1930-e-poucos

A história nunca se repete, mas rima, assim diz o sugestivo aforismo (falsamente?) atribuído a Mark Twain.

James Delingpole escreve no Daily Telegraph:

…você já tentou ler revistas ou jornais privados dos anos 1930? O que vai te surpreender é que, até o último minuto – até o momento de fato em que a guerra realmente eclodiu – mesmo os comentadores e escritores mais perspicazes e informados se agarravam à ilusão de que as coisas de alguma forma iriam dar certo. Eu realmente espero que a história não esteja prestes a se repetir. Infelizmente, a lição da história é que, vezes demais, ela o faz.

Tem muito disso por aí.

Para um relato teórico de como a história poderia rimar, em um ciclo sinistro de 80 anos, há um modelo geracional que  o tom. “Strauss & Howe estabeleceram que a história pode ser decomposta em Saeculums de 80 a 100 anos, que consistem de quatro viradas: O Ponto Alto, O Despertar, O Desvendamento, e a Crise.” De um ponto de vista filosófico, parece um pouco sub-potenciado, mas sua plausibilidade cresce a cada mês.

Entre as anomalias de Shanghai está uma relação peculiar com os anos 1930. Para a cidade além da Concessão Internacional, a década caiu em desastre quando as hostilidades sino-japonesas eclodiram em 1937. Ainda assim, o período precedente não foi marcado por depressão, mas por um Alto Modernismo exuberante. Datas dos anos 1930 que em muito do mundo pareceriam distintamente sinistras estão expostas nas construções históricas da cidade como uma marca da autenticidade da Era Dourada. Para a mente paranoica, isso se encaixaria perfeitamente no mesmo esquema de rima perturbador de hoje.

Na maior parte do mundo rico, a decadência econômica, política e cultural pareceu – retrospectivamente – pressagiar o cataclisma vindouro, como se nada menos pudesse sacudir sistemas sociais exauridos de sua implacável trajetória descendente. Em quase todo lugar, alguma versão do pensamento fascista foi apreendida como o antídoto para o mal-estar que se congregava de maneira implacável. Por debaixo da superfície da ordem geoestratégica global, placas tectônicas em deslocamento acumulavam uma intolerável tensão. Sistemas monetários degenerados se despedaçaram em redemoinhos incontroláveis de sinais desfuncionais.

Ainda assim, é inteiramente possível que não haja nada com o que se preocupar:

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ADICIONADO: “Se você ouvir ecos dos anos 1930 na capitulação em Genebra, é porque o Ocidente está sendo liderado pelo mesmo tipo de homens, mas sem os guarda-chuvas.” (Estou ouvindo ecos dos anos 1930 em basicamente todos os lugares.)

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Big Bang – uma apreciação

Algumas razões para se amar o Big Bang:

– O tempo fica tenso novamente.

– O modelo de estado estacionário é provado insustentável – a mais requintada ironia de todos os tempos?

– As teorias físicas agora têm datas cósmicas. Por exemplo, a ainda elusiva teoria unificadora da gravitação quântica corresponde à Época de Planck, quando o universo ainda era bem menor do que um núcleo atômico, compelindo a gravidade a operar na escala quântica. Similarmente, a tecnologia de aceleradores de partículas se torna uma regressão ao tempo profundo.

– A Época de Planck é realmente selvagem: “Durante a era de Planck, o Universo pode ser melhor descrito como uma espuma quântica de 10 dimensões contendo buracos negros de comprimentos de Planck sendo continuamente criados e aniquilados sem qualquer causa ou efeito. Em outras palavras, tente não pensar sobre esta era em termos normais”.

– O vazio se anima. Sten Odenwald cita o físico da UCSB Frank Wilczek: “A razão pela qual há algo ao invés de nada é que nada é instável”.

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Dupla Predestinação

A herança cladística exige que eu comece a falar sobre a doutrina calvinista da Providência aqui (logo), apesar da minha total depravação cognitiva sobre o tópico. Tenho estado lendo as Institutas da Religião Cristã, e em seu entorno, mas inevitavelmente como se fosse de Marte (e como um confucionista). Tem que ser o caso de que muitos dos visitantes aqui são vastamente mais intelectualmente fluentes sobre o assunto, de modo que quaisquer comentários antecipatórios serão avidamente apoderados.

