‘A Única Coisa que Eu Imporia É a Fragmentação’ – Uma Entrevista com Nick Land

por Marko Bauer e Andrej Tomazin

Em seu livro de 2014 Templexity: Disordered Loops through Shanghai Time você escreve: ‘”O que aconteceu com a América?” é a questão cyberpunk por excelência’. O que realmente aconteceu com a América nos últimos meses?

É meio roubado do William Gibson, então remonta até o meio dos anos 1980. Eu acho que você está totalmente certo de dizer que agora é uma excelente hora para se retornar a ela. Então, o que aconteceu com a América? Se eu fosse dizer em poucas palavras: depois de aproximadamente meio milênio, durante o qual a principal força motriz da história global foi alcançar a integração de estados maiores e mais poderosos, dirigidos por um grupo de ideólogos fortemente universalistas, que basicamente pensam que quanto maior sua agregação e quanto maior o conjunto de regras comuns que pode ser imposto sobre ela, melhor, estamos vendo uma reversão da maré de um escopo verdadeiramente histórico. A tendência básica agora é desintegradora. Então, o que eu vejo acontecendo com a América: se manter unida vai se tornar cada vez mais desafiador.

Sentimos muito, com antecedência, por fazer referência a teóricos franceses, que são, claro, parte de sua formação, mas aos quais parece que você está cada vez mais alérgico.

Isso não exige nenhum pedido de desculpas.

Uma das tendências mais valiosas de sua escrita é/era a desterritorialização da divisão progressista/reacionário. Isto parece especialmente perdido em seu blog Xenosystems, onde você se posiciona à Direita, independente de quão distante no extremo dela isso seja. Isso não é um tipo de reterritorialização?

Eu acho que estamos devendo – sempre – uma grande discussão sobre o que as pessoas querem dizer com Esquerda e Direita. A polaridade Esquerda/Direita é uma peça muito interessante de linguagem, um pequeno e compacto sistema de linguagem, porque todo mundo está usando ele ou com uma imensa falta de clareza sobre o que está realmente sendo invocado com isso, ou com associações básicas em grande parte inconsistentes com esses termos.

A Esquerda para você agora é o lado conservador, e a Direita o progressista. Mas onde reside a distinção Esquerda/Direita, na realidade? A Esquerda significa – como Badiou e cia. alegariam – igualitarismo, e a Direita é contra isso? A Esquerda é a Regra de Ouro e a Direita a regra de algo na linha de ‘faça o que lhe aprouver, mas aceite as consequências’?

Bem, esse é o sentido crowleyita da Direita. Badiou é uma pessoa interessante para se introduzir, porque eu estou bem feliz com a sua distinção Esquerda/Direita. Em um sentido que agora está predominantemente em jogo, a Esquerda é o campo da unidade e do universalismo, e o igualitarismo é uma grande parte disso. A Direita é o campo da fragmentação, da experimentação e, eu diria, da competição, enquanto termo que foi herdado de uma tradição e é provavelmente bastante incontroverso. Mas, sim, as pessoas de fato se apegam a um sentido de Direita e, sem dúvida, também de Esquerda que é exatamente sobre hiperterritorialização. Há um sentido “Sangue e Solo” da essência da Direita, com o qual eu me sinto compelido a me engajar, e a tentar deslocar e destronar, porque eu não acho que ele leva a qualquer lugar. É um beco sem saída. Poderia haver algumas oportunidades táticas nessas tendências, mas o ‘Neo’ em NRx implica precisamente que não há volta. Na medida em que o identitarismo do “Sangue e Solo” conseguir alcançar o poder de várias maneiras, ele verá seus piores dias, será forçado a entregar e ter um desempenho, e falhará em fazê-lo. Quanto mais eles realmente estiverem em uma posição de implementar políticas, mais eles se tornarão ineficazes em seus próprios termos. Eles perderão o potencial de globalização em massa e serão associados a falhas. Eu gostaria de ver esses experimentos acontecerem em uma escala pequena o suficiente para que possam ser educativos, em vez de globalmente catastróficos.

Você está interessado em falhas locais?

Sim, falhas locais são ótimas. Falhas globais, obviamente, não tão boas.

Todas as analogias com os anos 30 são meio letárgicas ou nostálgicas, como se não houvesse nada novo ocorrendo. Não obstante, há também a paixão de Badiou pelo Real e o fenômeno de ‘comunistas’ virando ‘fascistas’ durante o período entre as duas guerras mundiais – figuras tais como Pierre Drieu la Rochelle ou Charles Péguy, que talvez seja ainda mais ambivalente, uma vez que ele se torna um vetor de referência tanto para a França de Vichy quanto para Mussolini, mas também para o movimento de resistência. Estamos cientes do seu ponto de vista diferente sobre o que o fascismo é, que não vê qualquer transformação nos casos acima, e da perspectiva do qual a mudança de Goebbels do socialismo para o nacional-socialismo é um mero passeio. Estamos, contudo, interessados na sua mudança para o outro lado – exterior. Qual poderia ser uma relação entre a paixão pelo Real e a paixão pelo Exterior? O seu Exterior é similar ao Real de Badiou?

Poderia ser. Eu diria, no entanto, que sem uma noção de teste de realidade, uma invocação do Real é de significância absolutamente zero. Qualquer um pode invocar o Real, mas, a menos que exista algum mecanismo que forneça, não uma voz para o Exterior, mas uma intervenção funcional real vinda do Exterior, de modo que tenha uma função seletiva, então a linguagem é vazia. Nesse sentido, ele é completamente inseparável da fragmentação. Os sistemas modernistas funcionam – quer você esteja falando sobre a economia de mercado ou das ciências naturais – porque são sistemas fragmentários. Não existe nenhuma decisão política sobre o que é ou não é um bom resultado científico ou econômico. Esses resultados estão sujeitos a um processo seletivo de triagem que mobiliza o Exterior. É aqui, sem ser um grande ou mesmo um medíocre acadêmico de Badiou, que minha suspeita natural sobre uma invocação do Exterior vinda da posição que ele parece ocupar estaria.

Uma questão metafísica boba: O Exterior é algo dado/fixo ou é uma entidade mutável?

É uma questão importante, mas não perfeitamente formulada. A tendência da filosofia transcendental tem sido cada vez mais identificar o Real com o Tempo. O Real e a Temporalidade estão profundamente co-envolvidos de tal maneira que o Tempo não pode ser usado como um quadro no qual colocar ou fazer sentido do Real. Simplesmente não podemos fazer a pergunta de se o Real é mutável ou imutável. Se dizemos que o Real é ou mutável ou imutável, estamos dizendo que ele existe no Tempo e, se este é o caso, então deveríamos estar perguntando sobre o Tempo, e não sobre o que pensávamos estar perguntando, quando estávamos perguntando sobre o Real. Porque é o Real que é o fator controlador derradeiro. Pensar que podemos colocá-Lo no Tempo é uma distração para longe deste nível transcendental derradeiro da questão. Isso é intrinsecamente obscuro, mas eu acho que também é inescapável.

Como o teste de realidade funciona?

