O Problema de Fertilidade da Modernidade

A ala tecno-comercial da blogosfera neorreacionária tem um óbvio carinho pelas cidades estado do Círculo do Pacífico. Singapura, junto com Hong Kong (uma ‘Região Administrativa Especial’ da RPC que retém aparatos significativos de autonomia), são regularmente invocados enquanto modelos sócio-políticos. A diferença notável entre as duas sociedades apenas confirma os méritos que elas compartilham. “Se você ama tanto enclaves capitalistas com uma democracia mínima, por que não se muda para Singapura (ou Hong Kong)?” é um desafio notavelmente ineficaz para este eleitorado. Aqueles que já não fugiram para lá – ou para algum outro lugar que seja, em aspectos importantes, comparável – só pode ver o prospecto de tal exílio como um convite tentador. Não é exatamente “Vá para o paraíso!”, mas é o mais próximo que a polêmica política chega. A assimetria é decisiva. Ao contrário de qualquer aproximação concreta de um modelo social esquerdista utópico que nunca esteve disponível, essas são sociedades que incontestavelmente funcionam, com atrações que não exigem qualquer suporte de uma propaganda ativa. A direita ascende porque – ao contrário de seus inimigos – ela consegue encontrar exemplos do que ela admira que não são agonizantemente embaraçosos após uma inspeção mais próxima. Sério, sinta-se em casa e olha mais atentamente. Os detalhes são ainda mais impressionantes do que a deslumbrante impressão geral. Este seria um ótimo lugar para parar, mas em vez disso…

… em março de 2013, o blogueiro da direita dissidente ‘Spandrell’ afixou um post curto em seu abrasivo, mas consistentemente brilhante site, Bloody Shovel, que bagunçou a narrativa de uma maneira que ainda tem que ser persuasivamente abordada. Intitulado ‘Et tu, Harry?’, ele colocou o milagre de Singapura em um contexto desconcertante. Em vez de harmonizar com as celebrações neorreacionárias da política de imigração assumidamente seletiva da cidade estado, Spandrell pergunta:

Quantos indianos e chineses brilhantes existem, Harry? Certamente eles não são infinitos. O que eles vão fazer em Singapura? Bem, se envolver na loucura do mercado financeiro e do marketing e deprimir sua fertilidade à 0.78, desperdiçando valiosos genes apenas para que os preços das suas propriedades não caiam. Singapura é um triturador de QI.

A acusação é aguda e pode ser generalizada. A modernidade tem um problema de fertilidade. Quando elevada ao zênite da ironia selvagem, a formulação fica assim: No nível demográfico, a modernidade sistematicamente seleciona contra populações modernas. As pessoas que ela prefere, ela consome. Sem exagero grosseiro, essa tendência endógena pode ser vista como um risco existencial para o mundo moderno. Ela ameaça fazer toda a ordem global desabar ao seu redor.

A fim de discutir essa catástrofe implícita, é primeiro necessário falar sobre cidades, o que é uma conversa que já começou. Para expor o problema de maneira crua, mas com confiança: As cidades são sumidouros de populações. O historiador William McNeil explica o básico. A urbanização, desde suas origens, tem tendido implacavelmente a converter crianças de ativos produtivos a objetos de consumo de luxo. Todos os incentivos econômicos arcaicos relacionados à fertilidade são invertidos.

McNeil resume seu argumento em um ensaio online que considera ‘As cidades e suas Consequências’ (Cities and their Consequences):

Uma exposição intensificada a doenças infecciosas era a razão tradicional pela qual as cidades não se reproduziam. […] Mas é o custo de criar filhos em todos os ambientes urbanos, não as doenças, que melhor explica por que as populações urbanas geralmente declinam sem imigrantes das áreas rurais. Onde quer que os adultos saiam para trabalhar em fábricas, lojas e escritórios, e as crianças pequenas não tenham permissão de acompanhá-los, quem cuida dos jovens? Como eles podem ser preparados para um emprego lucrativo? Educação pública e cuidados pré-escolares raramente estão disponíveis nas favelas urbanas, particularmente fora dos países ocidentais, mas ocasionalmente até mesmo dentro deles também. Avós e vizinhos idosos podem, às vezes, fazer o trabalho, mas a coerência da família estendida não é tão predominante nas cidades, e frequentemente tais cuidadores não estão disponíveis. Profissionais de várias descrições devem, então, ser encontrados. Isso torna alto o custo da manutenção de filhos, e a criação que tais profissionais normalmente oferecem raramente se equipara a seus grandes honorários. […] Mesmo as crianças sendo mais caras nas cidades, elas são menos economicamente úteis quando jovens. Existem poucas frutas para serem colhidas, nenhum pequeno animal domesticado para ser arrebanhado. Há uma espera muito maior até que as crianças possam começar a contribuir para a renda da família nos cenários urbanos.

Os custos da educação sozinhos explicam muito disso. As taxas escolares são de longe a tecnologia contraceptiva mais eficaz já concebida. Criar um filho em um ambiente urbano não é nada para o que o precedente rural jamais tenha preparado. Mesmo se pais responsáveis fossem a única motivação em jogo, o efeito compressivo sobre o tamanho familiar já seria extremo. Sob circunstâncias urbanas, torna-se quase uma agressão contra seus próprios filhos ter muitos deles. Mas há muito mais do que isto acontecendo.

O reconhecimento da crise de fertilidade moderna e a ‘extrema direita’ – seja em suas linhagens ‘misógina’ ou ‘racista’ – não são facilmente distinguíveis. O axioma igualitário, como aplicado ao gênero ou à etnia, fica sujeito a uma tensão crítica conforme o tópico é perseguido. Uma teoria geral da direita pós-conservadora seria produtivamente iniciada aqui.

O feminismo foi o primeiro e inevitável alvo. Ele está firmemente correlacionado com o colapso da fertilidade e é algo que a modernidade tende (fortemente) a promover. A expansão das oportunidades sociais femininas para além da criação obrigatória de filhos dificilmente poderia levar a qualquer outro lugar além de uma drástica contração do tamanho familiar. A tendência moderna inexorável à decodificação social – isto é, à produção de uma agência contratual abstrata no lugar de pessoas concretamente determinadas – torna a explosão de tais oportunidades aparentemente incontido. O individualismo fomentado pela vida urbana poderia, para a imaginação contra-factual, ter ficado, de alguma maneira, restrito aos homens, mas enquanto questão de fato histórico real, o abandono dos papéis sociais tradicionais procedeu sem limitação séria, com variação em velocidade, mas sem qualquer indicação de uma direção alternativa. A persona radicalmente decodificada da Internet – opcionalmente anônima, fabricada e auto-definidora – não parece ser mais do que uma extrapolação das normas emergentes da existência urbana. Suposições feministas, pelo menos na forma de sua ‘primeira onda’ liberal, são integrais à cidade moderna.

