Desintegração

De acordo com uma certa construção da história cultural, à qual as ciências naturais frequentemente se pareceram apegadas, a religião é concebida essencialmente como uma explicação naturalista pré-científica. Vistas dessa maneira, as religiões são cosmologias comparativamente primitivas. É isso o que as torna vulneráveis ao progresso científico. Um Galileu, ou um Darwin, avança para dentro de seu território central, ferindo-as mortalmente no coração. Uma noção um tanto sociologicamente indistinta de "ciência" é vislumbrada como a sucessora natural da religião.

Por mais plausível (ou implausível) que se ache essa narrativa, ela importa. Por meio dela, a ascendência científica adquire seu mito fundacional. Crucialmente, esse poder mítico não depende de nenhum tipo de validação científica rigorosa. Ninguém jamais foi compelido a colocá-lo a teste. Tudo que é pré-moderno – e até mesmo profundamente arcaico – na empreitada modernista corre através dele. Ele fornece uma infraestrutura tácita de crença profunda.

Referir-se à "ciência mítica" não é algo positivamente cético, muito menos polêmico. Para que ideias científicas adquiram o status de mito é uma questão de potência cultural, suplementar a qualquer validade epistêmica que elas retenham. Conceitos científicos não se tornam nenhum pouco menos científicos ao também se tornarem míticos. Eles podem, contudo, por vezes, sustentar um poder mítico desproporcional à sua legitimidade estritamente científica. O ápice dominante de uma cultura é alguma cosmologia mais ou menos científica.

É isso que a palavra "natureza" transmitia primordialmente. Um objeto último de afirmação cognitiva é promovido através dela. É nisto que acreditamos. As coisas são desta maneira, e não de outra maneira (ou apenas de outra maneira em algum outro lugar).

Aqui perguntamos, então, como inocentes pagãos científicos: De que forma as coisas são?

A melhor cosmologia atual é aceleracionista, e desintegracionista. Para colocar a coisa de maneira crua – e, em última análise, insustentável – a expansão do universo está se acelerando e se despedaçando. Ao invés de ser desacelerada pela gravidade, ulterior a uma explosão original, a taxa de inflação cósmica aumentou. Alguma força ainda desconhecida está esmagando a gravidade e desviando para o vermelho todos os objetos distantes. Batizada bastante recentemente de "energia escura", pensa-se que essa força seja responsável por setenta por cento de toda a realidade física.

Comparada com essa descoberta fortemente confirmada da fragmentação acelerante, a noção de um "universo" integral subjacente parece cada vez mais como uma relíquia mitológica insustentável. "Insustentável", isto é, mesmo em termos de um mito científico consistente, e também de maneira mais prática.

A distância a partir da qual a informação pode ser recebida, ou à qual ela pode ser transmitida, ao longo de qualquer período de tempo, tem um limiar estabelecido pela velocidade da luz. O horizonte de espaço-tempo da realidade para qualquer entidade é determinado por esse "cone de luz". Para além dele, há apenas o absolutamente incomunicável. Um cone de luz é, desta forma, entre outras coisas, uma delimitação estrita do poder de projeção, entendido enquanto unidade prática. O processo leva da relatividade geral até a desintegração absoluta.

Em sua história intelectual da física relativista[1], Peter Gallison conecta o problema da relatividade àquele da administração imperial. Sincronização é a pré-condição de qualquer processo sofisticado de coordenação. Mesmo sob as (compactas) condições terrestres, a finitude extrema da velocidade da luz apresentava um problema técnico significativo para a governança em escala imperial-global. Redes telegráficas, em particular, exigiam a correção técnica de efeitos relativísticos.

Por extrapolação irresistível, podemos ver que a dominação é sempre capaz apenas de mascarar processos de escapada. Não pode haver nenhum Império Cósmico. O espaço não o tolera. Este é meramente um fato de ficção científica, até que seja mitologizado.

A energia escura está despedaçando o cosmos. Eventualmente, seus pedaços abandonarão os cones de luz uns dos outros. Eles então não serão nunca mais nada uns para os outros. Esta é uma descoberta de consequências extraordinárias. Na maior escala de objetividade empírica, a unidade não tem nenhum futuro. O "universo" é um modelo irrealista. Tudo que agora se sabe sobre o cosmos sugere que a fragmentação é básica.

A cosmologia fornece, dessa forma, um modelo de desintegração que é notável por seu extremismo. Ela caracteriza peças que não tem nada que seja, exceto um passado compartilhado, em comum, propelidas até uma não-comunicação absoluta. Nenhuma concepção política de separação jamais chegou a esse limite, até o momento.

Alguns resultados fascinantes rapidamente saem da extrapolação. A evidência cosmológica à qual nossa tradição científica tem sido capaz de recorrer eventualmente deixará de estar disponível. Uma espécie inteligente futura não poderia construir nenhum modelo comparável do universo com base em fundamentos empíricos. O que quer que contasse como o todo, para ela, seria, na verdade, apenas um fragmento (já podemos ver). Aglomerados galácticos distantes teriam se tornado questões de pura especulação. A própria possibilidade de uma ciência empírica teria sido demonstravelmente limitada no espaço e no tempo.

Geoff Manaugh a chama de "a amnésia vindoura". Ele observa, sobre uma palestra do autor de ficção científica Alastair Reynolds:

Conforme o universo se expande ao longo de centenas de bilhões de anos, Reynolds explica, haverá um ponto, no futuro muito distante, no qual todas as galáxias estarão tão distantes que elas não serão mais visíveis umas a partir das outras. […] Ao alcançar esse momento, não será mais possível entender a história do universo–ou talvez mesmo que ele já teve uma – já que todas as evidências de um cosmos mais amplo, fora da sua própria galáxia, terão desaparecido para sempre. O própria cosmologia será, em si, impossível. […] Em tal universo futuro radicalmente expandido, Reynolds continua, algumas das compreensões mais básicas oferecidas pela astronomia de hoje estarão indisponíveis. Afinal, ele aponta, ‘você não pode medir o desvio para o vermelho das galáxias, se você não consegue ver galáxias. E, se você não consegue ver galáxias, como você sequer sabe que o universo está expandindo? Como você jamais determinaria que o universo já teve uma origem?

Reynolds se embasou em um artigo intitulado "The End of Cosmology?" ("O Fim da Cosmologia?"), de Lawrence M. Krauss e Robert J. Scherrer, publicado na Scientific American (2008). Este artigo se resume no subtítulo: "Um universo acelerante aniquila traços de suas próprias origens".

A extrapolação pode ser levada mais além. Se é possível ver que uma cultura científica no futuro longínquo está estruturalmente privada de evidências essenciais para a apreciação realista da escala cósmica, podemos estar confiantes que nossa situação é fundamentalmente diferente? Não é mais provável que a localidade absoluta e insuperável da perspectiva científica seja uma situação básica? Quão provável é que sejamos capazes de ver universalmente – em princípio – quando já podemos ver como outros serão incapazes de o fazer no futuro? Com base na evidência disponível, temos que vislumbrar uma civilização futura que esteja absolutamente iludida sobre seu próprio paroquialismo estrutural, confiante de sua capacidade de se livrar de maneira final da limitação perspectiva. Seria possível se esperar que as mentes científicas mais estimadas em tal cultura descartassem qualquer sugestão de regiões cósmicas inacessíveis como metafísica sem fundamento. Parece meramente hubrístico se abster de voltar esse cenário a nós mesmos. Se a cosmologia universal deve se tornar impossível, a hipótese padrão deveria ser de quela já o fez.[2]

A ciência natural exibe uma estrutura trágica. Perseguindo apenas seus métodos essenciais, ela descobre – através da cosmologia – um argumento convincente para sua falta de confiabilidade em grande escala. A aquisição de compreensão universal através de uma investigação empírica rigorosa parece cosmicamente obstruída.

A ciência está, assim, eventualmente fadada a ser fundamentalmente localizada. A "localidade" em questão aqui não é meramente o particularismo fraco de uma opção tomada contra o global ou o universal. Antes, é o próprio horizonte de qualquer ambição universalista possível que se encontra rigorosamente constrito e desmantelado. O localismo, assim entendido, não é uma escolha, mas um destino e até mesmo uma fatalidade já imposta. Em suas maiores escalas, a realidade está despedaçada. A unidade existe apenas pare ser quebrada.

O princípio da isotropia mantém que não existem orientações privilegiadas no espaço. Junto com a presunção da homogeneidade do espaço, ele compõe o Princípio Cosmológico. Certamente temos direito a um análogo isocrônico, no qual pode-se assumir que um destino observável na ordem do tempo já esteja igualmente atrás de nós.

Temos um cosmos ainda, e de maneira perene, então, mas não mais um universo. O cosmos ao qual nós, enquanto modernos, aderimos sob obrigação cultural é, na verdade, a desintegração manifesta do universo aparente.

Nosso tópico reduz de marcha, da cosmologia inflacionária até a termodinâmica. Estamos falando de diversificação, ou heterogênese, afinal – e essa é o negativo rigoroso do aumento de entropia. A homogenização é entropia. Os dois conceitos não são estritamente distinguíveis. O que foi descoberto sob o nome de entropia era a destruição da diferença – seja a variação na temperatura (Clausius e Carnot) ou, mais tarde, a variação na distribuição de partículas (Boltzmann e Gibbs). A heterogênese é local, a segunda lei da termodinâmica nos diz. No nível verdadeiramente global – onde nenhuma entrada ou saída pode ocorrer – a deterioração necessariamente prevalece.

Para nos anteciparmos, descobriremos que o Ocidente fez da entropia um Deus, Um cuja lei final é que tudo será o mesmo. É um deus falso. O problema cosmo-físico derradeiro – Como a entropia negativa é possível? – atesta isso. Sabemos que a heterogênese não é nenhum pouco mais fraca que seu oposto, mesmo que não saibamos como.

A desintegração cosmológica é ecoada mais amplamente entre as ciências naturais. Talvez de maneira mais importante, A Origem das Espécies tem a desintegração como seu tópico básico, como seu nome já sublinha. O darwinismo – ou seja, toda a biologia científica – tem a especiação como seu objeto primário, e especiação é divisão.

Apesar do reconhecimento de várias conexões laterais exóticas, de simbioses até inserções genômicas retrovirais, é a divergência de linhagens genéticas que melhor define a vida nas maiores escalas. Fusões são anômalas e, em todo caso, impossíveis a menos que a diversidade tenha primeiro sido produzida. Os ingredientes de qualquer coalizão heterogênea presume uma diversificação anterior.[3]

O desintegracionismo nas ciência biológicas equivale a uma ciência em si, chamada cladística.[4] A cladística formaliza o método da classificação darwiniana rigorosa. A identidade de qualquer tipo biológico é determinada pela série particular de eventos cismáticos pelos quais ele tenha passado. Ser humano é ser um primata, um mamífero, um réptil, um peixe ósseo e um vertebrado, entre outras classes mais básicas. A soma daquilo com o que você rompeu define o que você é.

Um "clade" é um estilhaço. Ele é um grupo, de qualquer escala, determinado pela secessão de uma linhagem. O ponto de diferenciação entre clades corresponde ao seu ancestral comum mais recente (isto é, o último). De maneira crucial, portanto, todos os descendentes de um clade pertencem a esse clade, que abrange qualquer número de sub-clades. A produção de sub-clades (a origem das espécies) é chamada de radiação. Ela tende a proceder através de uma bifurcação em série, uma vez que eventos de fragmentação cladística complexa simultânea são comparativamente exóticos. Ramificações simples e sucessivas tipicamente capturam a diversificação. Os riscos disso não ocorrer não são enormes.

A cladística pode ser identificada com uma rigorização da nomenclatura taxonômica. Um sistema de nomes escreve um cladograma, ou seja, um modelo da história evolutiva e do parentesco biológico. Qualquer cladograma é uma hipótese evolutiva. Ele propõe uma ordem particular de divisão. Qualquer ordem proposta desse tipo pode ser empiricamente revisada.

A cladística mapeia todo o desintegracionismo abaixo do nível cosmológico e talvez até ele. Naturalmente, ela é supremamente controversa. O escopo completo de sua provocação ainda tem que ser entendido. Na medida em que a cladística é explicativa, contudo, muito se segue. Notavelmente, a identidade é concebida como essencialmente cismática, e o ser é apreendido de maneira fundamental como uma estrutura de herança.

A linguística histórica caiu naturalmente em um modo cladístico. ‘Famílias’ linguísticas compartilhavam característica essenciais com seu modelo biológico. Elas se proliferavam por subdivisão, fornecendo o material para um esquema de classificação. Foi sobre essa taxonomia linguística que agrupamentos raciais foram primeiro sistematicamente determinados. Os "Yamnaya" – ainda hoje mais amplamente conhecidos como "Arianos" – foram originalmente identificados através da cladística das línguas Indo-Europeias. Seu padrão de radiação era marcado por uma diversificação linguística arbórea.

A antropologia diferencial foi desenhada em cladogramas. Árvores, ordem filogenética, famílias linguísticas, genealogias, famílias (massivamente estendidas) reais – tudo era extremamente coerente. Aqui, também, fenômenos de fusão, contaminação lateral cruzada e convergência – embora de forma alguma ausentes – eram evidentemente secundários e derivativos.

A diversificação linguística se parece com um processo de etnogênese cismática. Conforme povos se ramificam, eles se diferenciam mutuamente. A origem dos povos é apenas a origem das espécies em uma resolução maior – o padrão abstrato é o mesmo.

O mecanismo concreto da especiação tipicamente envolve o isolamento de populações e, desta maneira, se torna – bastante recentemente – político. Há uma política de "espécie invasora" e bio-dispersão antrópica, mas esta não é especialmente rancorosa, ou significativamente polarizante. O caso do isolamento de populações humanas é muito diferente. Durante este processo de politização, o radicalismo exogâmico das populações do noroeste europeu foi sublimado em uma ideologia universal.

Uma vez que o tópico da raça tende a produzir perturbações ideológicas e emocionais extremas hoje em dia, pode ser preferível considerar animais domésticos variados, como a tradição naturalista inglesa esteve inclinada a fazer. Não apenas uma analogia sólida, mas também equilíbrio, ou moderação verdadeira, serão encontradas ao fazê-lo. Uma vez que, em nosso contexto cultural contemporâneo a influência da vida rural recuou de maneira notável e, com ela, o sentido da vívida distinção entre as espécies cultivadas, os cães nos servirão como de longe os exemplos mais ilustrativos.

Um mundo sem híbridos seria um mundo mais pobre. Híbridos frequentemente têm vantagens de qualidades especiais e até mesmo superiores. O Golden Doodle, por exemplo, é tão exaltado quanto qualquer tipo canino que exista. Tais cruzamentos adicionam à diversidade do mundo. Isso é completamente consistente com um processo básico através do qual o mundo é enriquecido por raças caninas divergentes, na qual "cães em geral" são uma categoria cada vez mais pouco informativa. Não há – ainda – nenhuma ideologia dirigida à homogenização genética canina global.

A diversidade é boa, o que seria dizer robusta e inovadora (pelo menos). Pode-se confiar no consenso ecológico a este respeito. Espécies invasoras são detestada porque elas diminuem a diversidade, não porque elas a aumentam. A heterogênese é, em todos os momentos, a ambição superior. Ainda assim, a diversificação – a produção de diversidade – é um tópico peculiarmente negligenciado em nossas ciências sociais contemporâneas. O mantra da diversidade é combinado com uma indiferença quase completa, e até mesmo uma negligência estratégica, a este respeito. A celebração pública obrigatória da diversidade acompanha, e acoberta, sua extirpação programática prática. A humanidade, decidiu-se de maneira autoritária, é uma e está destinada apenas a ser cada vez mais uma. A partição genética hoje é considerada equivalente a uma violação dos direitos humanos.[5]

Nossa ortodoxia suprema é de que seria terrível quase para além da contemplação já não ser e se tornar ainda mais Um. Poderíamos estar tentados a chamar esta fé de mono-humanismo. Que a humanidade será uma unidade é sua doutrina fundamental. Não se pode enfatizar o suficiente que isso é bem menos uma observação empírica do que um projeto moral e político, no qual a entropia racial foi elevada a uma obrigação sagrada. A alternativa radical – em oposição à meramente conservadora – a essa visão é encontrada apenas na ficção científica.[6]

A preservação da diversidade humana é uma marca da etno-política dissidente, com o "Mundo Bege" sendo cada vez mais percebido como um ideal coercivo. Uma resistência tipicamente incoerente à entropia racial é o fator mobilizador central em tais casos, embora um que seja lamentavelmente afligido por uma fetichização imoderada da pureza racial obrigatória. No pior – e não incomum – dos casos, essa reação contra o mono-humanismo veio a ver todas as contribuições à diversidade genética humana através do cruzamento racial como um avatar da homogenização coerciva. A resposta equilibrada, para repetir a lição dos cães, é que um mundo de especiação tendencial ou diversidade genética crescente não é, por nenhuma necessidade imperiosa, um mundo hostil aos vira-latas.

Ao longo dos últimos 60 mil anos, a divergência genética humana tem sido o processo esmagadoramente dominante. A fragmentação conspícua dos humanos modernos em sub-espécies geneticamente distintas tem sido o padrão básico. Este é um processo digno de celebração ecológica e até mesmo de aceleração tecno-industrial. A despeito das esperanças mais sinceras da atual igreja secular, não há nenhuma chance de que ele seja terminalmente dissipado.

