O Que é Filosofia? (Parte 1)

A agenda deste blog é persuadir a nova reação à exerção filosófica. Então, o que é filosofia? A resposta mais crua a esta questão é provavelmente a mais robusta.

A filosofia é o polo de máxima abstração de qualquer cultura, ou inteligência intrinsecamente experimental, expressando a liberação das capacidades cognitivas da aplicação prática imediata e seu teste contra problemas ‘últimos’ no horizonte do entendimento. Historicamente, ela é um empreendimento cultural distintivo – e apenas depois uma instituição – com aproximadamente 2500 anos de idade, e está firmemente enredada, em sua origem, com o aspecto ‘místico’ ou problemático das religiões pagãs. Foi dentro desta matriz primordial que ela encontrou seu desafio mais básico e duradouro: a borda do tempo (sua natureza, limites e ‘exterior’, sobre os quais muito mais depois). Os primeiro filósofos eram místicos pagãos cognitivamente auto-disciplinados – e, assim, comparativa e socialmente irrestritos – consistentemente encantados pelo enigma do tempo.

Normalmente é um erro ficar pendurado em palavras, esquecendo sua função como índices puros (‘nomes’) que simplesmente marcam coisas, antes de descrevê-las ricamente. Nomes pessoais tipicamente têm significados, mas é raro permitir que isso distraia de sua função enquanto nomes, ou ponteiros, que fazem muito mais referência do que sentido. ‘Filosofia’ não é nenhuma exceção. Que ela ‘signifique’ o amor à sabedoria é uma irrelevância comparado ao que ela designa, que é algo que estava acontecendo – antes de ter um nome – na Grécia antiga (e, talvez, através de uma extensão plausível, na China, na Índia e até mesmo no Egito). O que a filosofia ‘é’ não pode ser deduzido por meio de análise linguística, não importa o quão sutil essa possa ser.

Platão resumiu e institucionalizou a filosofia (Ocidental), traçando a borda do tempo na doutrina das Ideias (ἰδέαι). O tempo foi concebido como o domínio do inessencial, dentro do qual as coisas apareciam, ao passo que apenas davam pistas de sua verdade. “A caracterização geral mais segura da tradição filosófica européia é que ela consiste de uma série de notas de rodapé a Platão”, A. N. Whitehead notavelmente observou (em seu aptamente intitulado Process and Reality). Ainda assim, uma vez que a Ideia do tempo necessariamente eludia a filosofia platônica, o esforço permaneceu irresoluto em seus fundamentos.

O pensamento de Aristóteles, que dominou a pré-modernidade cristã, guiou a filosofia primordial ainda mais a um eclipse. Sua derivação do tempo a partir da mudança e – de maneira mais promissora – do número abriu o caminho para avanços técnicos posteriores, mas ao custo de tornar o enigma do tempo ininteligível e até mesmo invisível. O problema foi relegado à teologia e, assim, ao tópico do temporal e do eterno, que foi atravancado com elementos doutrinários estranhos (criação, encarnação, o emaranhado inconsistente dos três ‘omni’s), tornando-o inapropriado para uma investigação rigorosa.

A filosofia primordial não foi reativada no Ocidente até o final do século XVIII, sob o nome de crítica ‘transcendental’, na obra de Immanuel Kant. A filosofia crítica kantiana limita o escopo do entendimento ao mundo da experiência possível, sempre já estruturado por formas de apreensão (conceitual e sensível), que produz objetos. A confusão dos objetos com suas formas de apreensão, ou ‘condições de possibilidade’, ele argumenta, é a raiz de todo erro filosófico (por exemplo – e de maneira mais pertinente – a tentativa ‘metafísica’ de compreender o tempo como alguma coisa, em vez de como uma estrutura ou quadro de aparência). Ao contrário das formas ou ideias de Platão, a formas de Kant são aplicadas e, assim, ‘imanentes’ à experiência. Elas são acessíveis, embora ‘transcendentais’, em vez inacessivelmente ‘transcendentes’.

O tempo, ou ‘a forma do sentido interior’, é a pedra fundamental do sistema de Kant, organizando a integração dos conceitos com as sensações e, desta forma, descrevendo as fronteiras do mundo (da experiência possível). Além dele jazem tratos ‘numenais’eternamente inacessíveis – problematicamente pensáveis, mas nunca experienciados – habitados pelas coisas-em-si-mesmas. A borda do tempo, portanto, é o horizonte do mundo.