Fazemos isso permitindo que um processo de seleção aconteça. As ciências naturais são um exemplo tão bom disso quanto qualquer outro. A única coisa que fez com as ciências modernas se elevassem para além dos procedimentos epistêmicos vistos em outros tempos e outras culturas é o fato de que há um mecanismo além da manipulação política humana para a eliminação de teorias defeituosas. Karl Popper está, nesse nível, totalmente correto. Se é politicamente negociável, é inútil, não é científico, por definição. Você não confia nos cientistas, você não confia nas teorias científicas, você não confia nas instituições científicas na medida em que elas têm integridade, você confia é na zona desintegrada de crítica e nos critérios para a crítica e para a avaliação em termos de experimentos repetidos, em termos das heurísticas que são construídas para decidir se uma teoria em particular foi derrotada e eliminada por uma teoria superior. É esse mecanismo de seleção que é a única coisa que torna a ciência importante e a torna um sistema de teste de realidade. E isto está, obviamente, intrinsecamente direcionado contra qualquer tipo de comunidade política orgânica que vise determinar internalmente – através de seus próprios processos – a negociação da natureza da realidade. A realidade tem que ser um fator crítico disruptivo externo.

O texto Lemurian Time War do CCRU diz que a hiperstição está ‘traçando uma fuga do destino’. Como esta noção entre em jogo com o teste de realidade?/

Eu acho que hiperstição é uma daquelas coisas que escapou completamente da caixa e agora é um animal selvagem e feroz à solta. Minha relação com essa coisa alienígena é como a de todas as outras pessoas que estão interessadas nela. Estou abordando-a de uma posição de zero autoridade, tentando fazer sentido de como ela está vivendo e mudando e afetando o mundo. Ela, a coisa, não ele, o conceito. Mas tendo dito isso, meu sentido de uma hiperstição é que uma hiperstição é um experimento. Ela torna a si mesma real, se funcionar. E ela funcionar ou não é algo que não pode ser, novamente, decidido por um processo de debate interno, você não pode, como resultado de algum tipo de dialética interna decidir que, ei, esta é uma boa hiperstição, ela tem um grande futuro. Ela vai funcionar por causa de sua relação intrínseca com o Exterior, que é algo que não pode ser gerido. Talvez ela possa ser cautelosa e tentativamente prevista, da maneira em que um cientista ou um artista – ao aprender seu ofício – conseguiria ter um sentimento do que vai funcionar e do que não vai funcionar. Mas isso não é o mesmo que ter um critério, ainda menos uma lei.

Retornemos à nossa primeira questão sobre a América, neste momento bastante histórico, que está entrelaçado com padrões semióticos e regularidades intensivas que parecem ser tweetadas e espalhadas em um certo discurso pós-factual, para dentro de uma imagem do real, que não se pode mais distinguir retroativamente do real. A fabricação de notícias falsas em Veles, Macedônia, durante as eleições dos EUA, é uma maneira de ‘propagar rotas de escape’, na sua visão, ou é um evento efêmero sem qualquer significância?

Eu definitivamente acharia que algum tipo de resposta desdenhosa ao longo da segunda linha seria grosseiramente complacente. É uma rota de escape? Há, definitivamente, uma relação com uma escapada. Todo esse fenômeno de notícias falsas é enormemente importante e historicamente significativo. No momento, eu estou completamente cativado pela força de uma analogia entre a era de Gutenberg e a era da internet, essa força rítmica vinda da conexão entre elas. Uma destruição radical da realidade se passou com a emergência da imprensa. Na Europa, este processo auto-propulsor começou, e o sistema de consenso de descrição da realidade, atribuição de autoridades e critérios para qualquer tipo de afirmação filosófica ou ontológica foi todo jogado no caos. Processos massivos de desordem se seguiram, os quais eventualmente foram resolvidos nessa nova estrutura, que teve que reconhecer um grau maior de pluralismo do que havia existido previamente. Eu acho que estamos no mesmo tipo de estágio inicial de um processo de caos ontológico que estilhaça o absoluto, que veio do fato de que as autoridades epistemológicas foram explodidas pela internet. Seja o sistema universitário, a mídia, as autoridades financeiras, a indústria editorial, todos os guardiões básicos e as agências e sistemas de credenciamento que mantinham as hierarquias epistemológicas do mundo moderno estão simplesmente caindo aos pedaços em uma velocidade que ninguém imaginava ser possível. E as consequências no curto prazo, no futuro próximo, estão fadadas a serem confusas e imprevisíveis e talvez inevitavelmente horríveis de diversas maneiras. É um fenômeno de limiar. A noção de que há um retorno ao regime anterior de estabilização ontológica parece absolutamente iludida. Há uma escapada que é estritamente análoga à maneira na qual a modernidade escapou do antigo regime.

No princípio da internet, havia a noção de ela ser inerentemente democrática. Nos anos 00, a saber, na época da Primavera Árabe, blogueiros e outros que estavam usando a internet foram vistos como os que espalhariam a democracia ao redor do mundo. Da sua perspectiva, essa expectativa provavelmente parece absolutamente ridícula.

É esse híbrido esquisito: reconhecer bastante realisticamente o massivo potencial insurgente da nova mídia, mas então aplicar isso a essas formações ideológicas moribundas. É como se alguém tivesse dito, na era de Gutenberg, que a imprensa é um dispositivo incrível e poderoso e vai espalhar a ortodoxia católica por todo o mundo. É metade correto e metade insano. A mentalidade neoconservadora, associada com essas novas tecnologias de comunicação, é exatamente o mesmo híbrido de um resplendor de realismo misturado com uma dose saudável de completa psicose.

Reza Negarestani, em algum lugar, escreve que a mera ‘coletividade não é o suficiente para que uma obra [ou um evento] seja hipersticional’. Ele elabora isto através da diferença entre Tolkien e Lovecraft. Que tipo de coletividades estamos observando aqui, se não aquelas ligadas ao universalismo?

Eu não estou 100 por cento confiante do que Reza está dizendo nesse texto. Eu não quero que isto seja lido como um comentário sobre seu pensamento. Mas a hiperstição de fato surgiu em um certo meio que definitivamente enfatizava, de maneira retórica, um certo tipo de coletividade e até mesmo mais do que isso. O que está sendo referenciado não é primariamente a universalidade, de maneira nenhuma, mas algo muito mais próximo de uma anonimidade ou a problematização da atribuição. Qualquer unidade hipersticional – e o que agora é chamado de meme está muito próximo disso – que possa ser confiantemente atribuída a um ato particular de criação individual está originalmente avariada. H. P. Lovecraft parece ter entendido que toda a produção do mythos lovecraftiano era bem uma tentativa de sua parte de subtrair seu próprio papel criativo. É apenas quando isso é subtraído que essas coisas são liberadas. Cthulhu se torna um tipo de termo hipersticional, ao ponto em que não é simplesmente algo que foi inventado por Lovecraft. O fato de que ele esquisitamente, por vezes meio desengonçadamente, entrelaçava sua rede social de amigos, isto é, seus nomes, em suas histórias, é parte desse reconhecimento. O que está mais em jogo nesta noção de coletividade é algo como uma ruptura da atribuição, a subversão original dela. Eu não acho que seja apenas uma tática. São precisamente as coisas que você não tem nenhuma ideia de onde vieram, são exatamente aqueles elementos sobre cuja gênese você tem menos confiança, que são os que têm o maior ímpeto hipersticional.

Para voltar ao período entre as duas guerras mundias mais uma vez, seus muitos pseudônimos nos lembram dos heterônimos de Fernando Pessoa. Um deles era um futurista, outro um monarquista, muitos deles ocultistas e neopagãos. Com você, isso vai ainda mais além, a princípio se pensava que Reza Negarestani era um dos seus apelidos. O mesmo vale para Jehu, um marxiano do twitter (@Damn_Jehu) que certamente encontra muita compreensão para suas posições. É como se heterônimos fossem uma força contra a univocidade, parece crucial mantê-los diferenciados.

