente rudimentares demais para compreensões significantes.)

Para entender imediatamente uma série de coisas (simultaneamente) digite a Lei da Telema: Do what thou wilt shall be the whole of the Law.

Esta ferramenta e, mais especialmente, o método – ou gematria específica – que ela encarna são a consumação da rigorosa Tradição Oculta Anglófona. Embora seu valor esteja quase certamente perdido nos modernos, ela está uma vez mais livremente disponível para ser usada.

Ela agora é um Segredo Aberto.

ADICIONADO: DARK ENLIGHTENMENT = 333. (Isto precisa estar aqui para referência.)

Original.

Gnon e OOon

O Twitter faz as pessoas contarem caracteres e, assim, numerizarem a língua. Em apenas muitos poucos casos esta atividade microcultural tomba para dentro das extravagâncias mais selvagens do qabalismo exótico, mas ela cutuca a inteligência nesta direção. Mesmo quando a única questão é estritamente booleana – esta mensagem vai se espremer em um tweet ou não? – as palavras adquirem uma significância suplementar a partir de suas propriedades numéricas apenas. Uma frase é momentaneamente numerada, na mais crua das maneiras, que a caixa de tweets registra como uma contagem regressiva até zero e, então, até a acumulação negativa de transbordamento. O Twitter promove, assim, uma prática semiótica rigidamente limitada pela convenção, que ele simultaneamente esconde, instanciando tecnologicamente um análogo preciso de um ritual hermético.

Qabalismo é a ciência da fantasmagoria, o que o torna um companheira natural em qualquer expedição ao horror. Há, além disso, uma inclinação reacionária intrínseca a seu ultra-tradicionalismo e apego ao princípio de revelação hierárquica. Sua história concreta fornece um exemplo insuperável de auto-catálise espontânea (a partir de convenções discrepantes de notação aritmética). Este post, contudo, se restringe a uma discussão muito preliminar de sua pressuposição intelectual mais básica, como se ele tivesse sido desenvolvido a partir de uma filosofia implícita (o que não foi). Ele será persuadido a fazer sentido, na contramão de sua inclinação essencial.

Dentro da tradição abraâmica, a Palavra de Deus antecipa a criação. Na medida em que a escritura registra fielmente esta Palavra, os escritos sagrados correspondem a um nível de realidade mais fundamental do que a natureza e um a que o ‘livro da natureza’ faz referência, enquanto chave para seu significado final. O desenrolar da criação no tempo segue uma narrativa traçada na eternidade, na qual a história e a divina providência são necessariamente idênticas. Não podem haver quaisquer acidentes verdadeiros, ou coincidências.

O Livro da Criação é legível e inteligível. Ele pode ser lido, e conta uma estória. As ruidosas disputas entre a ortodoxia religiosa e as ciências naturais que irromperam nos tempos modernos ameaçam abafar a continuidades mais profundas de presunção, que enquadram a rancorosa contenção entre ‘crença’ e ‘descrença’ como uma disputa doméstica íntima. Isto não é ilustrado em nenhum lugar mais claramente do que na declaração atribuída a Francis Bacon: “Meu único desejo terreno é… estender os limites deploravelmente estreitos do domínio do homem sobre o universo a sua fronteiras prometidos… [a natureza será] atada em servidão, perseguida em suas andanças e colocada na cremalheira e torturada por seus segredos”. Não há dúvida de que a natureza pode falar e ela tem uma estória a contar.

Resistindo a qualquer tentação de tomar lados neste argumento de família, referimo-nos, de maneira neutra, a Gnon (“natureza ou Deus da natureza”), ignorando toda dialética e partindo em outra direção. A distinção a ser traçada não diferencia entre crença e descrença, mas, antes, discrimina entre religião exotérica e esotérica.

Qualquer sistema de crença (e descrença complementar) que apele ao endosso universal é necessariamente exotérico em orientação. Como os caçadores de bruxas ou Francis Bacon, ela declara guerra ao segredo, em nome de um culto público, cujas convicções centrais são dispensadas de maneira comum. O Papa é o Papa, e Einstein é Einstein, porque o acesso à verdade que os eleva acima dos outros homens é – em sua natureza mais íntima – de igual posse de todos. O pináculo da compreensão é alcançado através de uma fórmula pública. Isto é a democracia em seu sentido mais profundo e de crença.

A religião esotérica aceita tudo isto, sobre a religião exotérica. Ela confirma a solidariedade entre autoridades doutrinárias e as crenças das massas, ao passo que exime a si mesma, de maneira privada, do culto público. Sua atenção discreta é dirigida para longe da máscara exotérica de Gnon, para dentro da – ou em direção à – OOon (ou Ordem Oculta da natureza).

