Parte 4: Recorrendo a raça à ruína.
Os liberais estão confusos e furiosos que os brancos pobres votam em Republicanos, embora votar com fundamentos tribais seja uma característica de todas as democracias multi-étnicas, seja [na] Irlanda do Norte, no Líbano ou no Iraque. Quanto mais uma maioria se torna uma minoria, mais tribal se torna sua votação, de modo que cada vez mais os Republicanos se tornaram o “partido branco”; fazer este ponto de maneira indelicada mandou Pat Buchanan para o saco, mas muitos outros o fazem também.
O que vai acontecer aqui [no Reino Unido]? Os padrões não são dissimilares. Na eleição de 2010, os Conservadores conseguiram apenas 16 por cento do voto étnico minoritário, ao passo que o Labour conseguiu o apoio de 72 por cento dos bangladeshis, 78 por cento dos afro-caribenhos e 87 por cento dos africanos. Os Tories são ligeiramente mais fortes entre os hindus e sikhs britânicos – espelhando o apoio Republicano entre os ásio-americanos – que têm maior probabilidade de serem profissionais proprietários de imóveis e de se sentirem menos alienados.
A The Economist recentemente perguntou se os Tories tinham um “problema de raça”, mas pode ser só que a democracia tenha um problema de raça.
– Ed West (Aqui)
Sem um gosto pela ironia, Mencius Moldbug é praticamente insuportável e certamente ininteligível. Vastas estruturas de ironia histórica moldam seus escritos, às vezes mesmo os engolfando. De que outra maneira poderia um proponente de configurações tradicionais de ordem social – um auto-proclamado jacobita – compor um corpo de trabalho é que teimosamente dedicado à subversão?
A ironia é o método de Moldbug, assim como seu ambiente. Isto pode ser visto, de forma mais reveladora, em seu nome escolhido para o iluminismo usurpado, a fé dominante do mundo moderno: Universalismo. Esta é uma palavra de que ele se apropria (e que coloca em letra maiúscula) dentro de um diagnóstico reacionário cuja força inteira jaz em sua exposição de uma particularidade exorbitante.
Moldbug se volta continuamente para a história (ou, mais rigorosamente, para a cladística) para especificar de maneira acurada aquilo que afirma sua própria significância universal enquanto ascende a um estado de dominância geral que se aproxima do universal. Sob este exame, o que conta como razão Universal, determinando a direção e o significado da modernidade, é revelado como o ramo ou subespécie minuciosamente determinado de uma tradição cultual, descendente de ‘ranters’, ‘levelers’ e variantes intimamente relacionadas de fanatismo dissidente ultra-protestante e que deve infimamente pouco às conclusões dos lógicos.
Ironicamente, então, a fé democrática-igualitária Universalista reinante do mundo é um culto particular ou peculiar que irrompeu, ao longo de caminhos históricos e geográficos identificáveis, com uma virulência epidêmica que é disfarçada como iluminação global progressiva. A rota que ela tomou, através da Inglaterra e da Nova Inglaterra, Reforma e Revolução, é registrada por um acúmulo de traços que fornecem material abundante para a ironia e para variedades mais baixas de comédia. O desmascaramento do intelectual ‘liberal’ moderno ou do ‘contador de verdades’ ‘de mente aberta’ da mídia como um puritano pálido, fervoroso e estritamente doutrinário, reconhecivelmente descendente da espécie de zelotes queimadores de bruxas, é confiantemente – e irresistivelmente – divertido.
Ainda assim, conforme a Catedral se estende e intensifica seu controle sobre tudo, em todo lugar, de acordo com seu mandato divino, a resposta que ela desencadeia é apenas atipicamente cômica. Mais comumente, quando incapaz de extrair humilde complacência, ela encontra raiva inarticulada ou, pelo menos, um ressentimento incompreensível e fumegante, como convém à imposição de dogmas culturais paroquiais ainda envoltos na pompa de uma linhagem específica e alienígena, mesmo que confessem seriamente uma racionalidade universal.