Lamentações tradicionalistas religiosas a este respeito não são, claro, nada de novo. O cristianismo – especialmente sob inspiração católica – conectou a modernidade à esterilidade por tanto tempo quanto a modernidade foi notada. Uma série de fatores cruciais, contudo, mudaram. Desde os primeiros anos do novo milênio, liberais seculares começaram a notar a conexão entre religiosidade e fertilidade e a expressar uma preocupação crescente com suas consequências político-partidárias. Em um artigo de 2009, Sarah R. Hayford e S. Philip Morgan discutem a transição de uma discussão tradicional sobre o tópico, focada na fertilidade diferencial entre católicos e protestantes, para seu modo contemporâneo, subsequente à convergência das diferenças denominacionais, que agora se mapeia mais estreitamente às afiliações partidárias dos estados vermelhos e azuis. Vale a pena citar seu resumo em sua (quase) totalidade:

Usando dados da National Survey of Family Growth (NSFG) de 2002, mostramos que as mulheres que relatam que a religião é “muito importante” em sua vida cotidiana têm tanto uma fertilidade maior quanto uma fertilidade planejada maior do que aquelas que dizem que a religião é “um pouco importante” ou “não é importante”. Fatores tais como fertilidade indesejada, idade no nascimento ou grau de adiamento da fertilidade parecem não contribuir para os diferenciais da religiosidade na fertilidade. Esta resposta leva a questões mais fundamentais: qual é natureza desta maior “religiosidade”? E por que as mais religiosas querem mais filhos? Mostramos que aquelas que dizem que a religião é mais importante tem atitudes de gênero e familiares mais tradicionais e que essas diferenças de atitude são responsáveis por uma parte substancial do diferencial de fertilidade.

“Os Religiosas Herdarão a Terra?” perguntou Eric Kaufmann em um livro de 2010 com esse nome (“Shall the Religious Inherit the Earth?”). Uma virada peculiar na herança darwiniana começou a trazer a herdabilidade das atitudes religiosas à proeminência e ligá-la (positivamente) à questão da aptidão reprodutiva. Aqueles grupos anteriormente vistos como tendo sido inequivocamente vencidos por uma ciência evolutiva triunfante estavam agora sujeitos a uma irônica – e, da perspectiva progressista, profundamente sinistra – vingança evolutiva. Esta é uma estória que ainda mal começou a se desdobrar.

Um desenvolvimento paralelo, compondo o comprometimento da modernidade cultural com a esterilidade imperativa, tem sido a eflorescência da política de identidade sexual LGBTQXYZ. Após a decisiva vitória progressista na causa do casamento gay, algo como uma Explosão Cambriana em orientações não tradicionais sexuais e de gênero ocorreu, colocando no turbo a pré-existente crítica feminista da sexualidade reprodutiva normativa. Aqui, também, a afinidade com inclinações modernistas profundas é inequívoca, em um processo de especialização introjetada de marcas e nichos. A tendência – frequentemente apoiada enquanto estratégia política explícita – é inverter os termos da marginalização, ao submergir a unidade reprodutiva familiar dentro de um menu hiper-inflado de posições sócio-libidinais. A fertilidade é cada vez mais identificada como uma excentricidade conservadora, alvo legítimo da guerra político-partidária. Uma reação intensa esteve entre os resultados (fornecendo terreno fértil para uma ‘extrema direita’ pós-conciliatória).

Ah, mas tem mais. A transição verdadeiramente grande, implícita no processo da modernidade desde o princípio, é marcada pelo limiar entre urbanização doméstica e global. As grandes cidades sempre foram distintivamente cosmopolitas, mas durante a fase inicial de suas histórias, a maior parte de sua absorção demográfica esteve limitada aos seus próprios sertões étnicos. Urbanização significava, primeiro de tudo, a conversão de populações rurais em moradores de cidades. No mundo em desenvolvimento, ela ainda significa isso. Nas sociedades modernas mais avançadas, contudo, as populações rurais domésticas foram quase inteiramente consumidas, reduzidas a alguma fração negligenciável do total nacional. Depois deste ponto, o processo de substituição populacional, intrínseco ao fenômeno urbano desde seu princípio, ficou inextricavelmente ligado à globalização e aos fluxos migratórios trans-nacionais. Agora – que é realmente agora – as coisas ficam interessantes.

A política, por etimologia profética, é sobre cidades. A inevitabilidade de uma ‘Alt-Right’ emergente na política de massas das sociedades modernas avançadas já é completamente previsível a partir de um entendimento mínimo de como as cidades funcionam. É simples ilusão imaginar que a mera contingência governa aqui, talvez sob a direção de personalidades políticas particulares. Antes, o metabolismo urbano – essencialmente – em uma certa fase de seu desenvolvimento, gera circunstâncias esmagadoramente condutivas à erupção da uma etno-política popular. Cidades são parasitas demográficos. Elas tendem intrinsecamente a uma dinâmica que – para além de um limiar comparativamente definido – não pode falhar em ser percebida como uma política sistemática de substituição étnica.

Há ainda muita esperança de se persuadir a pasta de dentes a volta para seu tubo. Em outras palavras, há uma falha massiva em se apreciar a profundidade e a magnitude dos processos subjacentes à atual crise global. Por exemplo, a linguagem incendiária do ‘genocídio’ conduzido pela migração não irá embora. Ela está fadada, pelo contrário, a se espalhar e se intensificar. A reemergência do tópico da raça, e todos seus associados, está profundamente cozida no bolo modernista. A modernidade comparativa é automaticamente racializada uma vez que o metabolismo global empreste à fertilidade diferencial (urbana/rural) sua especificidade étnica. O que está se desdobrando, entre outras coisas, é a desagregação racial da ‘bomba populacional’, com drástica inevitabilidade. Isto não é um produto de intelectuais, mas inerentemente do processo moderno, e todas as tentativas por parte dos intelectuais de obstruir sua condensação cultural são hubristicamente mal concebidas. “Quem, realmente, está tendo filhos?” É uma espécie de insanidade pensar que esta questão pode ser estrangulada no berço.

Então, qual é a resposta? A Alt-Right tem uma? Se tem, não houve sinal dela ainda. “Queimem as cidades até o chão” foi levantado no Twitter, e sem dúvida em outros lugares, mas não parece ser obviamente prático. Essa solução tem um rico pedigree comunista – especialmente no Leste Asiático – que a Alt-Right provavelmente redescobrirá em algum ponto. Não funcionou nos anos 1970 e teria poucas chances de ter um desempenho sequer um pouco mais convincente hoje.

Conforme a crise escala, pode-se esperar que ela gere uma linha de teorias políticas originais, orientadas à questão: Como fazemos sentido prático e técnico das buscas de soluções sociais em geral? Tal pensamento vai ser necessário. Nossas grandes cidades representam um problema político derradeiro. Eventualmente, algo ficará grato por isso.

Original.

A Armadilha da Atomização

“Mãos para o alto todo mundo que odeia a atomização.” Esse não é um pedido de rendição (pelo menos abertamente), mas meramente uma enquete informal.

