Psicose Política

Os liberais clássicos estão ficando de fora do fim do mundo. Ficando de fora, na maior parte, da maneira em que Norma Bates ficou de fora da exploração que seu filho fez da diversidade psicológica. Norman saberia por que ela não está se movendo, se apenas ele conseguisse se lembrar.

Antes mesmo de começarmos, estamos fundo no problema da identidade e, na verdade, de várias. ‘Liberalismo’ é a palavra mais profundamente corrompida da história política. Sem qualquer exagero, licença retórica ou latitude metafórica, é o rosto coriáceo fatiado de algo há muito assassinado que agora serve para disfarçar um maníaco espumante com uma motosserra, que não compartilha nada de seu DNA. Esse uso psicopata precisa cair por terra antes mesmo de chegarmos a Bates. Liberalismo, deste ponto em diante, não chega nem perto de significar algo como um progressismo feliz com o estado. Ele é definido, em vez disso, como o pólo oposto do socialismo. Seu único valor dominante é a liberdade. Ele é individualista, sempre apenas cautelosamente tradicionalista, orientado pelo comércio e pela indústria, estrategicamente negligente em cuidado, cético em relação a todas as supostas agências públicas e rigorosamente econômico em relação a todas as dimensões do governo. Ele teve um século XX realmente terrível e agora as coisas não parecem nem um pouco melhores.

Em nenhum momento na história recente as preocupações liberais foram menos relevantes para a política pública – mesmo que seja como chapéu de papel-alumínio ou bicho-papão ‘neoliberal’. Poderia ser necessário retornar à década de 1930 para encontrar uma época de comparável eclipse. Eles não estão sendo ouvidos e certamente não são o objeto de qualquer conversa animada, a não ser para aparecer em zombarias nas mídias sociais como o alvo de piadas. Suas preocupações parecem excêntricas e até mesmo identificavelmente datadas de algum ponto entre o fim dos anos 1970 e o lamaçal do Bush Bebê. Onde a direita já nutriu uma ambivalência secreta por Pinochet, por admiração pelos Chicago Boys, hoje ela só está interessada nos helicópteros.

Não é – em sua maior parte – a confusão de gênero e geracional entre as sub-personalidades de Norma e Norman que torna os libertários tão Batesianos. É o terceiro alter ego, que desaparece no filme, mas não no romance. Norman intermitentemente se confunde com Normal. Normal é o que pensa que ele é como todas as outras pessoas. O liberalismo faz exatamente a mesma coisa. Ele fica louco pensando sobre si mesmo como normal, quando na verdade é WEIRD.

O universalismo liberal envelheceu mal nos anos recentes. Mais especificamente, ele envelheceu mal em duas direções diferentes. À esquerda, o liberalismo foi consumido pelo universalismo, se tornando um monstro globalista que ridiculariza a liberdade, ao passo em que à direita ele foi completamente desmoralizado, conforme despontava o reconhecimento sobre o que o universalismo realmente significa. Para qualquer um que ainda estremeça com algum ligeiro espasmo residual da morte do impulso liberal, a discussão rapidamente fica quase insuportável neste ponto. Isolamento, despedaçamento psíquico e outras manifestações de loucura traumatizada se seguem.

Tudo sobre o que a Eleição Presidencial dos EUA em 2016 tratou é pertinente. O politicamente correto e a Janela de Overton em geral, raça, imigração, gênero e normas sociais em particular, todas as partes apanharam um aspecto da agonia liberal. Donald Trump era, no sentido estrito – e não apenas no depravado – um candidato drasticamente iliberal. Em sua campanha, uma humilhação pública do universalismo quase equivalia a uma plataforma. A política americana havia se tornado abertamente tribal.

Aquela garota americana dos sonhos com que você falava durante o jantar? A que poderia ter sido o futuro? Ela sangrou até morrer por causa de múltiplos ferimentos de facadas durante o banho. Você a matou, Norman. Sim, você. É difícil acreditar, obviamente, mas vamos explicar como.

Para começar com a dimensão mais aquecida da política identitária, o liberalismo tem um problema de raça. Os liberais tendem a gostar muito de imigrantes, ao passo em que os imigrantes não gostam quase nada dos liberais. Alguma evidência quantitativa para isto é fornecida por Hal Pashler, em um artigo (de 2013) sobre U. S. Immigrants’ Attitudes Toward Libertarian Values (“Atitudes dos Imigrantes dos EUA em Relação aos Valores Libertários”), que descobre:

… um notável padrão de apoio inferior a visões pró-liberdade entre os imigrantes, quando comparados com os residentes nascidos nos EUA. Estas diferenças foram, em geral, estatisticamente significativas e consideráveis, com algumas exceções dispersas. Com proporções cada vez maiores da população dos EUA sendo estrangeiras, um baixo apoio a valores libertários por parte de residentes estrangeiros significa que os prospectos políticos dos valores libertários nos EUA provavelmente diminuirão ao longo do tempo.

