Psicose Política

Os liberais clássicos estão ficando de fora do fim do mundo. Ficando de fora, na maior parte, da maneira em que Norma Bates ficou de fora da exploração que seu filho fez da diversidade psicológica. Norman saberia por que ela não está se movendo, se apenas ele conseguisse se lembrar.

Antes mesmo de começarmos, estamos fundo no problema da identidade e, na verdade, de várias. ‘Liberalismo’ é a palavra mais profundamente corrompida da história política. Sem qualquer exagero, licença retórica ou latitude metafórica, é o rosto coriáceo fatiado de algo há muito assassinado que agora serve para disfarçar um maníaco espumante com uma motosserra, que não compartilha nada de seu DNA. Esse uso psicopata precisa cair por terra antes mesmo de chegarmos a Bates. Liberalismo, deste ponto em diante, não chega nem perto de significar algo como um progressismo feliz com o estado. Ele é definido, em vez disso, como o pólo oposto do socialismo. Seu único valor dominante é a liberdade. Ele é individualista, sempre apenas cautelosamente tradicionalista, orientado pelo comércio e pela indústria, estrategicamente negligente em cuidado, cético em relação a todas as supostas agências públicas e rigorosamente econômico em relação a todas as dimensões do governo. Ele teve um século XX realmente terrível e agora as coisas não parecem nem um pouco melhores.

Em nenhum momento na história recente as preocupações liberais foram menos relevantes para a política pública – mesmo que seja como chapéu de papel-alumínio ou bicho-papão ‘neoliberal’. Poderia ser necessário retornar à década de 1930 para encontrar uma época de comparável eclipse. Eles não estão sendo ouvidos e certamente não são o objeto de qualquer conversa animada, a não ser para aparecer em zombarias nas mídias sociais como o alvo de piadas. Suas preocupações parecem excêntricas e até mesmo identificavelmente datadas de algum ponto entre o fim dos anos 1970 e o lamaçal do Bush Bebê. Onde a direita já nutriu uma ambivalência secreta por Pinochet, por admiração pelos Chicago Boys, hoje ela só está interessada nos helicópteros.

Não é – em sua maior parte – a confusão de gênero e geracional entre as sub-personalidades de Norma e Norman que torna os libertários tão Batesianos. É o terceiro alter ego, que desaparece no filme, mas não no romance. Norman intermitentemente se confunde com Normal. Normal é o que pensa que ele é como todas as outras pessoas. O liberalismo faz exatamente a mesma coisa. Ele fica louco pensando sobre si mesmo como normal, quando na verdade é WEIRD.

O universalismo liberal envelheceu mal nos anos recentes. Mais especificamente, ele envelheceu mal em duas direções diferentes. À esquerda, o liberalismo foi consumido pelo universalismo, se tornando um monstro globalista que ridiculariza a liberdade, ao passo em que à direita ele foi completamente desmoralizado, conforme despontava o reconhecimento sobre o que o universalismo realmente significa. Para qualquer um que ainda estremeça com algum ligeiro espasmo residual da morte do impulso liberal, a discussão rapidamente fica quase insuportável neste ponto. Isolamento, despedaçamento psíquico e outras manifestações de loucura traumatizada se seguem.

Tudo sobre o que a Eleição Presidencial dos EUA em 2016 tratou é pertinente. O politicamente correto e a Janela de Overton em geral, raça, imigração, gênero e normas sociais em particular, todas as partes apanharam um aspecto da agonia liberal. Donald Trump era, no sentido estrito – e não apenas no depravado – um candidato drasticamente iliberal. Em sua campanha, uma humilhação pública do universalismo quase equivalia a uma plataforma. A política americana havia se tornado abertamente tribal.

Aquela garota americana dos sonhos com que você falava durante o jantar? A que poderia ter sido o futuro? Ela sangrou até morrer por causa de múltiplos ferimentos de facadas durante o banho. Você a matou, Norman. Sim, você. É difícil acreditar, obviamente, mas vamos explicar como.