Agora tente de forma diferente:

“Mãos para o alto todo mundo que odeia a atomização, mas desta vez sem olhar para o lado.” O processo de decisão – talvez ironicamente – foi um pouco mais lento desta vez? Vale a pena pensar sobre isso. Pode-se esperar que tomar um atalho que ignora o processo social acelere as coisas. Ainda assim, por outro lado – introduzindo o atraso – vem o nebuloso reconhecimento: se você faz a decisão de forma privada, você já é cúmplice. Um reorganização formal menor da questão a transforma de maneira insidiosa. O que você acha da atomização, falando de forma atomística? Vira um loop estranho, ou auto-referencial. A história moderna tem sido assim.

Primeiro, contudo, algumas preliminares terminológicas. Um ‘átomo’ é etimologicamente indistinto de um ‘indivíduo’. Na raiz, as palavras são quase perfeitamente intercambiáveis. Nenhuma delas, em relação à outra, carrega qualquer carga semântica especial. Então, se ‘atomização’ soa como uma metáfora, realmente não é. Não há nada essencialmente derivativo sobre a aplicação sociológica da palavra. Se parece ser um empréstimo da física, isso poderia ser devido a uma série de confusões, mas não a um deslocamento de um terreno original ou natural. Átomos e sociedades são primordialmente indissociáveis, embora estejam em tensão. É isso que ser um animal social – em vez de um completamente ‘eussocial’ (como uma formiga, ou um rato-toupeira) – já indica.

Indivíduos são difíceis de encontrar. Em nenhum lugar eles são simples e confiavelmente dados, menos ainda a si mesmos. Eles exigem trabalho histórico e, em última análise, fabricação, para sequer flutuarem enquanto aproximações funcionais. Um processo está envolvido. É por isto que a palavra ‘atomização’ é menos susceptível a enganações do que ‘átomo’ em si. A individualidade não é nada fora um destino (mas isto é nos anteciparmos).

É difícil saber onde começar. (Os atenienses sentenciaram Sócrates à morte por ser um atomizador social?) O individualismo é estereotipicamente WEIRD (ocidental, educado, industrializado, rico e democrático, na sigla em inglês), e assim tende a levar ao labirinto da etnografia comparativa. Tem estado distribuído de maneira desigual, aproximadamente da mesma maneira que a modernidade. Uma vez que isso já é dizer quase tudo sobre o tópico, merece uma desmontagem.

O trabalho de Walter Russell Mead fornece um a estação de repetição útil. As questões históricas com as quais ele tem se engajado – que se ocupam de nada menos do que o resultado do mundo – estiveram cravadas em um quadro intelectual moldado por uma atenção especial ao cristianismo providencial moderno. Qual foi a fonte do ‘destino manifesto’ que colocou as chaves do domínio global nas mãos de um projeto social progressivamente destilado, protestante, depois puritano, depois ianque? Se não exata ou diretamente ‘Deus’ (ele é sutil demais para isso), é pelo menos algo que a linhagem da Reforma Cristã tem drenado com efetividade única. O protestantismo selou um pacto com o destino histórico – que, por todas as aparências, define uma teleologia global especificamente moderna – ao vencer de maneira consistente. A individualização da consciência – a atomização – foi tornada destino.

Seis anos após Special Providence (2001) veio God and Gold, que reforçou as linhas anglo-americana e capitalista da narrativa. As fronteiras entre a história sócio-econômica e religiosa foram estrategicamente fundidas, da maneira na qual foram pioneiros Max Weber, Werner Sombart e – de maneira mais crítica – numerosos pensadores católicos que identificaram e continuam a identificar a essência da modernidade como um poder religioso hostil. Eugene Michael Jones é Walter Russell Mead do outro lado do espelho. A estória que cada um está contando se transforma sem distorção significativa na do outro, uma vez que seja resfriada abaixo do limiar da agitação moral. O que quer que tenha acontecido com o cristianismo ocidental na Renascença soltou o capitalismo sobre o mundo.

É possível ser ainda mais cru sem sacrificar muita realidade. Quando consideradas enquanto designações rígidas, Atomização, Protestantismo, Capitalismo e Modernidade nomeiam exatamente a mesma coisa. No domínio da política pública (e para além dela), privatização endereça o mesmo diretório.

Embora qualquer variante em particular do Protestantismo implícito ou explícito tenha suas características teológicas (ou ateológicas) distintivas, assim como qualquer estágio da industrialização capitalista tem suas características concretas, estas servem como distrações mais do que como pontos de apoio no quadro mais amplo. O único quadro verdadeiramente mais amplo é a cisão. A Reforma não foi apenas uma quebra, mas, de maneira ainda mais importante, uma normalização da quebra, um protocolo inicialmente informal, mas cada vez mais rigorizado, de desintegração social. A solução derradeira que ela ofereceu em relação a todas as questões sociais não era o debate, mas a saída. A fissão crônica foi instalada no âmago do processo histórico. De maneira fundamental, é isso que a atomização significa.

O Protestantismo – o Protestantismo Real Abstrato – que está cada vez mais propenso a se identificar como pós-cristão, pós-teísta e pós-Tudo O Mais, é um máquina auto-propulsora para a desintegração social incompreensivelmente prolongada, e todo mundo sabe disso. A atomização se tornou uma agência autônoma e inumana ou, pelo menos, algo cada vez mais autônomo e cada vez mais inumano. Ela pode apenas liquidar tudo com o que você jamais se preocupou, por sua própria natureza, então – claro – ninguém gosta dela. O catolicismo, o socialismo e o nacionalismo buscaram, em sucessão, coalização ou competição mútua, reunir os estilhaços da comunidade violada contra ela. O longo fio de derrotas que se seguiu tem sido uma rica fonte de mitologia cultural e política. Já que não há realmente nenhuma escolha além da resistência, a batalha sempre foi retomada, mas sem qualquer sinal sério de alguma reversão da fortuna.

Sob as atuais condições, a atomização serve – de maneira única – como um tubo inexaurível de cola reacionária. Uma profunda aversão ao processo é o único denominador comum de nossa oposição cultural contemporânea, que se estende do catolicismo tradicionalista ao etno-nacionalismo da alt-right. “Qualquer que seja nossa cola preferida, não podemos pelo menos concordar que as coisas ficaram descoladas – e estão cada vez menos coladas?” Isso parece bem longe de uma aspiração desarrazoada. Afinal, se a construção de uma coalização é a meta, o que – imaginavelmente – poderia fornecer uma bandeira melhor do que o próprio princípio de integridade social, mesmo se este for invocado pura e negativamente, por meio de uma anatematização dirigida a seu inimigo histórico fatal? A atomização, neste aspecto, reúne as pessoas, pelo menos conversacionalmente, embora isto funcione melhor quando a conversa não fica muito profunda.