Pessoa é uma pessoa sobre quem as pessoas continuam me falando, de maneira sempre persuasiva, para dar uma olhada, mas temo que eu simplesmente ainda não tive uma chance de fazer isso. Estou certo de que é uma boa referência, então fico embaraçado de confessar minha ignorância sobre isso. A poli-manutenção de uma identidade complexa, se isso for levado de uma maneira deliberada, não é uma coisa viável. Seria ótimo se fosse, mas tudo que você consegue fazer é visar seguir um conjunto aproximado de diretrizes pragmáticas que pelo menos compliquem a tentativa que as pessoas obsessivamente fazem de se engajar nessa reintegração psico-biográfica. Eu sempre detestei, de maneira absoluta, o esforço cognitivo humano devotado a tentar transformar a forma final de qualquer coisa em uma psico-biografia. Não é que eu seja alérgico a ler uma biografia, mas a noção de que, ao lê-la, você está realmente chegando ao âmago de alguma coisa me parece totalmente ridícula. Eu não consigo lembrar de qualquer figura interessante onde eu pensei, ah, se eu apenas soubesse sua biografia melhor, eu a entenderia. As biografias de Nietzsche, de Deleuze ou de Lovecraft, a menos que sejam tratadas muito cuidadosamente, são tristemente distrativas. Uma recusa da tentação psico-biográfica é a única coisa a que tento me agarrar. Mas a funcionalidade dela está inteiramente nas mãos do destino, ela excede a competência estratégica humana. Você está constantemente escorregando ladeira abaixo.

Por um longo tempo, tivemos o sentimento de que você era um moderador ou um cartógrafo da NRx, não seu ideólogo. Ou talvez você seja o cupim dela, mais cedo ou mais tarde passando para algo completamente diferente de novo. Talvez de maneira similar ao ponto de vista da conferência sobre o Legado de Nick Land que vai ocorrer este ano e que, como os organizadores nos dizem antecipadamente, não vai promover ideias NRx. Isso nos lembra de Brecht, onde, a fim de preserver seu status enquanto autor clássico, seu socialismo, ou comunismo, teve que ser sanitizado. Através das suas intervenções em blogs, enquanto agregados ou agregadores de links, descobrimos que a maneira de sair da câmara de eco é ler sobre coisas/processos que se acha fascinantes, não as com que necessariamente se concorda. É fitar o abismo, como Roberto Bolaño colocaria. Parece que esta é um papel/função altamente controverso.

Há tanta turbulência e tumulto nessa situação recente e dinâmica que é difícil ser muito lúcido sobre ela mesmo no seu próprio entendimento dela. Talvez uma resposta desmembrada seja a única que seja prática ou realista. Uma coisa, a total infâmia da NRx. Há um entendimento de que esta é a pior coisa do mundo, que vai ser totalmente traumática e produzirá uma resposta aversiva extrema. É algo que já está presente no Iluminismo Sombrio e na escrita de Moldbug, de uma maneira jocosa. Eu também concordaria que, nesse estágio, era mais curadoria do que polêmica. Temo que estou descobrindo algo completamente viciante sobre isso. Se você dissesse para alguém, o que realmente é essa coisa, a NRx, a resposta a essa questão seria vastamente menos clara do que a claridade da resposta emocional, que seria de ódio e horror absoluto. Toda a síndrome é fascinante, porque parece, em si, uma ferramenta exploratória fundamental. Como se você dissesse: Mencius Moldbug consolidou a noção da Catedral enquanto algo que é, em última análise, um processo religioso auto-organizante que tem um ortodoxia definida e um ímpeto doutrinário definido e que existem certas coisas que ela trata com uma paixão religiosa extrema, como sendo abominações e heresias. Você encontra uma provocação cultural que desencadeia tais imuno-respostas alérgicas extremas, o que significa que você está realmente engajado em um envolvimento experimental com esse objeto inicialmente tentativo e hipotético. Esse é o processo de lock-in crucial mais básico – pelo menos agora, de maneira provisória. Ele faz um lock-in e se torna indispensável, porque gera essa reatividade extrema. É por isso que seria muito difícil simplesmente recuar disso de uma maneira decisiva. É como dizer que não vamos mais fazer física de partículas com grandes colisores, abandonar todo o sistema de potencialidades experimentais.

A NRx também é algo muito jovem e extremamente contestada. Uma vez que ela gera tanto antagonismo, as pessoas que querem brigar, das quais existe um monte agora, de ambos os lados, se arrebanham nela, talvez de maneira mais apaixonada em 2014. Mas a NRx é enormemente diferenciada internamente, foi desde o princípio. Várias figuras foram jogadas para fora e agora são mais identificadas com um tipo de antiga Direta padrão com ideias do tipo nacionalista branco. Outras divisões existem também. Há uma facção que está muito mais próxima de um tradicionalismo reacionário e eu não entendo o que está rolando com a coisa do Neo, uma vez que se identifica com o tipo de política trono-e-altar da França pré-revolucionária. A pura quantidade de desordem e caos nela significa que é realmente difícil deixar um lugar quando você ainda não tem nenhuma ideia do que está acontecendo ali. Ainda não está estabelecida o suficiente para se saber se é algo que você realmente quer perder. E, finalmente, se alguém me pedisse para definir a NRx, eu diria que é a filosofia política neocameralista do Patchwork de Moldbug. Eu acho ela enormemente importante. Não tenho nenhuma inclinação de me dissociar dessa tendência básica na análise política.

Parece haver muitos envolvimentos com o contrarianismo e com a Lei de Poe. Através do @Outsideness, você escreveu: ‘Na verdade, eu gosto de muitos imigrantes e pessoas negras, só não gosto dos disseminadores de queixas, desordeiros, criminosos de rua e jihadistas em favor dos quais a Catedral incessantemente prega”. Você não soa aqui um pouco como Borges (da Tlon Corporation) advogando por ‘liberdade e ordem’ ao passo em que apoia Pinochet, preservando ou restabelecendo o Sistema de Segurança Humana? Tudo isso não está muito longe de: “A fusão tem um lugar para você como uma puta chinesa-latina, transexual, HIV+, esquizofrênica, viciada em estim, com espelhos oculares implantados e uma atitude ruim. Intoxicada com uma mistura de polidrogas com nova-K, serotonina sintética e análogos do orgasmo feminino, você acabou de congelar três tiras Turing com uma automática de 9mm altamente cinematográfica.”

[Longo silêncio.] Deixe-me ver qual é a melhor maneira de responder. [Longo silêncio.] Não sei, é difícil. Eu tenho toda uma fraternidade que morde meus tornozelos no Twitter agora. Não estou lhe identificando com eles, que fique claro desde o princípio, mas acho que a questão deles é muito parecida com a sua. Um elemento é a idade. Jovens são altamente tolerantes a um caos social incendiário massivo. Há razões para isso, a melhor música vem disso. Não é que eu não esteja entendendo isso, todo o apelo do cyberpunk é embasado nisso. Mas eu simplesmente não acho que você consiga fazer uma ideologia puramente a partir do colapso social entrópico, não vai se encaixar. Não é um processo sustentável e consistente na prática e, portanto, é uma má bandeira para a aceleração. Produz uma reação que vencerá. Toda evidência histórica parece ser de que o partido do caos é suprimido pelo partido da ordem. Mesmo que você seja completamente antipático ao partido da ordem, e eu não estou fingindo ser nada tão inequívoco assim, não é algo que você quer ver. Nixon suprimiu os hippies, o Thermidor suprimiu a loucura da revolução francesa. É uma historia absolutamente implacável e inevitável de que o partido do caos não vai ter permissão de operar o processo e será suprimido. Há obviamente vários tipos de atrações estéticas e libidinais a ele, mas em termos de praticidade programática, não há nada. O que eu diria para esses jovens loucos agora é, vocês não têm um programa. O que vocês estão defendendo leva perversamente ao exato oposto do que você diz que quer.