Para começar com a dimensão mais aquecida da política identitária, o liberalismo tem um problema de raça. Os liberais tendem a gostar muito de imigrantes, ao passo em que os imigrantes não gostam quase nada dos liberais. Alguma evidência quantitativa para isto é fornecida por Hal Pashler, em um artigo (de 2013) sobre U. S. Immigrants’ Attitudes Toward Libertarian Values (“Atitudes dos Imigrantes dos EUA em Relação aos Valores Libertários”), que descobre:

… um notável padrão de apoio inferior a visões pró-liberdade entre os imigrantes, quando comparados com os residentes nascidos nos EUA. Estas diferenças foram, em geral, estatisticamente significativas e consideráveis, com algumas exceções dispersas. Com proporções cada vez maiores da população dos EUA sendo estrangeiras, um baixo apoio a valores libertários por parte de residentes estrangeiros significa que os prospectos políticos dos valores libertários nos EUA provavelmente diminuirão ao longo do tempo.

De acordo com uma ampla gama de métricas, os residentes estrangeiros expressaram um apoio significantemente menor por um governo limitado do que a população nativa. Tais efeitos quase certamente seriam ainda mais fortalecidos se a última categoria em si tivesse sido decomposta em etnias. Quando se ofereceu aos americanos uma escolha binária entre um governo menor ou maior, uma expansão do governo foi favorecida por apenas 27% dos brancos, mas por 55% dos asiáticos, 64% dos negros e 73% dos hispânicos. Categorias étnicas mais precisas apenas aguçam o padrão. A Linha de Hajnal, que divide os mais comprometidos exógamos (do noroeste) da Europa de seus vizinhos mais tribalistas, resume um gradiente de individualismo, entre outros traços liberais distintos. A etnografia de Emmanuel Todd dos tipos de família e suas tendências ideológicas associadas liga o liberalismo à ‘Família Nuclear Absoluta’ (do noroeste europeu). As tradições da lei comum são peculiares dos Anglo-Saxões. Weber e Sombart identificam etnicamente as disposições capitalistas com os protestantes e os judeus (modernos). Começa a parecer extremamente improvável que os liberais representem uma amostra aleatória dos povos do mundo.

O viés liberal de gênero dificilmente é menos impressionante.

O Sufrágio das Mulheres Mudou o Tamanho e o Escopo do Governo? perguntam John Lott e Lawrence Kenny. Certamente parece que sim:

Descobrimos que o governo continuou a crescer conforme a participação eleitoral feminina aumentou ao longo do tempo. Uma vez que o sufrágio foi concedido às mulheres em diferentes estados ao longo de um período grande de tempo, que se estendeu de 1869 a 1920, é improvável que a Primeira Guerra Mundial seja a chave. Esses dados também nos permitem abordar questões de causalidade de maneiras incomuns. A questão central é se dar às mulheres o direito de votar fez com que o governo crescesse, ou se houve alguma outra coisa que contribuiu tanto para as mulheres conseguirem o direito de voto quanto também para o aumento no crescimento do governo. Encontramos efeitos muito similares do sufrágio das mulheres em estados que votaram pelo sufrágio e estados que foram forçados a dar às mulheres o direito de voto, o que sugere que o segundo efeito é pequeno.

A era do grande governo e a da emancipação feminina não parecem ser facilmente distinguíveis. Nas palavras incautas de Peter Thiel:

Desde 1920, o vasto aumento dos beneficiários do estado de bem-estar social e a extensão do direito ao voto às mulheres – dois eleitorados que são notoriamente difíceis para os libertários – tornaram a noção de “democracia capitalista” um oximoro.

A conclusão horrivelmente convincente, mas totalmente iliberal, parece ser de que as mulheres e os não brancos usaram de sua crescente influência política para expandir massivamente o escopo do governo. À qual um terceiro fatos pode ser adicionado, que é o casamento. De maneira bastante simples, solteiros são maníacos comunistas, comparativamente falando. Em relação a política partidária dos EUA, Steve Sailer o chama de ‘lacuna do casamento’. Não é pequena. Na Eleição Presidencial de 2012, as mulheres casadas (em geral) ficaram com Romney em vez de Obama por cerca 55%, mulheres casadas brancas por cerca de 63% e homens brancos casados por cerca de 67%. (A quota de Romney entre as mulheres negras solteiras foi 2%.)