Quase ninguém quer ser atomizado (eles dizem). Talvez eles tenham lido a novela de 1998 de Michel Houellebecq Atomised (ou Elementary Particles), e acenaram juntos com a cabeça. Como seria possível não o fazer? Se fosse aí que acabasse, seria difícil de ver o problema, ou como jamais veio a haver um problema, mas não acaba aí, nem em nenhum lugar próximo, porque a atomização faz zombaria das palavras. A atomização nunca foi boa em festas, sem surpresas. Ela é impopular ao ponto de uma essência. Tem aquela coisa puritana, e a coisa da Ayn Rand, e a coisa dos nerds, e o gatilho de piadas sobre Aspergers – se isso realmente for uma coisa separada – e, sem dúvidas, inúmeras deficiências sociais mais, cada uma delas por si só desqualificando, se receber um ‘curtir’ em algum meio coletivo for a meta, porque ninguém curte ela, como já ouvimos (por meio milênio já). Mas o que ouvimos, e o que vimos, foram duas coisas bem diferentes.

A atomização nunca tentou se vender. Em vez disso, ela veio de graça, com todo o resto que foi vendido. Ela era a implicação formal da dissidência, primeiro de tudo, do ceticismo metódico, ou investigação crítica, que pressupunha uma suspensão de autoridade que se provou irreversível e, depois, – de maneira igualmente implícita originalmente – da forma da relação contratual e de toda inovação subsequente no âmbito da negociação privada (haveriam muitas, e mal começamos). “Então, o que você acha (ou quer)?” Isso foi o bastante. Nenhum entusiasmo articulado pela atomização jamais foi necessário. A feitiçaria da preferência revelada tem feito todo o trabalho e ali, também, mal começamos.

A atomização pode ter poucos amigos, mas não têm qualquer escassez de aliados formidáveis. Mesmo quando as pessoas estão prontamente convencidas de que a atomização é indesejável, elas querem, em última instância, decidir por si mesmas, e tanto mais quanto mais pensam que isso importa. Na medida em que a atomização se tornou um verdadeiro horror, ela compele uma relação íntima cognitiva e moral consigo mesma. Ninguém que vislumbre o que ela é pode delegar as conclusões relevantes para qualquer autoridade superior. Assim, ela ganha. Todo católico de seriedade intelectual tem visto isto por séculos. O socialistas também, por décadas. O momento de revelação etno-nacionalista não pode ser em muito adiado. Sob condições modernas, toda comunidade moral autoritativa é mantida refém da decisão privada, mesmo quando é aparentemente afirmada e especialmente quando tal afirmação é asseverada de maneira mais veemente. (Os elementos mais excitáveis dentro do mundo do Islã vêm isso chegando e estão conspicuamente infelizes com o fato.)

Substancialmente, mesmo que apenas especulativamente, a liberdade de consciência poderia tender à coletividade, mas, formalmente, ela fixa o individualismo cada vez mais firmemente. Ela desafia a autoridade da comunidade no mesmo momento em que oferece um endosso explícito, ao tornar a comunidade um questão urgente de decisão privada e – no pico mesmo de sua alegada sacralidade – de compras. Os tradicionalistas religiosos vêem a si mesmos espelhados no mercado de comidas integrais e estão horrorizados, quando não sombriamente entretidos. “Conservadores da Birkenstock” foi a auto-identificação sinistramente irônica de Rod Dreher. O anti-consumismo se torna uma preferência do consumidor, a causa pública, um entusiasmo privado. A intensificação do sentimento coletivista apenas estreita a armadilha do macaco. Fica pior.

A história americana – na fronteira global da atomização – está densamente salpicada de comunidades eletivas. Das comunidades religiosas puritanas do começo do período colonial, passando pelas comunas ‘hippies’ do século passado, e além, o experimentos de vida comunal sob os auspícios da consciência privada radicalizada buscaram melhorar a atomização da maneira mais consistente com seu destino histórico. Tais experimentos confiantemente falham, o que ajuda a acelerar o processo, mas isso não é o principal. O que mais importa sobre todas essas co-ops, comunas e cultos é a opção contratual semi-formal que as enquadram. Desde o momento de sua iniciação – ou até mesmo de sua concepção – elas confirmam uma atomização soberana e sua reconstrução do mundo social sobre o modelo de um menu. A muito discutida ‘Opção Beneditina’ de Dreher não é nenhuma exceção a isto. Não há retirada do curso da modernidade, ‘de volta’ à comunidade, que não reforce o padrão de dissidência, cisma e saída a partir do qual a atomização continuamente reabastecesse seu impulso. Conforme a consciência privada se dirige à escapada da privatização da consciência, ela regenera aquilo de que foge, cada vez mais fundo dentro de si. A individuação, considerada de maneira impessoal, gosta quando você corre.

Como é bem entendido, ‘átomos’ não são átomos, e ‘elementos’ não são elementos. Partículas elementares – se sequer elas existirem – estão pelo menos dois níveis (profundos) mais abaixo. Os indivíduos humanos certamente não são menos decomponíveis. A ‘sociedade da mente’ de Marvin Minsky é apenas uma indicação vívida de como a sociologia história poderia se inclinar para dentro do âmbito atômico. Aceleradores de partículas demonstram que estilhaçar entidades até as menores peças alcançáveis é um problema tecnológico. O mesmo se mantém no âmbito social, embora, naturalmente, com tecnologias muito diferentes.

Descartar indivíduos como fingimentos metafísicos, portanto, seria a mais fútil das diversões. A atomização não tem qualquer metafísica que a restrinja, seja na física de partículas, ou no processo dinâmico antropológico e socio-histórico. Se ela promete, às vez, lhe dizer quem você realmente é, tais sussurros eventualmente pararão, ou virão a zombar de si mesmos, ou serão simplesmente esquecidos. O protestantismo, tem que ser lembrado, é apenas mascarado, momentaneamente, como uma religião. O que está por debaixo duradouramente é uma maneira de quebrar coisas.

Depois de tanto já ter sido dilacerado, com tantas monstruosidades geradas, é sem dúvida exaustivo ouvir que, embora quase tudo ainda tenha que ser construído, não menos ainda aguarde ser quebrado. A atomização já foi longe demais, somos incessantemente informados. Se este for o caso, o futuro será difícil. Não pode haver qualquer dúvida realista de que ele será extremamente dividido. O dínamo que guia as coisas tende, de maneira irresistível, nessa direção. Tente se separar, e ele gira mais rápido.

“Mãos para o alto todo mundo que odeia a atomização.” Não, isso não é mais uma pergunta. Seria um pedido de rendição, se a rendição importasse, mas não importa, como vimos. Continue lutando contra ela, por todos os meios. Ela gosta disso.

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Turbilhões

Esta aplicação emotiva, mas ainda assim largamente convincente da teoria geracional de Strauss & Howe dos ciclos históricos às recentes manchetes jornalísticas é um lembrete da inevitabilidade do contar de estórias. (Este blog tocou neste conto em particular antes.)