Considere, por exemplo, as palavras mais famosas da Declaração de Independência da América: “Consideramos estas verdades como auto-evidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis…”. Pode-se honestamente manter que submeter-se, de maneira escrupulosa e sincera, a tais verdades ‘auto-evidentes’ equivale a qualquer coisa além de um ato de reconfirmação ou conversão religiosa? Ou ser negado que, nestas palavras, razão e evidência são explicitamente colocadas de lado, para criar espaço para princípios de fé? Poderia qualquer coisa ser menos científica do que tal declaração, ou mais indiferente aos critérios do raciocínio genuinamente universal? Como poderia se esperar que alguém que não fosse já um crente consentisse com tais suposições?
Que a declaração fundante do credo democrático-republicano seja formulada como uma declaração de pura (e doutrinariamente reconhecível) fé é uma espécie de informação, mas ainda não é ironia. A ironia começa com o fato de que, entre as elites da Catedral de hoje, estas palavras da Declaração de Independência (assim como muitas outras) seriam consideradas – quase universalmente – curiosamente sugestivas, na melhor das hipóteses, talvez vagamente embaraçosas e, mais certamente, incapazes de sustentar um assentimento literal. Mesmo em meio a conservadores inclinados ao libertarianismo, é pouco provável que um compromisso firme com os ‘direitos naturais’ proceda confiante e enfaticamente para sua origem divina. Para os ‘liberais’ modernos, crentes do Estado concessor de direitos (ou intitulamentos), essas ideias arcaicas não estão apenas absurdamente datadas, mas são positivamente obstrutivas. Por esta razão, elas são associadas menos com predecessores venerados do que com o pensamento retardado e fundamentalista de inimigos políticos. Sofisticados do núcleo da Catedral entendem, como o fazia Hegel, que Deus não é mais do que o governo profundo apreendido por infantes e, como tal, um desperdício de fé (que os burocratas poderiam colocar em melhores usos).
Uma vez que a Catedral já ascendeu à supremacia global, ela não tem mais necessidade de Pais Fundadores, que desajeitadamente relembram sua ancestralidade paroquial e impedem suas relações públicas transnacionais. Em vez disso, ela busca revigoramento perpétuo através da difamação deles. O fenômeno do ‘Novo Ateísmo’, com suas transparentes afiliações progressistas, atesta isso abundantemente. O paleopuritanismo deve ser ridicularizado, a fim de que o neopuritanismo floresça – o meme está morto, vida longa ao meme!
No limite da auto-paródia, o parricídio neopuritano toma a forma da ridícula ‘Guerra ao Natal’, na qual os aliados da Catedral santificam a (radicalmente não ameaçada) separação entre Igreja e Estado, através da incômoda agitação contra expressões públicas da piedade cristã tradicional, e seus patetas dos ‘Red States’ respondem com dispéptica indignação em programas de TV à cabo. Como toda outra guerra contra substantivos indefinidos (seja ‘pobreza’, ‘drogas’ ou ‘terror’), o resultado é previsivelmente perverso. Se a resistência à Guerra ao Natal ainda não está estabelecida como o centro sólido das festividades natalinas, pode-se confiantemente esperar que se tornem no futuro. Os propósitos da Catedral são servidos, não obstante, através da promoção de um secularismo sintético que separa a fé progressista de seus fundamentos religiosos, ao passo que direciona a atenção para longe do conteúdo etnicamente específico e dogmático do credo em seu âmago.
Até onde vão os reacionários, os cristão tradicionais são geralmente considerados como sendo até bem fofinhos. Mesmo os fanáticos com os olhos mais arregalado da ortodoxia neopuritana têm dificuldades em ficarem genuinamente excitados com eles (embora ativistas do aborto cheguem perto). Para um pouco de carne realmente vermelha, com os nervos expostos e se contorcendo com os choques de forte estimulação, faz bem mais sentido se voltar para uma outra quadra descartada e cerimonialmente abominada da linhagem progressista: a Política Identitária Branca, ou (o termo pelo qual Moldbug opta) ‘nacionalismo branco’.
Assim como a catraca do progresso da democracia social neopuritana é radicalmente facilitada pela tortura orquestrada de suas formas religiosas embriônicas no pelourinho, assim também a sua tendência à economia política neo-fascista é suavizada pelo repúdio concertado de uma ameaça ‘neo-nazi’ (ou paleo-fascista). É extremamente conveniente, quando se constrói estruturas cada vez mais abertamente corporatista ou ‘de terceira posição’ de pseudo-capitalismo dirigido pelo estado, ser capaz de desviar a atenção para expressões irritadas de paranoia racial branca, especialmente quando estas são ornamentadas por insígnias nazistas desajeitadamente modificadas, capacetes com chifres, estética de Leni Riefenstahl e slogans livremente emprestados do Mein Kampf. Nos Estados Unidos (e, assim, com um lapso de tempo que se encolhe, internacionalmente) os ícones do Ku Klux Klan, de lençóis brancos, títulos semi-maçônicos e cruzes em chamas até cordas de linchamento, têm adquirido um valor teatral comparável.