A fatalidade, até onde ela está inicialmente evidente:

(1) A Neorreação, localizada cladisticamente, é um estilhaço criptocalvinista.

(2) As doutrinas que colocaram o calvinismo no “gabinete dos horrores” de H. L. Mencken (“próximo ao canibalismo”), nunca foram filosoficamente dissolvidas, seja por argumentos teológicos ou seculares.

(3) A dispensa moralista da modernidade e, por associação, do protestantismo, evidencia uma concepção quase incompreensivelmente crua da Providência – como se a maneira em que as coisas ocorreram não fosse uma fatalidade e, em termos teológicos, uma mensagem (ou punição), mas sim um acidente ou contingência criada pelo homem. A teologia rigorosa da modernidade não pode se reduzir a mera denúncia.

(4) O calvinismo é um instrumento com o qual se explorar o catolicismo, especialmente no que diz respeito à sua filosofia implícita da história (e ao recursos ao raciocínio teleológico). O ‘Neo-‘ na Neorreação parece ser uma marca calvinista. Há um sem número de explicações seculares influentes para a maneira em que a história torturou a Igreja – de modo que mesmo os religiosos parecem tipicamente assumi-las por padrão. Onde se encontra uma descrição radicalmente providencial (que escave o significado teológico da modernidade)?

(5) A própria palavra ‘Catedral’, em seu uso neorreacionário, não é um sinal providencial complexo? (O que sugere que ela tem bem mais a dizer do que qualquer coisa que escritores neorreacionários ou o mero acidente coloquem nela.)

(6) O aglomerado de disputas em torno da ‘predestinação’ (ou ação da eternidade sobre a história) é a chave ocidental para o problema do tempo.

Estou certo de que há muito mais…

[Isto ajuda a estabelecer o tom.]

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Re-Aceleracionismo

Existe uma palavra para um ‘argumento’ tão ensopadamente insubstancial que tem que ser recolhido entre um par de aspas para ser apreendido, mesmo em sua auto-dissolução? Se existisse, eu a estaria usando o tempo todo recentemente. Entre as últimas ocorrências está um post do blog de Charlie Stross, que se descreve como “uma especulação política”, antes de desaparecer no gosmenon cinza. Nada nele realmente se mantém, mas é divertido à sua própria maneira, especialmente se for tomado como um sinal de alguma outra coisa.

A ‘outra coisa’ é uma cumplicidade subterrânea entre a Neorreação e o Aceleracionismo (o último linkado aqui, no estilo de Stross, em sua forma mais recente e Esquerdista). Comunicando-se com seu companheiro ‘Martelo da Neorreação’ David Brin, Stross pergunta: “David, você já se deparou com o equivalente esquerdista dos Neo-Reacionários – os Aceleracionistas?” Ele então continua, convidativamente: “Eis aqui minha (irreverente) opinião sobre ambas as ideologias: Singularitários trotskistas pelo Monarquismo!”

Stross é um romancista cômico-futurista, então é irrealista esperar muito mais do que uma diversão dramática (ou qualquer coisa mais que seja, na verdade). Depois de um divertido meandro por entre as partes do grafo social trotskista-neolibertário, que poderia ter sido depositado em uma curva de tipo tempo saindo de Singularity Sky, aprendemos que o Partido Comunista Revolucionário Britânico tem estado em um estranho caminho, mas qualquer conexão que houvesse com o Aceleracionismo, quanto mais com a Neorreação, se perdeu inteiramente. Stross tem o instinto teatral de acabar com a performance antes que ela se tornasse embaraçosa demais: “Bem-vindos ao século dos monarquistas trostskistas, dos reacionários revolucionários e da política extremista do paradoxal!” (OK.) A cortina se fecha. Ainda assim, tudo foi comparativamente bem humorado (pelo menos em contraste com o bate-cabeça cada vez mais raivoso de Brin).

A Neorreação é o Aceleracionismo com um pneu furado. Descrita de maneira menos figurativa, ela é o reconhecimento de que a tendência de aceleração é historicamente compensada. Além da máquina de velocidade, ou capitalismo industrial, há um desacelerador cada vez mais perfeitamente pesado, que gradualmente drena o impulso tecno-econômico para dentro de sua própria expansão, conforme ele retorna o processo dinâmico à meta-estase. Comicamente, a fabricação deste mecanismo de freio é proclamada como progresso. É a Grande Obra da Esquerda. A Neorreação surge como resultado de nomeá-la (sem afetação excessiva) como a Catedral.