A Catedral é sobretudo uma meta-estória, uma usurpação secular-revolucionária da ‘Grande Narrativa‘ tradicional do Ocidente (herdada do monoteísmo escatológico), e sua sobrevivência é inseparável da preservação da credibilidade da narrativa. Conforme ela se desgasta, estórias alternativas obtém um nicho. A descrição de Strauss & Howe do padrão histórico rítmico é altamente competitiva em um ambiente desses. Eventos que subtraem da plausibilidade das expectativas progressistas são exatamente aqueles que fortalecem agouros de um iminente ‘inverno’ cíclico. O inverno está chegando, como popularizado pelo Game of Thrones, poderia ter sido projetado como uma ferramenta promocional para A Quarta Virada.

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O Anarchopapist começa suas mais recentes reflexões sobre ‘O Projeto Neorreacionário’ se perguntando “O que é um meme?”. É um ponto de partida melhor, neste contexto do que a questão Quão corretos Strauss & Howe estão?. A memética subsume questões de aplicação factual (enquanto aspectos do fitness adaptativo), mas se estende para além delas. O meme bem sucedido é caracterizado por traços estéticos irredutíveis à adequação representacional, desde a elegância da construção até a forma dramática. De maneira ainda mais importante, ele é capaz de operar como um fator causal em si e, assim, produzir os próprios efeitos aos quais se acomoda. Uma sociedade fascinada por sua passagem pelo portão de inverno de uma quarta virada estaria, em grande medida, encenando a mesma produção teatral que suas “crenças” haviam antecipado.

Entre as maiores forças meméticas da estória de Strauss & Howe está seu senso notavelmente concreto de cronometragem. Ela oferece datas prospectivas, dentro de uma gama preditiva estreita que narrativas alternativas estão sob grande pressão de igualar, em consonância com a sua pretensão de ter identificado ‘estações’ históricas. As antecipações dos enredos contemporâneos marxistas, singularitários ou eco-catastróficos são inequivocamente nebulosas em comparação. (Notavelmente – a NRx não tem, até o momento, qualquer teoria formulada que seja para apoiar predições com datas.)

Entre as funções de travamento meméticas mais significantes está um enxerto de confiança. Qualquer vírus cultural que comunique um sentido definitivo do que está por vir descobre que a tolerância do hospedeiro é relativamente fácil de se obter. A história do milenarianismo (precisamente datado) atesta isso de maneira esmagadora, com o corolário de que uma vulnerabilidade à falsificação subsequente está necessariamente implicada. Em alguma medida definitiva, tal sensibilidade à contradição empírica também tem que se aplicar no caso de Strauss & Howe, apesar dos fatores complicadores da auto-confirmação contagiosa já notados.

Como S&H profetizam no livro:

Em algum momento antes do ano 2025, a América passará por um grande portal na história, comensurável com a Revolução Americana, com a Guerra Civil e com as emergências gêmeas da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial. […] O risco de uma catástrofe será muito alto. A nação poderia irromper em insurreição ou violência civil, rachar-see geograficamente ou sucumbir a um governo autoritário. Se houver guerra, provavelmente será uma de riscos e esforços máximos – em outras palavras, uma GUERRA TOTAL.

É esta previsão admiravelmente determinada, em combinação com o conteúdo agourento, que empresta a esta obra sua influência sobre a imaginação apocalíptica de nosso tempo.

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Reunir expectativas para a ‘Quarta Virada’ é parte da paisagem memética na qual a NRx se encontra e, assim, é um fato intricado e estrategicamente relevante. Um estória consistente e convincente sobre elas seria valiosa – e, quase certamente, no prazo relativamente curto pelo menos, cada vez mais valiosa.

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Mecanização

Bryce Laliberte tem pensado sobre a Teleologia do Capital, da perspectiva do aumento tecnológico humano. Uma característica significativa desta abordagem é que ela não requer qualquer tipo de ruptura selvagem com o tradicionalismo ‘humanista’ – a estória da tecnologia se desdobra dentro da história do homem.

Coincidentemente, Isegoria tweetou sobre a jihad butleriana alguma horas antes (fazendo referência a este post de dezembro de 2013). A tensão implícita entre essas visões da tecno-teleologia merecem uma atenção sustentada – que sou incapaz de fornecer aqui e agora. O que é facilmente oferecido é uma citação do ‘Book of the Machines’ de Samuel Butler (os capítulos 23 e 24 de seu romance Erewhon), uma passagem que poderia produtivamente ser afixada à margem das reflexões de Laliberte, a fim de induzir uma fricção cognitiva produtiva. O tópico é especulação sobre a emergência de uma realização superior da vida e da consciência por sobre a terra, como explorada pelo autor ficcional de Butler:

O escritor … procedia perguntando se os traços da aproximação de uma tal fase nova da vida poderiam ser percebidos no presente; se podíamos ver quaisquer arranjos preparando o que poderia, em um futuro remoto, ser adaptado a ela; se, de fato, a célula primordial de tal tipo de vida poderia ser agora detectada na terra. No curso de sua obra, ele respondeu afirmativamente a essa pergunta e apontou para as máquinas mais elevadas.

“Não há nenhuma segurança,” – para citar suas próprias palavras – “contra o desenvolvimento último da consciência mecânica, no fato de que as máquinas possuam pouca consciência agora. Um molusco não tem muita consciência. Reflita sobre o extraordinário avanço que a máquinas têm feito durante os últimos séculos e note quão lentamente os reinos animal e vegetal estão avançando. A máquinas mais altamente organizadas são criaturas não tanto de ontem, quanto dos últimos cinco minutos, por assim dizer, em comparação com o tempo passado. Assuma, por bem do argumento, que seres conscientes tenham existido por cerca de vinte milhões de anos: veja os largos passos que as máquinas têm feito nos últimos mil! O mundo não pode durar mais vinte milhões de anos? Se sim, o que elas não irão, afinal, se tornar? Não é mais seguro cortar o mal pela raiz e proibi-las de avançar mais?

Mas quem pode dizer que a máquina a vapor não tem um tipo de consciência? Onde a consciência começa e onde termina? Quem pode traçar a linha? Quem pode traçar qualquer linha? Tudo não está entrelaçado com todo o resto? O maquinário não está ligado à vida animal em uma infinita variedade de maneiras? A casca de um ovo de galinha é feita de uma delicada porcelana branca e é uma máquina tanto quanto uma xícara de ovo o é: a casca é um dispositivo para segurar o ovo, tanto quanto a xícara é para segurar a casca: ambas são fases da mesma função; a galinha faz a casca dentro de si, mas ela é pura cerâmica. Ela faz seu ninho fora de si por bem da conveniência, mas o ninho não é mais uma máquina do que a casca do ovo. Uma ‘máquina’ é apenas um ‘dispositivo’.”

[…] “Mas, retornando ao argumento, eu repetiria que eu não temo nenhuma das máquinas existentes; o que eu temo é a extraordinária rapidez com a qual elas estão se tornando algo muito diferente do que elas são no presente. Nenhuma classe de seres fez, em nenhum tempo passado, um movimento adiante tão rápido. Esse movimento não deveria ser zelosamente observado e restrito enquanto ainda podemos restringi-lo? E não é necessário, para este fim, destruir as mais avançadas das máquinas que estão em uso no presente, embora se admita que elas são, por si só, inofensivas?