Você soa um pouco como um aceleracionista de esquerda agora, com todo esse papo de ter um programa e uma ideologia.

Sim, tem esse problema, mas você sempre tem uma orientação prática. A NRx tem um programa, mesmo em sua forma mais libertária. Não é um programa que vai ser implementado por um aparato burocrático em um regime centralizado, mas é uma tentativa de ter alguma consistência no seu padrão de intervenções. Claro, todo mundo está tentando fazer isso. Mesmo a fraternidade do caos, na medida em que querem ser a fraternidade do caos quando acordarem no dia seguinte, tem um programa nesse sentido mínimo. E esse sentido, creio eu, é o único sentido ao qual eu me apegaria fortemente aqui. Uma estratégia.

O ‘Somos todos fascistas agora’ de Jonah Goldberg, que você cita no seu artigo A palavra com ‘F’, soa como algo que Foucault diria, se aumentássemos o volume do seu ‘quem luta contra quem? Todos lutamos uns contra os outros. E há sempre, dentro de casa um de nós, algo que luta contra alguma outra coisa’. Não esqueçamos que Foucault era fascinado por Henri de Boulainvilliers, um tipo de proto-neorreacionário: guerra enquanto fundação da sociedade, guerra enquanto guerra racial entre francos aristocráticos e gauleses comuns. Por outro lado, os descentralizadores francos foram fodidos precisamente pelo monarca.

De novo, temo que este autor em particular não seja alguém com quem eu tenha familiaridade, mas me lembra de algo que me causou uma grande impressão e parece estar próximo desta noção. Quando eu estava estudando – eu estava fazendo um curso de filosofia e literatura – eu me senti muito interessado no Tess of the d’Urbervilles de Thomas Hardy. É sobre o fato de que o conflito de classes é, na verdade, essa guerra étnica, o contínuo conflito étnico entre os invasores normandos aristocráticos falantes do francês e os nativos ingleses. Mas, honestamente, qualquer coisa que eu fosse dizer sobre ele para além disso seria tão inventado no momento que seria de pouco valor.

Estamos lhe perguntando isso por causa da desterritorialização da divisão Esquerda/Direita. O conceito de acasalamento preferencial, que é realmente controverso em algumas partes do universo, quase soa como um Bordieu padrão sobre como apenas membros do mesmo habitus socializam e se reproduzem. Mas quando alguém da Direita fala sobre isso, não é interpretado como uma observação, mas como um diagnóstico, prescrição e pensamento ilusório ao mesmo tempo.

A razão pela qual essa linguagem de Direta/Esquerda é tão indispensável é porque agora ela está amarrada a uma estrutura de animosidade tribal que é tão profunda. Nos anos recentes, eu tenho ficado aturdido com a arbitrariedade da coisa – é como os Azuis e Verdes romanos. As diferenças entre a Direita e a Esquerda são abafadas por uma guerra tribal. As pessoas têm feito testes sobre isso. Elas colocam as propostas políticas de um político na boca do seu oponente e os apoiadores do oponente imediatamente apoiaram todas essas propostas que eles achavam que eram a absoluta encarnação do mal quando vinham do outro cara. A noção de que essa guerra tribal vai ser redutível a um conjunto de posições ideológicas coerentes é insana e um exemplo que você deu é totalmente assim. Quem está dizendo algo é muito mais importante para as pessoas do que o conteúdo real, a proposição positiva. O número de pessoas que não são vítimas disso é realmente pequeno e eu as acho impressionantes. A minha própria tentativa de não ser totalmente capturado pelo tribalismo é tentar garantir que há bastante loucura hipersticional físsil acontecendo. Às vezes você tem que dar uma sacudida e ter o sentimento de como a coisa se parece do outro lado, mas eu realmente acho que a maioria do mundo está presa tão fundo na guerra tribal que ela simplesmente não vê o que uma ideia realmente está dizendo. Elas apenas vêem a questão: isso é uma coisa do inimigo ou é coisa nossa?

O que nos trás à questão de convergência e divergência entre a NRx e o aceleracionismo, entre o blog Xenosystems e o blog Urban Future (2.1). Quando o seu @Outsideness, que está conectado ao Xenosystems, ficou temporariamente bloqueado no Twitter, você começou a tweetar coisas NRx no aceleracionista @UF_blog. A gente ficou: não queremos isso, queremos eles separados.

Você deve estar ficando entediado comigo dizendo isso, porque é algo que basicamente tenho repetido como um mantra, mas eu realmente me sinto desprovido de qualquer posição de sujeito oficial em relação a esse processo turbulento e complicado. As duas grandes linhas do processo, a NRx e a aceleracionista, estão sendo massivamente guiadas por todos os tipos de forças. O aceleracionismo foi reiniciado pelo hype do Aceleracionismo de Esquerda. Aconteceu depois do Iluminismo Sombrio, razão pela qual esse tecido de padrão temporal é um tanto complexo. De uma certa posição, parece que o aceleracionismo veio primeiro e depois você teve a NRx, o que implica em um tipo de processo sincrônico, mas da minha perspectiva é muito mais helicoidal e entrelaçado. A separação dos blogs e das contas no Twitter é – em vez de uma implementação de algum estratégia coerente deliberada – mais um conjunto de recursos que eu posso usar para tentar evitar ser sugado para dentro de certos tipos de integração, o que perderia o fascínio do fato de que a dinâmica dessas duas linhas não são de maneira alguma previsíveis uma a partir da outra, ou mesmo previsíveis em geral. Simplesmente amassar um tipo de síntese do Aceleracionismo de Direita com a NRx, que obviamente é inescapável em um certo aspecto, em última análise destruiria muito da capacidade de experimentação e muito do espaço de desenvolvimento dinâmico em ambas essas linhas.

O Aceleracionismo de Esquerda, em seu programa racional e pragmático, está perdendo o mito e o mítico? Reza Negarestani tentou incorporar essas coisas na Cyclonopedia, o que por vezes demais é confundido com pós-modernismo. Você acha que o Aceleracionismo de Esquerda é, de uma maneira, uma rigidificação dos supramencionados fluxos?