Moldbug oferece uma lista higienizada de leitura de blogs nacionalistas brancos, que consiste de autores que – com diferentes graus de sucesso – evitam uma reversão imediata à auto-paródia paleo-fascista. O primeiro passo para além da fronteira da opinião respeitável é representado por Lawrence Auster, um cristão, anti-darwinista e ‘Conservador Tradicionalista’ que defende uma identidade nacional ‘substancial’ (etno-racial) e se opõe ao princípio-mestre liberal de não discriminação. No momento em que chegamos a ‘Tanstaafl‘, na dilacerada borda exterior do espectro cuidadosamente truncado de Moldbug, já entramos em uma órbita decadente, que se espirala para dentro do grande buraco negro que está escondido no centro morto da possibilidade política moderna.
Antes de seguir os tipos de Tanstaafl para dentro do abismo esmagador onde a luz morre, há alguma observações preliminares a serem feitas sobre a perspectiva nacionalista branca e sobre suas implicações. Ainda mais do que os cristãos tradicionalistas (que, mesmo no meio de seu inverno cultural, podem se aquecer no calor do endosso sobrenatural), a política identitária branca se considera sitiada. Uma preocupação moderada ou comedida não oferece qualquer equilíbrio para aqueles que cruzam a linha e começam a se auto-identificar nesses termos. Em vez disso, o caminho de envolvimento demanda uma rápida aceleração até um estado de alerta extremo, ou pânico racial, que se conforma a uma análise focada na maliciosa substituição populacional nas mãos de um governo que, nas palavras frequentemente citadas de Bertold Brecht, “decidiu dissolver o povo e apontar um outro”. A ‘branqueza’ (quer seja concebida de maneira biológica, mística ou ambas) é associada com vulnerabilidade, fragilidade e perseguição. Este tema é tão básico, e tão multifário, que é difícil de abordar de maneira sucinta. Ele engloba tudo, desde predação criminosa (especialmente assassinatos, estupros e espancamentos racialmente carregados), exações econômicas e discriminação inversa, agressão cultural por parte de sistemas acadêmicos e midiáticos hostis até, em última análise, ‘genocídio’ – ou destruição racial definitiva.
Tipicamente, a aniquilação prospectiva da raça branca é atribuída à sua própria vulnerabilidade sistemática, que seja devido a traços culturais característicos (altruísmo excessivo, susceptibilidade à manipulação moral, hospitalidade excessiva, confiança, reciprocidade universal, culpa ou desdém individualista pela identidade de grupo), ou a fatores biológicos mais imediatos (genes recessivos que suportam os frágeis fenótipos arianos). Embora seja improvável que este senso de ameaça de extinção única seja redutível à fórmula cromática ‘Branco + Cor = Cor’, a estrutura fundamental é deste tipo. Em sua descrição abstrata da vulnerabilidade não recíproca, ela reflete a ‘regra da uma gota’ (e a combinação genética mendeliana recessivo / dominante). Ela descreve a mistura como essencialmente anti-branca.
Uma vez que ‘branqueza’ é um limite (pura ausência de cor), ela desliza suavemente da factualidade biológica da subespécie caucasiana para ideias metafísicas e místicas. Em vez de acumular variação genética, uma raça branca é contaminada ou poluída por misturas que comprometem sua negatividade definidora – escurecê-la é destruí-la. A densidade mitológica destas associações – predominantemente subliminares – investe a política identitária branca de uma resiliência que frustra os esforços iluminados de denúncia racionalista, ao passo que contradiz sua própria auto-representação paranoica. Ela também enfraquece as promoções nacionalistas brancas recentes de uma ameaça racial que é estritamente comparável àquela que enfrentam os povos indígenas, de maneira universal, e descreve os brancos como ‘nativos’ cruelmente privados de igual proteção contra a extinção. Não há nenhuma rota de retorno para a inocência tribal ou para a diversidade biológica rasa. A branqueza foi compactada indissoluvelmente com a ideologia, seja qual for a estrada tomada.