De acordo com uma ampla gama de métricas, os residentes estrangeiros expressaram um apoio significantemente menor por um governo limitado do que a população nativa. Tais efeitos quase certamente seriam ainda mais fortalecidos se a última categoria em si tivesse sido decomposta em etnias. Quando se ofereceu aos americanos uma escolha binária entre um governo menor ou maior, uma expansão do governo foi favorecida por apenas 27% dos brancos, mas por 55% dos asiáticos, 64% dos negros e 73% dos hispânicos. Categorias étnicas mais precisas apenas aguçam o padrão. A Linha de Hajnal, que divide os mais comprometidos exógamos (do noroeste) da Europa de seus vizinhos mais tribalistas, resume um gradiente de individualismo, entre outros traços liberais distintos. A etnografia de Emmanuel Todd dos tipos de família e suas tendências ideológicas associadas liga o liberalismo à ‘Família Nuclear Absoluta’ (do noroeste europeu). As tradições da lei comum são peculiares dos Anglo-Saxões. Weber e Sombart identificam etnicamente as disposições capitalistas com os protestantes e os judeus (modernos). Começa a parecer extremamente improvável que os liberais representem uma amostra aleatória dos povos do mundo.

O viés liberal de gênero dificilmente é menos impressionante.

O Sufrágio das Mulheres Mudou o Tamanho e o Escopo do Governo? perguntam John Lott e Lawrence Kenny. Certamente parece que sim:

Descobrimos que o governo continuou a crescer conforme a participação eleitoral feminina aumentou ao longo do tempo. Uma vez que o sufrágio foi concedido às mulheres em diferentes estados ao longo de um período grande de tempo, que se estendeu de 1869 a 1920, é improvável que a Primeira Guerra Mundial seja a chave. Esses dados também nos permitem abordar questões de causalidade de maneiras incomuns. A questão central é se dar às mulheres o direito de votar fez com que o governo crescesse, ou se houve alguma outra coisa que contribuiu tanto para as mulheres conseguirem o direito de voto quanto também para o aumento no crescimento do governo. Encontramos efeitos muito similares do sufrágio das mulheres em estados que votaram pelo sufrágio e estados que foram forçados a dar às mulheres o direito de voto, o que sugere que o segundo efeito é pequeno.

A era do grande governo e a da emancipação feminina não parecem ser facilmente distinguíveis. Nas palavras incautas de Peter Thiel:

Desde 1920, o vasto aumento dos beneficiários do estado de bem-estar social e a extensão do direito ao voto às mulheres – dois eleitorados que são notoriamente difíceis para os libertários – tornaram a noção de “democracia capitalista” um oximoro.

A conclusão horrivelmente convincente, mas totalmente iliberal, parece ser de que as mulheres e os não brancos usaram de sua crescente influência política para expandir massivamente o escopo do governo. À qual um terceiro fatos pode ser adicionado, que é o casamento. De maneira bastante simples, solteiros são maníacos comunistas, comparativamente falando. Em relação a política partidária dos EUA, Steve Sailer o chama de ‘lacuna do casamento’. Não é pequena. Na Eleição Presidencial de 2012, as mulheres casadas (em geral) ficaram com Romney em vez de Obama por cerca 55%, mulheres casadas brancas por cerca de 63% e homens brancos casados por cerca de 67%. (A quota de Romney entre as mulheres negras solteiras foi 2%.)

Conforme as medidas demográficas, políticas e sociais liberais foram arraigadas, os liberais clássicos, conduzindo o curso da evolução social moderna a partir de uma posição modestamente à esquerda do antigo establishment monárquico e eclesiástico, eventualmente se tornaram libertários, lutando de maneira ineficaz contra a imersão em tirania socialista, na posição de uma direita exterior encalhada, alienada e ridicularizada. Durante todo esse processo, o liberalismo consistiu – quase sem exceção – de homens brancos. Reconhecidamente, esses tipicamente eram homens brancos em negação. Através de toda a amplidão da história mundial, nunca houve um grupo populacional mais negligente de seus próprios privilégios. E assim eles se destruíram.

Qualquer um que tenha chegado ao estágio “Ó, meu Deus, os estereótipos” com isso está indo a algum lugar. Essa tem sido a parte central do processo de aprendizagem. Todos os estereótipos são verdadeiros (basicamente). Essa é a ciência, também, se ajudar, embora raramente ajude. Exceto quando inflados ou dogmatizados para além do extensão da utilidade enquanto heurística epistemológica geral, os estereótipos tem uma confiabilidade vastamente maior do que – por exemplo – comprometimentos cognitivos ideologicamente motivados. Mais, os liberais clássicos costumavam saber disso. É uma expectativa burkeana.