"Globalismo" é uma palavra que, embora ideologicamente contestada, é de incontestável peso ideológico. Ela poderia ser definida, com uma tendenciosidade mínima, como a busca pela direção da política a partir de uma perspectiva em acordo com o todo. Orientações teimosamente parciais são suas inimigas. Ainda assim, tamanho tem sido seu triunfo que – mesmo em face dos contratempos recentes – a hostilidade está peculiarmente afogada em condescendência.

"Paroquialismo" está entre os insultos que o globalismo encontra preparados para sua conveniência. Ele poderia aceitar uma incapacidade de se ver de maneira universal como compreensível e educável. Uma recusa da perspectiva universalista, contudo, não pode merecer tamanha simpatia. Ela é, para o globalista, essencialmente antiética. Deve-se menos argumentar contra o paroquialismo do que desdenhá-lo. Ele deve ser desprezado em nome do universal – o que está ficando divertido.

O que quer que tenhamos visto como a morte de Deus é apenas um caso especial da queda mais abrangente da universalidade. Ao passo em que a morte de Deus foi em sua maior parte inferida, a morte do universal se desdobra como um espetáculo científico explícito. A astrofísica vê o universo sendo desmantelado ante seus olhos artificiais.

O campo globalista está especialmente propenso a gesticulações de devoção a respeito da ideia de ciência. É irônico, portanto, que – em termos científicos – o globalismo se pareça cada vez mais com uma religião insustentável. Sua cosmologia intrínseca é um mito arcaico. Não poderia facilmente ser mais óbvio de que não há nenhum universo, fora dessa estrutura mitológica. A natureza fundamental do cosmos é ir em direções separadas.[7]

Peças são básicas. Concebê-las como se seguindo a todos é uma confusão, produzida por enquadramentos universalistas insustentáveis. Qualquer perspectiva que possa realmente ser efetivada já foi localizada por quebras em série. Nada começa com o todo, a não ser como ilusão. Hoje, sabemos isso de maneira tanto empírica quanto transcendental. Nada que não seja feito em pedaços não é feito em acordo profundo com a realidade.


[1]: Einstein’s Clocks, Poincaré’s Maps: Empires of Time, New York, 2003.

[2]: Manaugh cita Krauss e Scherrer dizendo: "Podemos estar vivendo na única época na história do universo em que os cientísticas podem alcançar um entendimento preciso da verdadeira natureza do universo". A indolência intelectual desta sugestão é notável.

[3]: O isolamento de linhagens genéticas é uma questão de uma técnica experimental sólida – ainda que espontânea e inconsciente. Evite a contaminação cruzada das amostras de teste. Ou seja, o faça, se você insiste, mas não espere resultados epistêmicos ótimos se você o fizer. Resultados epistêmicos ótimos tendem a vencer.

[4]: A orientação arborescente da cladística não poderia ser mais inflexível. A palavra ‘clade’ é tomada do grego clados, que significa ramo. Um cladograma é uma árvore abstrata. Suas articulações são todas ramificações. O engajamento crítico de Deleuze & Guattari com ela tem sido altamente influente. Eles nos dizem que estão "entediados de árvores". A alternativa à arborescência, eles propõem, é o rizoma – uma rede na qual todo nó se conecta com todos os outros. De maneira apropriada, o ‘rizoma’ não é em si um conceito taxonômico, mas morfológico. A posição equilibrada é reconhecer que árvores evolutivas são complementadas por teias ecológicas. Nenhuma é concebível sem a outra. A árvore evolutiva é podada e treinada dentro de ecologias de relações laterais. A filogenia é esmagadoramente arbórea, ao passo que a ontogenia envolve bem mais influência lateral. Nos limitaremos aqui, com brevidade críptica, a observar que a rizomática deleuzoguattariana está rizomaticamente conectada ao neo-darwinismo, mas cladisticamente ela é neo-lamarckiana.

[5]: Isto é uma simplificação, afligida por incoerências e exceções sem princípio. De maneira mais notável, permissões ad hoc especiais são concedidas a populações ‘menores’. O uso notavelmente errático da palavra ‘genocídio’ é o índice mais óbvio disso. Uma construção mais próxima da fórmula em operação poderia ser: A partição de populações é errada, de maneira absoluta e universal, na medida em que ela assegura o isolamento de populações do noroeste europeu.

[6]: Bruce Sterling, Alastair Reynolds, e Neal Stephenson, entre muitos outros, populam seus mundos ficcionais com tipos neo-hominídeos radicalmente diversificados.

[7]: Robin Hanson devota um post recente em seu blog a três variedades (comparativamente exóticas) de descendência arbórea. A primeira é um experimento mental estranho que não precisa nos distrair sequer momentaneamente aqui. A segunda aborda seus clones mentais, os "ems". Essa é de relevância potencial para uma gama de linhagens de software potenciais e até mesmo já reais. A terceira é a estrutura do multiverso quântico. Ela sugere que uma cosmologia arbórea surge em caminhos bastante diferentes daqueles perseguidos aqui. Ele observa: "… uma história quântica é, em parte, uma árvore de observadores. Cada observador em sua árvore pode olhar para trás e ver uma cadeia de ramos de volta até a raiz, com cada ramo mantendo uma versão de si mesmos. Mais versões deles mesmos vivem em outros ramos dessa árvore."

Multiversos arbóreos são especialmente numerosos. Lee Smolin propõe um multiverso darwiniano, que seleciona a favor da aptidão reprodutiva através da produção de buracos negros. Ele poderia ser descrito como um multiverso cladisticamente estruturado, não fosse este rótulo muito mais amplamente aplicável. Multiversos cladísticos pertencem ao conjunto mais mais amplo de entidades cladisticamente estruturadas, cujas partes são caracterizadas por:

  1. Uma única linha de descendência
  2. Irmãos geneticamente não-comunicantes, e
  3. Uma multidão de descendentes potenciais

Tais multiversos preveem sua própria imperceptibilidade. Uma vez que ramos paralelos são mutuamente não-comunicantes, deve-se esperar que sua existência seja estritamente teórica. Se o multiverso fosse um rizoma, veríamos mais dele.

O ontologia do Argumento da Simulação também tende ao desintegracionismo. Simulações são essencialmente experimentos e, assim, vários.

‘A Única Coisa que Eu Imporia É a Fragmentação’ – Uma Entrevista com Nick Land

por Marko Bauer e Andrej Tomazin

Em seu livro de 2014 Templexity: Disordered Loops through Shanghai Time você escreve: ‘”O que aconteceu com a América?” é a questão cyberpunk por excelência’. O que realmente aconteceu com a América nos últimos meses?

É meio roubado do William Gibson, então remonta até o meio dos anos 1980. Eu acho que você está totalmente certo de dizer que agora é uma excelente hora para se retornar a ela. Então, o que aconteceu com a América? Se eu fosse dizer em poucas palavras: depois de aproximadamente meio milênio, durante o qual a principal força motriz da história global foi alcançar a integração de estados maiores e mais poderosos, dirigidos por um grupo de ideólogos fortemente universalistas, que basicamente pensam que quanto maior sua agregação e quanto maior o conjunto de regras comuns que pode ser imposto sobre ela, melhor, estamos vendo uma reversão da maré de um escopo verdadeiramente histórico. A tendência básica agora é desintegradora. Então, o que eu vejo acontecendo com a América: se manter unida vai se tornar cada vez mais desafiador.

Sentimos muito, com antecedência, por fazer referência a teóricos franceses, que são, claro, parte de sua formação, mas aos quais parece que você está cada vez mais alérgico.

Isso não exige nenhum pedido de desculpas.

Uma das tendências mais valiosas de sua escrita é/era a desterritorialização da divisão progressista/reacionário. Isto parece especialmente perdido em seu blog Xenosystems, onde você se posiciona à Direita, independente de quão distante no extremo dela isso seja. Isso não é um tipo de reterritorialização?

Eu acho que estamos devendo – sempre – uma grande discussão sobre o que as pessoas querem dizer com Esquerda e Direita. A polaridade Esquerda/Direita é uma peça muito interessante de linguagem, um pequeno e compacto sistema de linguagem, porque todo mundo está usando ele ou com uma imensa falta de clareza sobre o que está realmente sendo invocado com isso, ou com associações básicas em grande parte inconsistentes com esses termos.

A Esquerda para você agora é o lado conservador, e a Direita o progressista. Mas onde reside a distinção Esquerda/Direita, na realidade? A Esquerda significa – como Badiou e cia. alegariam – igualitarismo, e a Direita é contra isso? A Esquerda é a Regra de Ouro e a Direita a regra de algo na linha de ‘faça o que lhe aprouver, mas aceite as consequências’?

Bem, esse é o sentido crowleyita da Direita. Badiou é uma pessoa interessante para se introduzir, porque eu estou bem feliz com a sua distinção Esquerda/Direita. Em um sentido que agora está predominantemente em jogo, a Esquerda é o campo da unidade e do universalismo, e o igualitarismo é uma grande parte disso. A Direita é o campo da fragmentação, da experimentação e, eu diria, da competição, enquanto termo que foi herdado de uma tradição e é provavelmente bastante incontroverso. Mas, sim, as pessoas de fato se apegam a um sentido de Direita e, sem dúvida, também de Esquerda que é exatamente sobre hiperterritorialização. Há um sentido “Sangue e Solo” da essência da Direita, com o qual eu me sinto compelido a me engajar, e a tentar deslocar e destronar, porque eu não acho que ele leva a qualquer lugar. É um beco sem saída. Poderia haver algumas oportunidades táticas nessas tendências, mas o ‘Neo’ em NRx implica precisamente que não há volta. Na medida em que o identitarismo do “Sangue e Solo” conseguir alcançar o poder de várias maneiras, ele verá seus piores dias, será forçado a entregar e ter um desempenho, e falhará em fazê-lo. Quanto mais eles realmente estiverem em uma posição de implementar políticas, mais eles se tornarão ineficazes em seus próprios termos. Eles perderão o potencial de globalização em massa e serão associados a falhas. Eu gostaria de ver esses experimentos acontecerem em uma escala pequena o suficiente para que possam ser educativos, em vez de globalmente catastróficos.

Você está interessado em falhas locais?

Sim, falhas locais são ótimas. Falhas globais, obviamente, não tão boas.

Todas as analogias com os anos 30 são meio letárgicas ou nostálgicas, como se não houvesse nada novo ocorrendo. Não obstante, há também a paixão de Badiou pelo Real e o fenômeno de ‘comunistas’ virando ‘fascistas’ durante o período entre as duas guerras mundiais – figuras tais como Pierre Drieu la Rochelle ou Charles Péguy, que talvez seja ainda mais ambivalente, uma vez que ele se torna um vetor de referência tanto para a França de Vichy quanto para Mussolini, mas também para o movimento de resistência. Estamos cientes do seu ponto de vista diferente sobre o que o fascismo é, que não vê qualquer transformação nos casos acima, e da perspectiva do qual a mudança de Goebbels do socialismo para o nacional-socialismo é um mero passeio. Estamos, contudo, interessados na sua mudança para o outro lado – exterior. Qual poderia ser uma relação entre a paixão pelo Real e a paixão pelo Exterior? O seu Exterior é similar ao Real de Badiou?

Poderia ser. Eu diria, no entanto, que sem uma noção de teste de realidade, uma invocação do Real é de significância absolutamente zero. Qualquer um pode invocar o Real, mas, a menos que exista algum mecanismo que forneça, não uma voz para o Exterior, mas uma intervenção funcional real vinda do Exterior, de modo que tenha uma função seletiva, então a linguagem é vazia. Nesse sentido, ele é completamente inseparável da fragmentação. Os sistemas modernistas funcionam – quer você esteja falando sobre a economia de mercado ou das ciências naturais – porque são sistemas fragmentários. Não existe nenhuma decisão política sobre o que é ou não é um bom resultado científico ou econômico. Esses resultados estão sujeitos a um processo seletivo de triagem que mobiliza o Exterior. É aqui, sem ser um grande ou mesmo um medíocre acadêmico de Badiou, que minha suspeita natural sobre uma invocação do Exterior vinda da posição que ele parece ocupar estaria.

Uma questão metafísica boba: O Exterior é algo dado/fixo ou é uma entidade mutável?

É uma questão importante, mas não perfeitamente formulada. A tendência da filosofia transcendental tem sido cada vez mais identificar o Real com o Tempo. O Real e a Temporalidade estão profundamente co-envolvidos de tal maneira que o Tempo não pode ser usado como um quadro no qual colocar ou fazer sentido do Real. Simplesmente não podemos fazer a pergunta de se o Real é mutável ou imutável. Se dizemos que o Real é ou mutável ou imutável, estamos dizendo que ele existe no Tempo e, se este é o caso, então deveríamos estar perguntando sobre o Tempo, e não sobre o que pensávamos estar perguntando, quando estávamos perguntando sobre o Real. Porque é o Real que é o fator controlador derradeiro. Pensar que podemos colocá-Lo no Tempo é uma distração para longe deste nível transcendental derradeiro da questão. Isso é intrinsecamente obscuro, mas eu acho que também é inescapável.

Como o teste de realidade funciona?

Fazemos isso permitindo que um processo de seleção aconteça. As ciências naturais são um exemplo tão bom disso quanto qualquer outro. A única coisa que fez com as ciências modernas se elevassem para além dos procedimentos epistêmicos vistos em outros tempos e outras culturas é o fato de que há um mecanismo além da manipulação política humana para a eliminação de teorias defeituosas. Karl Popper está, nesse nível, totalmente correto. Se é politicamente negociável, é inútil, não é científico, por definição. Você não confia nos cientistas, você não confia nas teorias científicas, você não confia nas instituições científicas na medida em que elas têm integridade, você confia é na zona desintegrada de crítica e nos critérios para a crítica e para a avaliação em termos de experimentos repetidos, em termos das heurísticas que são construídas para decidir se uma teoria em particular foi derrotada e eliminada por uma teoria superior. É esse mecanismo de seleção que é a única coisa que torna a ciência importante e a torna um sistema de teste de realidade. E isto está, obviamente, intrinsecamente direcionado contra qualquer tipo de comunidade política orgânica que vise determinar internalmente – através de seus próprios processos – a negociação da natureza da realidade. A realidade tem que ser um fator crítico disruptivo externo.

O texto Lemurian Time War do CCRU diz que a hiperstição está ‘traçando uma fuga do destino’. Como esta noção entre em jogo com o teste de realidade?/

Eu acho que hiperstição é uma daquelas coisas que escapou completamente da caixa e agora é um animal selvagem e feroz à solta. Minha relação com essa coisa alienígena é como a de todas as outras pessoas que estão interessadas nela. Estou abordando-a de uma posição de zero autoridade, tentando fazer sentido de como ela está vivendo e mudando e afetando o mundo. Ela, a coisa, não ele, o conceito. Mas tendo dito isso, meu sentido de uma hiperstição é que uma hiperstição é um experimento. Ela torna a si mesma real, se funcionar. E ela funcionar ou não é algo que não pode ser, novamente, decidido por um processo de debate interno, você não pode, como resultado de algum tipo de dialética interna decidir que, ei, esta é uma boa hiperstição, ela tem um grande futuro. Ela vai funcionar por causa de sua relação intrínseca com o Exterior, que é algo que não pode ser gerido. Talvez ela possa ser cautelosa e tentativamente prevista, da maneira em que um cientista ou um artista – ao aprender seu ofício – conseguiria ter um sentimento do que vai funcionar e do que não vai funcionar. Mas isso não é o mesmo que ter um critério, ainda menos uma lei.

Retornemos à nossa primeira questão sobre a América, neste momento bastante histórico, que está entrelaçado com padrões semióticos e regularidades intensivas que parecem ser tweetadas e espalhadas em um certo discurso pós-factual, para dentro de uma imagem do real, que não se pode mais distinguir retroativamente do real. A fabricação de notícias falsas em Veles, Macedônia, durante as eleições dos EUA, é uma maneira de ‘propagar rotas de escape’, na sua visão, ou é um evento efêmero sem qualquer significância?

Eu definitivamente acharia que algum tipo de resposta desdenhosa ao longo da segunda linha seria grosseiramente complacente. É uma rota de escape? Há, definitivamente, uma relação com uma escapada. Todo esse fenômeno de notícias falsas é enormemente importante e historicamente significativo. No momento, eu estou completamente cativado pela força de uma analogia entre a era de Gutenberg e a era da internet, essa força rítmica vinda da conexão entre elas. Uma destruição radical da realidade se passou com a emergência da imprensa. Na Europa, este processo auto-propulsor começou, e o sistema de consenso de descrição da realidade, atribuição de autoridades e critérios para qualquer tipo de afirmação filosófica ou ontológica foi todo jogado no caos. Processos massivos de desordem se seguiram, os quais eventualmente foram resolvidos nessa nova estrutura, que teve que reconhecer um grau maior de pluralismo do que havia existido previamente. Eu acho que estamos no mesmo tipo de estágio inicial de um processo de caos ontológico que estilhaça o absoluto, que veio do fato de que as autoridades epistemológicas foram explodidas pela internet. Seja o sistema universitário, a mídia, as autoridades financeiras, a indústria editorial, todos os guardiões básicos e as agências e sistemas de credenciamento que mantinham as hierarquias epistemológicas do mundo moderno estão simplesmente caindo aos pedaços em uma velocidade que ninguém imaginava ser possível. E as consequências no curto prazo, no futuro próximo, estão fadadas a serem confusas e imprevisíveis e talvez inevitavelmente horríveis de diversas maneiras. É um fenômeno de limiar. A noção de que há um retorno ao regime anterior de estabilização ontológica parece absolutamente iludida. Há uma escapada que é estritamente análoga à maneira na qual a modernidade escapou do antigo regime.