Conforme as medidas demográficas, políticas e sociais liberais foram arraigadas, os liberais clássicos, conduzindo o curso da evolução social moderna a partir de uma posição modestamente à esquerda do antigo establishment monárquico e eclesiástico, eventualmente se tornaram libertários, lutando de maneira ineficaz contra a imersão em tirania socialista, na posição de uma direita exterior encalhada, alienada e ridicularizada. Durante todo esse processo, o liberalismo consistiu – quase sem exceção – de homens brancos. Reconhecidamente, esses tipicamente eram homens brancos em negação. Através de toda a amplidão da história mundial, nunca houve um grupo populacional mais negligente de seus próprios privilégios. E assim eles se destruíram.

Qualquer um que tenha chegado ao estágio “Ó, meu Deus, os estereótipos” com isso está indo a algum lugar. Essa tem sido a parte central do processo de aprendizagem. Todos os estereótipos são verdadeiros (basicamente). Essa é a ciência, também, se ajudar, embora raramente ajude. Exceto quando inflados ou dogmatizados para além do extensão da utilidade enquanto heurística epistemológica geral, os estereótipos tem uma confiabilidade vastamente maior do que – por exemplo – comprometimentos cognitivos ideologicamente motivados. Mais, os liberais clássicos costumavam saber disso. É uma expectativa burkeana.

Estereótipos são produtos sociais espontâneos, como as línguas naturais, a lei comum e o dinheiro metálico. Dizer tudo isto explica por quê os liberais clássicos são conservadores, caracterizados por uma aceitação por princípio da maneira em que as coisas aconteceram. O que havia sido, historicamente, uma visão razoavelmente otimista do governo estatal centralizado foi baseada em quão pouco dele jamais houvera antes. A mera existência do gigantesco estado de bem-estar social democrático torna esse liberalismo conservador (ou conservadorismo liberal) impossível. Um libertarianismo revolucionário radicalmente frustrado toma o seu lugar.

É fácil ver o que faz Bates passar dos limites. Ele pensara que era Normal, mas acontece que ele é um WASP. Através de mais uma reviravolta louca, ele reconhece que a única coisa que os WASPs nunca farão é defender sua própria cultura – essa é um tradição étnica essencial. O libertarianismo tem sido loucamente WASPico nesse sentido, quando ele o observa, o que não consegue fazer por muito tempo. É um paradoxo intratável que conduz, por entre a incoerência, até a fragmentação. Ter protegido sua identidade teria sido algo que apenas um outro poderia ter feito. Talvez sua mãe cuidasse dele? Mas ela está morta.

A identificação do liberalismo clássico com a cultura WASP é uma aproximação forte. Poucas correlações sócio-históricas são mais robustas, mas a coincidência só pode ser estatística. Existem WASPs socialistas e liberais clássicos não-WASPs, embora não o bastante de nenhum deles para perturbar seriamente o padrão. Quando os franceses, em particular, se referem aos anglo-saxões de maneira estereotípica, eles sabem do que estão falando e também o sabe qualquer outra pessoa que esteja prestando atenção. Hubert Védrine coloca da melhor maneira:

[V]amos admitir: A globalização não beneficia automaticamente a França. […] A globalização se desenvolve de acordo com princípios que não correspondem nem à tradição francesa, nem à cultura francesa. Estes princípios incluem a economia de mercado ultraliberal, a desconfiança do estado, o individualismo removido da tradição republicana, o inevitável reforço do papel universal e ‘indispensável’ dos Estados Unidos, o direito comum, a língua inglesa, as normas anglo-saxãs e conceitos protestantes – mais do que católicos.