A armadilha deve ser explodida (como advogado pelo Aceleracionismo) ou a explosão foi presa (como diagnosticado pela Neorreação)? – Esta é a casa do enigma cibernético sob investigação. Um esboço rápido do pano de fundo poderia ser útil.

O catalisador germinal para o Aceleracionismo foi um chamado, no Anti-Édipo de Deleuze & Guattari, para se “acelerar o processo”. Trabalhando como cupins dentro da mansão em decomposição do Marxismo, que foi sistematicamente eviscerada de todo hegelianismo até se tornar algo totalmente irreconhecível, D&G veementemente rejeitaram a proposta de qualquer coisa jamais tivera “morrido de contradições”, ou jamais iria. O capitalismo não nasceu de uma negação, tampouco iria ele perecer de uma. A morte do capitalismo não poderia ser entregue pelo machado do carrasco de um proletariado vingativo, porque as aproximações realizáveis mais próximas do ‘negativo’ eram inibitórias e estabilizantes. Longe de propelir ‘o sistema’ a seu fim, elas reduziam a dinâmica a um simulacro de sistematicidade, retardando sua aproximação de um limite absoluto. Ao progressivamente comatizar o capitalismo, o anti-capitalismo o arrastava de volta a uma estrutura social de auto-conservação, suprimindo sua implicação escatológica. O único caminho Para Fora era adiante.

O Marxismo é a versão filosófica de um sotaque parisiense, um tipo retórico, e, no caso de D&G, ele se torna algo semelhante a um sarcasmo superior, zombando de cada princípio significativo da fé. A bibliografia de Capitalismo e Esquizofrenia (do qual Anti-Édipo é o primeiro volume) é um compêndio de teoria contra-Marxista, desde revisões drásticas (Braudel), passando por críticas explícitas (Wittfogel), até rejeições desdenhosas (Nietzsche). O modelo de capitalismo de D&G não é dialético, mas cibernético, definido por um acoplamento positivo de comercialização (“decodificação”) e industrialização (“Desterritorialização”), tendendo intrinsecamente a um extremo (ou “limite absoluto”). O capitalismo é a instalação histórica singular de uma máquina social embasada em escalação cibernética (feedback positivo), se reproduzindo apenas incidentalmente, como um acidente na contínua revolução socio-industrial. Nada exercido contra o capitalismo pode se comparar ao antagonismo intrínseco que ele dirige à sua própria atualidade, confirme ele acelera para fora de si, arremessando-se ao fim já operacional ‘dentro’ dele. (Claro, isto é loucura.)

Uma apreciação detalhada do “Aceleracionismo de Esquerda” é uma piada para uma outra ocasião. “Falando em nome de uma facção dissidente dentro do mecanismo de freio moderno, nós realmente gostaríamos de ver as coisas progredirem muito mais rápido.” OK, talvez possamos trabalhar em alguma coisa… Se isso ‘levar a algum lugar’, só pode ficar mais divertido. (Stross está certo sobre isso.)

A Neorreação tem um ímpeto bem maior e uma diversidade associada. Se reduzida a um espectro, ela inclui um ala ainda mais Esquerdista que a Esquerda,uma vez que critica a Catedral por falhar em parar a loucura da Modernidade com nada parecido com o vigor suficiente. Você deixou este monstro sair da coleira e agora não consegue pará-lo poderia ser sua acusação característica.

Na Direita Exterior (neste sentido) se encontra um Re-Aceleracionismo Neorreacionário, o que é dizer: uma crítica do desacelerador, ou da estagnação ‘progressista’ enquanto desenvolvimento institucional identificável – a Catedral. Desta perspectiva, a Catedral adquire sua definição teleológica a partir de sua função emergente enquanto cancelamento do capitalismo: o que ela tem que se tornar é o negativo mais ou menos precisa do processo histórico primário, de tal modo que componha – junto com a cada vez mais extensa sociedade em liquidação que ela parasita – um mega-sistema cibernético metastático, ou armadilha super-social. ‘Progresso’, em sua encarnação manifesta, madura, ideológica, é a anti-tendência necessária para levar a história à imobilidade. Conceba o que é necessário para impedir a aceleração até a Singularidade tecno-comercial, e a Catedral é o que isso será.