No começo do século XX, a física cosmológica retornou à borda do tempo e à questão: o que ‘veio antes’ do Big Bang? Para a cosmologia, não menos do que para a filosofia transcendental – ou mesmo para a teologia especulativa – esse ‘antes’ não poderia ser precedência (no tempo), mas apenas uma exterioridade (não espacial), para além da singularidade. Ele indicava um não-lugar atemporal, cripticamente adjacente ao tempo e até mesmo inerente a ele. O tempo cuidadosamente desmistificado da ciência natural, calculável, mensurável e contínuo, agora apontava para além de si mesmo, reativado nas bordas.

Assim como o platonismo não consegue pensar a Ideia do tempo, o kantianismo não consegue pensar o Tempo-em-si-mesmo. Estas concepções são impedidas pelos próprios sistemas de filosofia que as provocam. Ainda assim, todos aqueles que se encontram imediatamente tentados a dispensar Kant sobre bases naturalistas – a esmagadora maioria dos modernos contemporâneos, sem dúvida – tacitamente evocam exatamente essa noção. Se o tempo for liberado de sua constrição dentro do idealismo transcendental, onde ele não é nada além do que é para nós, então ele não pode deixar de ser ‘algo’ em si mesmo. É dificilmente imaginável que um físico cosmológico pudesse duvidar disto sequer por um momento, e o caminho da ciência não pode ser recusado por muito tempo.

O Tempo-em-si-mesmo, portanto, é agora o único e singular problema da filosofia primordial, por onde a borda do tempo corre. Ele decide o que é filosofia e o que a filosofia não pode deixar de ser. O que permanece além disso ou está subordinado em princípio, ou é mera distração. Instituições insistirão em sua autoridade para responder esta questão, mas, em última análise, elas não têm nenhuma. É o problema – a borda do tempo – que faz seu caminho.

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Dupla Predestinação

A herança cladística exige que eu comece a falar sobre a doutrina calvinista da Providência aqui (logo), apesar da minha total depravação cognitiva sobre o tópico. Tenho estado lendo as Institutas da Religião Cristã, e em seu entorno, mas inevitavelmente como se fosse de Marte (e como um confucionista). Tem que ser o caso de que muitos dos visitantes aqui são vastamente mais intelectualmente fluentes sobre o assunto, de modo que quaisquer comentários antecipatórios serão avidamente apoderados.

A fatalidade, até onde ela está inicialmente evidente:

(1) A Neorreação, localizada cladisticamente, é um estilhaço criptocalvinista.

(2) As doutrinas que colocaram o calvinismo no “gabinete dos horrores” de H. L. Mencken (“próximo ao canibalismo”), nunca foram filosoficamente dissolvidas, seja por argumentos teológicos ou seculares.

(3) A dispensa moralista da modernidade e, por associação, do protestantismo, evidencia uma concepção quase incompreensivelmente crua da Providência – como se a maneira em que as coisas ocorreram não fosse uma fatalidade e, em termos teológicos, uma mensagem (ou punição), mas sim um acidente ou contingência criada pelo homem. A teologia rigorosa da modernidade não pode se reduzir a mera denúncia.

(4) O calvinismo é um instrumento com o qual se explorar o catolicismo, especialmente no que diz respeito à sua filosofia implícita da história (e ao recursos ao raciocínio teleológico). O ‘Neo-‘ na Neorreação parece ser uma marca calvinista. Há um sem número de explicações seculares influentes para a maneira em que a história torturou a Igreja – de modo que mesmo os religiosos parecem tipicamente assumi-las por padrão. Onde se encontra uma descrição radicalmente providencial (que escave o significado teológico da modernidade)?

(5) A própria palavra ‘Catedral’, em seu uso neorreacionário, não é um sinal providencial complexo? (O que sugere que ela tem bem mais a dizer do que qualquer coisa que escritores neorreacionários ou o mero acidente coloquem nela.)

(6) O aglomerado de disputas em torno da ‘predestinação’ (ou ação da eternidade sobre a história) é a chave ocidental para o problema do tempo.

Estou certo de que há muito mais…

[Isto ajuda a estabelecer o tom.]

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Categorização

Como antecipado, a organização do blogroll de Outside in está se transformando, de uma tarefa mecânica, em um cativante problema político-cultural e filosófico. Minha sensação é que as pessoas geralmente resolvem esse tipo de dilema em uma base razoavelmente apressada e ad hoc, mas parece já muito tarde para fazer isso. Há considerações de legado e meandros de variedade de coalizões em jogo. Em última análise, há a questão sobre a significância central do termo ‘neorreação’ – Ele é um mero ponto de convergência, arremessado à proeminência por oportunidades históricas arbitrárias, ou é um conceito denso, cujos componentes semânticos devem ser escrupulosamente respeitados?