Tudo faz sentido visto de fora, mas para a própria cultura WASP – o que seria dizer, para o liberalismo – a política identitária é loucura. Isso a deixa sem ter aonde ir. A face de couro esquizo-maoista da esquerda anglófona contemporânea não é nenhum tipo de opção plausível, mas tampouco o é qualquer coisa que se abra na direita popular. Conforme a Alt-Right consolida seu caso passional com a identidade, ela soa cada vez mais como Hubert Védrine. O individualismo é ridicularizado. Sua desconfiança do livre comércio deve mais a Friedrich List do que ao Iluminismo Escocês. Sua crítica da arbitragem trabalhista frequentemente é quase indistinguível daquela familiar das tradições socialistas, marcada pela mesma corrente de ultraje moral com o fato de que o Capital – apesar de ser ele mesmo competitivamente disciplinado por consumidores descomprometidos – tem permissão para pesquisar os melhores preços dos seus recursos humanos. A concorrência de salários, mesmo a concorrência de preços de maneira mais geral, é um objeto cada vez mais comum de ataque. Em seu extremo dinâmico e racial, a Alt-Right promove a solidariedade entre Brancos, ou Europeus, como se qualquer um deles jamais pudesse ser uma coisa WASP. A Europa é do que o liberalismo sempre buscou escapar. O populismo exige uma política de agravos, o que significa uma antipatia padrão às minorias dominantes do mercado e, assim, – no contexto ocidental – uma inclinação irreprimível ao anti-semitismo. Nada disso descreve um lugar ao qual mesmo liberais enlouquecidos possam ir.

Uma vez que a palavra ‘fascismo’ foi tão arruinada pelo uso polêmico incontinente, é difícil empregar sem um sobre-alcance retórico aparente. Isto é infeliz, por em seu sentido frio e técnico, a palavra não é nem sequer meramente conveniente, mas mesmo inestimável. Ela literalmente significa a política do agrupamento. Fasces são bastões unidos. Os liberais são essencialmente definidos pela sua dissidência disso. Se a cultura WASP tem um núcleo, ele é a associação frouxa. Não existe nenhuma possibilidade real de simplesmente reuni-la novamente. Piratas e cowboys não fazem solidariedade nacional. Isso seria uma cultura completamente diferente.

Quanto a Bates, por agora ele já sabe que sua mãe está morta e até mesmo que ele a matou – que ele mata qualquer pessoa parecida com ela. Inundam-se pensamentos ruins. É difícil continuar, mas pelo menos ele tem confiança em seu próprio princípio de não agressão. Não tem jeito de que poderia ter sido como eles dizem, porque ele não machucaria ninguém. Nem mesmo uma mosca.

Original.

A Revolta de Varsóvia de Trump

Para apoiadores e detratores igualmente, o discurso do Presidente dos EUA Donald J. Trump em 6 de julho em Varsóvia foi imediatamente reconhecido com o mais importante de sua presidência até o momento. Uma vez que tanta coisa foi cristalizada através dele – ou talvez trazida à tona – é impossível começar a fazer sentido desse evento sem algum esboço preliminar do seu contexto.

A nova polaridade ideológica dominante, em ambos os lados do Atlântico, exibe características notavelmente similares. Talvez de maneira mais contundente, ela exibe a culminação de uma inversão ideológica de classe, que por décadas vinha chegando e que alinhou as massas – e, em particular, a classe trabalhadora nativa – com a direita, e as elites sociais com a esquerda. Consequentemente, o populismo foi firmemente estabelecido como um fenômeno da direita. Mesmo aquelas posições liberais clássicas mais fortemente ligadas ao avanço da liberdade comercial e, assim, mais firmemente associadas com a direita conservadora, não escaparam a um embaralhamento radical, seja através de reavaliação, marginalização ou inversão completa.

Nesta nova e desconcertante época, o interesse empresarial deixou de ser qualquer tipo de índice para a afiliação com a direita, e a oposição popular ao livre comércio não mais define um bloco substancial na esquerda. Se qualquer coisa, o oposto agora é verdadeiro. Aqueles, na esquerda ou na direita (incluindo este autor), que teimosamente mantém que a orientação ideológica ao capitalismo é a determinante fundamental da polaridade política significativa se descobrem lançados em uma posição de anacronismo desconexo. A impressionante magnitude desta transição não deveria ser subestimada.