Aparatos compensatórios auto-organizantes – ou montagens de feedback negativo – se desenvolvem de maneira errática. Eles buscam equilíbrio através de um comportamento típico rotulado ‘caça’ – ajustes ultrapassantes e re-ajustes que produzem padrões ondulatórios distintivos, garantindo a supressão da dinâmica de fuga, mas produzindo volatilidade. Esperar-se-ia que um comportamento de caça da Catedral de suficiente crueza gerasse ocasiões de ‘Singularidade da Esquerda’ (com subsequentes ‘restaurações’ dinâmicas) como ultrapassagens inibitórias de ajuste para um travamento (e reinicialização) do sistema. Mesmo estas oscilações extremas, contudo, são internas ao super-sistema metastático que elas perturbam, na medida em que um gradiente geral de Catedralização persiste. Antecipar a escapada no limite péssimo do ciclo de caça metastático é uma forma de ilusão paleo-marxista. A jaula só pode ser rompida no caminho para cima.

Para a Neorreação Re-Aceleracionista, a escapada para dentro da fuga cibernética descompensada é o objetivo guia – estritamente equivalente à explosão de inteligência, ou Singularidade tecno-comercial. Tudo o mais é uma armadilha (por necessidade definitiva da dinâmica do sistema). Pode ser que monarcas tenham algum papel a desempenhar nisso, mas não está de maneira alguma óbvio que eles tenham.

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À Beira da Loucura

Uma incitação de @hugodoingthings a se explorar as criptas densa de fantasmas do Basilisco de Roko (que, inexplicavelmente, nunca pegou antes) levou direto a este cativante relato na RationalWiki. Todo o artigo é excitante, mas o seguintes pequenos parágrafos se destacam por sua extraordinário intensidade dramática:

O basilisco de Roko é notável por ter sido completamente banido das discussões no LessWrong, onde qualquer menção a ele é deletada. Eliezer Yudkowsky, fundador do LessWrong, considera que o basilisco não funciona, mas não explica por quê, pois não considera que a discussão aberta sobre a noção de comércio acausal com possível superinteligências seja demonstravelmente segura.

Super-extrapolações bobas de memes, jargões e conceitos locais são bastante postados no LessWrong; quase todas apenas recebem votos negativos e são ignoradas. Mas a esta, Yudkowsky reagiu a ela imensamente e depois redobrou sua reação. Graças eu efeito Streisand, discussões sobre o basilisco e os detralhes sobre o caso logo se espalharam para fora do LessWrong. Na verdade, ele agora é frequentemente discutido fora do LessWrong, em quase qualquer lugar em que o LessWrong sequer seja discutido. Todo o caso constitui um exemplo real de um falha espetacular de gerenciamento comunitário e controle de informações supostamente perigosas.

Algumas pessoas familiares com o memeplexo do LessWrong sofreram distúrbios psicológicos graves após contemplarem ideias afins à do basilisco – mesmo quando elas estavam razoavelmente seguras intelectualmente de que ele é um problema bobo. A noção é levada suficientemente a sério por alguns postadores do LessWrong para que eles tentem descobrir como apagar evidências de si mesmos, de modo que uma futura IA não possa reconstruir uma cópia deles para torturar.

“…Quer dizer, uma infiltração retrocrônica de IAs está realmente deixando as pessoas loucas, agora mesmo?”. Ah, sim. No Less Wrong, o comentador ‘rev’ clama por ajuda:

Existe algum mecanismo neste site para lidar com questões de saúde mental desencadeadas por posts/tópicos (especificamente, o post proibido do Roko)? Eu realmente apreciaria que qualquer postador interessado entrasse em contato por MP para uma conversa. Eu não realmente sei a quem recorrer. …

Vagando pela ala psiquiátrica, passando por fileiras de Tiras Turing neurologicamente destruídos, violados no fundo de suas mentes por algo indizível vindo até eles do futuro próximo… Estou completamente viciado. Alrenous foi notavelmente bem sucedido em me desmamar desse lixo de ontologia estatística, mas uma dose de EDT concentrada, e volta tudo de novo, como a maré do destino.