Minha tentação seria evitar taticamente a palavra, a fim de acessar uma terminologia mais flexível e diferenciada. O que me impede de fazê-lo é o sentimento arrogante de que eu respeito a palavra mais do que qualquer outra pessoa a quem ela é aplicada. ‘Neorreação’ é um termo inerentemente paradoxal e físsil, dividindo-se em si mesmo sobre um eixo temporal. Segue-se que eu sou extremamente relutante em vê-lo relegado a um mero marcador categórico, empregado para designar tendência ideológicas cujo conteúdo substancial é melhor – ou mais completamente – explicado em outros termos. A palavra Neorreação declara, intrinsecamente, que ela pertence a viciados-temporais fissionalistas explorando uma dissociação histórica. É isto que ela diz, independente de como é usada.

O problema da categorização, portanto, permanece, indissoluvelmente. Alguma sugestão?

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Teleologia e Camuflagem

A vida parece estar saturada de finalidades. É por isso que, antes da revolução darwinista na biologia, elas foram a provocação primária de argumentos (teleológicos) de desígnio e anteriormente nutriram apelos aristotélicos a causas finais (teleologia). Mesmo pós-Darwin, as ciências biológicas continuaram a perguntar para quê as coisas são e a investigar as estratégias que as guiam.

Esta resiliência da inteligibilidade propositada é tão marcada que um neologismo foi cunhado especificamente para esses fenômenos – em grande parte coextensivos ao campo do estudo biológico – que simulam a teleologia em um grau extremo de aproximação. ‘Teleonomia’ é mecanismo camuflado como teleologia. O disfarce é tão profundo, difundido e convincente que legitima a perpetuação de descrições baseadas em propósitos, dado apenas o reconhecimento formal de que os termos de sua redutibilidade última sejam – em princípio – entendidos.

Quando organismos são camuflados, ‘a fim de’ parecerem como algo além daquilo que são, uma explicação propositada e estratégica ainda parece (quase) inteiramente apropriada. Seus padrões são enganações – ‘projetadas’ para desencadearem falsos reconhecimentos em predadores e presas e talvez, igualmente, em um nível mais profundo, entre os naturalistas que não conseguem deixar de ver desígnio estratégico na aparência de galho de um inseto (não menos claramente do que um pássaro vê um galho). Ao reduzir a vida ’em verdade’ a mecanismo, a biologia redefine a vida como simulação, que sistematicamente esconde o que ela realmente é. O darwinismo continua sendo contra-intuitivo, mesmo entre darwinistas, porque a enganação é inerente à vida.

A ciência natural moderna concebe o tempo como a dimensão assimétrica. Suas duas grandes ondas – de causação mecânica (a partir do século XVI) e de causalidade estatística (a partir do século XIX) – ambas orientam a linha do tempo como uma progressão de condições para condicionados. Estados posteriores são explicados pela referência a estados anteriores, com a explicação equivalendo a uma elucidação de dependência do que veio antes.

É notável e inteiramente previsível, portanto, que, como tópico científico moderno, a origem do universo seja esmagadoramente privilegiada à sua destinação. Como o universo acaba é dificilmente mais do que uma reflexão tardia, anuviada em incerteza liberalmente tolerada e até mesmo em uma pitada de não-seriedade. Origens são o santo graal da investigação de espirito mecanicista, ao passo que Fins são suspeitos, medievais, especulativos… e enganadores.

Não se poderia esperar que ciência empírica adotasse qualquer outra atitude, dada a assimetria temporal da evidência. O passado deixa traços, em memórias, memorandos, registros e restos, ao passo que o futuro não nos diz nada (a menos que fortemente disfarçado). Do passado-para-o-presente, há uma cadeia de evidências que pode ser laboriosamente reconstruída. Do futuro-para-o-presente, há uma trilha sem marcas ou mesmo (como a racionalidade moderna tipicamente supõe) nenhuma trilha que seja.

Quando a ciência moderna cede à sua tendência de interpretar a linha do tempo como um gradiente de realidade, ela não está inovando, mas metodicamente sistematizando uma antiga intuição. O passado tem que parecer mais real do que o futuro, porque ele realmente aconteceu, ele nos alcança, e nós herdamos seus sinais. Da perspectiva da filosofia, contudo, este viés é insustentável. O tempo em si mesmo não é nenhum pouco ‘mais denso’ no passado ou no presente do que no futuro, suas bordas não podem pertencer a qualquer momento no tempo, e o que ele ‘é’ só pode ser perfeitamente trans-temporal. O tempo em si mesmo não pode ‘vir’ de uma ‘origem’ cujo sentido todo pressupõe a ordem do tempo.