Esse não é, claro, um desenvolvimento sem precedentes alarmantes. De pelo menos uma perspectiva – que não é, de forma alguma, necessariamente histérica – a fronteira entre o populismo de direita e o fascismo pode ser difícil de discernir. No que diz respeito ao contexto afetivo do discurso de Trump, esse é, sem dúvidas sérias, o elemento mais importante.

Muitos livros poderiam ser devotados aos novos termos da controvérsia política e quase certamente o serão. Cada um dos ainda instáveis novos campos é altamente heterogêneo e entrecruzado por uma variedade de interesses estratégicos complexos em relação à maneira em que a grande fenda entre eles é descrita, então toda tentativa de articulação será contestada, frequentemente de maneira feroz. Ainda assim, mesmo em meio ao atual choque e confusão, alguma estrutura básica é discernível. Além da oposição política entre esquerda e direita – em seu sentido atual e reajustado – não é difícil reconhecer uma ênfase globalista e nacionalista correspondentes, colocando universalistas contra particularistas: defensores da ordem institucional mundial contemporânea contra seu oponentes, ou partidários de uma abertura cosmopolita contra localistas paroquiais, de acordo com o gosto. Uma vez que, de maneira concreta, a insurgência marca uma crise da gestão social internacional e da confiança em elites estabelecidas e credenciadas, descrevê-la como uma luta entre tecnocratas e populistas é mais ou menos o mais neutro que podemos ser. Tais termos são empregados aqui como meros rótulos, em vez de como julgamentos ou explicações. Nenhuma depreciação extravagante é dirigida a qualquer um dos dois em relação ao outro. Os eleitorados que eles nomeiam têm profundidades substanciais que excedem qualquer definição fácil. Eles são massas sociais obscuras em conflito, em vez de ideias concorrentes.

Com a chegada de Trump em Varsóvia, dois pares de eleitorados políticos profundamente antagonistas – um americano, o outro europeu – foram mapeados um ao outro, de maneira ressonante. A América Vermelha Populista encontrou seu campeão local em Varsóvia, versus aquela da América Azul, em Berlim. Esses alinhamentos não foram seriamente questionados, de nenhum lado. Que a política de portas abertas da Alemanha de Angela Merkel, exemplificando sua defesa das instituições da UE e das posições políticas tradicionais em geral, estava em afinidade fundamental com as instituições ideológicas da América Azul era auto-evidente para todas as partes. Reciprocamente, a identificação da América Vermelha Trumpiana com a posição polonesa de dissidência à UE – sobre a questão da imigração mais claramente – foi tomada como auto-evidente. Mesmo antes da visita, para aqueles que prestavam atenção, o regime polonês tinha se tornado um ícone da revolta popular etno-nacionalista contra o governo tecnocrata transnacional, contra o secularismo evangélico e contra a imigração em massa. Tudo bateu.

É difícil estar confiante sobre o quanto uma estratégia lúcida subjazeu o evento. Em todas as questões sobre Trump, a suposição padrão tende a ser não muito. Dada a vociferação característica de Trump e seu conforto incomum com uma demagogia baixa, tal repúdio deve ser esperado. Isto não é, de maneira alguma, sugerir que seja perspicaz. Se instintos políticos afinado à quase perfeição não desempenhassem nenhuma parte, então a intervenção divina – ou alguma bênção da fortuna funcionalmente indistinguível dela – é a próxima hipótese mais plausível.