A língua tem esse caráter retrospectivo, então é enganadora. Aceleracionismo de Esquerda e Aceleracionismo de Direita são termos muito recentes. O ressurgimento original do aceleracionismo no mundo anglófono ocorre com a recapitulação da aceitação pelo CCRU da recapitulação de Deleuze e Guattari da aceleração do processo de Nietzsche. Em Deleuze e Guattari há uma invocação explícita de se ir na direção do mercado. Na sua origem, o CCRU estava impulsionando essa orientação, antes ainda de uma palavra aceleracionismo ter se formado, o que foi feito por um crítico mais tarde. Era uma posição de Esquerda, porque foi articulada por Deleuze & Guattari como uma estratégia política anti-capitalista. Eu não acho que o CCRU era revisionista quanto a isso. O aceleracionismo de Deleuze & Guattari enquanto maneira de se acelerar o capitalismo até sua morte também era a fase CCRU do aceleracionismo. Houve uma sugestão de que veio da Direita, porque nesse estágio de sua articulação, é impossível diferenciar Aceleracionismo de Esquerda e de Direita. Se você está dizendo, complete o processo capitalista, isso significa que todas as recomendações políticas, se houver alguma, são maximamente benéficas para a vitalidade e para o dinamismo do capitalismo. Então há uma necessidade estrutural de que não possa haver qualquer diferença entre pró e anti-capitalista nesse quadro aceleracionista. Como você pode dizer qual é qual? Quando o Aceleracionismo de Esquerda, que estava se chamando apenas de aceleracionismo, aparece, ele está, em sua política manifesta, fazendo algo muito diferente de qualquer coisa que tenha acontecido em toda a linhagem anterior. Ele diz que você tem que distinguir entre o motor básico da aceleração e o capitalismo. O capitalismo não é esse motor, mas algo que é, em um certo grau, coincidente com ele em um certo estágio em sua história, mas então se torna inibitório em relação a ele. Portanto, o aceleracionismo não é focal ou centralmente sobre o capitalismo, e isso se torna a doutrina Aceleracionista de Esquerda mainstream. Então, o estágio final na minha perspectiva é que, quando a resposta vem em nome do Aceleracionismo de Direita, sua tarefa teórica é reintegrar o aceleracionismo e a dinâmica do capitalismo. Eu concordaria que o Aceleracionismo de Esquerda é basicamente a resposta gerencial de comando-e-controle à aceleração tecno-econômica. Junto a isso vai um ceticismo massivo sobre suas alegações de que ele pode realmente acelerar as coisas mais rápido do que esses processos catalíticos espontâneos conseguem.

Então, como você vê o novo programa filosófico de Reza Negarestani, e o que você acha do seu antagonismo com a Blind Brain Theory de Scott R. Bakker?

Minha inclinação é estar do lado de Scott Bakker. Eu posso estar perdendo algo, mas eu não consigo lembrar de ter lido um artigo seu e pensar isso está errado. Sempre me parece, você está totalmente certo sobre isso. Frequentemente de maneira brilhante, de uma forma que você ainda não viu, mas assim que eu vejo, eu concordo com ele.

Você era tão pró ciências naturais antes de ter encontrado o pensamento dele?

Eu acho que as ciências naturais e o capitalismo são aspectos diferentes da mesma coisa. Ambos são um mecanismo auto-propulsor efetivo que dá ao Exterior uma função seletiva em um domínio considerado, esse domínio estando em perpétua expansão, dependendo de quanta autonomia você está vendo. Nesse sentido, estar do lado das ciências naturais é estar do lado do Exterior. Mas existem todos os tipos de maneiras tolas em que você poderia estar do lado do Exterior, assim como existe um monte de maneiras tolas em que você poderia estar do lado do capitalismo. Você poderia dizer, a burguesia é ótima, pessoas muito admiráveis, ou, eu amo essa empresa. Não estou dizendo que nunca existe um argumento a favor isso, mas você está perdendo totalmente o ponto, assim como você estaria perdendo o ponto ao dizer, esse cientista em particular é um grande cara, e eu acho que ele é realmente honesto e eu confio nele. Pode ser que ele seja um grande cara e ele pode realmente estar lutando para ser honesto, ele pode ser muito mais confiável que a maior das pessoas, mas isso ignora o que a ciência é. A ciência está orientada conta os cientistas, o capitalismo está orientado contra as empresas. Estes são processos que estão em uma relação de sujeitar os elementos dentro de seu domínio a uma crítica agressiva e destrutiva, com algum tipo de critério de seleção, o que significa que eles empurram as coisas em uma direção auto-propulsora particular.

Você estava falando sobre artistas conhecerem o Exterior. Como você vê a divisão entre ficção científica e ciências naturais, entre um cientista e um artista?

Minha tendência é não traçar uma distinção muito grande entre eles. Em todos os casos em que se está lidando com a formulação ou a flutuação de uma certa hipótese. Estou assumindo que todo cientista tenha uma ficção científica implícita. Todos temos um padrão do que pensamos que o mundo vai ser em cinco anos, mesmo que seja embaçado ou não muito explícito. Se não tivéssemos tentado fazer ficção científica, provavelmente significaria que temos um cenário implícito prejudicialmente conservador, inerte e irreal do futuro. Na maioria dos casos, um cientista é apenas um mau escritor de ficção científica e um artista, espera-se, é melhor. Há, obviamente, muito dinamismo não linear, no sentido de que escritores de ficção científica aprenderam montes com os cientistas, como aperfeiçoar seus cenários, e também o contrário. A ficção científica moldou o senso do futuro tanto que todo mundo tem isso como ruído de fundo. A melhor versão do futuro próximo que você tem foi adotada de algum escritor de ficção científica. Tem que ser o caso de que a ciência é, em alguma medida, guiada por isso. A ficção científica fornece um campo de testes.

Rebekah Sheldon, em uma resposta à emergência do Pepe the Frog enquanto Kek moderno e seus atributos ocultos, escreve que a exterioridade é ‘sombria no sentido de que opera sem a segurança de conhecimento completo e é caótica porque presume que a força do outro é sempre totalmente outra’. Pepe the Frog, como visto pela comunidade da internet, pode servir como modelo para um evento hipersticional?

É enormemente fascinante e algo sobre o que eu ainda não havia pensado o suficiente. Envolve uma constelação de tantos elementos aleatórios esquisitos e emergiu nesse processo incrível de auto-constituição autônoma. Há sempre a tentativa de se atribuir: alguns caras em particular no /pol/ estavam usando essa coisa e o fizeram deliberadamente. Mas tudo isso é totalmente inadequado. Envolve essa tradução do Orco no Warcraft, envolve um culto egípcio antigo, envolve uma estranha obsessão com o conjunto de fonemas que você vê indo direto, essa erupção fonêmica que ocorre, K K K K K. Obviamente é um tipo de modelo para um evento hipersticional. Dentro da NRx, tivemos uma discussão informal auto-organizada sobre a necessidade de uma nova religião, muito antes de Kek derrubar a parede. Por causa da análise de Moldbug de que a Catedral é um lar de um protestantismo deformado e pervertido, muitos católicos ficam muito atraídos por esse modelo. A opinião deles é de que o que Moldbug está dizendo é que o protestantismo é um erro terrível que leva à Catedral, que é como eles tentam vingar o catolicismo. Mas há também muitos ateus. É um coquetel social muito estranho. Esse cara, o Spandrell, que é sempre muito abrasivo, mas muito astuto, estava dizendo que a única saída é uma nova religião. Na hora você pensa, okay, você não pode simplesmente cozinhar uma nova religião, você não pode simplesmente cozinhar Kek. Aí a coisa acontece e todos esses trolls estão dizendo ‘Louve Kek’. Mas não é apenas uma piada: você só pode se defender psicologicamente de algo realmente intenso e lovecraftiano sobre todo o assunto não pensando sobre isso. Algo insano aconteceu com esse culto massivo e auto-orientado de Kek. Realmente lhe leva de volta aos tempos antigos e a como esse tipo de insurgência religiosa deve ter sido e de onde as religiões vêm.

Poderíamos conectar Pepe the Frog com a figura do trickster, que é vista pelo chamado aceleracionismo de Esquerda como um agente efetivo de transformação em si mesmo e tem a habilidade de ‘mudar o transcendental de um mundo’, como Srnicek e Williams o colocam. Simon O’Sullivan observa que Gilles Deleuze oferece uma inflexão interessante sobre isto em sua diferenciação entre o trickster e o traidor: o primeiro está operando dentro de um dado regime, embora subverta seus termos (um mundo virado de cabeça para baixo, como se fosse). O segundo está quebrando com um dado regime, ou mundo, completamente. Em um das respostas em seu blog, você está elaborando sobre uma metáfora de um dique, que está sendo lentamente devorado e destruído por alguma força externa – e você chame este dique de Xenosystems. Quem é o trickster e quem é o traidor aqui?