“Se os negros podem ter, e os hispânicos podem ter, e os judeus podem ter, por que não podemos ter?” – Esse é o alicerce final do agravo nacionalista branco, a maldição do lobisomem que significa que ele só pode ser, para sempre, um monstro. Há exatamente um único caminho de saída para os caras pálidas perseguidos, e ele leva direitamente para dentro de um buraco negro. Prometemos que voltaríamos a Tanstaafl, e aqui estamos, no final do verão de 2007, logo depois que pegou ‘a coisa judia‘. Não há nada de muito original quanto à sua epifania, o que é exatamente o ponto. Ele cita a si mesmo:
Não é absurdo que alguém sequer pensasse em culpar o cristianismo ou os WASPs pelo surgimento do politicamente correto e de suas consequências catastróficas? Isto, na verdade, não é uma inversão da verdade? O surgimento e disseminação do PC não erodiu o poder do cristianismo, dos WASPs e dos brancos em geral? Culpá-los é, com efeito, culpar a vítima.
Sim, existem cristãos, WASPs e brancos que caíram na lavagem cerebral do PC. Sim, existem alguns que o levaram tão a fundo no coração que trabalham para expandi-lo e protege-lo. Esta é a natureza do PC. Este é seu propósito. Controlar as mentes das pessoas que ele busca destruir. A esquerda, em sua raiz, é totalmente sobre destruição.
Você não tem que ser um anti-semita para notar de onde essas ideias se originam e quem se beneficia. Mas você têm que violar o PC para dizer: Judeus.
Este é o labirinto, a armadilha, com seu circuito lamentavelmente restrito e estereotipado. “Por que não podemos ser preservacionistas raciais fofinhos, como os índios amazônicos? Como é que sempre viramos os Neo-Nazis? É algum tipo de conspiração, o que significa que tem que ser os Judeus.” Desde o meio do século XX, a intensidade política do mundo globalizado tem corrido, quase exclusivamente, a partir da pilha de cinzas craterada do Terceiro Reich. Até que você entenda o padrão, parece misterioso que não haja maneira de fugir dele. Depois de listar alguns blogs que caem sobre a categoria relativamente distinta de ‘nacionalismo branco’, Moldbug adverte:
A Internet também é lar de muitos blogs inquestionavelmente racistas. A maioria é simplesmente ilegível. Mas alguns são mantidos por escritores relativamente capazes. …Nestes blogs racistas, você encontrará, epítetos raciais, anti-semitismo (veja why I am not an anti-Semite) e coisa do tipo. Obviamente, eu não posse recomendar nenhum desse blogs e tampouco eu os linkarei. Contudo, se você estiver interessado na mente do racista moderno, o Google lhe levará lá.
Google é um exagero. Um pouco de pesca de links lhe levará lá. É um problema de ‘seis graus de separação’ (e mais algo como dois, ou menos). Comece a cavar na ‘reactosfera’ realmente existente, e as coisas ficam bastante assombrosamente feias muito rápido. Sim, realmente existe ‘ódio’, pânico e nojo, assim como uma abundância morbidamente viciante de sagacidade sombria e mordaz e um peso desconcertantemente impressionante de fatos críveis (esses caras simplesmente amam estatísticas de morrer). Acima de tudo, logo além do horizonte, há o buraco negro. Se a reação jamais se tornasse um movimento popular, suas poucas linhas esguias de civilidade burguesa (ou talvez sonhadoramente ‘aristocrática’) não segurariam a besta por muito tempo.