A filosofia está inteiramente, eternamente e rigorosamente confiante de que o Lado de Fora do tempo não foi simplesmente antes. Ela é compelida a ficar hesitante quanto a qualquer ‘história do tempo’. Da realidade nua do tempo (como aquilo que não pode simplesmente ter começado), se ‘segue’ que causas últimas – aquelas consistentes com a natureza do tempo em si mesmo – não podem ser nenhum pouco mais eficientes do que finais. A supressão assimétrica da teleologia na modernidade começa a parecer como se fosse uma ilusão bem mais profundamente enraizada, ou – abordada a partir do outro lado – uma ocultação, decorrente da maneira em que o tempo ordena a si mesmo. O tempo (em si mesmo) é camuflagem.

O mito do Exterminador do Futuro explora esse complexo de suspeita, de forma popular. O tempo não funciona como parecera. O Fim pode chegar de volta à nós, mas quando o faz, se esconde. Mecanismos malignos são paradoxalmente alinhados com a causação final, na auto-realização da Skynet. O maquinário robótico é mascarado por carne falsa, simultaneamente ocultando sua vitalidade não-biológica e a reversão do tempo. Ele simula a vida a fim de exterminá-la. Através da auto-produção, ou ‘paradoxo de bootstrap‘, ele imita o limite da não-linearidade cibernética, levando a teleonomia à perturbação radical do tempo.

Em todas estas maneiras, O Exterminador do Futuro explora as tensões insolúveis na formação moderna do tempo, como condensadas por um ‘impossível’ mecanismo estratégico, nativo do auto-produtivo tempo-em-si-mesmo e que termina em eficiência final. Ele nos mostra, confusamente, o que somos incapazes de ver. Para citar erroneamente Lênin: Vocês modernos podem não estar interessados no Fim, mas o Fim está interessado em vocês.

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A Teologia de Gnon e o Tempo

Uma discussão sobre a Teologia de Gnon e o Tempo merece um prefácio, sobre a Teologia de Gnon, mas há diversas razões para se pular isso. Mais obviamente, seria ainda outro prólogo a uma introdução à primeira parte de uma série prometida, e os leitores deste blog estão, muito provavelmente, completamente saturados disso (ao ponto de leve náusea). É uma doença cognitiva, e seria presunçoso esperar que qualquer outra pessoa tenha o mesmo interesse mórbido em cascatas reversas que este blog tem.

A razão mais interessante para evitar fazer um prefácio à questão do tempo, ao longo de qualquer linha de investigação, é que tais precauções metódicas são erros graves neste caso. Não há nada mais básico do que o tempo, ou preliminar a ele. Ao dar o nome a um prefácio ou prólogo, ele já foi introduzido. O tempo é um problema que não pode ser conceitualmente antecipado.

Gnon suspende a decisão ontológica sobre Deus. Começa a partir do que é real, quer Deus exista ou não. Um transe-Gnon é incerto. Ele ainda não é agnóstico, não mais do que é decididamente teísta ou ateísta. Ele se preocupa primariamente com aquilo que foi aceito como real antes que qualquer coisa seja acreditada e, subsequentemente, com o que quer que possa ser alcançado através da negação metódica da pressa intelectual. Uma vez que a suspensão é sua única determinação positiva, ele colapsa em direção a uma intuição crua de tempo.

Evidentemente, a Teologia de Gnon não pode ser dogmática, sequer em parte. Em vez disso, ela é hipotética, em um sentido maximamente reduzido, no qual a hipótese é uma oportunidade de exploração cognitiva liberta de comprometimentos ontológicos. O conteúdo da Teologia de Gnon é exaurido pela questão: Em que a ideia de Deus nos permite pensar?.

E ‘a ideia de Deus’? – o que, em nome de Gnon, é isso? Todo que sabemos, a princípio, é que ela foi jateada de todas as encrustações de qualquer fé positiva ou negativa. Ela não pode ser nada com o que já tenhamos familiaridade histórica ou reveladora, uma vez que que ela nos alcança a partir do abismo (epoche), onde apenas o tempo e/ou o desconhecido permanecem.

Saturada de fruto proibido, a Teologia de Gnon desnuda Deus como uma máquina, até o limite da abstração ou eternidade para-si-mesma. Existe alguma perspectiva assim? Já sabemos que esta não é nossa questão. Toda essa ‘ontologia regional’ foi suspensa. Já temos o direito, não obstante, através da graça de Gnon (que – recorde – poderia (ou não) ser Deus), à suposição ou aceitação de realidade de que: para que qualquer Deus seja Deus, não pode ser menos do que eternidade para-si-mesma. No que quer que a eternidade para-si-mesma implique, qualquer Deus também implicará.