O discurso em si foi retoricamente pedestre e até mesmo desajeitado. É difícil imaginar qualquer frase singular dele sendo lembrada, a não ser para propósitos de seca ilustração histórica. A linguagem foi inteiramente adaptada à sua audiência imediata – tanto local quanto internacional – em vez de ao deleite das futuras gerações. O discurso foi, neste aspecto entre outros, uma coisa da era da mídia social, afinado ao feedback instantâneo. Ele manifestamente bajulou, mesmo nos padrões funestos de tais orações. A conexão que alcançou com seus ouvintes locais se inclinou à auto-congratulação coletiva. Uau, nós realmente somos ótimos parece ter sido o consenso, entre os diretamente envolvidos. Àqueles pouco inclinados a se identificar com o falante e a multidão em questão, isso só pode ter sido irritante. Comícios inimigos geralmente são, como os conservadores aprenderam durante os anos de Obama. O amor-próprio imperturbável dos seus inimigos, exuberantemente manifesto, é uma coisa verdadeiramente horrível de se ver. Naturalmente, Trump não ficou mais angustiado com esse fato do que seu antecessor.

Há mais um elemento contextual indispensável que precisa ser levantado antes de procedermos à reação da mídia – que foi, claro, o nível mais profundo do evento – e essa é a ‘Coisa Judia‘. Todo mundo sabe, em algum nível, que temos que começar a falar sobre isso, de alguma maneira, mesmo aqueles que – de maneira totalmente compreensível – realmente não querem. Ignorar o tópico é uma opção que está desaparecendo, porque não há razão nenhuma para pensar que isso irá embora. Talvez tenha sido mera coincidência que a visita de Trump tenha lhe levado fundo no território do holocausto, o que, novamente, ninguém realmente parece querer mencionar, muito embora tenha sido uma linha explícita em seu discurso. Foi, contudo, estruturalmente essencialmente para tudo que se seguiu. Inequivocamente, mesmo na medida em que passou despercebido, a dimensão judaica adicionou grandemente à intensidade febril da resposta.

A extrema sensibilidade às ansiedades sócio-políticas judaicas que predominou no Ocidente pós-guerra está notavelmente perdendo sua força, de uma maneira que não parece plausivelmente reversível. Pelo menos em parte, isso é uma consequência da generalização da política identitária, predominantemente sob direção esquerdista, que tem o peculiar efeito cultural – em seus estágios tardios – de que casos especiais estão ficando cada vez mais difíceis de se fazer. O status vitimológico rebenta seus bancos, em meio a condições de paranoia étnica ilimitada e simétrica. Lúgubres anedotas de agravos – adaptadas para todo nicho social imaginável – estão sempre em abundância, alimentadas pelas linhas de suprimento da Internet. Narrativas de perseguição explodem vindas de todos os lados. Demandas para se “cheque seus privilégios” se provaram estranhamente móveis e reversíveis, conforme foram crescentemente normalizadas, até o ponto – neste exemplo em particular – do anti-semitismo aberto e cáustico.

O resultado não é nada menos do que uma crise da esquerda judaica diaspórica, cuja margem argumentativa foi anulada por décadas de imunidade excepcional a críticas implacáveis. Estratégias culturais defensivas que, por meio século, foram aceitas sem questionamento, enquanto privilégio etno-histórico especial, bem repentinamente ficaram sujeitas a uma inspeção pública irreverente. Todo mundo quer um pedaço do sobrevivencialismo étnico agora.

Esta é a chave para o que ocorreu em Varsóvia. É evocada como sub-texto para o lamento de angústia de Peter Beinart, quando exposto à frase de Trump: “A questão fundamental de nosso tempo é se o Ocidente tem a vontade de sobreviver”. Beinart estava bastante correto em reconhecer – horrorizado – a ressonância desta frase com os elementos mais extremos da presente transição, mas isso não foi de nenhum auxílio para ele. Ele havia sido emboscado.