No princípio da internet, havia a noção de ela ser inerentemente democrática. Nos anos 00, a saber, na época da Primavera Árabe, blogueiros e outros que estavam usando a internet foram vistos como os que espalhariam a democracia ao redor do mundo. Da sua perspectiva, essa expectativa provavelmente parece absolutamente ridícula.

É esse híbrido esquisito: reconhecer bastante realisticamente o massivo potencial insurgente da nova mídia, mas então aplicar isso a essas formações ideológicas moribundas. É como se alguém tivesse dito, na era de Gutenberg, que a imprensa é um dispositivo incrível e poderoso e vai espalhar a ortodoxia católica por todo o mundo. É metade correto e metade insano. A mentalidade neoconservadora, associada com essas novas tecnologias de comunicação, é exatamente o mesmo híbrido de um resplendor de realismo misturado com uma dose saudável de completa psicose.

Reza Negarestani, em algum lugar, escreve que a mera ‘coletividade não é o suficiente para que uma obra [ou um evento] seja hipersticional’. Ele elabora isto através da diferença entre Tolkien e Lovecraft. Que tipo de coletividades estamos observando aqui, se não aquelas ligadas ao universalismo?

Eu não estou 100 por cento confiante do que Reza está dizendo nesse texto. Eu não quero que isto seja lido como um comentário sobre seu pensamento. Mas a hiperstição de fato surgiu em um certo meio que definitivamente enfatizava, de maneira retórica, um certo tipo de coletividade e até mesmo mais do que isso. O que está sendo referenciado não é primariamente a universalidade, de maneira nenhuma, mas algo muito mais próximo de uma anonimidade ou a problematização da atribuição. Qualquer unidade hipersticional – e o que agora é chamado de meme está muito próximo disso – que possa ser confiantemente atribuída a um ato particular de criação individual está originalmente avariada. H. P. Lovecraft parece ter entendido que toda a produção do mythos lovecraftiano era bem uma tentativa de sua parte de subtrair seu próprio papel criativo. É apenas quando isso é subtraído que essas coisas são liberadas. Cthulhu se torna um tipo de termo hipersticional, ao ponto em que não é simplesmente algo que foi inventado por Lovecraft. O fato de que ele esquisitamente, por vezes meio desengonçadamente, entrelaçava sua rede social de amigos, isto é, seus nomes, em suas histórias, é parte desse reconhecimento. O que está mais em jogo nesta noção de coletividade é algo como uma ruptura da atribuição, a subversão original dela. Eu não acho que seja apenas uma tática. São precisamente as coisas que você não tem nenhuma ideia de onde vieram, são exatamente aqueles elementos sobre cuja gênese você tem menos confiança, que são os que têm o maior ímpeto hipersticional.

Para voltar ao período entre as duas guerras mundias mais uma vez, seus muitos pseudônimos nos lembram dos heterônimos de Fernando Pessoa. Um deles era um futurista, outro um monarquista, muitos deles ocultistas e neopagãos. Com você, isso vai ainda mais além, a princípio se pensava que Reza Negarestani era um dos seus apelidos. O mesmo vale para Jehu, um marxiano do twitter (@Damn_Jehu) que certamente encontra muita compreensão para suas posições. É como se heterônimos fossem uma força contra a univocidade, parece crucial mantê-los diferenciados.

Pessoa é uma pessoa sobre quem as pessoas continuam me falando, de maneira sempre persuasiva, para dar uma olhada, mas temo que eu simplesmente ainda não tive uma chance de fazer isso. Estou certo de que é uma boa referência, então fico embaraçado de confessar minha ignorância sobre isso. A poli-manutenção de uma identidade complexa, se isso for levado de uma maneira deliberada, não é uma coisa viável. Seria ótimo se fosse, mas tudo que você consegue fazer é visar seguir um conjunto aproximado de diretrizes pragmáticas que pelo menos compliquem a tentativa que as pessoas obsessivamente fazem de se engajar nessa reintegração psico-biográfica. Eu sempre detestei, de maneira absoluta, o esforço cognitivo humano devotado a tentar transformar a forma final de qualquer coisa em uma psico-biografia. Não é que eu seja alérgico a ler uma biografia, mas a noção de que, ao lê-la, você está realmente chegando ao âmago de alguma coisa me parece totalmente ridícula. Eu não consigo lembrar de qualquer figura interessante onde eu pensei, ah, se eu apenas soubesse sua biografia melhor, eu a entenderia. As biografias de Nietzsche, de Deleuze ou de Lovecraft, a menos que sejam tratadas muito cuidadosamente, são tristemente distrativas. Uma recusa da tentação psico-biográfica é a única coisa a que tento me agarrar. Mas a funcionalidade dela está inteiramente nas mãos do destino, ela excede a competência estratégica humana. Você está constantemente escorregando ladeira abaixo.

Por um longo tempo, tivemos o sentimento de que você era um moderador ou um cartógrafo da NRx, não seu ideólogo. Ou talvez você seja o cupim dela, mais cedo ou mais tarde passando para algo completamente diferente de novo. Talvez de maneira similar ao ponto de vista da conferência sobre o Legado de Nick Land que vai ocorrer este ano e que, como os organizadores nos dizem antecipadamente, não vai promover ideias NRx. Isso nos lembra de Brecht, onde, a fim de preserver seu status enquanto autor clássico, seu socialismo, ou comunismo, teve que ser sanitizado. Através das suas intervenções em blogs, enquanto agregados ou agregadores de links, descobrimos que a maneira de sair da câmara de eco é ler sobre coisas/processos que se acha fascinantes, não as com que necessariamente se concorda. É fitar o abismo, como Roberto Bolaño colocaria. Parece que esta é um papel/função altamente controverso.

Há tanta turbulência e tumulto nessa situação recente e dinâmica que é difícil ser muito lúcido sobre ela mesmo no seu próprio entendimento dela. Talvez uma resposta desmembrada seja a única que seja prática ou realista. Uma coisa, a total infâmia da NRx. Há um entendimento de que esta é a pior coisa do mundo, que vai ser totalmente traumática e produzirá uma resposta aversiva extrema. É algo que já está presente no Iluminismo Sombrio e na escrita de Moldbug, de uma maneira jocosa. Eu também concordaria que, nesse estágio, era mais curadoria do que polêmica. Temo que estou descobrindo algo completamente viciante sobre isso. Se você dissesse para alguém, o que realmente é essa coisa, a NRx, a resposta a essa questão seria vastamente menos clara do que a claridade da resposta emocional, que seria de ódio e horror absoluto. Toda a síndrome é fascinante, porque parece, em si, uma ferramenta exploratória fundamental. Como se você dissesse: Mencius Moldbug consolidou a noção da Catedral enquanto algo que é, em última análise, um processo religioso auto-organizante que tem um ortodoxia definida e um ímpeto doutrinário definido e que existem certas coisas que ela trata com uma paixão religiosa extrema, como sendo abominações e heresias. Você encontra uma provocação cultural que desencadeia tais imuno-respostas alérgicas extremas, o que significa que você está realmente engajado em um envolvimento experimental com esse objeto inicialmente tentativo e hipotético. Esse é o processo de lock-in crucial mais básico – pelo menos agora, de maneira provisória. Ele faz um lock-in e se torna indispensável, porque gera essa reatividade extrema. É por isso que seria muito difícil simplesmente recuar disso de uma maneira decisiva. É como dizer que não vamos mais fazer física de partículas com grandes colisores, abandonar todo o sistema de potencialidades experimentais.

A NRx também é algo muito jovem e extremamente contestada. Uma vez que ela gera tanto antagonismo, as pessoas que querem brigar, das quais existe um monte agora, de ambos os lados, se arrebanham nela, talvez de maneira mais apaixonada em 2014. Mas a NRx é enormemente diferenciada internamente, foi desde o princípio. Várias figuras foram jogadas para fora e agora são mais identificadas com um tipo de antiga Direta padrão com ideias do tipo nacionalista branco. Outras divisões existem também. Há uma facção que está muito mais próxima de um tradicionalismo reacionário e eu não entendo o que está rolando com a coisa do Neo, uma vez que se identifica com o tipo de política trono-e-altar da França pré-revolucionária. A pura quantidade de desordem e caos nela significa que é realmente difícil deixar um lugar quando você ainda não tem nenhuma ideia do que está acontecendo ali. Ainda não está estabelecida o suficiente para se saber se é algo que você realmente quer perder. E, finalmente, se alguém me pedisse para definir a NRx, eu diria que é a filosofia política neocameralista do Patchwork de Moldbug. Eu acho ela enormemente importante. Não tenho nenhuma inclinação de me dissociar dessa tendência básica na análise política.

Parece haver muitos envolvimentos com o contrarianismo e com a Lei de Poe. Através do @Outsideness, você escreveu: ‘Na verdade, eu gosto de muitos imigrantes e pessoas negras, só não gosto dos disseminadores de queixas, desordeiros, criminosos de rua e jihadistas em favor dos quais a Catedral incessantemente prega”. Você não soa aqui um pouco como Borges (da Tlon Corporation) advogando por ‘liberdade e ordem’ ao passo em que apoia Pinochet, preservando ou restabelecendo o Sistema de Segurança Humana? Tudo isso não está muito longe de: “A fusão tem um lugar para você como uma puta chinesa-latina, transexual, HIV+, esquizofrênica, viciada em estim, com espelhos oculares implantados e uma atitude ruim. Intoxicada com uma mistura de polidrogas com nova-K, serotonina sintética e análogos do orgasmo feminino, você acabou de congelar três tiras Turing com uma automática de 9mm altamente cinematográfica.”

[Longo silêncio.] Deixe-me ver qual é a melhor maneira de responder. [Longo silêncio.] Não sei, é difícil. Eu tenho toda uma fraternidade que morde meus tornozelos no Twitter agora. Não estou lhe identificando com eles, que fique claro desde o princípio, mas acho que a questão deles é muito parecida com a sua. Um elemento é a idade. Jovens são altamente tolerantes a um caos social incendiário massivo. Há razões para isso, a melhor música vem disso. Não é que eu não esteja entendendo isso, todo o apelo do cyberpunk é embasado nisso. Mas eu simplesmente não acho que você consiga fazer uma ideologia puramente a partir do colapso social entrópico, não vai se encaixar. Não é um processo sustentável e consistente na prática e, portanto, é uma má bandeira para a aceleração. Produz uma reação que vencerá. Toda evidência histórica parece ser de que o partido do caos é suprimido pelo partido da ordem. Mesmo que você seja completamente antipático ao partido da ordem, e eu não estou fingindo ser nada tão inequívoco assim, não é algo que você quer ver. Nixon suprimiu os hippies, o Thermidor suprimiu a loucura da revolução francesa. É uma historia absolutamente implacável e inevitável de que o partido do caos não vai ter permissão de operar o processo e será suprimido. Há obviamente vários tipos de atrações estéticas e libidinais a ele, mas em termos de praticidade programática, não há nada. O que eu diria para esses jovens loucos agora é, vocês não têm um programa. O que vocês estão defendendo leva perversamente ao exato oposto do que você diz que quer.

Você soa um pouco como um aceleracionista de esquerda agora, com todo esse papo de ter um programa e uma ideologia.

Sim, tem esse problema, mas você sempre tem uma orientação prática. A NRx tem um programa, mesmo em sua forma mais libertária. Não é um programa que vai ser implementado por um aparato burocrático em um regime centralizado, mas é uma tentativa de ter alguma consistência no seu padrão de intervenções. Claro, todo mundo está tentando fazer isso. Mesmo a fraternidade do caos, na medida em que querem ser a fraternidade do caos quando acordarem no dia seguinte, tem um programa nesse sentido mínimo. E esse sentido, creio eu, é o único sentido ao qual eu me apegaria fortemente aqui. Uma estratégia.

O ‘Somos todos fascistas agora’ de Jonah Goldberg, que você cita no seu artigo A palavra com ‘F’, soa como algo que Foucault diria, se aumentássemos o volume do seu ‘quem luta contra quem? Todos lutamos uns contra os outros. E há sempre, dentro de casa um de nós, algo que luta contra alguma outra coisa’. Não esqueçamos que Foucault era fascinado por Henri de Boulainvilliers, um tipo de proto-neorreacionário: guerra enquanto fundação da sociedade, guerra enquanto guerra racial entre francos aristocráticos e gauleses comuns. Por outro lado, os descentralizadores francos foram fodidos precisamente pelo monarca.

De novo, temo que este autor em particular não seja alguém com quem eu tenha familiaridade, mas me lembra de algo que me causou uma grande impressão e parece estar próximo desta noção. Quando eu estava estudando – eu estava fazendo um curso de filosofia e literatura – eu me senti muito interessado no Tess of the d’Urbervilles de Thomas Hardy. É sobre o fato de que o conflito de classes é, na verdade, essa guerra étnica, o contínuo conflito étnico entre os invasores normandos aristocráticos falantes do francês e os nativos ingleses. Mas, honestamente, qualquer coisa que eu fosse dizer sobre ele para além disso seria tão inventado no momento que seria de pouco valor.

Estamos lhe perguntando isso por causa da desterritorialização da divisão Esquerda/Direita. O conceito de acasalamento preferencial, que é realmente controverso em algumas partes do universo, quase soa como um Bordieu padrão sobre como apenas membros do mesmo habitus socializam e se reproduzem. Mas quando alguém da Direita fala sobre isso, não é interpretado como uma observação, mas como um diagnóstico, prescrição e pensamento ilusório ao mesmo tempo.

A razão pela qual essa linguagem de Direta/Esquerda é tão indispensável é porque agora ela está amarrada a uma estrutura de animosidade tribal que é tão profunda. Nos anos recentes, eu tenho ficado aturdido com a arbitrariedade da coisa – é como os Azuis e Verdes romanos. As diferenças entre a Direita e a Esquerda são abafadas por uma guerra tribal. As pessoas têm feito testes sobre isso. Elas colocam as propostas políticas de um político na boca do seu oponente e os apoiadores do oponente imediatamente apoiaram todas essas propostas que eles achavam que eram a absoluta encarnação do mal quando vinham do outro cara. A noção de que essa guerra tribal vai ser redutível a um conjunto de posições ideológicas coerentes é insana e um exemplo que você deu é totalmente assim. Quem está dizendo algo é muito mais importante para as pessoas do que o conteúdo real, a proposição positiva. O número de pessoas que não são vítimas disso é realmente pequeno e eu as acho impressionantes. A minha própria tentativa de não ser totalmente capturado pelo tribalismo é tentar garantir que há bastante loucura hipersticional físsil acontecendo. Às vezes você tem que dar uma sacudida e ter o sentimento de como a coisa se parece do outro lado, mas eu realmente acho que a maioria do mundo está presa tão fundo na guerra tribal que ela simplesmente não vê o que uma ideia realmente está dizendo. Elas apenas vêem a questão: isso é uma coisa do inimigo ou é coisa nossa?

O que nos trás à questão de convergência e divergência entre a NRx e o aceleracionismo, entre o blog Xenosystems e o blog Urban Future (2.1). Quando o seu @Outsideness, que está conectado ao Xenosystems, ficou temporariamente bloqueado no Twitter, você começou a tweetar coisas NRx no aceleracionista @UF_blog. A gente ficou: não queremos isso, queremos eles separados.

Você deve estar ficando entediado comigo dizendo isso, porque é algo que basicamente tenho repetido como um mantra, mas eu realmente me sinto desprovido de qualquer posição de sujeito oficial em relação a esse processo turbulento e complicado. As duas grandes linhas do processo, a NRx e a aceleracionista, estão sendo massivamente guiadas por todos os tipos de forças. O aceleracionismo foi reiniciado pelo hype do Aceleracionismo de Esquerda. Aconteceu depois do Iluminismo Sombrio, razão pela qual esse tecido de padrão temporal é um tanto complexo. De uma certa posição, parece que o aceleracionismo veio primeiro e depois você teve a NRx, o que implica em um tipo de processo sincrônico, mas da minha perspectiva é muito mais helicoidal e entrelaçado. A separação dos blogs e das contas no Twitter é – em vez de uma implementação de algum estratégia coerente deliberada – mais um conjunto de recursos que eu posso usar para tentar evitar ser sugado para dentro de certos tipos de integração, o que perderia o fascínio do fato de que a dinâmica dessas duas linhas não são de maneira alguma previsíveis uma a partir da outra, ou mesmo previsíveis em geral. Simplesmente amassar um tipo de síntese do Aceleracionismo de Direita com a NRx, que obviamente é inescapável em um certo aspecto, em última análise destruiria muito da capacidade de experimentação e muito do espaço de desenvolvimento dinâmico em ambas essas linhas.