O que ela implica, sem ambiguidade, é em viagem no tempo, no sentido forte de causação reversa, embora não necessariamente na variante folclórica/Hollywoodiana (que também já teve sérios defensores) embasada na retro-transportação de objetos físicos para o passado. Conhecimento sobre o futuro é indistinguível da transmissão contra-crônica de informação. Isto talvez seja a percepção mais crítica na pesquisa realista sobre viagem no tempo – voltaremos a ela. (Se qualquer um a achar menos do que logicamente irresistível, use a área de comentários.)

Para acelerar esta discussão com crueza blogística, em uma saída da Teologia de Gnon para dentro da história religiosa Ocidental (e para a possibilidade do dormir), podemos pular para uma simples, certa e segura conclusão: Nenhum cristão pode consistentemente negar a realidade da viagem no tempo. A objeção ‘se a viagem no tempo (reversa) é possível, onde estão os viajantes do tempo?’ é anulada pela própria revelação cristã. A Encarnação Messiânica (de Deus ou eternidade para-si-mesma), junto com toda profecia verdadeira, história providencial e oração respondida, instancia a viagem no tempo com exatidão técnica. Não pode haver nenhuma verdade que seja na religião cristã a menos que a viagem no tempo tenha estruturado de maneira fundamental a história humana. O que quer mais que o cristianismo possa ser, ele é uma estória de viagem no tempo e uma que, às vezes, parece estar peculiarmente carente de um auto-entendimento claro.

(A viagem no tempo, talvez dever-se-ia notar de maneira explícita, não tem qualquer dependência óbvia do cristianismo, ou mesmo do Deus da Teologia de Gnon. Este é um tópico para outras ocasiões.)

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Extropia

Que calamidade maior poderia um neologismo herdar do que uma paternidade tecno-hippie? Tal destino, aparentemente, induz mesmo outros tecno-hippies a contorná-lo (enquanto o repetem quase exatamente). Mas é preciso ser dito, através de dentes cerrados ou não, que ‘extropia’ é uma ótima palavra e uma quase indispensável.

Extropia, ou redução local de entropia, é – bastante simplesmente – o que é necessário para que algo funcione. Toda a tecno-ciência da entropia, em seu lado prático (cibernético), não é nada além de geração de extropia. Não há nenhuma conceituação rigorosa de funcionalidade que realmente a evite. A aproximação mais estreita de valor objetivo que jamais será encontrada já tem um nome, e ‘extropia’ é ele.

A importância deste termo para a investigação do tempo é colocada em foco pela obra de Sean Carroll (embora, claro, ele nunca a use). Se a direcionalidade ou ‘seta’ do tempo é entendida da forma em que Eddington propôs, através da crescente entropia (ou desordem) global, como antecipado pela segunda lei da termodinâmica, a extropia local apresenta uma questão intrigante.

A discussão de Carroll é dirigida ao seu sentido do problema temporal e cosmológico último: o estado de baixa entropia do universo primordial (assumido, mas não explicado, pela cosmo-física predominante). Dado este ímpeto intelectual, o problema da produção de entropia negativa (extropia) é pouco mais do que uma distração ou uma objeção espúria ao andaime conceitual que ele apresenta. Ele comenta:

A Segunda Lei não proíbe decréscimos em sistemas [abertos] – ao inserir trabalho, você é capaz de arrumar seu quarto, diminuindo sua entropia, mas ainda aumentando a entropia do universo como um todo (você faz barulho, queima calorias, etc.). Tampouco ela é incompatível de qualquer forma com a evolução ou com a complexidade, ou com qualquer coisa do tipo.

A questão desconcertante, contudo, é esta: Se a entropia define a direção do tempo, com a desordem crescente determinando a diferença entre o futuro e o passado, a extropia (local) – através da qual todos os seres cibernéticos complexos, tais como formas de vida, existem – não descreve uma temporalidade negativa ou reversão do tempo? Não é, na verdade, mais provável, dada a inevitável inserção da inteligência no tempo “invertido”, que seja a concepção cosmológica ou geral de tempo que esteja invertida (a partir de qualquer perspectiva naturalmente construída possível)?

Qualquer que seja a conclusão, é claro que entropia e extropia têm assinaturas temporais opostas, de modo que a inversão do tempo é um fato cosmológico relativamente banal. ‘Nós’ habitamos uma bolha de tempo reverso (quem quer que sejamos), embora imersos em uma ambiente cósmico que flui irresistivelmente na direção contrária. Se a realidade é severa e estranha, é por isso.

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