Conforme a decência liberal se separou da integridade intelectual e exilou verdades duras, estas verdades encontraram novos aliados e se tornaram consideravelmente mais duras. O resultado é mecânica e monotonamente previsível. Toda ‘guerra de causa’ liberal democrática fortalece e torna mais selvagem aquilo contra o que luta. A guerra à pobreza cria uma subclasse cronicamente disfuncional. A guerra às drogas cria super-drogas cristalizadas e mega-mafias. Adivinha? A guerra ao politicamente incorreto cria lobisomens empoderados por dados, coordenados via web, paranoicos e poli-conspiratórios, soberbamente posicionados para tirar vantagem do iminente encontro da democracia liberal com a ruinosa realidade e, então, desempenhar sua parte na deflagração de dissabores que mal são imagináveis (exceto por uma analogia histórica perturbadora). Quando uma negociação sã, pragmática e embasada em fatos das diferenças humanas é proibida por decreto ideológico, a alternativa não é um reino de paz perpétua, mas uma putrefação de crimideias cada vez mais auto-conscientes e militantemente desafiadoras, nutridas por realidades publicamente inconfessáveis e energizada por mitologias poderosas, atávicas e palpavelmente dissidentes. Isso é óbvio na ‘Net.
Moldbug considera que o perigo do nacionalismo branco foi tanto exagerado quando minimizado. Por um lado, a ‘ameaça’ é simplesmente ridícula e meramente reflete o dogma espiritual neopuritano em sua forma mais histericamente opressiva e teimosamente estúpida. “Deveria ser óbvio que, embora eu não seja um nacionalista branco, eu não sou exatamente alérgico à coisa”, Moldbug observa, antes de descrevê-la como “o sistema de crença mais marginalizado e socialmente excluído na história do mundo …um irritante social obnóxio em qualquer círculo que não inclua motoqueiros tatuados viciados em anfetamina”.
Ainda assim, o perigo permanece, ou melhor, está em construção.
Eu consigo imaginar uma possibilidade que poderia tornar o nacionalismo branco genuinamente perigoso. O nacionalismo branco seria perigoso se houvesse alguma questão sobre a qual os nacionalistas brancos estivessem certos, e todo o resto estivesse errado. A verdade é sempre perigosa. Ao contrário da crença popular, ela nem sempre prevalece. Mas é sempre uma má ideia virar as costas para ela. …Ao passo que a evidência para a biodiversidade cognitiva humana é, de fato, discutível, o que não é discutível é que ela é discutível …[muito embora] todo mundo que não seja um nacionalista branco tenha passado os últimos 50 anos nos informando que não é discutível…
Há bem mais no ensaio de Moldbug, como sempre há. Eventualmente, ele explica porque ele rejeita o nacionalismo branco, por razões que não devem nada aos reflexos convencionais. Mas o coração sombrio do ensaio, que o eleva, para além do brilhantismo, à beira da genialidade, é encontrado logo no início, na borda de um buraco negro:
Por que o nacionalismo branco nos parece mau? Porque Hitler era um nacionalista branco, e Hitler era mau. Nenhuma dessas afirmações é remotamente controversa. Há exatamente um grau de separação entre o nacionalismo branco e o mal. E esse grau é Hitler. Deixe-me repetir: Hitler.
O argumento parece à prova d’água. (À prova de Hitler?) Mas ele não segura qualquer água que seja.
Por que o socialismo nos parece mau? Porque Stalin era um socialista, e Stalin era mau. Qualquer um que queira seriamente argumentar que Stalin era menos mau do que Hitler tem trabalho horrivelmente grande pela frente. Não apenas Stalin ordenou mais assassinatos, sua máquina de assassinatos teve seu auge em tempos de paz, ao passo que a de Hitler pode pelo menos ser vista como um crime de guerra contra civis inimigos. Se isso faz alguma diferença pode ser debatido, mas se faz, coloca Stalin no topo.
E, ainda assim, eu nunca tive, nem vi, nada parecido com as respostas de “alerta vermelho” ao socialismo [“o sentimento da presença do mal”]. Se eu visse uma multidão de pessoas jovens e elegantes fazendo fila na bilheteria de uma cinebiografia hagiográfica de Reinhard Heydrich, arrepios subiriam e desceriam pelo meu pescoço. De Ernesto Guevara, eu não tenho qualquer resposta emocional. Talvez eu achasse que é estúpido e triste. De fato, eu acho que é estúpido e triste. Mas não me assusta.
