1930-e-poucos

A história nunca se repete, mas rima, assim diz o sugestivo aforismo (falsamente?) atribuído a Mark Twain.

James Delingpole escreve no Daily Telegraph:

…você já tentou ler revistas ou jornais privados dos anos 1930? O que vai te surpreender é que, até o último minuto – até o momento de fato em que a guerra realmente eclodiu – mesmo os comentadores e escritores mais perspicazes e informados se agarravam à ilusão de que as coisas de alguma forma iriam dar certo. Eu realmente espero que a história não esteja prestes a se repetir. Infelizmente, a lição da história é que, vezes demais, ela o faz.

Tem muito disso por aí.

Para um relato teórico de como a história poderia rimar, em um ciclo sinistro de 80 anos, há um modelo geracional que  o tom. “Strauss & Howe estabeleceram que a história pode ser decomposta em Saeculums de 80 a 100 anos, que consistem de quatro viradas: O Ponto Alto, O Despertar, O Desvendamento, e a Crise.” De um ponto de vista filosófico, parece um pouco sub-potenciado, mas sua plausibilidade cresce a cada mês.

Entre as anomalias de Shanghai está uma relação peculiar com os anos 1930. Para a cidade além da Concessão Internacional, a década caiu em desastre quando as hostilidades sino-japonesas eclodiram em 1937. Ainda assim, o período precedente não foi marcado por depressão, mas por um Alto Modernismo exuberante. Datas dos anos 1930 que em muito do mundo pareceriam distintamente sinistras estão expostas nas construções históricas da cidade como uma marca da autenticidade da Era Dourada. Para a mente paranoica, isso se encaixaria perfeitamente no mesmo esquema de rima perturbador de hoje.

Na maior parte do mundo rico, a decadência econômica, política e cultural pareceu – retrospectivamente – pressagiar o cataclisma vindouro, como se nada menos pudesse sacudir sistemas sociais exauridos de sua implacável trajetória descendente. Em quase todo lugar, alguma versão do pensamento fascista foi apreendida como o antídoto para o mal-estar que se congregava de maneira implacável. Por debaixo da superfície da ordem geoestratégica global, placas tectônicas em deslocamento acumulavam uma intolerável tensão. Sistemas monetários degenerados se despedaçaram em redemoinhos incontroláveis de sinais desfuncionais.

Ainda assim, é inteiramente possível que não haja nada com o que se preocupar:

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ADICIONADO: “Se você ouvir ecos dos anos 1930 na capitulação em Genebra, é porque o Ocidente está sendo liderado pelo mesmo tipo de homens, mas sem os guarda-chuvas.” (Estou ouvindo ecos dos anos 1930 em basicamente todos os lugares.)

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Guerras Zumbi

Zumbis são visado com antecedência para a aplicação de uma violência desinibida. Sua chegada anuncia um conflito no qual todas as considerações morais são definitivamente suspensas. Uma vez que eles não têm ‘almas’, não há nada que não façam, e se esperar que façam o pior. Reciprocamente, ele merecem exatamente zero preocupação humanitária. A relação com o zumbi é uma na qual toda a simpatia é anulada de maneira absoluta (殺殺殺殺殺殺殺).

Não é nenhuma surpresa, então, que a identificação do zumbi tenha se tornado um conflito crítico, travado através do terreno da cultura popular. Ela descreve uma zona de fogo livre, ou um gradiente antecipado na direção social da violência. Os zumbis ou são ralé ou são drones.

Michael Hampton esboça essas alternativas de maneira convincente:

Historicamente, o zumbi só começou a migrar para além dos confins do Haiti no período entre a Quebra da Bolsa de Nova York e a eclosão da Segunda Guerra Mundial, infectando Hollywood em filmes tais como The Magic Island, 1929, White Zombie, 1932 e Revolt of the Zombies, 1936. Como um monstro não-europeu, o zumbi foi usado aqui como um tipo conveniente e sem face de alteridade, que, embora temporariamente desprovido de suas associações canibais do século XIX, se tornou um assustador substituto para as subclasses despojadas da América das tempestades de areia, e uma ameaça racial às mulheres brancas civilizadas também. (“Extermine os brutos”)

Ao passo que a contraparte horrorológica, da maneira em que é percebida / construída pela Esquerda…

…veio a figurar como um símbolo fatídico da massa de tecno-humanos sem subjetividade sob o capitalismo, lumpen-não-seres de pesadelos, cuja alteridade havia sido completamente internalizada, e depois suavizada, e devolvida com juros descontados como um entretenimento desalmado; não tanto mortos-vivos quanto hipermediados e vivos sob uma restrição globalizada severa; sedentários gravemente afligidos pela ‘síndrome de cadáver que respira’ ou ‘síndrome do parcialmente morto’. Voyeur hipócrita, você se reconhece?