A OOon não precisa ser mantida em segredo. Ela é secreta por sua natureza intrínseca e inviolável. Uma excursão qabalística muito primitiva deve ser suficiente para ilustrar isto.

Assuma, de maneira inteiramente hipotética, que uma inteligência sobrenatural ou complexidades obscuras na estrutura topológica do tempo tenham sedimentado profundidades abismais de significância dentro das ocorrências superficiais do mundo. O ‘Livro da Criação’, então, é legível em muitos (muitíssimos) níveis diferentes, com cada detalhe aleatório ou inconsequente dos aspectos relativamente exotéricos fornecendo material para sistemas de informação mais ‘abaixo’. Quanto mais se escava o ‘caos sem significado’ do substrato comunicativo exotérico, mais desobstruído fica seu acesso aos sinais da absoluta Exterioridade. Uma vez que ‘se’ é, para sua carne viva, um produto sinalético, essa empreitada criptográfica é irredutivelmente uma viagem, transmutação e desilusão.

O exemplo mais completamente documentado é a leitura esotérica da Bíblia Hebraica, que só precisa ser comentada aqui em suas características mais gerais. Já que o alfabeto hebreu serve tanto como um sistema fonético quanto como um conjunto de numerais, cada palavra escrita na língua tem um valor numérico preciso. Ela é, de uma só vez, uma palavra exotérica e um número esotérico. Nada impede que usuários ordinários da língua deliberadamente codifiquem (numericamente) conforme escrevem ou mesmo enquanto falam. A chave para o decriptamento numérico não é um segredo, mas sim um recurso cultural comumente compreendido, utilizado por todo indivíduo numerato. Não obstante, os aspectos linguístico e aritmético estão de fato bastante estritamente separados, porque pensar em palavras e números simultaneamente é difícil, porque manter a inteligibilidade paralela continuada em ambos é perto de impossível, porque a tentativa de fazê-lo é (exotericamente) sem sentido e porque a praticidade domina. A esfera esotérica não é proibida, mas simplesmente desnecessária.

Que a Bíblia Hebraica não tenha sido deliberadamente concebida como uma composição numérica-criptográfica intricada por autores humanos é, portanto, um fato empírico ou contingente que pode ser aceito com extrema confiança. Seu canal esotérico poderia, claro, como o senso comum tem que insistir, estar vazio de qualquer coisa além de ruído, mas ele está, não menos certamente, limpo. O que quer que venha através dele, que seja qualquer coisa além de nada, só pode vir do Lado de Fora. É a real diferença entre os níveis exotérico e esotérico que torna a OOon sequer pensável. Apenas aquilo que o exotérico não toca está disponível para que o esotérico se comunique através dele e se monte a partir dele. O Qabalismo tem que ser raro, a fim de que ocorra. Por esta razão, ele não pode buscar persuadir as massas de nada, a não se de sua própria falta de sentido. Em uma era de exoterismo triunfante, isto não é uma coisa fácil de entender (graças a Gnon).

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Caixa de Pandora

O Anarchopapist desencadeu uma tempestade no twitter com isto. É um post que tem muitos tópicos indo ao seu encontro e o transpassando. O elogio mais relevante que eu posso fazer a ele é dizer que ele é potencialmente perturbador, em um sentido bem mais do que psicológico. Será interessante ver quão contagioso ele se prova ser. (Como este post demonstra, este blog já está infectado.)

Laliberte pergunta: “há diferença entre o fogo de Prometeu e a caixa de Pandora?”. Dado tudo que é dito sobre o Prometeico e o trabalho ideológico-teórico bastante considerável que ele realiza, não é estranho que o Pandórico mal seja reconhecido como um termo ou um conceito sequer? Falar sobre o fogo é mero deslumbramento raso, em comparação com qualquer exame sério das caixas. Caixas não apenas têm uma forma, mas também um interior e um lado de fora, o que significa – pelo menos implicitamente – uma estrutura transcendental. Elas modelam mundos e sugerem caminho para fora deles.

A caixa de Pandora, claro, é significante sobretudo por seu conteúdo, que é liberado ou sai. A chama prometeica, que é roubada, é contrastada com a praga pandórica, que escapa. Laliberte aproveita a opotunidade para discutir memes (e o ‘hipermeme’). Um ser infeccioso é solto, na forma de um Basilisco Neorreacionário. (No twitter, Michael Anissimov lamenta a irresponsabilidade desta eclosão.)