Parte disso é uma questão sobre agência. O agente trickster e o agente traidor são ambos reduzidos pela antropomorfização. Qualquer indivíduo humano que reivindicasse uma identificação com qualquer desses papéis estaria enganando todo mundo. Tricksters e traidores são aqueles que têm algum tipo de método para o tráfico com as verdadeiras fontes de agência. Uma ficção que explora essas coisas de maneira brilhante é o Neuromancer. Quem são os traidores ou tricksters nele? Todas as figuras humanas assumem seus papéis através de sua relação com uma agência real do Exterior, que é Wintermute. Como quando os tiras-Turing dizem para Case: Seus traidores, vocês sabem com o que estão lidando, você estão tentando liberar essa coisa, ela está completamente fora de controle. Seria um desastre para a espécie humana, o que diabos vocês estão pensando? A questão real é: Quais são os reservatórios de recursos de trapaça e traição que estão sendo acessados?

Amy Ireland, em uma entrevista com Andrej, disse que, em contraste com os esquerdistas na câmara de eco, você está realmente interagindo com os reais fascistas, misóginos, supremacistas brancos. Isso nos lembrou de Pasolini, quando ele enfatizava que se deveria encontrar os jovens fascistas. Acreditamos que você preferiria lhes chamar de supostos fascistas. Quem é um trickster, um traidor, um fascista é aberto.

A antropomorfização é sempre tentadora. Os indivíduos em questão querem sentir que são nós críticos de agência no que estão fazendo, e as pessoas do lado fora querem ser capazes de identificar esses processos com indivíduos em particular e com suas ideologias explícitas e suas estruturas de agência, mas tudo isso parece profundamente iludido. Você não obtém o fascismo porque há um certo número de pessoas que são fascistas auto-conscientes, isso é colocar o carro na frente dos bois. Você obtém fascistas auto-conscientes porque há algum processo fascista efetivo ocorrendo. As pessoas estão em total negação, provavelmente sobre coisas diferentes em lados diferentes. Do lado da Esquerda, eles estão em total negação sobre quanta ortodoxia fascista foi embutida nas sociedades modernas no século XX. Elas também estão em negação sobre quão profundas as forças com as quais estão lidando são. Elas parecem pensar que são alguns ovos ruins e que, se elas conseguirem ameaçá-los e aterrorizá-los o suficiente, essa coisa toda vai parar. Eu acho que é loucura não estar interessado nisso e tentar descobrir o que você conseguir e como essas pessoas pensam e de onde as coisas estão vindo.

Em relação ao incidente com a Galeria LD50, você tweetou: ‘A História da Arte Moderna (versão curta) 1917: o urinol-como-arte, de Duchamp. 2017: Pequena galeria em Dalston finalmente choca a burguesia’. Este é um exagero intencional? É realmente sobre épater la bourgeoisie? Há algo bastante situacionista em tratar os AntiFa como burguesia (ou pelo menos como um simulacro de uma).

Tem havido muitas discussões sobre Mark Fisher recentemente, onde sua posição acaba sendo, de maneira extrema e aparentemente inequívoca, esquerdista. Há um estória psico-biográfica chata que veria minha relação com ele como um simples antônimo. Não que não haja nada disso, porque tinha alguma coisa a ver com essa reação físsil do CCRU, onde ele toma um lado da coisa e eu tomo o outro lado, então não quero apenas ridicularizar essa interpretação. Mas se olharmos para seu artigo “Exit the Vampire Castle”, ele consistentemente atravessa a base de classes da cultura esquerdista dominante, que já tinha sido um alvo de uma crítica profunda do CCRU. Evidentemente podemos fazer o mesmo ponto vindo da extrema Esquerda e da extrema Direita. O que seria dizer: sim, eles são a burguesia. Eu sempre estive em uma relação de antagonismo e continuo em uma relação de antagonismo com a burguesia. Eu acho que é simplesmente auto-evidente que o terreno fértil disso são primariamente as universidades de elite. Não haveria simplesmente nada disso acontecendo nas ruas se fosse realmente organizado de maneira espontânea palas pessoas de nível educacional mais baixo em Dalston. Aconteceu porque um professor universitário e seus associados decidiram enervar a coisa toda e fornecer um vocabulário para isso. Estamos olhando para uma crise ideológica profunda e absolutamente traumática da elite dominante da modernidade tardia, da Catedral tardia, porque eles construíram todas as suas vidas e seu sentido do que deveriam estar fazendo, suas etiquetas, suas noções sobre credibilidade, credenciais e autoridade institucional em torno de uma estrutura social e histórica particular e muito distinta que parecia absolutamente invulnerável e que agora parece estar caindo no abismo.

Então quando a moça AntiFa grita ‘Volte para de onde veio” para o cara carregando uma placa ‘O Direito de Discutir Ideias Abertamente Deve Ser Defendido’ em frete a galeria LD50, ela na verdade quer dizer ‘Volte para o abismo’?

Correto.

Se omitirmos a parte da posição do Último Homem do situacionismo, podemos vê-lo indo na direção do aceleracionismo. Como o Debord de seu último período, quando ele não acredita mais nos conselhos de trabalhadores e vê apenas essa enorme força invencível.

Sadie Plant era uma grande estudiosa situacionista. Eu li A Sociedade do Espetáculo com prazer, e algumas outras peças. Eu responderia com dois pontos totalmente inconsistentes em aparência. Primeiramente, o situacionismo aparece bastante, mas eu nunca me versei plenamente nele. Em segundo lugar, estou escrevendo uma estória de horror abstrato que é basicamente sobre situacionismo, muito embora eu não saiba nada sobre ele no momento. Eu reconheço a importância da questão, mas eu simultaneamente reconheço minha incompetência para lhe dar o tipo de resposta que ela merece.

Serge Daney escreve, em algum lugar, que Godard e Straub-Huillet recorrem aos tipos de poder político dos quais eles seriam as primeiras vítimas. Há um sentido no qual suas invocações são similares a isso. Isso é um tipo de vanguarda do desaparecimento ou vanguarda da extinção com bastante jouissance niilante? Ou é uma mutação?

Eu recebo esse argumento bastante, mas eu duvido dele. A única coisa que eu explícita e estrategicamente gostaria de impor é a fragmentação. Todo o resto está em relação tática com isso. Certas questões – como o que você pensa sobre Kek e assim por diante – são, em última análise, questões táticas. A única questão estratégica é como você pode quebrar em pedaços, eu diria especificamente, a Anglosfera. Qualquer tipo de projeto que exceda isso se torna uma forma de agressão universalista em risco de super-expansão neoconservadora. Eu não estou interessado em dizer aos russos ou aos chineses como suas sociedades devem ser. Eu poderia teorizar sobre isso, mas a única zona de intervenção em que estou interessado é o mundo anglófono, que tem uma afinidade particular com a desintegração. Não há nada suicida em qualquer fragmentação, eu poderia única e certamente ser protegido por ela. Eu não tenho um sentimento de estar protegido pelos grandes estados anglófonos. Não é que eu esteja alegando perseguição por parte deles, mas definitivamente ficaria dessa lado do registro, se qualquer coisa. Eu não sou um cidadão ou um residente de qualquer país ocidental, estou vivendo em Shanghai. E você não ensina aos seus anfitriões como eles deveriam estar organizando sua casa.