O Aceleracionismo de Esquerda, em seu programa racional e pragmático, está perdendo o mito e o mítico? Reza Negarestani tentou incorporar essas coisas na Cyclonopedia, o que por vezes demais é confundido com pós-modernismo. Você acha que o Aceleracionismo de Esquerda é, de uma maneira, uma rigidificação dos supramencionados fluxos?

A língua tem esse caráter retrospectivo, então é enganadora. Aceleracionismo de Esquerda e Aceleracionismo de Direita são termos muito recentes. O ressurgimento original do aceleracionismo no mundo anglófono ocorre com a recapitulação da aceitação pelo CCRU da recapitulação de Deleuze e Guattari da aceleração do processo de Nietzsche. Em Deleuze e Guattari há uma invocação explícita de se ir na direção do mercado. Na sua origem, o CCRU estava impulsionando essa orientação, antes ainda de uma palavra aceleracionismo ter se formado, o que foi feito por um crítico mais tarde. Era uma posição de Esquerda, porque foi articulada por Deleuze & Guattari como uma estratégia política anti-capitalista. Eu não acho que o CCRU era revisionista quanto a isso. O aceleracionismo de Deleuze & Guattari enquanto maneira de se acelerar o capitalismo até sua morte também era a fase CCRU do aceleracionismo. Houve uma sugestão de que veio da Direita, porque nesse estágio de sua articulação, é impossível diferenciar Aceleracionismo de Esquerda e de Direita. Se você está dizendo, complete o processo capitalista, isso significa que todas as recomendações políticas, se houver alguma, são maximamente benéficas para a vitalidade e para o dinamismo do capitalismo. Então há uma necessidade estrutural de que não possa haver qualquer diferença entre pró e anti-capitalista nesse quadro aceleracionista. Como você pode dizer qual é qual? Quando o Aceleracionismo de Esquerda, que estava se chamando apenas de aceleracionismo, aparece, ele está, em sua política manifesta, fazendo algo muito diferente de qualquer coisa que tenha acontecido em toda a linhagem anterior. Ele diz que você tem que distinguir entre o motor básico da aceleração e o capitalismo. O capitalismo não é esse motor, mas algo que é, em um certo grau, coincidente com ele em um certo estágio em sua história, mas então se torna inibitório em relação a ele. Portanto, o aceleracionismo não é focal ou centralmente sobre o capitalismo, e isso se torna a doutrina Aceleracionista de Esquerda mainstream. Então, o estágio final na minha perspectiva é que, quando a resposta vem em nome do Aceleracionismo de Direita, sua tarefa teórica é reintegrar o aceleracionismo e a dinâmica do capitalismo. Eu concordaria que o Aceleracionismo de Esquerda é basicamente a resposta gerencial de comando-e-controle à aceleração tecno-econômica. Junto a isso vai um ceticismo massivo sobre suas alegações de que ele pode realmente acelerar as coisas mais rápido do que esses processos catalíticos espontâneos conseguem.

Então, como você vê o novo programa filosófico de Reza Negarestani, e o que você acha do seu antagonismo com a Blind Brain Theory de Scott R. Bakker?

Minha inclinação é estar do lado de Scott Bakker. Eu posso estar perdendo algo, mas eu não consigo lembrar de ter lido um artigo seu e pensar isso está errado. Sempre me parece, você está totalmente certo sobre isso. Frequentemente de maneira brilhante, de uma forma que você ainda não viu, mas assim que eu vejo, eu concordo com ele.

Você era tão pró ciências naturais antes de ter encontrado o pensamento dele?

Eu acho que as ciências naturais e o capitalismo são aspectos diferentes da mesma coisa. Ambos são um mecanismo auto-propulsor efetivo que dá ao Exterior uma função seletiva em um domínio considerado, esse domínio estando em perpétua expansão, dependendo de quanta autonomia você está vendo. Nesse sentido, estar do lado das ciências naturais é estar do lado do Exterior. Mas existem todos os tipos de maneiras tolas em que você poderia estar do lado do Exterior, assim como existe um monte de maneiras tolas em que você poderia estar do lado do capitalismo. Você poderia dizer, a burguesia é ótima, pessoas muito admiráveis, ou, eu amo essa empresa. Não estou dizendo que nunca existe um argumento a favor isso, mas você está perdendo totalmente o ponto, assim como você estaria perdendo o ponto ao dizer, esse cientista em particular é um grande cara, e eu acho que ele é realmente honesto e eu confio nele. Pode ser que ele seja um grande cara e ele pode realmente estar lutando para ser honesto, ele pode ser muito mais confiável que a maior das pessoas, mas isso ignora o que a ciência é. A ciência está orientada conta os cientistas, o capitalismo está orientado contra as empresas. Estes são processos que estão em uma relação de sujeitar os elementos dentro de seu domínio a uma crítica agressiva e destrutiva, com algum tipo de critério de seleção, o que significa que eles empurram as coisas em uma direção auto-propulsora particular.

Você estava falando sobre artistas conhecerem o Exterior. Como você vê a divisão entre ficção científica e ciências naturais, entre um cientista e um artista?

Minha tendência é não traçar uma distinção muito grande entre eles. Em todos os casos em que se está lidando com a formulação ou a flutuação de uma certa hipótese. Estou assumindo que todo cientista tenha uma ficção científica implícita. Todos temos um padrão do que pensamos que o mundo vai ser em cinco anos, mesmo que seja embaçado ou não muito explícito. Se não tivéssemos tentado fazer ficção científica, provavelmente significaria que temos um cenário implícito prejudicialmente conservador, inerte e irreal do futuro. Na maioria dos casos, um cientista é apenas um mau escritor de ficção científica e um artista, espera-se, é melhor. Há, obviamente, muito dinamismo não linear, no sentido de que escritores de ficção científica aprenderam montes com os cientistas, como aperfeiçoar seus cenários, e também o contrário. A ficção científica moldou o senso do futuro tanto que todo mundo tem isso como ruído de fundo. A melhor versão do futuro próximo que você tem foi adotada de algum escritor de ficção científica. Tem que ser o caso de que a ciência é, em alguma medida, guiada por isso. A ficção científica fornece um campo de testes.

Rebekah Sheldon, em uma resposta à emergência do Pepe the Frog enquanto Kek moderno e seus atributos ocultos, escreve que a exterioridade é ‘sombria no sentido de que opera sem a segurança de conhecimento completo e é caótica porque presume que a força do outro é sempre totalmente outra’. Pepe the Frog, como visto pela comunidade da internet, pode servir como modelo para um evento hipersticional?

É enormemente fascinante e algo sobre o que eu ainda não havia pensado o suficiente. Envolve uma constelação de tantos elementos aleatórios esquisitos e emergiu nesse processo incrível de auto-constituição autônoma. Há sempre a tentativa de se atribuir: alguns caras em particular no /pol/ estavam usando essa coisa e o fizeram deliberadamente. Mas tudo isso é totalmente inadequado. Envolve essa tradução do Orco no Warcraft, envolve um culto egípcio antigo, envolve uma estranha obsessão com o conjunto de fonemas que você vê indo direto, essa erupção fonêmica que ocorre, K K K K K. Obviamente é um tipo de modelo para um evento hipersticional. Dentro da NRx, tivemos uma discussão informal auto-organizada sobre a necessidade de uma nova religião, muito antes de Kek derrubar a parede. Por causa da análise de Moldbug de que a Catedral é um lar de um protestantismo deformado e pervertido, muitos católicos ficam muito atraídos por esse modelo. A opinião deles é de que o que Moldbug está dizendo é que o protestantismo é um erro terrível que leva à Catedral, que é como eles tentam vingar o catolicismo. Mas há também muitos ateus. É um coquetel social muito estranho. Esse cara, o Spandrell, que é sempre muito abrasivo, mas muito astuto, estava dizendo que a única saída é uma nova religião. Na hora você pensa, okay, você não pode simplesmente cozinhar uma nova religião, você não pode simplesmente cozinhar Kek. Aí a coisa acontece e todos esses trolls estão dizendo ‘Louve Kek’. Mas não é apenas uma piada: você só pode se defender psicologicamente de algo realmente intenso e lovecraftiano sobre todo o assunto não pensando sobre isso. Algo insano aconteceu com esse culto massivo e auto-orientado de Kek. Realmente lhe leva de volta aos tempos antigos e a como esse tipo de insurgência religiosa deve ter sido e de onde as religiões vêm.

Poderíamos conectar Pepe the Frog com a figura do trickster, que é vista pelo chamado aceleracionismo de Esquerda como um agente efetivo de transformação em si mesmo e tem a habilidade de ‘mudar o transcendental de um mundo’, como Srnicek e Williams o colocam. Simon O’Sullivan observa que Gilles Deleuze oferece uma inflexão interessante sobre isto em sua diferenciação entre o trickster e o traidor: o primeiro está operando dentro de um dado regime, embora subverta seus termos (um mundo virado de cabeça para baixo, como se fosse). O segundo está quebrando com um dado regime, ou mundo, completamente. Em um das respostas em seu blog, você está elaborando sobre uma metáfora de um dique, que está sendo lentamente devorado e destruído por alguma força externa – e você chame este dique de Xenosystems. Quem é o trickster e quem é o traidor aqui?

Parte disso é uma questão sobre agência. O agente trickster e o agente traidor são ambos reduzidos pela antropomorfização. Qualquer indivíduo humano que reivindicasse uma identificação com qualquer desses papéis estaria enganando todo mundo. Tricksters e traidores são aqueles que têm algum tipo de método para o tráfico com as verdadeiras fontes de agência. Uma ficção que explora essas coisas de maneira brilhante é o Neuromancer. Quem são os traidores ou tricksters nele? Todas as figuras humanas assumem seus papéis através de sua relação com uma agência real do Exterior, que é Wintermute. Como quando os tiras-Turing dizem para Case: Seus traidores, vocês sabem com o que estão lidando, você estão tentando liberar essa coisa, ela está completamente fora de controle. Seria um desastre para a espécie humana, o que diabos vocês estão pensando? A questão real é: Quais são os reservatórios de recursos de trapaça e traição que estão sendo acessados?

Amy Ireland, em uma entrevista com Andrej, disse que, em contraste com os esquerdistas na câmara de eco, você está realmente interagindo com os reais fascistas, misóginos, supremacistas brancos. Isso nos lembrou de Pasolini, quando ele enfatizava que se deveria encontrar os jovens fascistas. Acreditamos que você preferiria lhes chamar de supostos fascistas. Quem é um trickster, um traidor, um fascista é aberto.

A antropomorfização é sempre tentadora. Os indivíduos em questão querem sentir que são nós críticos de agência no que estão fazendo, e as pessoas do lado fora querem ser capazes de identificar esses processos com indivíduos em particular e com suas ideologias explícitas e suas estruturas de agência, mas tudo isso parece profundamente iludido. Você não obtém o fascismo porque há um certo número de pessoas que são fascistas auto-conscientes, isso é colocar o carro na frente dos bois. Você obtém fascistas auto-conscientes porque há algum processo fascista efetivo ocorrendo. As pessoas estão em total negação, provavelmente sobre coisas diferentes em lados diferentes. Do lado da Esquerda, eles estão em total negação sobre quanta ortodoxia fascista foi embutida nas sociedades modernas no século XX. Elas também estão em negação sobre quão profundas as forças com as quais estão lidando são. Elas parecem pensar que são alguns ovos ruins e que, se elas conseguirem ameaçá-los e aterrorizá-los o suficiente, essa coisa toda vai parar. Eu acho que é loucura não estar interessado nisso e tentar descobrir o que você conseguir e como essas pessoas pensam e de onde as coisas estão vindo.

Em relação ao incidente com a Galeria LD50, você tweetou: ‘A História da Arte Moderna (versão curta) 1917: o urinol-como-arte, de Duchamp. 2017: Pequena galeria em Dalston finalmente choca a burguesia’. Este é um exagero intencional? É realmente sobre épater la bourgeoisie? Há algo bastante situacionista em tratar os AntiFa como burguesia (ou pelo menos como um simulacro de uma).

Tem havido muitas discussões sobre Mark Fisher recentemente, onde sua posição acaba sendo, de maneira extrema e aparentemente inequívoca, esquerdista. Há um estória psico-biográfica chata que veria minha relação com ele como um simples antônimo. Não que não haja nada disso, porque tinha alguma coisa a ver com essa reação físsil do CCRU, onde ele toma um lado da coisa e eu tomo o outro lado, então não quero apenas ridicularizar essa interpretação. Mas se olharmos para seu artigo “Exit the Vampire Castle”, ele consistentemente atravessa a base de classes da cultura esquerdista dominante, que já tinha sido um alvo de uma crítica profunda do CCRU. Evidentemente podemos fazer o mesmo ponto vindo da extrema Esquerda e da extrema Direita. O que seria dizer: sim, eles são a burguesia. Eu sempre estive em uma relação de antagonismo e continuo em uma relação de antagonismo com a burguesia. Eu acho que é simplesmente auto-evidente que o terreno fértil disso são primariamente as universidades de elite. Não haveria simplesmente nada disso acontecendo nas ruas se fosse realmente organizado de maneira espontânea palas pessoas de nível educacional mais baixo em Dalston. Aconteceu porque um professor universitário e seus associados decidiram enervar a coisa toda e fornecer um vocabulário para isso. Estamos olhando para uma crise ideológica profunda e absolutamente traumática da elite dominante da modernidade tardia, da Catedral tardia, porque eles construíram todas as suas vidas e seu sentido do que deveriam estar fazendo, suas etiquetas, suas noções sobre credibilidade, credenciais e autoridade institucional em torno de uma estrutura social e histórica particular e muito distinta que parecia absolutamente invulnerável e que agora parece estar caindo no abismo.

Então quando a moça AntiFa grita ‘Volte para de onde veio” para o cara carregando uma placa ‘O Direito de Discutir Ideias Abertamente Deve Ser Defendido’ em frete a galeria LD50, ela na verdade quer dizer ‘Volte para o abismo’?

Correto.

Se omitirmos a parte da posição do Último Homem do situacionismo, podemos vê-lo indo na direção do aceleracionismo. Como o Debord de seu último período, quando ele não acredita mais nos conselhos de trabalhadores e vê apenas essa enorme força invencível.

Sadie Plant era uma grande estudiosa situacionista. Eu li A Sociedade do Espetáculo com prazer, e algumas outras peças. Eu responderia com dois pontos totalmente inconsistentes em aparência. Primeiramente, o situacionismo aparece bastante, mas eu nunca me versei plenamente nele. Em segundo lugar, estou escrevendo uma estória de horror abstrato que é basicamente sobre situacionismo, muito embora eu não saiba nada sobre ele no momento. Eu reconheço a importância da questão, mas eu simultaneamente reconheço minha incompetência para lhe dar o tipo de resposta que ela merece.

Serge Daney escreve, em algum lugar, que Godard e Straub-Huillet recorrem aos tipos de poder político dos quais eles seriam as primeiras vítimas. Há um sentido no qual suas invocações são similares a isso. Isso é um tipo de vanguarda do desaparecimento ou vanguarda da extinção com bastante jouissance niilante? Ou é uma mutação?

Eu recebo esse argumento bastante, mas eu duvido dele. A única coisa que eu explícita e estrategicamente gostaria de impor é a fragmentação. Todo o resto está em relação tática com isso. Certas questões – como o que você pensa sobre Kek e assim por diante – são, em última análise, questões táticas. A única questão estratégica é como você pode quebrar em pedaços, eu diria especificamente, a Anglosfera. Qualquer tipo de projeto que exceda isso se torna uma forma de agressão universalista em risco de super-expansão neoconservadora. Eu não estou interessado em dizer aos russos ou aos chineses como suas sociedades devem ser. Eu poderia teorizar sobre isso, mas a única zona de intervenção em que estou interessado é o mundo anglófono, que tem uma afinidade particular com a desintegração. Não há nada suicida em qualquer fragmentação, eu poderia única e certamente ser protegido por ela. Eu não tenho um sentimento de estar protegido pelos grandes estados anglófonos. Não é que eu esteja alegando perseguição por parte deles, mas definitivamente ficaria dessa lado do registro, se qualquer coisa. Eu não sou um cidadão ou um residente de qualquer país ocidental, estou vivendo em Shanghai. E você não ensina aos seus anfitriões como eles deveriam estar organizando sua casa.

Estávamos pensamento mais sobre a Singularidade.

Ah, você está um passo à frente!

Você sendo humano, sabe. Pelo menos nominalmente humano.

Isso é muito melhor. É só que a questão do nível político-econômico é bastante levantada.

Essa é a questão Snowden/Assange. Estamos menos interessados nisso.

Meu único problema com a Singularidade é que qualquer noção de auto-proteção nessa esfera é estruturada por alucinações. Se fôssemos levar isso de volta a alguém, seria Bakker. O que ele está dizendo é: o ‘você’ que você pensa que poderia ser ameaçado por essas coisas, na verdade, é aquela coisa que você descobrirá que é uma ilusão. Agora, isso é uma ameaça? É assim que ela é uma ameaça. Não vai ser como ser dilacerado por um robô metalizado gigante, vai ser a ilusão particular do ego, sustentável até um certo ponto na história, se tornando insustentável.