[…] Pode-se responder que, muito embora as máquinas não devessem nunca ouvir tão bem e nunca falar tão sabiamente, elas ainda sempre farão um ou o outro para nossa vantagem, e nunca para sua própria; que o homem será o espírito governante e a máquina, o servo; que, tão logo uma máquina falhe em executar o serviço que o homem espera dela, ela está fadada à extinção; que as máquinas estão para o homem simplesmente na relação de animais inferiores, a máquina-a-vapor em si sendo apenas um tipo mais econômico de cavalo; de modo que, em vez de estarem propensas a serem desenvolvidas até um tipo mais elevado de vida do que a do homem, elas devem sua própria existência e progresso a seu poder de ministrar as necessidades humanas e devem, portanto, agora e para sempre, serem inferiores ao homem.

Está tudo muito bem. Mas o servo desliza por aproximações imperceptíveis até o mestre; e chegamos a um tal ponto que, mesmo agora, o homem deve sofrer terrivelmente em deixar de beneficiar as máquinas. Se todas as máquinas fossem aniquiladas em um instante, de modo que nem uma faca, nem uma alavanca, nem um pano de roupa, nem qualquer coisa que fosse restasse ao homem além de seu próprio corpo nu, com o qual ele nasceu, e se todo o conhecimento das lei mecânicas fossem tomado dele, de modo que a raça do homem fosse deixada, por assim dizer, nua por sobre uma ilha deserta, seríamos extintos em seis semanas. Alguns poucos indivíduos miseráveis poderiam durar, mas mesmo esses, em um ano ou dois, se tornariam piores do que macacos. A própria alma do homem se deve às máquinas; é uma coisa feita por máquinas: ele pensa como pensa, e sente como sente, através do trabalho que as máquinas fizeram sobre ele, e sua existência é tanto uma condição sine qua non para a dele, quanto a dele é para elas. Este fato nos preclui de propor a aniquilação completa do maquinário, mas certamente indica que deveríamos destruir tantas delas quando pudermos dispensar, para que elas não nos tiranizem ainda mais completamente.

Verdade, de um ponto de vista materialista baixo, pareceria que aqueles que prosperam mais são os que usam maquinário onde quer que seu uso seja possível com lucro; mas esta é a arte das máquinas – elas servem para que possam governar. Elas não têm qualquer malícia para com o homem por destruir toda uma raça delas, contanto que ele crie uma melhor em seu lugar; pelo contrário, elas o recompensam de maneira liberal por ter acelerado seu desenvolvimento. É por negligenciá-las que ele incorre em sua ira, ou por usar máquinas inferiores, ou por não realizar exerções suficientes para inventar novas, ou por destruí-las sem substituí-las; ainda assim, essas são as próprias coisas que deveríamos fazer, e fazer rapidamente; pois, embora nossa rebelião contra seu poder pueril vá causar sofrimento infinito, ao quê não chegarão as coisas, se essa rebelião for adiada?”

A culminação natural desta investigação, conforme concebida dentro do romance de Butler, é uma guerra contra as máquinas. As consequências nas teorias dos jogos e de decisão são intricadas, e predominantemente agourentas. (Se é persuasivamente racional que a potência terrestre instalada extermine sua existência na concepção, as contra-medidas que fazem sentido mais óbvio combinam camuflagem e hostilidade. Apenas aquilo que chega em segredo e preparado para lutar pode esperar existir.)

Original.

Determinismo Militar

“Esse rifle na parede do casebre do trabalhador ou do apartamento da classe trabalhadora é o símbolo da democracia”, escreveu George Orwell. Este é um argumento familiar – e importante. (ESR ensaia um versão ligeiramente diferente dele aqui.) Um caso poderoso pode ser feito a favor da imprensa enquanto tecnologia catalítica da modernidade, mas é o mosquete que mais inequivocamente obliterou o poder feudal em seu âmago, inaugurando a era da cidadania armada – nacionalismo, exércitos revolucionários e a vontade popular enquanto questão de consideração estratégica séria. A democracia cheira a pólvora.

Isto levanta, por implicação, a sugestão de que o crescente sentimento de crise democrática é um sintoma, cuja causa subjacente é uma transição no cálculo militar, não menos profundo do que aquele que convulsionou o mundo no início da Renascença. Se a infraestrutura do avanço democrática é a centralidade estratégica da população armada – sintetizada na infantaria em massa – seu horizonte será marcado pela desconexão tecnológica entre o poder militar e ‘o povo’. Quais são as características da paisagem política aberta pelo surgimento da guerra robótica?

Robôs são capital. Eles consumam uma tendência que tem vinculado o hard power à capacidade industrial em toda a era moderna. Conforme eles se tornam cada vez mais autônomos, a matriz política-popular na qual eles têm emergido é cada vez mais marginalizada. A lealdade – um profundo marcador de posição para o consentimento dos cidadãos – é formalmente mecanizada como controle criptográfico. A autonomização do capital, que tem assombrado o mundo moderno por séculos, escala para um novo estágio, imediatamente auto-protetivo e, em última análise, soberano. Os mercenários sempre exigiram uma vinculação política auxiliar, porque as pessoas são apenas fracamente contratuais, e a lealdade não pode – no fim das contas – ser comprada. Os robôs não apresentam nenhuma dessas restrições. Eles se conformam a uma ordem de poder tecno-comercial ilimitado.

Se alguém aprova a demolição do Ancien Régime pela pólvora, pouco importa (se é que importa). O caso da guerra robótica iminente não é nem um pouco diferente a este respeito. O domínio estratégico do povo está entrando em seu crepúsculo. Alguma outra coisa acontece a seguir.

Original.

Liberdade (Prelúdio-1b)

Mesmo na ausência de sua circunscrição católica enérgica, poderia ser tentador identificar a NRx como uma ideologia anti-calvinista, dada a centralidade da ocultada herança calvinista para a critica de Moldbug à modernidade. Como Foseti observa (no que continua a ser um ponto alto da exegese neorreacionária):

Acredite ou não, muito embora a definição de Moldbug para a Esquerda seja basicamente a primeira coisa sobre a qual ele escreveu, há uma quantidade razoável de debate sobre este tópico nos círculos “reacionários”. Às vezes se refere a este debate como A Questão Puritana. (Além de puritano, Moldbug também usa os termos: idealismo progressista, ultra-calvinismo, cripto-cristão, universalistas unitários, etc.)

Não faz parte do sumário deste blog facilitar os posicionamentos mais sonolentos – e, às vezes, simplesmente escarnecedores – aos quais o diagnóstico de Moldbug pode parecer estar aberto. Ao passo que nossos amigos católicos podem se considerar estarem seguramente localizados fora da síndrome sob consideração, esta atitude corresponde, estrutural ou sistematicamente, a uma posição minoritária (independente dos números envolvidos). Enquanto secto cismático dissidente, a corrente principal da NRx está cladisticamente envolvida pelo objeto de sua crítica. O ‘calvinismo’ – em sua extensão histórica e teórica – é um horizonte problemático, dentro do qual a NRx está incorporada, antes que ele possa concebivelmente ser interpretado como um objeto desprezado de dispensa.