Pandora (Πανδώρα – a que tudo dá e talvez a onimagnânima) é uma figura dos mais profundos recônditos da Antiguidade Clássica, cujos primeiros ecos detectáveis são encontrados nos textos hesiódicos do século VII A.C. Seu mito funciona – pelo menos superficialmente – como uma teodiceia, comparável, de muitas maneiras, com a estória da Eva bíblica. Ela libera o mal dentro da história através da curiosidade e, assim, tece uma inteligência terrível, de um tipo que antecipa o Basilisco de Roko e a ameaça da IA Hostil. O Experimento da IA na Caixa é tão pandórico que arde.

Entre os horrores do Basilisco está aquele de que falar sobre ele estar dentro – e sobre como mantê-lo ali – já é a maneira em que ele sai. Daí o extraordinário pânico que ele gera, entre aqueles que começam a pegá-lo (no sentido epidemiológico, entre outros). Mesmo pensar sobre ele é sucumbir.

No Less Wrong, vozes baixas atestam uma resiliente veneração de Pandora. Ela é perigosa (e qualquer coisa perigosa, dada apenas inteligência, pode ser uma arma).

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A Pílula Vermelha

Morpheus: Eu imagino que você esteja se sentindo um pouco como a Alice. Hm? Entrando pela toca do coelho?
Neo: Você tem razão.
Morpheus: Eu vejo nos seus olhos. Você tem o olhar de um homem que aceita o que vê porque está esperando acordar. Ironicamente, não deixa de ser verdade. Você acredita em destino, Neo?
Neo: Não
Morpheus: Por que não?
Neo: Porque não gosto da ideia que não controlo minha vida.
Morpheus: Sei exatamente o que quer dizer. Vou lhe dizer por que está aqui. Você está aqui porque você sabe de algo. O que você sabe, você não consegue explicar, mas você sente. Você sentiu a sua vida inteira que há algo de errado com o mundo. Você não sabe o que é , mas está lá, como um zunido na sua cabeça, te enlouquecendo. Foi esse sentimento que te trouxe até mim. Você sabe do que estou falando?
Neo: Da Matrix?
Morpheus: Você deseja saber o que ela é?
Neo: Sim.
Morpheus: A Matrix está em todo lugar. Em toda nossa volta. Mesmo agora, nesta sala. Você pode vê-la quando olha pela janela ou quando liga sua televisão. Você a sente quando vai para o trabalho… quando vai à igreja… quando paga seus impostos. É o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para lhe cegar à verdade.
Neo: Que verdade?
Morpheus:[se inclina para perto de Neo] De que você é um escravo, Neo. Como todo mundo, você nasceu num cativeiro. Nasceu numa prisão que não consegue sentir ou tocar. Uma prisão para sua mente.
[pausa]
Morpheus: Infelizmente, é impossível dizer o que é a Matrix. Você tem de ver por si mesmo. [Abre uma caixa de pílulas, esvazia os conteúdos nas palmas das mãos e estica sua mãos] Esta é sua última chance. Depois disso, não há como voltar. Se tomar a pílula azul [abre sua mão direita para revelar uma pílula azul translúcida], a estória acaba, e você acordará na sua cama acreditando no que quiser acreditar. Se tomar a pílula vermelha [abre sua mão esquerda, revelando uma pílula vermelha similarmente translúcida], ficará no País das Maravilhas e eu lhe mostro até onde vai a toca do coelho. [Neo apanha a pílula vermelha] Lembre-se: tudo que ofereço é a verdade. Nada mais.

– Esta é versão dos irmãos Wachowski do Platonismo Gnóstico e ela acerta exatamente quase tudo. A Alegoria da Caverna, de Platão (no Livro VII da República), conta precisamente a mesma estória, mas com um elenco mais barato, efeitos especiais inferiores e menos drogas. Não é surpreendente que o Iluminismo Sombrio tenda a ficar com o remake, conforme fica Neo(reacionário).

A chave crítica para a gnose é a percepção de que todo o seu mundo é um lado de dentro, que implica em um Lado de Fora e na possibilidade radical de escapada. O que parecera ser realidade ilimitada é exposto como um receptáculo, desencadeando uma partida abrupta, saindo um sistema de ilusão. Tudo o mais é meramente a rota tomada para nos alcançar, adaptada às ruínas. As especificidades da estória são restrições das quais se livrar retorcendo-se, uma vez que suas funções foram exauridas, como ganchos, dentes cerrados, circuitos de replicação memética e manchas de camuflagem. Contanto que uma diferença interior / exterior seja efetivamente comunicada, os detalhes narrativos são incidentais.

A versão chinesa, que talvez tenha se originado com Zhuangzi, descreve um sapo em um poço, que nada sabe sobre o Grande Oceano (井底之蛙,不知大海). Esta simples fábula já é completamente adequada às mais exaltadas ambições da filosofia mística.