Às vezes você retém o esquema de robôs contra pessoas, mas parece que você está, na verdade, mais interessado em coisas e processos híbridos, não nessa dialética maniqueísta.

Bem, dinâmicas maniqueístas são boas para guiar certos tipos de cenários, então é por isso que eu gosto bastante delas. Eu amo toda a coisa do Hugo de Garis sobre essa giga-guerra de artilectos que ele pensa que virá. Quanto mais esses cenários cibernéticos de ficção científica estiverem em jogo, mais certos tipos de excitação histórica estão operantes. As pessoas tentam se proteger e pensar umas sobre as outras, mas na verdade é uma forma de estímulo do processo. O Sistema de Segurança Humana é estruturado através de ilusões. O que está sendo protegido ali não é alguma coisa real que é a humanidade, é a estrutura da identidade ilusória. Assim como, no nível mais micro, não é que os humanos enquanto organismos estão sendo ameaçados por robôs, é mais que sua auto-compreensão enquanto organismos se torna algo que não pode ser mantida para além de um certo limiar de inteligência em ambiente de rede.

Original.

A Revolta de Varsóvia de Trump

Para apoiadores e detratores igualmente, o discurso do Presidente dos EUA Donald J. Trump em 6 de julho em Varsóvia foi imediatamente reconhecido com o mais importante de sua presidência até o momento. Uma vez que tanta coisa foi cristalizada através dele – ou talvez trazida à tona – é impossível começar a fazer sentido desse evento sem algum esboço preliminar do seu contexto.

A nova polaridade ideológica dominante, em ambos os lados do Atlântico, exibe características notavelmente similares. Talvez de maneira mais contundente, ela exibe a culminação de uma inversão ideológica de classe, que por décadas vinha chegando e que alinhou as massas – e, em particular, a classe trabalhadora nativa – com a direita, e as elites sociais com a esquerda. Consequentemente, o populismo foi firmemente estabelecido como um fenômeno da direita. Mesmo aquelas posições liberais clássicas mais fortemente ligadas ao avanço da liberdade comercial e, assim, mais firmemente associadas com a direita conservadora, não escaparam a um embaralhamento radical, seja através de reavaliação, marginalização ou inversão completa.

Nesta nova e desconcertante época, o interesse empresarial deixou de ser qualquer tipo de índice para a afiliação com a direita, e a oposição popular ao livre comércio não mais define um bloco substancial na esquerda. Se qualquer coisa, o oposto agora é verdadeiro. Aqueles, na esquerda ou na direita (incluindo este autor), que teimosamente mantém que a orientação ideológica ao capitalismo é a determinante fundamental da polaridade política significativa se descobrem lançados em uma posição de anacronismo desconexo. A impressionante magnitude desta transição não deveria ser subestimada.

Esse não é, claro, um desenvolvimento sem precedentes alarmantes. De pelo menos uma perspectiva – que não é, de forma alguma, necessariamente histérica – a fronteira entre o populismo de direita e o fascismo pode ser difícil de discernir. No que diz respeito ao contexto afetivo do discurso de Trump, esse é, sem dúvidas sérias, o elemento mais importante.

Muitos livros poderiam ser devotados aos novos termos da controvérsia política e quase certamente o serão. Cada um dos ainda instáveis novos campos é altamente heterogêneo e entrecruzado por uma variedade de interesses estratégicos complexos em relação à maneira em que a grande fenda entre eles é descrita, então toda tentativa de articulação será contestada, frequentemente de maneira feroz. Ainda assim, mesmo em meio ao atual choque e confusão, alguma estrutura básica é discernível. Além da oposição política entre esquerda e direita – em seu sentido atual e reajustado – não é difícil reconhecer uma ênfase globalista e nacionalista correspondentes, colocando universalistas contra particularistas: defensores da ordem institucional mundial contemporânea contra seu oponentes, ou partidários de uma abertura cosmopolita contra localistas paroquiais, de acordo com o gosto. Uma vez que, de maneira concreta, a insurgência marca uma crise da gestão social internacional e da confiança em elites estabelecidas e credenciadas, descrevê-la como uma luta entre tecnocratas e populistas é mais ou menos o mais neutro que podemos ser. Tais termos são empregados aqui como meros rótulos, em vez de como julgamentos ou explicações. Nenhuma depreciação extravagante é dirigida a qualquer um dos dois em relação ao outro. Os eleitorados que eles nomeiam têm profundidades substanciais que excedem qualquer definição fácil. Eles são massas sociais obscuras em conflito, em vez de ideias concorrentes.

Com a chegada de Trump em Varsóvia, dois pares de eleitorados políticos profundamente antagonistas – um americano, o outro europeu – foram mapeados um ao outro, de maneira ressonante. A América Vermelha Populista encontrou seu campeão local em Varsóvia, versus aquela da América Azul, em Berlim. Esses alinhamentos não foram seriamente questionados, de nenhum lado. Que a política de portas abertas da Alemanha de Angela Merkel, exemplificando sua defesa das instituições da UE e das posições políticas tradicionais em geral, estava em afinidade fundamental com as instituições ideológicas da América Azul era auto-evidente para todas as partes. Reciprocamente, a identificação da América Vermelha Trumpiana com a posição polonesa de dissidência à UE – sobre a questão da imigração mais claramente – foi tomada como auto-evidente. Mesmo antes da visita, para aqueles que prestavam atenção, o regime polonês tinha se tornado um ícone da revolta popular etno-nacionalista contra o governo tecnocrata transnacional, contra o secularismo evangélico e contra a imigração em massa. Tudo bateu.

É difícil estar confiante sobre o quanto uma estratégia lúcida subjazeu o evento. Em todas as questões sobre Trump, a suposição padrão tende a ser não muito. Dada a vociferação característica de Trump e seu conforto incomum com uma demagogia baixa, tal repúdio deve ser esperado. Isto não é, de maneira alguma, sugerir que seja perspicaz. Se instintos políticos afinado à quase perfeição não desempenhassem nenhuma parte, então a intervenção divina – ou alguma bênção da fortuna funcionalmente indistinguível dela – é a próxima hipótese mais plausível.

O discurso em si foi retoricamente pedestre e até mesmo desajeitado. É difícil imaginar qualquer frase singular dele sendo lembrada, a não ser para propósitos de seca ilustração histórica. A linguagem foi inteiramente adaptada à sua audiência imediata – tanto local quanto internacional – em vez de ao deleite das futuras gerações. O discurso foi, neste aspecto entre outros, uma coisa da era da mídia social, afinado ao feedback instantâneo. Ele manifestamente bajulou, mesmo nos padrões funestos de tais orações. A conexão que alcançou com seus ouvintes locais se inclinou à auto-congratulação coletiva. Uau, nós realmente somos ótimos parece ter sido o consenso, entre os diretamente envolvidos. Àqueles pouco inclinados a se identificar com o falante e a multidão em questão, isso só pode ter sido irritante. Comícios inimigos geralmente são, como os conservadores aprenderam durante os anos de Obama. O amor-próprio imperturbável dos seus inimigos, exuberantemente manifesto, é uma coisa verdadeiramente horrível de se ver. Naturalmente, Trump não ficou mais angustiado com esse fato do que seu antecessor.

Há mais um elemento contextual indispensável que precisa ser levantado antes de procedermos à reação da mídia – que foi, claro, o nível mais profundo do evento – e essa é a ‘Coisa Judia‘. Todo mundo sabe, em algum nível, que temos que começar a falar sobre isso, de alguma maneira, mesmo aqueles que – de maneira totalmente compreensível – realmente não querem. Ignorar o tópico é uma opção que está desaparecendo, porque não há razão nenhuma para pensar que isso irá embora. Talvez tenha sido mera coincidência que a visita de Trump tenha lhe levado fundo no território do holocausto, o que, novamente, ninguém realmente parece querer mencionar, muito embora tenha sido uma linha explícita em seu discurso. Foi, contudo, estruturalmente essencialmente para tudo que se seguiu. Inequivocamente, mesmo na medida em que passou despercebido, a dimensão judaica adicionou grandemente à intensidade febril da resposta.

A extrema sensibilidade às ansiedades sócio-políticas judaicas que predominou no Ocidente pós-guerra está notavelmente perdendo sua força, de uma maneira que não parece plausivelmente reversível. Pelo menos em parte, isso é uma consequência da generalização da política identitária, predominantemente sob direção esquerdista, que tem o peculiar efeito cultural – em seus estágios tardios – de que casos especiais estão ficando cada vez mais difíceis de se fazer. O status vitimológico rebenta seus bancos, em meio a condições de paranoia étnica ilimitada e simétrica. Lúgubres anedotas de agravos – adaptadas para todo nicho social imaginável – estão sempre em abundância, alimentadas pelas linhas de suprimento da Internet. Narrativas de perseguição explodem vindas de todos os lados. Demandas para se “cheque seus privilégios” se provaram estranhamente móveis e reversíveis, conforme foram crescentemente normalizadas, até o ponto – neste exemplo em particular – do anti-semitismo aberto e cáustico.

O resultado não é nada menos do que uma crise da esquerda judaica diaspórica, cuja margem argumentativa foi anulada por décadas de imunidade excepcional a críticas implacáveis. Estratégias culturais defensivas que, por meio século, foram aceitas sem questionamento, enquanto privilégio etno-histórico especial, bem repentinamente ficaram sujeitas a uma inspeção pública irreverente. Todo mundo quer um pedaço do sobrevivencialismo étnico agora.

Esta é a chave para o que ocorreu em Varsóvia. É evocada como sub-texto para o lamento de angústia de Peter Beinart, quando exposto à frase de Trump: “A questão fundamental de nosso tempo é se o Ocidente tem a vontade de sobreviver”. Beinart estava bastante correto em reconhecer – horrorizado – a ressonância desta frase com os elementos mais extremos da presente transição, mas isso não foi de nenhum auxílio para ele. Ele havia sido emboscado.

Trump fez seu discurso explicitamente sobre sobrevivência étnica, alinhado de maneira desarmadora com a vitimização judaica na Segunda Guerra, com a heroica resistência polonesa à ocupação militar estrangeira e, finalmente – e de maneira mais provocadora -, com a situação contemporânea do Ocidente. Naturalmente lhe ajudou, esmagadoramente, que a Revolta de Varsóvia tenha sido uma insurreição contra nazistas reais. Isso forneceu uma vacina contra o funcionamento normal da Lei de Godwin. Sabe quem mais queria sobrevivência étnica? Adolf Hitler! – Alcançamos o núcleo do evento agora. Simplesmente não havia nenhuma maneira em que essa resposta, que era a única que importava para os inimigos de Trump na esquerda, pudesse, de alguma maneira concebível, ser feita operar nesta ocasião. O que estava sendo celebrado eram os poloneses sobrevivendo ao nazismo, depois ao comunismo e, agora, – de maneira infinitamente estranha – novamente aos alemães, desta vez colocados no papel de executores principais de uma ordem política transnacional que promove um multiculturalismo obrigatório, uma tecnocracia secular e a cultura da auto-flagelação histórica ocidental. O resultado, quase inevitavelmente, foi um tumulto.

Não foram necessários grandes vôos de deslumbramento oratório para triunfar neste campo de batalha. A situação fez quase tudo. Os inimigos enlouquecidos de Trump tropeçaram na armadilha e foram estilhaçados. A esquerda, para quem é claro que o Ocidente não tem nenhum direito de sobreviver, se encontrou ideologicamente isolada em um grau sem precedentes na atual administração. Seus aliados táticos no establishment conservador do ‘Nunca-Trump’ evaporaram. Duros céticos de Trump, tais como Rod Dreher, David French, e Jonah Goldberg contribuíram com seus talentos para a caça dos remanescentes esquerdistas em fuga. David Frum só manteve seu terreno na oposição argumentando que Trump era pessoalmente indigno de seu próprio discurso.

Beinart saiu do trauma da pior maneira. Ele será para sempre assombrado por sua própria definição da questão em jogo, que foi imediatamente julgada de todos os lados como sendo uma produção não forçada de propaganda para a Alt-Right: “O Ocidente é um termo racial e religioso. Para ser considerado Ocidental, uma país dever ser largamente cristão (preferencialmente Protestante ou Católico) e largamente branco”. Por toda mídia social, muitos acenos de cabeça se seguiram, vindos de eleitorados cuja aprovação ele certamente menos apreciaria.

Jonah Goldberg recusou explicitamente seguir o que era agora tão vividamente exibido como a estrada de etno-masoquismo europeu obrigatório e auto-ódio civilizacional: “O que é irônico é que a raiva de bater na mesa de Peter sobre a fala de Trump sobre o Ocidente é tão Ocidental. A tolerância do Ocidente a filosofias anti-Ocidentais é uma característica razoavelmente singular do próprio Ocidente. Nós amamos nos flagelarmos.” A defesa do Ocidente, portanto, é tomada como uma causa inclusive de seus críticos.

É Rod Dreher, contudo, que melhor captura o que Trump consolidou em Varsóvia, talvez pela primeira vez. Ele diz, comparando Trump a seus críticos esquerdistas:

Como frequentemente é o caso com conservadores e Trump, não importa o quanto você despreze ele e suas pompas e obras, no fim das contas, você sabe que ele não odeia suas crenças e que ele e seu governo não vão usar o poder do Estado para lhe suprimir como uma ameaça à ordem pública e a todas as coisas boas e sagradas. […] Isso é alguma coisa.

Não importa o quanto Trump fomente aversão entre muitos conservadores, ele também provoca eventos que lembram os conservadores porque eles odeiam os liberais (usando estes termos em seu sentido americano contemporâneo degenerado). Muitos conservadores odeiam Trump e continuarão a odiá-lo, provavelmente até o fim do seu segundo mandato no cargo, se não por mais tempo. Mas a maneira em que os liberais o odeiam apresenta uma óbvia ameaça existencial a todas as formas de vida conservadora. Como Martin Niemöller nunca realmente disse, primeiro eles vieram para o Trump e estava bem óbvio que eu era o próximo na fila.

Original.

O Iluminismo Sombrio, Parte 4c

Parte 4c: A Fábrica de Crackers

Em um certo sentido, viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de Independência, eles estavam assinando uma nota promissória da qual todo americano seria herdeiro. Esta nota era uma promessa de que todos os homens – sim, homens negros tanto quanto homens brancos – teriam garantidos os direitos inalienáveis da vida, da liberdade e da busca pela felicidade. É óbvio hoje que a América deu um calote nessa nota promissória, naquilo que concerne seus cidadãos de cor. Em vez de honrar essa obrigação sagrada, a América deu às pessoas Negras um cheque ruim, um cheque que voltou marcado “fundos insuficientes”.
Martin Luther King Jr.

O conservadorismo… é um movimento de pessoas brancas, não obstante uma dispersão de discrepantes. Sempre foi, sempre será. Eu já participei de pelo menos uma centena de encontros, conferências, cruzeiros e comemorações conservadoras: deixe eu lhe contar, não há muitas passas nesse pão. Eu entrei e saí dos escritórios da National Review por doze anos e a única pessoa negra que via lá, além de quando Herman Cain vinha chamar, era Alex, o cara que operava a sala de correspondência. (Ei, Alex!)
Isso não é porque o conservadorismo é hostil a negros e mestiços. Muito pelo contrário, especialmente no caso do Conservadorismo S/A. Eles bajulam o ocasional não-branco com uma deferência de filhote que, honestamente, enevoa o ar com embaraço. (P: Como você chama o cara negro num encontro de 1000 Republicanos? R: “Sr. Presidente.”)
É só que os ideais conservadores como autossuficiência e dependência mínima do governo não têm qualquer apelo com as minorias com baixo desempenho – grupos que, na generalidade estatística, estão aquém dos atributos que contribuem para o sucesso do grupo em uma nação comercial moderna.
De que lhes serviria adotar tais ideais? Eles acabariam ainda mais decisivamente reunidos na parte de baixo da sociedade do que estão atualmente.
Uma estratégia muito melhor para eles é se aliar a tantos subgrupos descontentes de brancos e asiáticos quanto conseguirem (homossexuais, feministas, sindicatos de fim de carreira), alcançar maiorias eleitorais e instituir grandes governos redistributivistas para lhes dar empregos de faz de conta e transferir riqueza de grupos bem-sucedidos para eles.
Que é o que, muito racional e sensatamente, eles fazem.
John Derbyshire

Neo-secessionistas estão em todo lugar ao nosso redor… e a liberdade de expressão lhes dá um cobertor confortável de proteção. Rick Perry insinuando que o Texas poderia se separar em vez de aderir à lei federal do sistema de saúde, Todd Palin pertencendo a uma associação política que advoga a secessão do Alaska, e Sharron Angle falando sobre ‘remédio da segunda emenda’ para lidar com disputas com autoridades federais são todos exemplos de uma retórica secessionista perigosa que permeia o discurso moderno. A mídia foca nossa atenção em reencenadores da Guerra Civil e picapes com bandeiras confederadas esvoaçando sobre elas. Mas figuras públicas são influenciadas também, por acadêmicos que lutam para perpetuar um tipo muito perigoso de revisionismo.
Practically Historical

Afro-Americanos são a consciência do nosso país.
– comentador ‘surfed’ no blog de Walter Russell Mead (editado pela ortografia)

O ‘pecado original’ racial da América foi fundacional, datando de antes do nascimento dos Estados Unidos, à limpeza dos povos aborígenes pelos colonizadores europeus e – de forma ainda mais saliente – à instituição da escravidão. Esta é a história do Velho Testamento das relações entre brancos e negros americanos, definida em uma narrativa providencial de escapada do cativeiro, na qual documentação factual e exortação moral estão indissoluvelmente fundidas. A combinação de um abuso social prolongado e intenso, em um padrão estabelecido pela Torá, recapitulando o mito moral-político primordial da tradição ocidental, instalou a estória de escravidão e emancipação como o quadro insuperável da experiência histórica americana: deixe meu povo ir.