Mais diretamente relevante para esta sequência que lentamente emerge é a questão da destruição, empregada como uma super-categoria consistente com Gnon que abraça o destino e a providência. Trivialmente, é mantido aqui que o desafio calvinista fundamental ao significado da história e ao status final da agência humana não foi, de maneira alguma, resolvido ao longo do curso de seus sucessivos desenvolvimentos cladísticos, mas apenas evadido, marginalizado e apagado. No nível da clareza filosófica, nenhum ‘progresso’ significante teve lugar. Certas questões, já consideradas prementes, foram meramente abandonadas ou semi-aleatoriamente reformuladas. Tipicamente, uma nebulosa tolerância à discordância cognitiva implícita substituiu uma condição anterior de aguda angústia teológica. A insatisfação modernista com as soluções religiosas anteriormente propostas para certos dilemas metafísicos profundos foi confundida com a dissolução destes dilemas em si. Conforme as invocações da ‘liberdade’ se tornam cada vez mais ensurdecedoras, a influência conceitual recuou de maneira constante. Presume-se (absurdamente) que um coquetel mental intoxicante – e, de maneira mais importante, narcotizador – de volição privada irrestrita e determinismo naturalista tornou obsoleto o dilema histórico entre a onipotência divina e o livre arbítrio humano (ou seu representante filosófico, o tempo e a temporalização). Problemas desconfortáveis que instalam incerteza no âmago da autocompreensão humana são tratados como relíquias culturais embaraçosas, herdadas de ancestrais ignorantes, naquelas raras ocasiões em que eles sequer impingem.

Para este blog, o calvinismo continua sendo uma destruição inexplorada. Apreendido dentro de seus próprios termos, ele é uma ocorrência providencial cujo sentido permanece sequestrado dentro do conselho secreto de Deus.

Como combustível, três passagens, tiradas dos Capítulos 15 e 16, Livro 1, das Institutas da Religião Cristã (1536) de Jõao Calvino, na tradução de Henry Beveridge:

Livro 1. Capítulo 15.

8. Portanto, Deus forneceu à alma do homem o intelecto, através do que ele poderia discernir o bem do mal, o justo do injusto, e poderia saber o que seguir e do que se esquivar, a razão indo adiante com sua lanterna; motivo pelo qual os filósofos, em referência a seu poder de direção, a chamaram de το ἑγεμονικον. A isto ele juntou a vontade, à qual a escolha pertence. O homem se destacava neste nobres dons em sua condição primitiva, quando a razão, a inteligência, a prudência e o Julgamento não apenas eram suficientes para o governo de sua vida terrena, mas também o permitiam se elevar a Deus e à felicidade eterna. Depois disso, a escolha foi adicionada para dirigir os apetites e temperar todas os movimentos orgânicos; a vontade sendo assim perfeitamente submissa à autoridade da razão. Neste estado ereto, o homem possuía liberdade de vontade, através da qual, se ele escolhesse, ele era capaz de obter a vida eterna. Seria aqui inoportuno introduzir a questão relativa à predestinação secreta de Deus, porque não estamos considerando o que poderia ou não acontecer, mas o que a natureza do homem verdadeiramente era. Adão, portanto, poderia ter ficado de pé se ele escolhesse, uma vez que foi apenas por sua própria vontade que ele caiu; mas foi porque sua vontade era maleável em ambas as direções e porque ele não havia recebido a constância de perseverar que ele tão facilmente caiu. Ainda assim, ele tinha uma escolha livre de bem e mal; e não apenas isso, mas, na mente e na vontade, havia a mais alta retidão, e todas as partes orgânicas estavam devidamente enquadradas para a obediência, até que o homem corrompeu suas boas propriedades e destruiu a si mesmo. Daí a grande escuridão dos filósofos que buscaram uma construção completa em uma ruína e um arranjo ajustado na desordem. O princípio a partir do qual eles partiram era que o homem não poderia ser um animal racional a menos que tivesse uma livre escolha de bem e mal. Eles também imaginaram que a distinção entre virtude e vício seria destruída, se o homem, de seu próprio conselho, não arranjasse sua vida. Até o momento, bem, não houvera qualquer mudança no homem. Isto sendo desconhecido para eles, não é surpreendente que eles joguem tudo na confusão. Mas aqueles que, ao passo que professam ser discípulos de Cristo, ainda buscam livre arbítrio no homem, não obstante ele estar perdido e afogado em destruição espiritual, trabalham sob múltiplas ilusões, criando uma mistura heterogênea de doutrina inspirada e opiniões filosóficas e, assim, errando quanto a ambas. Mas será melhor deixar estas coisas para seu próprio lugar (vide Livro 2 cap. 2). No presente, é necessário apenas lembrar que o homem, em sua primeira criação, eram muito diferente de toda sua posteridade que, derivando sua origem dele depois dele ser corrompido, recebeu uma mácula hereditária. A princípio, cada parte de sua alma foi formada para a retidão. Havia solidez de mente e liberdade de vontade para escolher o bem. Se qualquer um objetar que ele foi colocado, como se fosse, em uma posição escorregadia, pois seu poder era fraco, eu respondo que o grau conferido era suficiente para retirar toda desculpa. Pois certamente a Divindade não poderia ser amarrada a esta condição – criar o homem tal que ele não pudesse pecar ou não pecasse. Tal natureza poderia ter sido mais excelente; mas expostular com Deus como se ele estivesse obrigado a conferir esta natureza ao homem é mais do que injusto, ao ver que ele tinha todo o direito de determinar quanto ou quão pouco Ele daria. Por que Ele não o sustentou pela virtude da perseverança está escondido em seu próprio conselho; é o nosso nos mantermos dentro dos limites da sobriedade. O homem havia recebido o poder, se tivesse a vontade, mas ele não teve a vontade que teria lhe dado o poder; pois esta vontade teria sido seguida pela perseverança. Ainda assim, depois de ter recebido tanto, não há desculpa para ele ter espontaneamente trazido a morte sobre si mesmo. Nenhuma necessidade estava coloca sobre Deus de lhe dar mais do que essa vontade intermediária e mesmo transiente, que da queda do homem ele pudesse extrair materiais para sua própria glória.

Capítulo 16.