Trump fez seu discurso explicitamente sobre sobrevivência étnica, alinhado de maneira desarmadora com a vitimização judaica na Segunda Guerra, com a heroica resistência polonesa à ocupação militar estrangeira e, finalmente – e de maneira mais provocadora -, com a situação contemporânea do Ocidente. Naturalmente lhe ajudou, esmagadoramente, que a Revolta de Varsóvia tenha sido uma insurreição contra nazistas reais. Isso forneceu uma vacina contra o funcionamento normal da Lei de Godwin. Sabe quem mais queria sobrevivência étnica? Adolf Hitler! – Alcançamos o núcleo do evento agora. Simplesmente não havia nenhuma maneira em que essa resposta, que era a única que importava para os inimigos de Trump na esquerda, pudesse, de alguma maneira concebível, ser feita operar nesta ocasião. O que estava sendo celebrado eram os poloneses sobrevivendo ao nazismo, depois ao comunismo e, agora, – de maneira infinitamente estranha – novamente aos alemães, desta vez colocados no papel de executores principais de uma ordem política transnacional que promove um multiculturalismo obrigatório, uma tecnocracia secular e a cultura da auto-flagelação histórica ocidental. O resultado, quase inevitavelmente, foi um tumulto.

Não foram necessários grandes vôos de deslumbramento oratório para triunfar neste campo de batalha. A situação fez quase tudo. Os inimigos enlouquecidos de Trump tropeçaram na armadilha e foram estilhaçados. A esquerda, para quem é claro que o Ocidente não tem nenhum direito de sobreviver, se encontrou ideologicamente isolada em um grau sem precedentes na atual administração. Seus aliados táticos no establishment conservador do ‘Nunca-Trump’ evaporaram. Duros céticos de Trump, tais como Rod Dreher, David French, e Jonah Goldberg contribuíram com seus talentos para a caça dos remanescentes esquerdistas em fuga. David Frum só manteve seu terreno na oposição argumentando que Trump era pessoalmente indigno de seu próprio discurso.

Beinart saiu do trauma da pior maneira. Ele será para sempre assombrado por sua própria definição da questão em jogo, que foi imediatamente julgada de todos os lados como sendo uma produção não forçada de propaganda para a Alt-Right: “O Ocidente é um termo racial e religioso. Para ser considerado Ocidental, uma país dever ser largamente cristão (preferencialmente Protestante ou Católico) e largamente branco”. Por toda mídia social, muitos acenos de cabeça se seguiram, vindos de eleitorados cuja aprovação ele certamente menos apreciaria.

Jonah Goldberg recusou explicitamente seguir o que era agora tão vividamente exibido como a estrada de etno-masoquismo europeu obrigatório e auto-ódio civilizacional: “O que é irônico é que a raiva de bater na mesa de Peter sobre a fala de Trump sobre o Ocidente é tão Ocidental. A tolerância do Ocidente a filosofias anti-Ocidentais é uma característica razoavelmente singular do próprio Ocidente. Nós amamos nos flagelarmos.” A defesa do Ocidente, portanto, é tomada como uma causa inclusive de seus críticos.

É Rod Dreher, contudo, que melhor captura o que Trump consolidou em Varsóvia, talvez pela primeira vez. Ele diz, comparando Trump a seus críticos esquerdistas:

Como frequentemente é o caso com conservadores e Trump, não importa o quanto você despreze ele e suas pompas e obras, no fim das contas, você sabe que ele não odeia suas crenças e que ele e seu governo não vão usar o poder do Estado para lhe suprimir como uma ameaça à ordem pública e a todas as coisas boas e sagradas. […] Isso é alguma coisa.

Não importa o quanto Trump fomente aversão entre muitos conservadores, ele também provoca eventos que lembram os conservadores porque eles odeiam os liberais (usando estes termos em seu sentido americano contemporâneo degenerado). Muitos conservadores odeiam Trump e continuarão a odiá-lo, provavelmente até o fim do seu segundo mandato no cargo, se não por mais tempo. Mas a maneira em que os liberais o odeiam apresenta uma óbvia ameaça existencial a todas as formas de vida conservadora. Como Martin Niemöller nunca realmente disse, primeiro eles vieram para o Trump e estava bem óbvio que eu era o próximo na fila.

Original.

Democratização do X-Risco

Yudkowsky revisto: “A cada dezoito meses, o QI mínimo necessário para destruir o mundo cai em um ponto”.

Tergiverse sobre a programação (satírica da Lei de Moore), e o ponto ainda está de pé. A capacidade dissuasiva massiva tende a se espalhar.