Estávamos pensamento mais sobre a Singularidade.

Ah, você está um passo à frente!

Você sendo humano, sabe. Pelo menos nominalmente humano.

Isso é muito melhor. É só que a questão do nível político-econômico é bastante levantada.

Essa é a questão Snowden/Assange. Estamos menos interessados nisso.

Meu único problema com a Singularidade é que qualquer noção de auto-proteção nessa esfera é estruturada por alucinações. Se fôssemos levar isso de volta a alguém, seria Bakker. O que ele está dizendo é: o ‘você’ que você pensa que poderia ser ameaçado por essas coisas, na verdade, é aquela coisa que você descobrirá que é uma ilusão. Agora, isso é uma ameaça? É assim que ela é uma ameaça. Não vai ser como ser dilacerado por um robô metalizado gigante, vai ser a ilusão particular do ego, sustentável até um certo ponto na história, se tornando insustentável.

Às vezes você retém o esquema de robôs contra pessoas, mas parece que você está, na verdade, mais interessado em coisas e processos híbridos, não nessa dialética maniqueísta.

Bem, dinâmicas maniqueístas são boas para guiar certos tipos de cenários, então é por isso que eu gosto bastante delas. Eu amo toda a coisa do Hugo de Garis sobre essa giga-guerra de artilectos que ele pensa que virá. Quanto mais esses cenários cibernéticos de ficção científica estiverem em jogo, mais certos tipos de excitação histórica estão operantes. As pessoas tentam se proteger e pensar umas sobre as outras, mas na verdade é uma forma de estímulo do processo. O Sistema de Segurança Humana é estruturado através de ilusões. O que está sendo protegido ali não é alguma coisa real que é a humanidade, é a estrutura da identidade ilusória. Assim como, no nível mais micro, não é que os humanos enquanto organismos estão sendo ameaçados por robôs, é mais que sua auto-compreensão enquanto organismos se torna algo que não pode ser mantida para além de um certo limiar de inteligência em ambiente de rede.

Original.

A Revolta de Varsóvia de Trump

Para apoiadores e detratores igualmente, o discurso do Presidente dos EUA Donald J. Trump em 6 de julho em Varsóvia foi imediatamente reconhecido com o mais importante de sua presidência até o momento. Uma vez que tanta coisa foi cristalizada através dele – ou talvez trazida à tona – é impossível começar a fazer sentido desse evento sem algum esboço preliminar do seu contexto.

A nova polaridade ideológica dominante, em ambos os lados do Atlântico, exibe características notavelmente similares. Talvez de maneira mais contundente, ela exibe a culminação de uma inversão ideológica de classe, que por décadas vinha chegando e que alinhou as massas – e, em particular, a classe trabalhadora nativa – com a direita, e as elites sociais com a esquerda. Consequentemente, o populismo foi firmemente estabelecido como um fenômeno da direita. Mesmo aquelas posições liberais clássicas mais fortemente ligadas ao avanço da liberdade comercial e, assim, mais firmemente associadas com a direita conservadora, não escaparam a um embaralhamento radical, seja através de reavaliação, marginalização ou inversão completa.

Nesta nova e desconcertante época, o interesse empresarial deixou de ser qualquer tipo de índice para a afiliação com a direita, e a oposição popular ao livre comércio não mais define um bloco substancial na esquerda. Se qualquer coisa, o oposto agora é verdadeiro. Aqueles, na esquerda ou na direita (incluindo este autor), que teimosamente mantém que a orientação ideológica ao capitalismo é a determinante fundamental da polaridade política significativa se descobrem lançados em uma posição de anacronismo desconexo. A impressionante magnitude desta transição não deveria ser subestimada.

Esse não é, claro, um desenvolvimento sem precedentes alarmantes. De pelo menos uma perspectiva – que não é, de forma alguma, necessariamente histérica – a fronteira entre o populismo de direita e o fascismo pode ser difícil de discernir. No que diz respeito ao contexto afetivo do discurso de Trump, esse é, sem dúvidas sérias, o elemento mais importante.

Muitos livros poderiam ser devotados aos novos termos da controvérsia política e quase certamente o serão. Cada um dos ainda instáveis novos campos é altamente heterogêneo e entrecruzado por uma variedade de interesses estratégicos complexos em relação à maneira em que a grande fenda entre eles é descrita, então toda tentativa de articulação será contestada, frequentemente de maneira feroz. Ainda assim, mesmo em meio ao atual choque e confusão, alguma estrutura básica é discernível. Além da oposição política entre esquerda e direita – em seu sentido atual e reajustado – não é difícil reconhecer uma ênfase globalista e nacionalista correspondentes, colocando universalistas contra particularistas: defensores da ordem institucional mundial contemporânea contra seu oponentes, ou partidários de uma abertura cosmopolita contra localistas paroquiais, de acordo com o gosto. Uma vez que, de maneira concreta, a insurgência marca uma crise da gestão social internacional e da confiança em elites estabelecidas e credenciadas, descrevê-la como uma luta entre tecnocratas e populistas é mais ou menos o mais neutro que podemos ser. Tais termos são empregados aqui como meros rótulos, em vez de como julgamentos ou explicações. Nenhuma depreciação extravagante é dirigida a qualquer um dos dois em relação ao outro. Os eleitorados que eles nomeiam têm profundidades substanciais que excedem qualquer definição fácil. Eles são massas sociais obscuras em conflito, em vez de ideias concorrentes.

Com a chegada de Trump em Varsóvia, dois pares de eleitorados políticos profundamente antagonistas – um americano, o outro europeu – foram mapeados um ao outro, de maneira ressonante. A América Vermelha Populista encontrou seu campeão local em Varsóvia, versus aquela da América Azul, em Berlim. Esses alinhamentos não foram seriamente questionados, de nenhum lado. Que a política de portas abertas da Alemanha de Angela Merkel, exemplificando sua defesa das instituições da UE e das posições políticas tradicionais em geral, estava em afinidade fundamental com as instituições ideológicas da América Azul era auto-evidente para todas as partes. Reciprocamente, a identificação da América Vermelha Trumpiana com a posição polonesa de dissidência à UE – sobre a questão da imigração mais claramente – foi tomada como auto-evidente. Mesmo antes da visita, para aqueles que prestavam atenção, o regime polonês tinha se tornado um ícone da revolta popular etno-nacionalista contra o governo tecnocrata transnacional, contra o secularismo evangélico e contra a imigração em massa. Tudo bateu.

É difícil estar confiante sobre o quanto uma estratégia lúcida subjazeu o evento. Em todas as questões sobre Trump, a suposição padrão tende a ser não muito. Dada a vociferação característica de Trump e seu conforto incomum com uma demagogia baixa, tal repúdio deve ser esperado. Isto não é, de maneira alguma, sugerir que seja perspicaz. Se instintos políticos afinado à quase perfeição não desempenhassem nenhuma parte, então a intervenção divina – ou alguma bênção da fortuna funcionalmente indistinguível dela – é a próxima hipótese mais plausível.