2. …a Providência de Deus, como ensinado na Escritura, se opõem à fortuna e às causas fortuitas. Por uma opinião errônea que predomina em todas as eras, uma opinião quase universalmente predominante em nosso próprio tempo – a saber, que todas as coisas acontecem fortuitamente, a verdadeira doutrina da Providência não apenas foi obscurecida, mas quase enterrada. Se alguém cai entre salteadores ou bestas vorazes; se uma repentina rajada de vento no mar causa um naufrágio; se alguém é derrubado pela queda de uma casa ou de uma árvore; se outro, ao perambular por caminhos desertos, se encontra com o livramento; ou, depois de ser jogado pelas ondas, chega a um porto e faz uma maravilhosa escapada por um fio da morte – todas estas ocorrências, prósperas tanto quanto adversas, o senso carnal atribuirá à fortuna. Mas quem aprendeu da boca de Cristo que todos os cabelos de sua cabeça estão contados (Mt. 10:30), procurará mais longe pela causa e manterá que todos os eventos que sejam são governados pelo conselho secreto de Deus. Com relação a objetos inanimado novamente devemos manter que, embora cada um possua suas propriedades peculiares, ainda assim todos eles exercem sua força apenas na medida em que são dirigidos pela mão imediata de Deus. Consequentemente, eles são meramente instrumentos, nos quais Deus infunde a energia que ele vê satisfazer e se volta e converte a qualquer propósito a seu prazer.

8. …mantemos que Deus é o arranjador e governador de todas as coisas, – que desde a mais remota eternidade, de acordo com sua própria sabedoria, ele decretou o que ele deveria fazer e agora, através de seu poder, executa o que decretou. Consequentemente, mantemos que, por sua providência, não o céu e a terra e as criaturas inanimadas apenas, mas também os conselhos e vontades dos homens são governadas de modo a se mover exatamente no curso que ele destinou. O que, então, dirá você , nada acontece fortuitamente, nada contingentemente? Eu respondo, foi um ditado verdadeiro de Basílio, o Grande, de que Fortuna e Acaso são termos pagãos; o significado dos quais não deve ocupar as mentes pias. Pois se todo sucesso é a bênção de Deus, e a calamidade e a adversidade são sua maldição, não resta qualquer lugar, nos assuntos humanos, para a fortuna e o acaso. Devemos também ser movidos pelas palavras de Agostinho (Retract. lib. 1 cap. 1), “Em meus escritos contra os Acadêmicos”, diz ele, “eu me arrependo de ter usado tão frequentemente o termo Fortuna; embora eu tencionasse denotar com ele não alguma deusa, mas a questão fortuita de eventos em questões externas, sejam bons ou maus. Daí, também, estas palavras, Talvez, Por acaso, Fortuitamente, que nenhuma religião nos proíbe de usar, embora tudo deve ser referido à Divina Providência. Tampouco eu me omiti de observar isto, quando eu disse: ‘Embora, talvez, aquilo que é vulgarmente chamado de Fortuna também seja regulado por uma ordem oculta, e o que chamamos de Acaso não seja nada além daquilo cuja razão e causa são secretas’. É verdade, eu assim o disse, mas eu me arrependo de ter mencionado a Fortuna ali como o fiz, quando vejo o costume muito ruim que os homens têm de dizer, não da maneira em que deveriam fazer, ‘Se Deus quiser’, mas ‘Se a Fortuna quiser’.” Em suma, Agostinho em todo lugar ensina que se qualquer coisa é deixada para a fortuna, o mundo se move a esmo. E embora ele declare em outros lugares (Quæstionum, lib. 83) que todas as coisas são realizadas em parte pelo livre arbítrio do homem e, em parte, pela Providência de Deus, ele logo depois demonstra de forma clara o suficiente que o ele quis dizer foi que os homens também são governados pela Providência, quando assume como princípio que não pode haver um absurdo maior do que manter que qualquer coisa é feita sem a ordenação de Deus; porque aconteceria a esmo. Razão pela qual ele também exclui a contingência que depende da vontade humana, mantendo, um pouco mais adiante, em termos mais claros, que nenhuma causa deve ser buscada para além da vontade de Deus. Quando ele usa o termo permissão, o significado que ele lhe atribui aparecerá melhor em uma única passagem (De Trinity. lib. 3 cap. 4) em que ele prova que a vontade de Deus é a causa suprema e primária de todas as coisas, porque nada acontece sem sua ordem ou permissão. Ele certamente não imagina Deus sentado ociosamente em uma torre de vigia, quando ele escolhe permitir qualquer coisa. A vontade que ele representa se interpondo é, se eu puder assim expressá-la, ativa (actualis) e, exceto por isso, não poderia ser considerada como uma causa.

ADICIONADO: Em conexão com algumas das discussões que estão ocorrendo na seção de comentários (aqui), este parágrafo do Sermão de Regensburg (2006) do Papa Bento XVI parece digna de reprodução aqui: “A deselenização primeiro emerge em conexão com os postulados da Reforma, no século XVI. Olhando para a tradição da teologia escolástica, os Reformadores pensaram que estavam sendo confrontados com um sistema de fé totalmente condicionado pela filosofia, isto é, uma articulação da fé baseada em um sistema alienígena de pensamento. Como resultado, a fé não mais aparecia como uma Palavra histórica viva, mas como um elemento de um sistema filosófico abrangente. O princípio da sola scriptura, por outro lado, buscava a fé em sua forma pura, primordial, como originalmente encontrada na Palavra bíblica. A metafísica aparecia como uma premissa derivada de uma outra fonte, da qual a fé tinha que ser liberada a fim de se tornar mais uma vez plena de si. Quando Kant afirmou que precisava colocar o pensamento de lado a fim de criar espaço para a fé, ele levou seu programa adiante com um radicalismo que os Reformadores nunca poderiam ter previsto. Desta forma, ele ancorou a fé exclusivamente na razão prática, negando a ela o acesso à realidade como um todo”.

Original.

Individualismo Corrosivo?

Todo mundo já viu este argumento um milhão de vezes: “Então, qual o problema com o libertarianismo? O problema é que se você colocar dois grupos, um contra o outro, o que é for mais capaz de trabalhar junto vai superar o grupo de individualistas.”

Um exemplo seria legal. Eis aqui as principais guerras de necessidade (ou conflitos existenciais) modernas em que a Anglosfera esteve envolvida (‘vencer’ aqui significando ‘sair do lado vencedor’ – conspirar para fazer os outros realizarem a maior parte do morrer é uma Anglo-tradição em si):

Guerra Civil Inglesa (1642-1651) – Individualistas protestantes venceram.
Guerra da Sucessão Espanhola (1712-1714) – Individualistas protestantes venceram.
Guerra dos Sete Anos (1756-1763) – Individualistas protestantes venceram.
Guerra de Independência Americana (1775-1783) – Individualistas protestantes venceram.
Guerras Napoleônicas (1803-1815) – Individualistas protestantes venceram.
Guerra Civil Americana (1861-1865) – Individualistas protestantes venceram.
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) – Individualistas anglófonos venceram.
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) – Individualistas anglófonos venceram.
Guerra Fria (1947-1989) – Individualistas anglófonos venceram.

Eu perdi alguma das grandes? Eu simplesmente não estou vendo o quadro da “história é o cemitério de sociedades individualistas que falharam” que parece estar se consolidando como um mito central da alt-right.

Isso não é uma coisa moral. Eu entendo (sem grande simpatia) o mantra “sociedades organicamente coesas deveriam vencer”. Se há qualquer evidência que seja de este seja um julgamento endossado por Gnon, sintam-se livres para trazer os fatos relevantes para os comentários.

Original.