Qualquer tentativa de ser nuançado, equilibrado ou proporcional no caso moral contra Hitler é interpretar inteiramente mal a natureza do fenômeno. Isto pode ser notado, com bastante regularidade, nas sociedades asiáticas, por exemplo, porque o fantasma do Terceiro Reich não ocupa uma posição central em sua história, ou melhor, em sua religião, embora – enquanto sacrário interno da Catadral – esteja determinado a fazê-lo (e mostra quase todo sinal de estar sendo bem sucedido). Uma breve digressão sobre o mal-entendido transcultural e a cegueira recíproca poder ser merecida neste ponto. Quando os ocidentais prestam atenção no estilo ‘Deus-Imperador’ de devoção política que tem acompanhado o totalitarismo moderno no Leste Asiático, a conclusão tipicamente tirada é que este padrão de sentimento político é exoticamente alienígena, morbidamente divertido e, em última análise, – arrepiantemente – incompreensível. Comparações contemporâneas com líderes democráticos ocidentais risivelmente não-numinosos apenas aprofundam a confusão, assim como o fazem referência semi-marxistas a sensibilidades ‘feudais’ (como se a monarquia absolutista não tivesse sido uma alternativa ao feudalismo, e como se os monarcas absolutos tivessem sido adorados). Como uma figura histórica e política jamais poderia ter sido investida com a dignidade transcendente do significado religioso absoluto? Parece absurdo…
“Olha, eu não estou dizendo que Hitler era um cara particularmente legal…” – imaginar tais palavras já é ver muitas coisas. Poderia até mesmo provocar a questão: Alguém dentro do mundo globalizado (da Catedral) ainda pensa que Adolf Hitler era menos mau do que o próprio Príncipe da Escuridão? Talvez apenas alguns paleo-cristãos espalhados (que teimosamente insistem que Satã é realmente, realmente, mau) e um número ainda menor de ultra-neo-nazis (que pensam que Hitler era meio legal). Para basicamente todo o resto, Hitler personifica perfeitamente a monstruosidade demoníaca, transcendendo a história e a política para alcançar a estatura de um absoluto metafísico: o mal encarnado. Para além de Hitler é impossível ir, ou pensar. Isto certamente é interessante, uma vez que indica uma erupção do infinito dentro da história – uma revelação religiosa, de tipo abraâmico, invertida, mas ainda estruturalmente familiar. (A ‘Teologia do Holocausto’ já implica nisso.)
A este respeito, em vez de Satã, seria mais útil comparar Hitler ao Anticristo, isto é: a um espelho do Messias, de polaridade moral invertida. Houve até mesmo uma tumba vazia. O Hitlerismo, concebido de forma neutra, portanto, é menos uma ideologia pró-nazi do que uma fé universal, especiada dentro da super-família abraâmica e unida no reconhecimento da vinda do puro mal sobre a terra. Embora não seja exatamente adorado (fora dos círculos extraordinariamente vergonhosos em que já nos aventuramos), Hitler é sacramentalmente abominado, de uma maneira que toca em teológicas ‘coisas primeiras’. Se abraçar Hitler como Deus é um sinal de uma confusão político-espiritual altamente lamentável (na melhor das hipóteses), reconhecer sua singularidade histórica e significado sagrado é quase obrigatório, uma vez que ele é afirmado por todos os homens de fé sólida como o exato complemento do Deus encarnado (o anti-Messias revelado, ou Adversário), e esta identificação tem a força de uma ‘verdade auto-evidente’. (Alguém já precisou perguntar por que a reductio ad Hitlerum funciona?)
Convenientemente, assim como o neopuritanismo secularizado que ele engole, o Hitlerismo (aversivo) pode ser seguramente ensinado nas escolas americanas, com um notável alto nível de intensidade religiosa. Na medida em que a história progressiva ou programática continua, isto sugere que a Igreja da Sagrada Abominação Hitlerista eventualmente suplantará suas predecessoras abraâmicas, para se tornar a fé ecumênica triunfante do mundo. Como ela poderia não o fazer? Afinal, ao contrário do deísmo padrão, esta é uma fé reconcilia completamente o entusiasmo religioso com a opinião iluminada, igualmente adaptada, com capacidade anfíbia consumada, aos êxtases convulsivos do ritual popular e às páginas de cartas do New York Times. “O mal absoluto já andou por entre nós, e vive ainda…” Como esta já não é a principal mensagem religiosa de nossos tempos? Tudo que permanece inacabado é a consolidação mitológica e isso há muito tem estado a caminho.
Há ainda algum catar de ossos fragmentados a ser feito entre as cinzas e destroços [na Parte 5], antes de nos voltarmos para coisas mais saudáveis…
Original.