O discurso em si foi retoricamente pedestre e até mesmo desajeitado. É difícil imaginar qualquer frase singular dele sendo lembrada, a não ser para propósitos de seca ilustração histórica. A linguagem foi inteiramente adaptada à sua audiência imediata – tanto local quanto internacional – em vez de ao deleite das futuras gerações. O discurso foi, neste aspecto entre outros, uma coisa da era da mídia social, afinado ao feedback instantâneo. Ele manifestamente bajulou, mesmo nos padrões funestos de tais orações. A conexão que alcançou com seus ouvintes locais se inclinou à auto-congratulação coletiva. Uau, nós realmente somos ótimos parece ter sido o consenso, entre os diretamente envolvidos. Àqueles pouco inclinados a se identificar com o falante e a multidão em questão, isso só pode ter sido irritante. Comícios inimigos geralmente são, como os conservadores aprenderam durante os anos de Obama. O amor-próprio imperturbável dos seus inimigos, exuberantemente manifesto, é uma coisa verdadeiramente horrível de se ver. Naturalmente, Trump não ficou mais angustiado com esse fato do que seu antecessor.

Há mais um elemento contextual indispensável que precisa ser levantado antes de procedermos à reação da mídia – que foi, claro, o nível mais profundo do evento – e essa é a ‘Coisa Judia‘. Todo mundo sabe, em algum nível, que temos que começar a falar sobre isso, de alguma maneira, mesmo aqueles que – de maneira totalmente compreensível – realmente não querem. Ignorar o tópico é uma opção que está desaparecendo, porque não há razão nenhuma para pensar que isso irá embora. Talvez tenha sido mera coincidência que a visita de Trump tenha lhe levado fundo no território do holocausto, o que, novamente, ninguém realmente parece querer mencionar, muito embora tenha sido uma linha explícita em seu discurso. Foi, contudo, estruturalmente essencialmente para tudo que se seguiu. Inequivocamente, mesmo na medida em que passou despercebido, a dimensão judaica adicionou grandemente à intensidade febril da resposta.

A extrema sensibilidade às ansiedades sócio-políticas judaicas que predominou no Ocidente pós-guerra está notavelmente perdendo sua força, de uma maneira que não parece plausivelmente reversível. Pelo menos em parte, isso é uma consequência da generalização da política identitária, predominantemente sob direção esquerdista, que tem o peculiar efeito cultural – em seus estágios tardios – de que casos especiais estão ficando cada vez mais difíceis de se fazer. O status vitimológico rebenta seus bancos, em meio a condições de paranoia étnica ilimitada e simétrica. Lúgubres anedotas de agravos – adaptadas para todo nicho social imaginável – estão sempre em abundância, alimentadas pelas linhas de suprimento da Internet. Narrativas de perseguição explodem vindas de todos os lados. Demandas para se “cheque seus privilégios” se provaram estranhamente móveis e reversíveis, conforme foram crescentemente normalizadas, até o ponto – neste exemplo em particular – do anti-semitismo aberto e cáustico.

O resultado não é nada menos do que uma crise da esquerda judaica diaspórica, cuja margem argumentativa foi anulada por décadas de imunidade excepcional a críticas implacáveis. Estratégias culturais defensivas que, por meio século, foram aceitas sem questionamento, enquanto privilégio etno-histórico especial, bem repentinamente ficaram sujeitas a uma inspeção pública irreverente. Todo mundo quer um pedaço do sobrevivencialismo étnico agora.

Esta é a chave para o que ocorreu em Varsóvia. É evocada como sub-texto para o lamento de angústia de Peter Beinart, quando exposto à frase de Trump: “A questão fundamental de nosso tempo é se o Ocidente tem a vontade de sobreviver”. Beinart estava bastante correto em reconhecer – horrorizado – a ressonância desta frase com os elementos mais extremos da presente transição, mas isso não foi de nenhum auxílio para ele. Ele havia sido emboscado.

Trump fez seu discurso explicitamente sobre sobrevivência étnica, alinhado de maneira desarmadora com a vitimização judaica na Segunda Guerra, com a heroica resistência polonesa à ocupação militar estrangeira e, finalmente – e de maneira mais provocadora -, com a situação contemporânea do Ocidente. Naturalmente lhe ajudou, esmagadoramente, que a Revolta de Varsóvia tenha sido uma insurreição contra nazistas reais. Isso forneceu uma vacina contra o funcionamento normal da Lei de Godwin. Sabe quem mais queria sobrevivência étnica? Adolf Hitler! – Alcançamos o núcleo do evento agora. Simplesmente não havia nenhuma maneira em que essa resposta, que era a única que importava para os inimigos de Trump na esquerda, pudesse, de alguma maneira concebível, ser feita operar nesta ocasião. O que estava sendo celebrado eram os poloneses sobrevivendo ao nazismo, depois ao comunismo e, agora, – de maneira infinitamente estranha – novamente aos alemães, desta vez colocados no papel de executores principais de uma ordem política transnacional que promove um multiculturalismo obrigatório, uma tecnocracia secular e a cultura da auto-flagelação histórica ocidental. O resultado, quase inevitavelmente, foi um tumulto.

Não foram necessários grandes vôos de deslumbramento oratório para triunfar neste campo de batalha. A situação fez quase tudo. Os inimigos enlouquecidos de Trump tropeçaram na armadilha e foram estilhaçados. A esquerda, para quem é claro que o Ocidente não tem nenhum direito de sobreviver, se encontrou ideologicamente isolada em um grau sem precedentes na atual administração. Seus aliados táticos no establishment conservador do ‘Nunca-Trump’ evaporaram. Duros céticos de Trump, tais como Rod Dreher, David French, e Jonah Goldberg contribuíram com seus talentos para a caça dos remanescentes esquerdistas em fuga. David Frum só manteve seu terreno na oposição argumentando que Trump era pessoalmente indigno de seu próprio discurso.

Beinart saiu do trauma da pior maneira. Ele será para sempre assombrado por sua própria definição da questão em jogo, que foi imediatamente julgada de todos os lados como sendo uma produção não forçada de propaganda para a Alt-Right: “O Ocidente é um termo racial e religioso. Para ser considerado Ocidental, uma país dever ser largamente cristão (preferencialmente Protestante ou Católico) e largamente branco”. Por toda mídia social, muitos acenos de cabeça se seguiram, vindos de eleitorados cuja aprovação ele certamente menos apreciaria.

Jonah Goldberg recusou explicitamente seguir o que era agora tão vividamente exibido como a estrada de etno-masoquismo europeu obrigatório e auto-ódio civilizacional: “O que é irônico é que a raiva de bater na mesa de Peter sobre a fala de Trump sobre o Ocidente é tão Ocidental. A tolerância do Ocidente a filosofias anti-Ocidentais é uma característica razoavelmente singular do próprio Ocidente. Nós amamos nos flagelarmos.” A defesa do Ocidente, portanto, é tomada como uma causa inclusive de seus críticos.

É Rod Dreher, contudo, que melhor captura o que Trump consolidou em Varsóvia, talvez pela primeira vez. Ele diz, comparando Trump a seus críticos esquerdistas:

Como frequentemente é o caso com conservadores e Trump, não importa o quanto você despreze ele e suas pompas e obras, no fim das contas, você sabe que ele não odeia suas crenças e que ele e seu governo não vão usar o poder do Estado para lhe suprimir como uma ameaça à ordem pública e a todas as coisas boas e sagradas. […] Isso é alguma coisa.

Não importa o quanto Trump fomente aversão entre muitos conservadores, ele também provoca eventos que lembram os conservadores porque eles odeiam os liberais (usando estes termos em seu sentido americano contemporâneo degenerado). Muitos conservadores odeiam Trump e continuarão a odiá-lo, provavelmente até o fim do seu segundo mandato no cargo, se não por mais tempo. Mas a maneira em que os liberais o odeiam apresenta uma óbvia ameaça existencial a todas as formas de vida conservadora. Como Martin Niemöller nunca realmente disse, primeiro eles vieram para o Trump e estava bem óbvio que eu era o próximo na fila.

Original.