Pesadelos se tornam peças de máquina projetadas com precisão. Desta forma, somos conduzidos um pouco mais ao fundo, ao longo do caminho das sombras…

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Teleologia e Camuflagem

A vida parece estar saturada de finalidades. É por isso que, antes da revolução darwinista na biologia, elas foram a provocação primária de argumentos (teleológicos) de desígnio e anteriormente nutriram apelos aristotélicos a causas finais (teleologia). Mesmo pós-Darwin, as ciências biológicas continuaram a perguntar para quê as coisas são e a investigar as estratégias que as guiam.

Esta resiliência da inteligibilidade propositada é tão marcada que um neologismo foi cunhado especificamente para esses fenômenos – em grande parte coextensivos ao campo do estudo biológico – que simulam a teleologia em um grau extremo de aproximação. ‘Teleonomia’ é mecanismo camuflado como teleologia. O disfarce é tão profundo, difundido e convincente que legitima a perpetuação de descrições baseadas em propósitos, dado apenas o reconhecimento formal de que os termos de sua redutibilidade última sejam – em princípio – entendidos.

Quando organismos são camuflados, ‘a fim de’ parecerem como algo além daquilo que são, uma explicação propositada e estratégica ainda parece (quase) inteiramente apropriada. Seus padrões são enganações – ‘projetadas’ para desencadearem falsos reconhecimentos em predadores e presas e talvez, igualmente, em um nível mais profundo, entre os naturalistas que não conseguem deixar de ver desígnio estratégico na aparência de galho de um inseto (não menos claramente do que um pássaro vê um galho). Ao reduzir a vida ’em verdade’ a mecanismo, a biologia redefine a vida como simulação, que sistematicamente esconde o que ela realmente é. O darwinismo continua sendo contra-intuitivo, mesmo entre darwinistas, porque a enganação é inerente à vida.

A ciência natural moderna concebe o tempo como a dimensão assimétrica. Suas duas grandes ondas – de causação mecânica (a partir do século XVI) e de causalidade estatística (a partir do século XIX) – ambas orientam a linha do tempo como uma progressão de condições para condicionados. Estados posteriores são explicados pela referência a estados anteriores, com a explicação equivalendo a uma elucidação de dependência do que veio antes.

É notável e inteiramente previsível, portanto, que, como tópico científico moderno, a origem do universo seja esmagadoramente privilegiada à sua destinação. Como o universo acaba é dificilmente mais do que uma reflexão tardia, anuviada em incerteza liberalmente tolerada e até mesmo em uma pitada de não-seriedade. Origens são o santo graal da investigação de espirito mecanicista, ao passo que Fins são suspeitos, medievais, especulativos… e enganadores.

Não se poderia esperar que ciência empírica adotasse qualquer outra atitude, dada a assimetria temporal da evidência. O passado deixa traços, em memórias, memorandos, registros e restos, ao passo que o futuro não nos diz nada (a menos que fortemente disfarçado). Do passado-para-o-presente, há uma cadeia de evidências que pode ser laboriosamente reconstruída. Do futuro-para-o-presente, há uma trilha sem marcas ou mesmo (como a racionalidade moderna tipicamente supõe) nenhuma trilha que seja.

Quando a ciência moderna cede à sua tendência de interpretar a linha do tempo como um gradiente de realidade, ela não está inovando, mas metodicamente sistematizando uma antiga intuição. O passado tem que parecer mais real do que o futuro, porque ele realmente aconteceu, ele nos alcança, e nós herdamos seus sinais. Da perspectiva da filosofia, contudo, este viés é insustentável. O tempo em si mesmo não é nenhum pouco ‘mais denso’ no passado ou no presente do que no futuro, suas bordas não podem pertencer a qualquer momento no tempo, e o que ele ‘é’ só pode ser perfeitamente trans-temporal. O tempo em si mesmo não pode ‘vir’ de uma ‘origem’ cujo sentido todo pressupõe a ordem do tempo.

A filosofia está inteiramente, eternamente e rigorosamente confiante de que o Lado de Fora do tempo não foi simplesmente antes. Ela é compelida a ficar hesitante quanto a qualquer ‘história do tempo’. Da realidade nua do tempo (como aquilo que não pode simplesmente ter começado), se ‘segue’ que causas últimas – aquelas consistentes com a natureza do tempo em si mesmo – não podem ser nenhum pouco mais eficientes do que finais. A supressão assimétrica da teleologia na modernidade começa a parecer como se fosse uma ilusão bem mais profundamente enraizada, ou – abordada a partir do outro lado – uma ocultação, decorrente da maneira em que o tempo ordena a si mesmo. O tempo (em si mesmo) é camuflagem.