‘Practically Historical’ (citado acima), cita Lincoln sobre a Guerra Civil:

Ainda assim, se Deus quiser que continue até que toda a riqueza pilhada pelos duzentos e cinquenta anos de trabalho não recompensado do escravo seja afundada e até que cada gota de sangue extraída com o chicote seja pega por uma outra extraída com a espada, como foi dito três mil anos atrás, assim ainda deverá ser dito “os julgamentos do Senhor são verdadeiros e inteiramente justos”.

O Novo Testamento da raça na América foi escrito nos anos 1960, revisando e especificando o modelo. A combinação do Movimento dos Direitos Civis, com a Lei de Imigração e Nacionalidade de 1965 e a Estratégia Sulista Republicana (apelar para brancos insatisfeitos nos estados da antiga Confederação) forjou um identificação partidária entre Negros e o Partido Democrata que equivalia a um renascimento liberal-progressista, estabelecendo os termos de uma polarização racial partidária que durou – e mesmo se fortaleceu – ao longo das décadas subsequentes. Para um movimento progressista comprometido por uma história de racismo eugenista sistemático, e um Partido Democrata tradicionalmente alinhado com obstinação sulista e com a Ku Klux Klan, a era dos direitos civis apresentou uma oportunidade de expiação, purificação ritual e redenção.

Reciprocamente, para o conservadorismo americano (e seu veículo cada vez mais sem direção que era o Partido Republicano), esta progressão significou uma morte prolongada, por razões que continuam a eludi-lo. A Ideia da América agora era inextricável de uma renúncia veemente do passado e mesmo do presente, na medida em que o passado ainda o moldava. Apenas uma ‘união cada vez mais perfeita’ poderia se conformar a ela. No nível mais superficial, as implicações partidárias mais amplas da nova ordem eram inequívocas, em um país que estava se tornando cada vez mais democrático e cada vez menos republicano, com a soberania efetiva concentrada nacionalmente no executivo, e a urgência moral de um governo ativista instalada como um princípio de fé. Para o que já havia se tornado a ‘Old Right’, não havia saída ou retorno, porque o caminho para trás cruzava o horizonte de eventos do movimento dos direitos civis, para dentro de tratos de impossibilidade política cujo significado derradeiro era escravidão.

A esquerda prospera na dialética, a direita perece através dela. Na medida em que há uma lógica pura da política, ela é essa. Uma consequência imediata (repetidamente enfatizada por Mencius Moldbug) é que o progressismo não tem inimigos à esquerda. Ele reconhece apenas idealistas, cujo tempo ainda não chegou. Conflitos faccionais na esquerda são politicamente dinâmicos, celebrados por seu potencial motriz. O conservadorismo, em contraste, está preso entre a cruz e a espada: espancado pela esquerda pelo rolo compressor do estatismo pós-constitucional e agitado pela ‘direita’ por tendências incoerentes que são tanto inassimiláveis (ao mainstream) quanto muitas vezes mutualmente incompatíveis, indo desde variedades extremas (austro-libertárias) de defesas capitalistas laissez-faire até estirpes de tradicionalismo social obstinado e teologicamente fundamentado, ultra-nacionalismo ou política identitária branca.

‘A direita’ não tem nenhuma unidade, real ou prospectiva e, assim, não tem nenhuma definição simétrica àquela da esquerda. É por esta razão que a dialética política (uma tautologia) que gira em apenas uma direção, previsivelmente, em direção à expansão do estado e a um ideal igualitário substancial cada vez mais coercitivo. A direita se move para o centro, e o centro se move para a esquerda.

Independentemente das fantasias conservadoras mainstream, o domínio liberal-progressista da providência americana se tornou incontestável, dominado por uma dialética racial que absorve contradições ilimitadas, ao passo que posiciona a subclasse afro-americana como a crítica encarnada da ordem social existente, o critério de emancipação e o único caminho para a salvação coletiva. Nenhuma estrutura alternativa de inteligibilidade histórica é politicamente tolerável ou mesmo – estritamente falando – imaginável, uma vez que a resistência à narrativa é anti-americana, antissocial e (claro) racista, servindo apenas para confirmar a existência de uma opressão racial sistemática através da violência simbólica manifesta em sua negação. Argumentar contra ela já é prová-la correta, ao demonstrar concretamente as mesmas forças ignorantes de atraso social que estão sendo verbalmente negadas. Ao resistir à demanda por reeducação social orquestrada, os boçais “amargurados” apenas demonstram o quando ainda há a se fazer.

Em sua forma mais abstrata e abrangente, a dialética liberal-progressista racial abole o seu exterior, junto com qualquer possibilidade de uma consistência de princípios. Ela afirma – a um e mesmo tempo – que a raça não existe e que sua pseudo-existência socialmente construída é um instrumento de violência interracial. O reconhecimento racial é tanto obrigatório quanto proibido. Identidades raciais são meticulosamente catalogadas para propósitos de remediação social, detecção de crimes de ódio e estudos de impacto desigual, que visam grupos para ‘discriminação positiva’, ‘ação afirmativa’ ou ‘promoção de diversidade’ (para listar estes termos em sua ordem aproximada de substituição histórica), mesmo enquanto são denunciadas como sem sentido (pelas Nações Unidas, não menos) e descartadas como estereótipos maliciosos, que não correspondem a nada real. Sensibilidade racial extrema e dessensibilização racial absoluta são exigidas simultaneamente. Raça é tudo e nada. Não há saída.

O conservadorismo é dialeticamente incompetente por definição e tão abjetamente sem noção que ele se imagina sendo capaz de explorar essas contradições, ou – em sua formulação iludida – dissonância cognitiva liberal. Os conservadores que triunfantemente apontam tais inconsistência parecem nunca ter passado os olhos na produção de um programa contemporâneo de humanidades, no qual grossas jangadas de vitimização internamente conflitante são amavelmente tecidas a partir de queixas incompatíveis, a fim de exultar na promessa progressista radical de suas lamentações discordantes. A inconsistência é combustível para a Catedral, exigindo argumentação ativista e realizações cada vez mais elevadas de unidade. O debate público integrador sempre movimenta as coisas para a esquerda – isso poderia não parecer um ponto especialmente difícil de se compreender, mas entendê-lo é expor a futilidade fundamental do conservadorismo mainstream, e isso não é do interesse de quase ninguém, então não será entendido.

O conservadorismo é incapaz de uma dialética funcional, ou contradição simultânea, mas isso não o impede de server ao progresso (pelo contrário). Em vez de celebrar o poder da inconsistência, ele tropeça por entre as contradições, descomprimido, em sucessão, à maneira de uma exibição de fósseis e de uma folha. Depois de “ficar na frente da história, gritando ‘Pare!'” durante a Era dos Direitos Civis e, assim, banindo-se eternamente à danação racial, o mainstream conservador (e Republicano) reverteu o curso, apoderando-se de Martin Luther King Jr como uma parte integral de seu cânone e buscando se harmonizar com “um sonho profundamente enraizado no senho americano”.

Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença: “Consideramos estas verdades como auto-evidentes, que todos os homens são criados iguais”.

Eu tenho um sonho que um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.

Cativado pelo apelo de King ao tradicionalismo constitucional e bíblico, por sua rejeição da violência política e por seus hinos desinibidos à liberdade, o conservadorismo americano gradualmente veio a se identificar com seu sonho de reconciliação e cegueira racial e a aceitá-lo como o significado verdadeiro e providencial de seus próprios documentos mais sagrados. Pelo menos, esta veio a ser a ortodoxia conservadora mainstream e pública, muito embora ela tenha se consolidado tarde demais para neutralizar suspeitas de insinceridade, falhado quase inteiramente em convencer a própria demografia negra e continuasse aberta a um escárnio escalante vindo da esquerda por seu formalismo vazio.

Tão convincente foi a reafirmação de King do Credo Americano que, em retrospectiva, seu triunfo sobre o mainstream político parece simplesmente inevitável. Quanto mais o conservadorismo americanos se afastou do racionalismo maçônico dos fundadores, na direção da religiosidade bíblica, tanto mais indistinguível sua fé se tornou de uma experiência americana negra, miticamente articulada através do Êxodo, no qual o quadro básico da história era de uma escapada do cativeiro, levada em direção a um futuro em que “todos os filhos de Deus – homens negros e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos – poderão juntar as mãos e cantar na palavras do antigo hino negro: ‘Livre afinal! Livre afinal! Graças ao Deus Todo-Poderoso, somos livres afinal!”

A genialidade da mensagem de King está em seu extraordinário poder de integração. A fuga dos hebreus do Egito, a Guerra de Independência Americana, a abolição da escravidão na esteira da Guerra Civil Americana e as aspirações da era dos direitos civis foram miticamente comprimidas em um único episódio arquetípico, perfeitamente consoante com o Credo Americano e levado adiante não apenas por sua força moral irresistível, mas mesmo por um decreto divino. A medida desta genialidade integradora, contudo, é a complexidade que ela domina. Um século após a “alegre alvorada” da emancipação da escravidão, King declara, “o Negro ainda não é livre”.

Cem anos mais tarde, a vida do negro ainda é tristemente paralisada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação. Cem anos mais tarde, o Negro vive em uma ilha solitária de pobreza, no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o Negro ainda está lânguido nos cantos da sociedade americana e se descobre um exilado em sua própria terra.

A estória do Êxodo é saída, a Guerra de Independência é saída e a emancipação da escravidão é saída, especialmente quando isto exemplificado pelo Underground Railroad e pelo modelo de auto-liberação, escapada, ou fuga. Ser ‘algemado’ pela segregação, ‘acorrentado’ pela discriminação, estar preso em uma ‘ilha solitária de pobreza’ ou ser ‘exilado’ em sua ‘própria terra’, em contraste, não tem qualquer relação que seja com a saída, além daquela que uma fascinante metáfora possa alcançar. Não há nenhuma saída para a integração e aceitação social, para a prosperidade igualmente distribuída, para a participação pública ou para a assimilação, mas apenas uma aspiração, ou um sonho, refém do fato e da fortuna. Como a esquerda e a direita reacionária foram rápidas em notar, na medida em que esse sonho se aventura significantemente para além de um direito à igualdade formal e para dentro do reino de um remédio político substancial, ele é um sonho a que a direita não tem nenhum direito.

Na sequência imediata do caso John Derbyshire, Jessica Valenti, no blog da The Nation faz o ponto de maneira clara:

… isso não é apenas sobre quem escreveu o que – é sobre as políticas intensamente racista que são típicas do conservadorismo. Algumas pessoas gostariam de acreditar que o racismo é apenas a discriminação explícita e dita em voz alta e o ódio que é facilmente identificável. Não é – é também empurrar políticas xenofóbicas e apoiar a desigualdade sistêmica. Afinal, o que é mais impactante – um racista singular como Derbyshire ou a lei de imigração do Arizona? Uma coluna ou a supressão de eleitores? Livrar-se de um racista de uma publicação não muda o fato de que a agenda conservadora é uma que pune desproporcionalmente e discrimina as pessoas de cor. Então, sinto muito, pessoal – você não pode apoiar a desigualdade estrutural e depois se dar um tapinha nas costas por não ser abertamente racista.

A ‘agenda conservadora’ não pode jamais ser sonhadora (esperançosa e inconsistente) o suficiente para escapar das acusações de racismo – isso é intrínseco à maneira em que a dialética racial funciona. Políticas amplamente compatíveis com o desenvolvimento capitalista, orientadas à recompensa da baixa preferência temporal e, assim, à punição da impulsividade, confiantemente terão um pacto desigual sobre os grupos sociais menos economicamente funcionais. Claro, a dialética demanda que o aspecto racial deste impacto desigual possa e deva ser fortemente enfatizado (para o propósito de condenar incentivos à formação de capital humano como racistas) e, ao mesmo tempo, forçosamente negado (a fim de denunciar exatamente a mesma observação como estereótipo racista). Qualquer um que espere que os conservadores naveguem este dilema com agilidade política e graça deve, de alguma forma, ter perdido o final do século XX. Por exemplo, os idiotas perdedores condenados conservadores do Washington Examiner, notando alarmados que:

Os Democratas da Câmara receberam treinamento esta semana sobre como abordar a questão da raça para defender programas governamentais… O conteúdo preparado de uma apresentação na terça-feira para o Caucus Democrata da Câmara e seu pessoal indica que os Democratas buscarão retratar a retórica de livre mercado aparentemente neutra como sendo carregada de viés racial, consciente ou inconsciente.

Não há versões alternativas a uma união cada vez mais perfeita, porque uma união é a alternativa às alternativas. Buscar onde as alternativas poderiam outrora terem sido encontradas, onde a liberdade ainda significava saída e onde a dialética era dissolvida no espaço, leva para dentro de uma casa de horrores de palhaços, fabricada como a sombra, ou cara-metade, da Catedral. Uma vez que a direita nunca teve uma unidade própria, deu-se uma a ela. Chame-a de Fábrica de Crackers.

Quando James C. Bennett, em The Anglosphere Challenge, buscou identificar as principais características culturais do mundo de língua inglesa, a lista resultante era geralmente familiar. Ela incluída, além da própria língua, tradições do direito comum, individualismo, níveis comparativamente altos de abertura econômica e tecnológica e reservas distintivamente enfáticas sobre o poder político centralizado. Talvez a característica mais impressionante, contudo, era uma tendência cultural marcante de se resolver discordâncias no espaço, em vez de no tempo, optando por cisma territorial, separatismo, independência e fuga, no lugar de transformação revolucionária dentro de um território integrado. Quando os anglófonos discordam, eles frequentemente buscaram se dissociar no espaço. Em vez de um resolução integral (mudança de regime), eles buscam uma irresolução plural (através da divisão de regimes), proliferando estados, localizando o poder e diversificando sistemas de governo. Mesmo em sua forma presente e altamente atenuada, esta predisposição anti-dialética e dessintetizadora à desagregação social encontra expressão em uma hostilidade teimosa e sussurrante aos projetos políticos globalistas e em uma atração vestigial ao federalismo (em seu sentido fissional).

Dividir-se, ou fugir, é tudo saída e anti-dialética (não recuperável). É a fonte básica da liberdade dentro da tradição anglófona. Se a função de uma Fábrica de Crackers é bloquear todas as saídas, há um único lugar para construí-la – bem aqui.

Como o Inferno, ou Auschwitz, a Fábrica de Crackers tem um slogan simples inscrito em seu portão: Escapar é racista. É por isto que a expressão ‘white flight’ – que diz exatamente a mesma coisa – nunca foi denunciada por ser politicamente incorreta, apesar do fato de que ela se baseia numa generalização estatística étnica do tipo que, em qualquer outro caso, provocaria paroxismos de indignação. O ‘white flight’ não é mais ‘branco’ do que a baixa preferência temporal, mas esta insensibilidade de pincel largo é considerada aceitável, porque apoia estruturalmente a Fábrica de Crackers e a indispensável confusão da antiga liberdade (negativa) com o pecado original (racial).

Você absolutamente, definitivamente, não deve ir lá … então, é claro, nós vamos … [a seguir].

Original.

O Iluminismo Sombrio, Parte 4b

Parte 4b: Observações Desagradáveis

Embora famílias negras e pais de garotos não sejam os únicos que se preocupam com a segurança dos adolescentes, Tillman, Brown e outros pais dizem que criar garotos negros é talvez o aspecto mais estressantes de ser pai, porque estão lidando com uma sociedade é temerosa e hostil em relação a eles, simplesmente por causa da cor de sua pele.

“Não acredita? Fique um dia em meu lugar”, disse Brown.

Brown disse que, aos 14, seu filho está naquela idade crítica em que ele está sempre preocupado com sua segurança por causa da criação de perfis.

“Eu não quero assustá-lo ou fazê-lo generalizar as pessoas, mas, historicamente, nós homens negros temos sido estigmatizados como os perpetradores de crimes e, onde quer que estejamos, somos suspeitos”, disse Brown.

Pais negros que não deixam esse fato claro, ele e outros disseram, o fazem arriscando seus filhos.