Estereótipos são produtos sociais espontâneos, como as línguas naturais, a lei comum e o dinheiro metálico. Dizer tudo isto explica por quê os liberais clássicos são conservadores, caracterizados por uma aceitação por princípio da maneira em que as coisas aconteceram. O que havia sido, historicamente, uma visão razoavelmente otimista do governo estatal centralizado foi baseada em quão pouco dele jamais houvera antes. A mera existência do gigantesco estado de bem-estar social democrático torna esse liberalismo conservador (ou conservadorismo liberal) impossível. Um libertarianismo revolucionário radicalmente frustrado toma o seu lugar.

É fácil ver o que faz Bates passar dos limites. Ele pensara que era Normal, mas acontece que ele é um WASP. Através de mais uma reviravolta louca, ele reconhece que a única coisa que os WASPs nunca farão é defender sua própria cultura – essa é um tradição étnica essencial. O libertarianismo tem sido loucamente WASPico nesse sentido, quando ele o observa, o que não consegue fazer por muito tempo. É um paradoxo intratável que conduz, por entre a incoerência, até a fragmentação. Ter protegido sua identidade teria sido algo que apenas um outro poderia ter feito. Talvez sua mãe cuidasse dele? Mas ela está morta.

A identificação do liberalismo clássico com a cultura WASP é uma aproximação forte. Poucas correlações sócio-históricas são mais robustas, mas a coincidência só pode ser estatística. Existem WASPs socialistas e liberais clássicos não-WASPs, embora não o bastante de nenhum deles para perturbar seriamente o padrão. Quando os franceses, em particular, se referem aos anglo-saxões de maneira estereotípica, eles sabem do que estão falando e também o sabe qualquer outra pessoa que esteja prestando atenção. Hubert Védrine coloca da melhor maneira:

[V]amos admitir: A globalização não beneficia automaticamente a França. […] A globalização se desenvolve de acordo com princípios que não correspondem nem à tradição francesa, nem à cultura francesa. Estes princípios incluem a economia de mercado ultraliberal, a desconfiança do estado, o individualismo removido da tradição republicana, o inevitável reforço do papel universal e ‘indispensável’ dos Estados Unidos, o direito comum, a língua inglesa, as normas anglo-saxãs e conceitos protestantes – mais do que católicos.

Tudo faz sentido visto de fora, mas para a própria cultura WASP – o que seria dizer, para o liberalismo – a política identitária é loucura. Isso a deixa sem ter aonde ir. A face de couro esquizo-maoista da esquerda anglófona contemporânea não é nenhum tipo de opção plausível, mas tampouco o é qualquer coisa que se abra na direita popular. Conforme a Alt-Right consolida seu caso passional com a identidade, ela soa cada vez mais como Hubert Védrine. O individualismo é ridicularizado. Sua desconfiança do livre comércio deve mais a Friedrich List do que ao Iluminismo Escocês. Sua crítica da arbitragem trabalhista frequentemente é quase indistinguível daquela familiar das tradições socialistas, marcada pela mesma corrente de ultraje moral com o fato de que o Capital – apesar de ser ele mesmo competitivamente disciplinado por consumidores descomprometidos – tem permissão para pesquisar os melhores preços dos seus recursos humanos. A concorrência de salários, mesmo a concorrência de preços de maneira mais geral, é um objeto cada vez mais comum de ataque. Em seu extremo dinâmico e racial, a Alt-Right promove a solidariedade entre Brancos, ou Europeus, como se qualquer um deles jamais pudesse ser uma coisa WASP. A Europa é do que o liberalismo sempre buscou escapar. O populismo exige uma política de agravos, o que significa uma antipatia padrão às minorias dominantes do mercado e, assim, – no contexto ocidental – uma inclinação irreprimível ao anti-semitismo. Nada disso descreve um lugar ao qual mesmo liberais enlouquecidos possam ir.

Uma vez que a palavra ‘fascismo’ foi tão arruinada pelo uso polêmico incontinente, é difícil empregar sem um sobre-alcance retórico aparente. Isto é infeliz, por em seu sentido frio e técnico, a palavra não é nem sequer meramente conveniente, mas mesmo inestimável. Ela literalmente significa a política do agrupamento. Fasces são bastões unidos. Os liberais são essencialmente definidos pela sua dissidência disso. Se a cultura WASP tem um núcleo, ele é a associação frouxa. Não existe nenhuma possibilidade real de simplesmente reuni-la novamente. Piratas e cowboys não fazem solidariedade nacional. Isso seria uma cultura completamente diferente.

Quanto a Bates, por agora ele já sabe que sua mãe está morta e até mesmo que ele a matou – que ele mata qualquer pessoa parecida com ela. Inundam-se pensamentos ruins. É difícil continuar, mas pelo menos ele tem confiança em seu próprio princípio de não agressão. Não tem jeito de que poderia ter sido como eles dizem, porque ele não machucaria ninguém. Nem mesmo uma mosca.

Original.