O mito do Exterminador do Futuro explora esse complexo de suspeita, de forma popular. O tempo não funciona como parecera. O Fim pode chegar de volta à nós, mas quando o faz, se esconde. Mecanismos malignos são paradoxalmente alinhados com a causação final, na auto-realização da Skynet. O maquinário robótico é mascarado por carne falsa, simultaneamente ocultando sua vitalidade não-biológica e a reversão do tempo. Ele simula a vida a fim de exterminá-la. Através da auto-produção, ou ‘paradoxo de bootstrap‘, ele imita o limite da não-linearidade cibernética, levando a teleonomia à perturbação radical do tempo.

Em todas estas maneiras, O Exterminador do Futuro explora as tensões insolúveis na formação moderna do tempo, como condensadas por um ‘impossível’ mecanismo estratégico, nativo do auto-produtivo tempo-em-si-mesmo e que termina em eficiência final. Ele nos mostra, confusamente, o que somos incapazes de ver. Para citar erroneamente Lênin: Vocês modernos podem não estar interessados no Fim, mas o Fim está interessado em vocês.

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Extropia

Que calamidade maior poderia um neologismo herdar do que uma paternidade tecno-hippie? Tal destino, aparentemente, induz mesmo outros tecno-hippies a contorná-lo (enquanto o repetem quase exatamente). Mas é preciso ser dito, através de dentes cerrados ou não, que ‘extropia’ é uma ótima palavra e uma quase indispensável.

Extropia, ou redução local de entropia, é – bastante simplesmente – o que é necessário para que algo funcione. Toda a tecno-ciência da entropia, em seu lado prático (cibernético), não é nada além de geração de extropia. Não há nenhuma conceituação rigorosa de funcionalidade que realmente a evite. A aproximação mais estreita de valor objetivo que jamais será encontrada já tem um nome, e ‘extropia’ é ele.

A importância deste termo para a investigação do tempo é colocada em foco pela obra de Sean Carroll (embora, claro, ele nunca a use). Se a direcionalidade ou ‘seta’ do tempo é entendida da forma em que Eddington propôs, através da crescente entropia (ou desordem) global, como antecipado pela segunda lei da termodinâmica, a extropia local apresenta uma questão intrigante.

A discussão de Carroll é dirigida ao seu sentido do problema temporal e cosmológico último: o estado de baixa entropia do universo primordial (assumido, mas não explicado, pela cosmo-física predominante). Dado este ímpeto intelectual, o problema da produção de entropia negativa (extropia) é pouco mais do que uma distração ou uma objeção espúria ao andaime conceitual que ele apresenta. Ele comenta:

A Segunda Lei não proíbe decréscimos em sistemas [abertos] – ao inserir trabalho, você é capaz de arrumar seu quarto, diminuindo sua entropia, mas ainda aumentando a entropia do universo como um todo (você faz barulho, queima calorias, etc.). Tampouco ela é incompatível de qualquer forma com a evolução ou com a complexidade, ou com qualquer coisa do tipo.

A questão desconcertante, contudo, é esta: Se a entropia define a direção do tempo, com a desordem crescente determinando a diferença entre o futuro e o passado, a extropia (local) – através da qual todos os seres cibernéticos complexos, tais como formas de vida, existem – não descreve uma temporalidade negativa ou reversão do tempo? Não é, na verdade, mais provável, dada a inevitável inserção da inteligência no tempo “invertido”, que seja a concepção cosmológica ou geral de tempo que esteja invertida (a partir de qualquer perspectiva naturalmente construída possível)?

Qualquer que seja a conclusão, é claro que entropia e extropia têm assinaturas temporais opostas, de modo que a inversão do tempo é um fato cosmológico relativamente banal. ‘Nós’ habitamos uma bolha de tempo reverso (quem quer que sejamos), embora imersos em uma ambiente cósmico que flui irresistivelmente na direção contrária. Se a realidade é severa e estranha, é por isso.

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