Isso é ‘democrático’ na maneira em que o termo é comumente usado por aqueles que buscam aferrolhar as tendências de descentralização à credibilidade ideológica dos princípios de legitimação jacobinos. O capitalismo de consumo, a Internet e cripto-sistemas peer-to-peer são teoricamente ‘democráticos’ desta maneira. Eles subvertem a governança centralizada e se espalham através do contágio horizontal. O fato de que eles não tem absolutamente nada a ver com a representação política popular é de interesse de apenas certas agendas retóricas, e de forma alguma de outras. É besteira sofística pop-capitalista usar a palavra democracia desta maneira, mas normalmente não vale a pena para a Esquerda o trabalho de contestá-la, e a parte da Direita que não está animada em andar de carona nessa estratégia de propaganda normalmente é indiscriminada demais para se incomodar em se desembaraçar dela. Há um raro artigo de RP ‘direitista’ funcional aqui, mas nunca o suficiente para importar muito (e é essencialmente desonesta demais para a Direita Exterior defender).

Ao contrário da Democracia® (ideologia da Catedral), contudo, essa ‘democratização’ tem uma profunda consistência cibernética. Ela cai para fora do tecno-capitalismo com tamanha inevitabilidade automática que provavelmente é impossível de desligar sem encerrar a coisa toda. A escalação do capital produz a deflação tecnológica como seu subproduto metabólico básico, de modo que a ‘democratização’ da capacidade produtiva é inelutável. Os computadores migraram de exóticos bens de capital para componentes triviais de produtos de consumo dentro de meio século. Estude essa tendência e você verá toda a estória.

A deflação da dissuasão é a tendência profunda. Conecte a citação de Yudkowsky com os mercados de assassinato para chegar onde ela está indo. (Tente engavetar os escrúpulos morais até depois que você estiver vendo a figura.)

Imagine, hipoteticamente, que algum agente privado maníaco queira apenas lançar uma bomba atômica em Meca. Qual é a obstrução? Podemos confiantemente dizer – de uma vez só – que é um problema cada vez menor com cada ano que passa. A tendência histórica básica garante isso. Fanáticos islâmicos comparativamente incompetentes são as únicas pessoas testando com seriedade essa tendência nesse momento, mas isso não vai durar para sempre. Eventualmente, agentes mais inteligentes e mais estrategicamente flexíveis vão adquirir interesse na capacidade descentralizada de destruição em massa e eles fornecerão uma indicação bem melhor de onde está a fronteira.

Bombas nucleares fariam isso. Elas certamente vão ser democratizadas, no fim das contas. Existem provavelmente capacidades acelerantes de ADM muito mais notáveis, no entanto. Em quase todos os aspectos (capacidade de produção descentralizada, curva de desenvolvimento, economia, impacto…) armamentos biológicos deixam os nucleares na pó. Qualquer um com um bilhão de dólares, um rancor sério e um perfil de sociopatia de ponta poderia entrar em um jogo de ameaça de guerra biológica global dentro de um ano. Tudo poderia ser reunido em garagens secretas. As negociações poderiam ser conduzidas em segura anonimidade. Esculpir uma soberania a partir do jogo exigiria apenas recursos, crueldade, brilhantismo e nervos. Uma vez que você possa crivelmente ameaçar a matar 100.000.000 de pessoas, todos os tipos de oportunidade estratégicas estão abertos. O fato de que ninguém tentou isso ainda em grande parte se resume aos bilionários serem gordos e felizes. Só é necessário de um Doctor Gno para quebrar o padrão.

Essa é a sombra lançada sobre o século XXI. Jogos massivamente descentralizados de dissuasão incondicionalmente radicais são simplesmente inevitáveis. Qualquer um que pense que o estado do status quo detém algum tipo de supremacia de longo prazo sob essas circunstâncias não está vendo nada.

Um governo global totalitário poderia parar isso! Mas isso não vai acontecer – e já que ele não vai, isso irá.

Original.