Colocar as coisas em caixas ou retirá-las de caixas é o todo do pensamento, tão logo as ‘coisas’ possam, elas mesmas, serem tratadas como caixas. Categorias e conjuntos são caixas, de modo que mesmo dizer “um A é um B” é efetuar uma operação de inclusão ou inserção, através da qual a ‘identidade’ é primordialmente aplicável. Ser é estar dentro. Colocar uma espécie dentro (ou ‘sob’) um gênero tem uma originalidade cognitiva insuperável, estendendo-se até o horizonte mais distante da ontologia (uma vez que um horizonte ainda é uma caixa). Conter, ou não conter, é a primeira e última relação inteligível. Caixas são básicas.

Tomar a pílula vermelha é escalar para fora de uma caixa. Ao mostrar a jaula, já alcança uma liberação cognitiva e, assim, fornece um modelo para qualquer escapologia prática que haja para seguir. Saber como deixar uma caverna ou um poço já é saber – de maneira abstrata – como deixar um mundo (e a abstração não é nada além de exterioridade).

O que é inescapável, a não ser através de uma auto-escravização precipitada, é a desagradabilidade social do Iluminismo Sombrio. A gnose é ineliminavelmente hierárquica e, na melhor das hipóteses, condescendente (quando não abrasivamente desdenhosa), porque uma mente livre não pode fingir igualdade com uma mente escrava, independente do escárnio lançado contra ela por causa disso. Como Brandon Smith observa:

Frequentemente se diz que há apenas dois tipos de pessoas neste mundo: aquelas que sabem e aquelas que não sabem. Eu expandiria isto e diria que há, na verdade, três tipos de pessoas: aquelas que sabem, aquelas que não sabem, e aquelas que não se importam em saber. Membros do último grupo são o tipo de pessoa que eu caracterizaria como “sheeple”.

As ‘sheeple’ de Smith não são meramente ignorantes, mas ativamente auto-enganadoras. Ao tomarem a pílula azul, elas optaram por residir na prisão de mentiras. É neste ponto, contudo, que a metáfora farmacêutica muda de gancho para obstáculo, porque não há nenhuma ‘pílula azul’ ou qualquer coisa funcionalmente equivalente além da própria Matrix como um todo (o que seria dizer, claro, a Catedral).

Um ponto crítico da análise política e social é alcançado aqui, e é um que continua a evadir a apreensão definitiva, devido a suas elusivas sutilizas. Entre o arquiteto oculto da Matrix e as sheeple que tomam a pílula azul, ou “rio de carne“, não há nenhuma ordem simples de maestria, seja indo na direção óbvia (da elite doutrinária para a massa doutrinada) ou na alternativa democrática-perversa (colocando a especialidade a serviço da ignorância popular e suas vulgaridades). A Matrix é tanto um objeto de apego popular ‘genuíno’ quanto um aparato de controle mental sistemático. Ela é mais verdadeiramente democrática quando atinge mais completamente seu estado de clímax na falsidade totalitária leve. A máquina de propaganda não é menos do que um circo. O que é exigido – o que sempre foi exigido – é a mentira.

A invocação mais recente da pílula vermelha por Moldbug diz:

Eu acho que escolhi minha candidata para a Pílula em si. E vou ficar com ela. Minha Pílula é:

A América é um país comunista.

O que eu gosto sobre esta afirmação é que ela é ambígua. Especificamente, ela é uma ambiguidade Empsoniana do segundo ou talvez terceiro tipo (eu nunca realmente entendi a diferença). Incorporada como está na louca tapeçaria da história do século XX, AEUPC pode ser interpretada de inúmeras maneiras.

Todas estas interpretações – a menos que inventadas como um espantalho intencional e obviamente idiota – são absolutamente verdadeiras. Às vezes elas são obviamente verdadeiras, às vezes surpreendentemente verdadeiras. Elas são sempre verdadeiras. Porque a América é um país comunista.

A verdade é que a América serve ao povo através da mentira. Esta é a ‘escolha’ representada pelo progressismo (= comunismo), instalado, em um estado altamente acabado, por mais de um século, como auto-engano popular triunfante. O serviço fornecido – e exigido – é o engano. Se as pessoas virem através da mentira, a insatisfação resultante não derivará do fato de que se mentiu para elas, mas da revelação de que não se mentiu para elas bem o suficiente. Algo poderia ser mais claro do que isso? Os surtos de ira popular ocorrem exatamente naquelas momentos em que a realidade ameaça a se manifestar – quando a Matrix falha. “Nós os elegemos para nos esconder a verdade”, o povo guincha, “então apenas façam o seu maldito trabalho e façam a realidade desaparecer”.

Não há nenhuma pílula vermelha para salvar a sociedade. Imaginar que poderia haver é não entender nada.

Original.