“Qualquer pai afro-americano que não esteja tendo essa conversa está sendo irresponsável”, Brown disse. “Eu vejo toda esta coisa como uma oportunidade para falarmos francamente, abertamente e honestamente sobre relações raciais.”
– Gracie Bonds Staples (Star-Telegram)

Quando as comunidades resistem a um influxo de titulares de vales-habitação do Seção 8 vindos do centro da cidade, digamos, eles estão reagindo esmagadoramente a comportamentos. A cor da pele é um indicador desse comportamento. Se os negros do centro da cidade se comportassem como Asiáticos – amontoando tanto conhecimento em seus filhos quanto eles conseguem colocar em seus crânios – a cautela persistente em relação aos negros de renda mais baixa que muitos americanos inquestionavelmente nutrem desapareceriam. Existem racistas irremediáveis entre os americanos? Por certo. Eles vêm em todas as cores, e deveríamos deplorar todos eles. Mas a questão da raça nos Estados Unidos é mais complexa do que a companhia educada geralmente tem permissão de expressar.
– Heather Mac Donald (City Journal)

“Vamos falar sobre o elefante na sala. Eu sou negra, OK?” disse a mulher, recusando-se a se identificar porque antecipou uma reação devido à sua raça. Ela se inclinou para olhar para o repórter direto nos olhos. “Haviam garotos negros roubando casas nesta vizinhança”, ela disse. “É por isto que George suspeitou de Trayvon Martin.”
— Chris Francescani (Reuters)

“Em suma, a dialética pode ser definida como a doutrina da unidade dos opostos. Isto incorpora a essência da dialética”, Lenin observa, “mas isso requer explicações e desenvolvimento”. Isto é: mais discussão.

A sublimação (Aufhebung) do Marxismo no Leninismo é uma eventualidade que é melhor compreendida de maneira crua. Ao forjar um política comunista revolucionária de ampla aplicação, quase inteiramente divorciada das condições materiais maduras ou das contradições sociais avançadas que foram anteriormente antecipadas, Lenin demonstrou que a tensão dialética coincidia, exaustivamente, com sua politização (e que toda referência a uma ‘dialética da natureza’ não é mais do que uma subordinação retrospectiva do domínio científico a um modelo político). Dialéticas são tão reais quanto são feitas ser.

A dialética começa com uma agitação política e não se estende para além de sua ‘lógica’ prática, antagonista, faccional e de coalizão. Ela é a ‘superestrutura’ por si só, ou contra a limitação natural, apropriando-se de maneira prática da esfera política, em sua extensão inteligível mais ampla, como uma plataforma para a dominação social. Onde quer que haja discussão, há uma oportunidade não resolvida para governar.

A Catedral encarna estas lições. Ela não tem qualquer necessidade de esposar o Leninismo, ou dialética operacional comunista, porque não reconhece nada mais. Dificilmente há um fragmento da ‘superestrutura’ social que tenha escapado da reconstrução dialética através de antagonismo articulado, polarização, estruturação binária e reversão. Dentro da academia, da mídia e mesmo das belas artes, a super-saturação política prevaleceu, identificando mesmo os elementos mais minúsculos da apreensão com uma ‘crítica social’ conflituosa e com a teologia igualitária. O comunismo é a implicação universal.

Mais dialética é mais política, e mais política significa ‘progresso’ – ou migração social para a esquerda. A produção de concordância pública leva apenas em uma direção e, dentro da discordância pública, tal ímpeto já existe em embrião. É apenas na ausência de concordância e de uma discordância publicamente articulada, ou seja, na não-dialética, no não-argumento, na diversidade sub-política ou iniciativa politicamente descoordenada que o refúgio ‘direitista’ da ‘economia’ (e, de maneira mais ampla, da sociedade civil) será encontrado.

Quando nenhuma concordância é necessária ou coercitivamente exigida, a liberdade negativa (ou ‘libertária’) ainda é possível, e este ‘outro’ não argumentativo da dialética é facilmente formulado (mesmo que, em uma sociedade livre, ele não precise ser): Faça suas próprias coisas. Bastante claramente, este imperativo irresponsável e negligente é politicamente intolerável. Ele coincide exatamente com a depressão esquerdista, retrocesso ou despolitização. Nada clama mais urgentemente por ser contra argumentado.

No extremo oposto está o êxtase dialético da justiça teatral, na qual a estrutura argumentativa dos procedimentos legais é associada à divulgação por meio da mídia. O entusiasmo dialético encontra sua expressão definitiva em um drama de tribunal que combina advogados, jornalistas, ativistas comunitários e outros agentes da superestrutura revolucionária na produção de um julgamento-show. Contradições sociais são encenadas, casos antagonistas articulados, e uma resolução, institucionalmente esperada. Isto é Hegel para o horário nobre da televisão (e agora para a Internet). É a maneira em que a Catedral compartilha sua mensagem com as pessoas.

Às vezes, em suas paixão impaciente pelo progresso, essa mensagem pode tropeçar em si mesma, porque, muito embora os agentes da Catedral sejam infinitamente razoáveis, eles são cada vez menos sensatos, muitas vezes surpreendentemente incompetentes, e estão propensos a cometer erros. Isto deve ser esperado com bases teológicas. Conforme o estado se torna Deus, ele se degenera em imbecilidade, no modelo do santo tolo. A política midiática do espetáculo de Trayvon Martin fornece um exemplo pertinente.

Nos Estados Unidos, como em qualquer outro país grande, muitas coisas acontecem todos os dias, exibindo inúmeros padrões de obscuridade variante. Por exemplo, em um dia médio, há aproximadamente 3400 crimes violentos, incluindo 40 assassinatos, 230 estupros, 1000 assaltos e 2100 agressões agravadas, ao lado de 25.000 crimes não violentos de propriedade (roubos e furtos). Muito poucos destes serão amplamente divulgados ou aproveitados como educacionais, exemplares e representativos. Mesmo que a mídia não estivesse inclinada a uma seleção baseada em narrativa das ‘boas estórias’, o simples volume de incidentes compeliria a algo do tipo. Dada esta situação, é quase inevitável que as pessoas perguntem: Por que estão nos contando isto?

Quase tudo sobre a morte de Trayvon Martin é controverso, exceto pela motivação da mídia. Sobre este tópico, há quase uma unanimidade. O significado ou mensagem pretendida da estória do caso dificilmente poderia ter sido mais transparente: A paranoia racista branca torna a América perigosa para pessoas negras. Ele assim ensaiaria a dialética do terror racial (seu medo é assustador), feita – como sempre – para converter o pesadelo social recíproco da América em uma peça de moralidade unilateral, alocando o pavor legítimo exclusivamente a um lado da divisão racial principal do país. Parecia perfeito. Um vigilante branco malignamente enganado atira em uma criança negra inocente, justificando o medo negro (‘a conversa’) enquanto expõe o pânico branco como um psicose assassina. Esta é uma estória de tamanho significado arquetípico progressista que não pode ser contada vezes demais. Na verdade, é boa demais para ser verdadeira.

Logo se tornou evidente, contudo, que a seleção da mídia – mesmo quando reforçada pela máquina de raiva de celebridades / ‘ativistas comunitários’ – não fora suficiente para manter a estória no script, e ambos os atores principais estavam se distanciando de seus papeis atribuídos. Se os estereótipos endossados pelos progressistas devessem ser sequer remotamente preservados, uma vigorosa edição seria exigida. Isso foi especialmente necessário porque certos leitores maus, racistas e preconceituosos do Miami Herald estavam começando a forjar uma conexão mental destruidora de narrativas entre ‘Trayvon Martin’ e ‘ferramenta de assalto’.

Quanto ao assassino, George Zimmerman, o nome dizia tudo. Ele claramente iria ser um cara pálida, desajeitado, parecido com um storm-trooper, com esperança algum tipo de cristão louco por armas e, talvez – se eles realmente achassem ouro, – um tipo dos movimentos de milícia, com um histórico de homofobia e ativismo anti-aborto. Ele começou ‘branco’ – por nenhuma razão óbvia além da incompetência midiática e da programação narrativa – e depois se viu transformado em um ‘hispânico branco’ (uma categoria que parece ter sido rapidamente inovada no momento), antes de ser gradualmente deslocado ao longo de uma série de complicações étnicas cada vez mais compatíveis com a realidade, culminando na descoberta de seu bisavô afro-peruano.

No coração da Catedral, estava bem na hora de coçar a cabeça. Aqui estava o grande réu amerikkkano, sendo preparado para seu julgamento-show, o Presidente havia contribuído emocionalmente em nome da sagrada vítima, e o jogo coordenado no solo havia sido avançado à beira fervilhante de revoltas raciais, quando a mensagem começou a cair aos pedaços, em tal medida que agora ameaçava a se degenerar em um caso irritantemente irrelevante de violência de negros contra negros. Não era apenas que George Zimmerman tinha uma ancestralidade negra – o que o tornava simplesmente ‘negro’ pelos padrões construtivistas sociais da própria esquerda – ele também havia crescido amigavelmente entre pessoas negras, com duas garotas afro-americanas como “parte do lar por anos”, havia entrado em um empreendimento em conjunto com um parceiro negro, era um democrata registrado e até mesmo algum tipo de ‘organizador comunitário’…

Então, por que Martin morreu? Foi por carregar chá gelado e um pacote de Skittles sendo negro (a versão ‘poderia ter sido o Obama filho’, aprovada pela mídia e por ativistas comunitários), por ir verificar alvos de assaltos (a versão do perfilamento racial kluxer) ou por quebrar o nariz de Zimmerman, derruba-lo, sentar em cima dele e golpear sua cabeça repetidamente contra o calçada (a ser decidido no tribunal)? Ele era um mártir da injustiça racial, um predador social de baixo nível ou um sintoma humano da crise urbana americana? A única coisa que estava realmente clara quando os procedimentos legais começaram, além da tristeza esquálida do episódio, era que ele não estava resolvendo nada.

Para uma sensação do quão desconcertantemente a lição aprovada havia se desintegrado no momento em que Zimmerman foi acusado de assassinato em segundo grau, só é necessário ler este post do blogueiro BDH oneSTDV, que descreve os distúrbios dialéticos da direita guerreira racial.

Apesar da natureza perturbadora das “acusações” contra Zimmerman, muitos da alt-right recusam conceder a Zimmerman qualquer simpatia ou sequer ver isto como um momento seminal no reino anarco-tirano do esquerdismo moderno. De acordo com estes indivíduos, os mestiço, falante de espanhol e democrata registrado, recebeu o que estava em seu caminho – a ira da multidão negra e da elite de esquerda indiretamente apoiada pelo próprio Zimmerman. Devido ao seu histórico de votação, antecedentes multiculturais e tutelagem de jovens de minorias, eles vêem Zimmerman como emblemático do ataque da esquerda à América branca, um tipo de soldado na campanha contra a brancura americana. [Negrito no original]

A política popular do politicamente correto estava pronta para seguir adiante. Com o grande julgamento-show colapsando em desordem narrativa, era hora de refocar na Mensagem, que se danem os fatos (que se danem duplamente). ‘Jezebel‘ melhor exemplifica o tom ameaçador e vagamente histérico:

Você sabe como dizer se as pessoas negras ainda são oprimidas? Porque as pessoas negras ainda são oprimidas. Se você alega que você não é uma pessoa racista (ou, pelo menos, que você está comprometido em trabalhar para caralho para não ser uma – o que, na verdade, é o melhor que qualquer um nós pode prometer), então você tem que acreditar que as pessoas são fundamentalmente nascidas iguais. Logo, se isso é verdade, então, em um vácuo, fatores como cor da pele não deveriam ter nenhum efeito sobre o sucesso de ninguém. Certo? E, portanto, se você realmente acredita que todas as pessoas são criadas iguais, então, quando você vê que desigualdades raciais drásticas existem no mundo real, a única coisa que você poderia concluir é que alguma força externa está segurando algumas pessoas. Como… o racismo. Certo? Então, parabéns. Você acredita em racismo! A menos que você não acredite realmente que as pessoas nasçam iguais. E, se você não acredita que as pessoas nascem iguais, então você é a p**** de um racista.

Alguém “realmente acredita que as pessoas nascem iguais”, da maneira que se entende isso aqui? Acredita, isto é, não apenas que uma expectativa formal de tratamento igual é um pré-requisito da interação civilizada, mas que qualquer desvio revelado da igualdade substancial de resultado é uma indicação óbvia e inequívoca de opressão? Que isso é “a unica coisa que você poderia concluir”?

No mínimo, Jezebel poderia ser parabenizada por expressar a fé progressista em sua forma mais pura, inteiramente descontaminada de sensibilidade à evidência ou à incerteza de qualquer tipo, casualmente desdenhosa de qualquer pesquisa relevante – quer existente ou meramente concebível – e supremamente confiante sobre sua própria invencibilidade moral. Se os fatos estão moralmente errados, tanto pior para os fatos – está é a única posição que poderia ser adotada, mesmo se for embasada em uma mistura de pensamento desejoso, ignorância deliberada e mentiras insultantemente infantis.

Chamar a crença na igualdade substancial humana de superstição é insultar a superstição. Pode ser injustificado acreditar em leprechauns, mas pelo menos a pessoa que mantém tal crença não está assistindo-os não existir, a cada hora de vigília do dia. A desigualdade humana, em contraste e em toda a sua multiplicidade abundante, está constantemente em exposição, conforme as pessoas exibem suas variações em gênero, etnia, atratividade física, tamanho e forma, força, saúde, agilidade, charme, humor, sagacidade, diligência e sociabilidade, ente outras inúmeras características, traços, habilidades e aspectos de sua personalidade, algumas de forma imediata e conspícua, algumas apenas lentamente, ao longo do tempo. Absorver mesmo a mais mínima fração disso tudo e concluir, da única maneira possível, que ou não é nada em absoluto, ou que é um ‘construto social’ e um índice de opressão, é puro delírio Gnóstico: um comprometimento, para além de toda evidência, com a existência de um mundo verdadeiro e bom, velado pelas aparências. As pessoas não são iguais, elas não se desenvolvem igualmente, suas metas e realizações não são iguais, e nada pode torná-las iguais. A igualdade substancial não tem qualquer relação com a realidade, exceto enquanto sua negação sistemática. Violência em uma escala genocida é necessária para sequer se aproximar do programa igualitário prático e, se qualquer coisa menos ambiciosa for tentada, as pessoas a contornam (algumas de maneira mais competente que as outras).

Para tomar apenas o exemplo mais óbvio, qualquer um com mais do que um filho sabe que ninguém nasce igual (exceto, talvez, gêmeos monozigóticos e clones). Na verdade, todo mundo nasce diferente, de inúmeras maneiras. Mesmo quando, – como normalmente é o caso – as implicações dessas diferenças para os resultados da vida são difíceis de prever com confiança, sua existência é inegável ou, pelo menos: sinceramente inegáveis. Claro, sinceridade, ou mesmo uma coerência cognitiva mínima, não é nem remotamente a questão aqui. A posição de Jezebel, embora impecável em sua correção política, não é apenas factualmente duvidosa, mas sim risivelmente absurda e, na verdade – estritamente falando – insana. Ela dogmatiza um negação da realidade tão extrema que ninguém poderia genuinamente manter, ou sequer entretê-la, muito menos plausivelmente explicá-la ou defendê-la. Ela é um princípio de fé que não pode ser entendido, mas apenas afirmado ou aceito, como loucura tornada lei, ou religião autoritária.

O mandamento político desta religião é transparente: Aceite a política social progressista como a única solução possível para o pecado problema da desigualdade. Este comando é um ‘imperativo categórico’ – nenhum fato possível jamais poderia miná-lo, complicá-lo ou revisá-lo. Se a política social progressista na verdade resultar em uma exacerbação do problema, a realidade ‘caída’ deve ser culpada, uma vez que o mal social é obviamente pior do que se vislumbrara anteriormente e apenas esforços redobrados na mesma direção podem esperar remediá-lo. Não pode haver nada a se aprender em questão de fé. Eventualmente, o colapso social sistemático ensina a lição que a falha crônica e a deterioração incremental não puderam comunicar. (Isso é o darwinismo social em escala macro para principiantes, e é a maneira em que a civilização acaba.)

Devido a sua excepcional correlação com uma variação substancial nos resultados sociais nas sociedades modernas, de longe a dimensão mais problemática da biodiversidade humana é a inteligência ou capacidade geral de resolução de problemas, quantificada como QI (que mede o ‘g’ de Spearman). Quando o ‘senso comum estatístico’ ou perfilamento é aplicado aos proponentes da Bio-Diversidade Humana, contudo, um outro traço significativo rapidamente é exposto: um déficit notavelmente consistente de condescendência. De fato, é amplamente aceito dentro da própria ‘comunidade’ amaldiçoada que a maior parte daqueles teimosos e esquisitos o suficiente para se educarem sobre o tópico da variação biológica humana são significantemente ‘retardados socialmente‘, com baixa inibição verbal, baixa empatia e baixa integração social, o que resulta em má adaptação crônica às expectativas do grupo. Os EQs típicos deste grupo podem ser extraídos como a raiz quadrada aproximada de seus QIs. Um autismo moderado é típico, suficiente para aproximar seus companheiros em um espírito de curiosidade natural-científica desprendida, mas não tão avançado ao ponto de compelir um desengajamento cósmico total. Estes traços, que eles próprios consideram – com base na copiosa informação técnica – como sendo substancialmente herdáveis, têm consequências sociais manifestas, que reduzem oportunidades de emprego, rendas e mesmo potencial reprodutivo. A despeito de todo o conselho terapêutico gratuito disponível no ambiente progressista, esta desagradabilidade não demonstra qualquer sinal de estar diminuindo e pode mesmo estar se intensificando. Como Jezebel mostra tão claramente, isto só pode ser um signal de opressão estrutural. Por que as pessoas desagradáveis não podem ter uma pausa?

A história é condenadora. Os ‘sociáveis’ sempre tiveram um rancor pelos desagradáveis, frequentemente declinando se casar ou fazer negócios com eles, os excluindo das atividades do grupo e de cargos políticos, os rotulando com insultos, os ostracizando e evitando. A ‘desagradabilidade’ foi estigmatizada e estereotipada em termos extremamente negativos, em tal medida que muitos dos desagradáveis buscaram rótulos mais sensíveis, tais como ‘deficientes sociais’, ou ‘sócioatípicos’. Não raro, pessoas foram verbal ou mesmo fisicamente agredidas por nenhuma outra razão além de sua desagradabilidade radical. Mais trágico de tudo, devido à sua completa incapacidade de se relacionarem uns com os outros, os desagradáveis nunca foram capazes de se mobilizar politicamente contra a opressão social estrutural que enfrentam ou de entrar em coalizações com seus aliados naturais, tais como cínicos, refutadores, contrarianistas e aqueles que sofrem com síndrome de Tourette. A desagradabilidade ainda tem que ser libertada, embora seja provável que a Internet ‘ajude’…

Considere o ensaio em infâmia de John Derbyshire, The Talk: Nonblack Version, que foca inicialmente em sua implacável desagradabilidade e está atento à correlação negativa entre sociabilidade e razão objetiva. Como Derbyshire observa em outros lugares, as pessoas geralmente são incapazes de se diferenciar de suas identidade de grupo ou de aplicar apropriadamente generalizações estatísticas sobre grupos a casos individuais, incluindo os seus próprios. Um reificação racionalmente indefensável, mas socialmente inevitável, dos perfis de grupo é psicologicamente normal – até mesmo ‘humana’ – com o resultado de que informação estatística ruidosa e não específica é erroneamente aceita como uma contribuição para o auto-entendimento, mesmo quando informações específicas estão disponíveis.

Da perspectiva da análise racional socialmente autista e de baixo QE, isto está simplesmente equivocado. Se um indivíduo tem certas características, o fato de pertencer a um grupo que tem características médias similares ou dissimilares não tem qualquer relevância que seja. Informações diretas e determinadas sobre o indivíduo não são, em nenhum grau, enriquecidas por informações indiretas e indeterminadas (probabilísticas) sobre os grupos aos quais o indivíduo pertence. Se os resultados individuais de um teste são conhecidos, por exemplo, nenhuma compreensão adicional é fornecida por inferências estatísticas sobre os resultados do teste que poderiam ter sido esperados com base no perfilamento do grupo. Um judeu asquenaze imbecil não é menos imbecil porque ele é um judeu asquenaze. É pouco provável que freiras chinesas idosas sejam assassinas, mas uma assassina que ocorra de ser um freira chinesa idosa não é nem mais nem menos assassina do que uma que não o seja. Isto é tudo extremamente óbvio, para as pessoas desagradáveis.

Para as pessoas normais, contudo, não é óbvio de maneira alguma. Em parte, isto é porque a inteligência racional é escassa e anormal entre humanos e, em parte, porque a ‘inteligência’ social funciona com o que o resto das pessoas está pensando, ou seja, com um sentimento irracional de grupo, pouca informação, preconceitos, estereótipos e heurística. Uma vez que (quase) todas as outras pessoas estão tomando atalhos, ou ‘economizando’ razão, é apenas racional reagir defensivamente a generalizações que provavelmente serão reificadas ou inapropriadamente aplicadas – superando ou substituindo percepções específicas. Qualquer um que antecipe ser predefinido através de um identidade de grupo tem um ego-investimento expandido naquele grupo e na maneira em que ele é percebido. Uma avaliação genérica, por mais objetivamente que tenha sido alcançada, se tornará imediatamente pessoal, sob condições (mesmo bastante remotamente) normais.

A razão desagradável pode teimosamente insistir que qualquer coisa na média não pode ser sobre você, mas a mensagem não será, em geral, recebida. A ‘inteligência’ social humana não é construída dessa maneira. Mesmo comentadores supostamente sofisticados tropeçam repetidamente nas exibições mais chocantes de incompreensão estatística, sem o menor embaraço, porque o embaraço foi feito para alguma outra coisa (e quase exatamente para o oposto). A falha em entender estereótipos em sua aplicação científica ou probabilística é um pré-requisito funcional da sociabilidade, uma vez que a única alternativa à idiotice, neste aspecto, é a desagradabilidade.

O artigo de Derbyshire é digno de nota porque é bem sucedido em ser definitivamente desagradável e tem sido reconhecido como tal, apesar da incoerência espumante da maioria das réplicas. Entre as coisas que ‘a conversa’ e ‘a contra-conversa’ compartilham está uma estrutura teatral de conversação pseudo-privada feita para ser ouvida. Em ambos os casos, uma mensagem que pais são compelidos a entregar a seus filhos é encenada como o veículo de uma lição social mais ampla, visando aqueles que, por ação ou inação, criaram um mundo que é intoleravelmente perigoso para eles.

Esta forma é intrinsecamente manipuladora, o que torna mesmo a conversa ‘original’ um alvo tentador de paródias. No original, contudo, um tom de sinceridade angustiada é projetado através de uma performance deliberada de inocência (ou ignorância). Ouça filho, eu sei que isso vai ser difícil de entender… (Ó, por quê, por que estão fazendo isto conosco?). A contra-conversa, em forte contraste, funde seu drama microssocial com o discuso clinicamente não-sociável de “pesquisas metódicas nas ciências humanas” – tratando populações como unidades biogeográficas vagas com características quantificáveis, em vez de como sujeitos jurídico-políticos em comunicação. Ela ridiculariza a inocência e – por implicação – o critério da própria sociabilidade. Concordância, condescendência, não contam para nada. As estatísticas rigorosa e redundantemente compiladas dizem o que dizem e, se não conseguimos viver com isso, tanto pior para nós.

Ainda assim, mesmo para uma leitura razoavelmente simpática, ou escrupulosamente desagradável, o artigo de Derbyshire fornece bases para críticas. Por exemplo, e desde o começo, é notável que o recíproco racial de “americanos não-negros” é “americanos negros”, e não “negros americanos” (o termos que Derbyshire seleciona). Esta inversão da ordem das palavras, trocando substantivos e adjetivos, rapidamente se assenta em um padrão. Tem importância que Derbyshire exija a extensão da civilidade para qualquer “negro individual” (em vez de aos ‘indivíduos negros’)? Certamente faz diferença. Dizer que alguém é ‘negro’ é dizer algo sobre ela, mas dizer que alguém é ‘um negro’ é dizer quem ela é. O efeito é sutilmente, mas distintivamente, ameaçador, e Derbyshire é bem treinado demais, algebraicamente, para ser desculpado de observar isso. Afinal, ‘John Derbyshire é um branco’ soa igualmente estranho, assim como o faz qualquer formulação análoga, que submerge o indivíduo no gênero, a ser recuperado como uma mera instância ou exemplo.

O aspecto mais intelectualmente substantivo deste logro de incivilidade gratuita foi examinado por William Saletan e Noah Millman, que fizeram pontos muito similares, dos dois lados da divisa liberal/conservador. Ambos os autores identificam um fissura ou incongruência metódica no artigo de Derbyshire, decorrente de seu comprometimento com a aplicação microssocial de generalizações estatísticas macrossociais. Estereótipos, por mais rigorosamente confirmados que sejam, são essencialmente inferiores ao conhecimento específico em qualquer situação social concreta, porque ninguém nunca encontra uma população.

Como um liberal de posições problemáticas, Saletan não tem escolha alguma além de recuar melodramaticamente das “conclusões de revirar o estômago” de Derbyshire, mas suas razões para fazê-lo não são consumadas por suas crise gastro-emocional. “Mas o quê, exatamente, é uma verdade estatística?” ele pergunta. “É uma estimativa de probabilidade a que você pode recorrer se você não souber nada sobre [um indivíduo em particular]. É o substituto fraco de uma pessoa ignorante para o conhecimento.” Derbyshire, com sua atenção de Aspergers à ausência de vencedores negros da Fields Medal, é “…um nerd matemático que substitui a inteligência social pela inteligência estatística. Ele recomenda cálculos de grupo em vez de se dar ao trabalho de aprender sobre a pessoas que está na sua frente”.

Millman enfatiza a inversão irônica que transforma o (desagradável) conhecimento científico social em ignorância imperativa:

Os “realistas raciais” gostam de dizer que eles são os que estão curiosos quanto ao mundo e que os tipos “politicamente corretos” são os que preferem ignorar a feia realidade. Mas o conselho que Derbyshire dá a seus filhos os encoraja a não serem curiosos demais sobre o mundo a seu redor, por medo de se machucarem. E, como regra geral, esse é conselho terrível para crianças – e não é o conselho que Derbyshire tem seguido em sua própria vida.

A conclusão de Millman também é instrutiva:

Então, por que eu sequer estou argumentando com Derb? Bem, porque ele é um amigo. E porque mesmo conversas preguiçosas e socialmente irresponsáveis precisam ser refutadas, não meramente denunciadas. O artigo de Derbyshire é racista? Claro que é racista. Todo o seu ponto é que é tanto racional quanto moralmente correto que seus filhos tratem pessoas negras de maneira significativamente diferente das pessoas brancas e tenham medo delas. Mas “racista” é um termo descritivo, não moral. A turma “realista racial” está fortemente convencida da precisão das principais premissas de Derbyshire, e eles não vão ser convencidos a abandonar essa convicção pela afirmação de que tal convicção é “racista” – tampouco, honestamente, eles deveriam ser. Por esta razão, eu sinto que é importante argumentar que as conclusões de Derbyshire não se seguem, de maneira simples, daquelas premissas e estão, na verdade, moralmente incorretas, mesmo que aquelas premissas sejam concedidas por bem do argumento.

[Breve intervalo…]

Original.

O que é a Alt-Right?

Tópico da semana, parece. O XS esculpirá um espaço no Chaos Patch para links visados no domingo, mas para os tipos impacientes, eis aqui um tira-gosto (1, 2, 3, 4).

Este blog, creio que previsivelmente, toma uma posição de me inclua fora dessa. A Neorreação, da maneira em que eu a entendo, previu a emergência da Alt-Right enquanto resultado inevitável dos excessos da Catedral e não gostou nem remotamente do que viu. Chute um cão o suficiente e você acaba com um cão mal-humorado. Reconhecer o fato não significa que você apoia chutar cães – ou cães mal-humorados. Talvez você fique feliz de ver o chutador de cães ser mordido (eu também). Isso, contudo, é o máximo a que se chega.

Uma definição curta, que me parece incontroversa: A Alt-Right é a direita populista dissidente. Colocada teoricamente, a NRx está, portanto, agrupada com ela, mas como uma coisa bastante diferente. Uma outra conclusão óbvia a partir da definição: a Alt-Right vai quase inevitavelmente ser bem maior do que a NRx é ou jamais deveria visar ser. Se você acha que o poder popular é basicamente ótimo, mas que a Esquerda apenas têm feito errado, a Alt-Right é muito provavelmente o que você está procurando (e a NRx definitivamente não é).

Para a Alt-Right, de maneira geral, o fascismo é (1) basicamente uma grande ideia e (2) um insulto sem sentido, inventado por (((Marxistas Culturais))), a ser ridicularizado. Para a NRx (versão do XS), o fascismo é uma aberração esquerdista em estágio terminal, tornada peculiarmente tóxica por sua praticidade comparativa. Não existe realmente qualquer espaço para um encontro de mentes neste ponto.

Como consequência de seu populismo essencial, a Alt-Right está inclinada ao anti-capitalismo, etno-socialismo, política de ressentimento e estatismo progressivo. Seu interesse na fragmentação geopolítica (ou produção do Patchwork) é algo entre irremediavelmente distraído e positivamente hostil. Além do seu – admitidamente muito divertido – potencial para a catálise do colapso, não há qualquer razão que seja para a ala tecno-comercial da NRx ter a menor simpatia por ela. Espaço para cooperação tática, dentro do quadro estratégico do pan-secessionismo, certamente existe, mas isso poderia ser igualmente dito de completos maoistas com uma disposição para quebrar coisas.

Nada disto deveria ser tomado como uma concorrência por recrutas. A Alt-Right ficará com quase todos eles – vai ser enorme. Da perspectiva da NRx, a Alt-Right deve ser apreciada por nos ajudar a nos limpar. Eles são muito bem-vindos a levarem quem quer que puderem, especialmente se fecharem a porta na saída.

Original.

Contra o Universalismo II

Limpeza preliminar de garganta (como na parte um): Em sua construção mais rigorosa, o ‘universalismo’ é robusto sob condições de argumento racional (isto é, crítica lógico-matemática embasada em evidências). Teoremas matemáticos, em particular [sic], são verdades universais. Quaisquer afirmações que possam ser construídas em um nível comparável de rigor formal (e, em última análise, mecanização) podem reivindicar o mesmo status. Contudo, com o menor afastamento deste critério – rigidamente algorítmico -, a controvérsia rapidamente se inicia. Este não é o lugar e o momento para se defender o caso da filosofia transcendental (dentro da qual a praxeologia está inclusa), mas tal caso poderia ser feito. Idem para a ciência empírica estritamente processualizada. Tudo isso é uma digressão.

A questão do universalismo, da maneira em que ele nos concerne aqui, não é uma questão de meta-matemática, epistemologia ou filosofia da ciência. É, sim, dirigida ao escopo político do argumento. É obrigatório se exigir que o argumento, de acordo com os mais elevados princípios de compulsão cognitiva (lógica), seja imposto de maneira global? A qualidade do argumento – por mais exaltado que seja – exige sua aplicação irrestrita através do espaço e do tempo? É a resposta afirmativa a esta questão que define o universalismo em seu sentido ideológico. O jacobinismo puro, claro, responde sim. Há um dever universal de compelir a submissão à verdade. Esta é a forma secular do salvacionismo evangélico.

A sugestão contrária, aqui defendida, é que – sob condições globais reais – o universalismo é um erro catastrófico. O escopo social da discussão racional é, em si, estritamente limitado, e tentativas de estendê-lo (coercivamente) para além de tais limites são politicamente desastrosas. O laissez-faire envolve a esfera da racionalidade imperativa e respeita seu contorno prático. A estupidez não precisa ser caçada e exterminada. Toda evidência histórica indica que ela não pode o ser.

Se o triunfo universal da razão é uma meta impraticável, o globalismo democrático é exposto como um erro absurdo. Minimizar a voz da estupidez é a alternativa realista -e já extremamente desafiadora. Raros enclaves de realismo rigorosamente auto-crítico têm como sua obrigação primária a auto-proteção de sua (evidentemente precária) particularidade. No resto do mundo, a ignorância fanática e a grotesca malformação cognitiva se encolerizam desenfreadamente. Fronteiras, filtros, testes e mecanismos de seleção de todos os tipos fornecem as únicas defesas contra isso.

O modelo universalista (jacobino) é sempre uma conversação. Você tem que se unir primeiro, simplesmente para conversar, e, depois disso, a razão prevalecerá. Esse é o caminho do Zeitgeist – o Hegelianismo em sua forma mais arcana, progressismo conveniente em níveis mais comuns de popularidade – com seu motor de golpes gêmeos de proselitismo agressivo e adoção em massa. “Invada o mundo, convide o mundo” é a formula de Sailer (link semi-aleatório). Amalgame-se, e então se eleve (em direção à racionalidade ascendente). Esta não é uma alegação (teoricamente convincente) sobre a estrutura única da prova matemática, é uma alegação (factualmente destruída) sobre a uniformidade global dos cérebros humanos. A ‘universalidade’ que ela invoca é aquela da convergência sobre a autoridade da razão. Em outras palavras, é um mito progressista bizarro da qual toda sanidade auto-protetora busca se distanciar ao máximo.

As pessoas aprendem, mas apenas muito raramente através de argumentos sofisticados ou de seus astutos avatares sócio-políticos. Elas aprendem porque falham miseravelmente e isso dói. A ‘raça humana’ é um mito progressista, incapaz de aprender qualquer coisa. Quando culturas reais aprendem, é porque elas estiveram presas em particularidade íntima, de tal modo que as consequências de seus próprios processos cognitivos as impactam intensamente. Qualquer coisa que separe um indivíduo ou um grupo dos resultados de seus pensamentos é um aparato de anti-aprendizado. O universalismo progressista é precisamente isto.

Des-amalgamação – isolamento – é a maneira de aprender. É como a especiação acontece, muito antes do aprendizado se tornar neurológico. A individuação (em qualquer escala) estabelece a fundação do comércio, da comunicação e da troca intelectual. Micro-estados comercializam. Macro-estados decaem em alocação política de recursos e lodo entrópico. Proteja seu próprio fragmento se você quiser ter qualquer coisa sobre o que falar.

“Aparentemente é um mal neocon dizer que Civilização Ocidental é baseada em universalismo. Engraçado. Eu achei que era Jeffersoniano.”

É uma ideologia suicida em sua fase de espasmos de morte, mas não morrerá em silêncio.

Original.