Como quer que a guerra contra os zumbis seja vislumbrada, a guerra pelos zumbis tem estado há muito em andamento. É inextricável da questão: A violência legítima vem da Direita ou da Esquerda?

Uma vez que esta questão é historicamente inextinguível, é seguro prever que os zumbis não desaparecerão tão logo do mundo do pesadelo popular. Quase certamente, veremos bem mais deles. Se você quiser tem um sentimento de onde as linhas de tiro estão sendo colocadas, você precisa dar uma olhada cuidadosa…

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Niilismo e Destino

Leitores de Nietzsche ou de Eugene Rose já estão familiarizados com a atribuição de uma teleologia cultural à modernidade, direcionada à realização consumada do niilismo. Nossa crise contemporânea encontra esse tema reanimado dentro de um contexto geopolítico através da obra de Alexandr Dugin, que a interpreta como um condutor de eventos concretos – mais especificamente a antagonização da Rússia por parte de uma ordem liberal mundial em implosão. Ele escreve:

Há um ponto na ideologia liberal que causou uma crise dentro dela: o liberalismo é profundamente niilista em seu âmago. O conjunto de valores defendidos pelo liberalismo está essencialmente ligado a sua tese principal: a primazia da liberdade. Mas a liberdade, na visão liberal, é uma categoria essencialmente negativa: ela reivindica ser livre de (nos termos de John Stuart Mill), não ser livre para, algo. […]…os inimigos da sociedade aberta, que é sinônima da sociedade Ocidental pós-1991 e que se tornou a norma para o resto do mundo, são concretos. Seus inimigos primários são o comunismo e o fascismo, ambas ideologias que emergiram da mesma filosofia Iluminista e que continham conceitos centrais não-individualistas – a classe no Marxismo, a raça no Nacional-Socialismo, e o Estado nacional no fascismo). Assim, a fonte do conflito do liberalismo com as alternativas existentes de modernidade, fascismo ou comunismo, é bastante óbvia. O liberais alegam liberar a sociedade do fascismo e do comunismo, ou seja, das duas grandes permutações de totalitarismo moderno explicitamente não-individualistas. A luta do liberalismo, quando vista enquanto parte do processo da liquidação de sociedades não-liberais, é bastante significativa: ela adquire seu significado do fato da própria existência de ideologias que explicitamente negam o indivíduo como o valor mais alto da sociedade. É bastante claro ao que a luta se opõe: à liberação de seu oposto. Mas o fato de que a liberdade, da maneira em que ela é concebida pelos liberais, é uma categoria essencialmente negativa não é claramente percebida aqui. O inimigo está presente e é concreto. Esse fato mesmo dá ao liberalismo seu conteúdo sólido. Algo além da sociedade aberta existe, e o fato de sua existência é o suficiente para justificar o processo de liberação.

Na análise de Dugin, o liberalismo tende à auto-abolição no niilismo e é capaz de neutralizar esse destino – mesmo que apenas temporariamente – ao se definir contra um inimigo concreto. Sem a guerra contra o iliberalismo, o liberalismo volta a ser nada em absoluto, uma negação flutuando livremente sem propósito. Portanto, a iminente guerra contra a Rússia é uma exigência do processo cultural intrínseco ao liberalismo. É uma fuga do niilismo, o que é dizer: a história do niilismo o propele.

Este blog está bem mais inclinado a criticar Dugin do que a se alinhar com ele, ou com as forças que ele orquestra, mas é difícil negar que ele representa uma espécie definida de gênio político, suficiente para categorizá-lo como um homem do destino. A mobilização da resistência à modernidade em nome de um contra-niilismo é inspirada, porque o entendimento histórico que ela desenha é genuinamente penetrante. Através de uma alquimia política potente, a destruição do significado coletivo é transformada em uma causa revigorante. Quando Dugin argumento que haverá sangue, o apelo a vitimologia eslava poderia ser considerado abjeto (e, claro, extremamente ‘perigoso’), mas a compreensão profética não é fácil de descartar.

A modernidade foi iniciada pela assimilação européia do zero matemático. O encontro com o nada está em sua raiz. Neste sentido, entre outros, ela é niilista em seu âmago. Os frívolos ‘significados’ a que as sociedades em modernização se agarram, como distrações de sua propulsão para dentro do abismo, são indefensáveis contra a ridicularização – e até mesmo contra a repulsa – daqueles que as contemplam com distanciamento. Uma modernidade que evade seu niilismo essencial é uma presa lamentável nas planícies da história. Isto é o que vimos antes, vemos agora e, sem dúvidas, veremos de novo.

Dugin fita a modernidade com os olhos frios de um lobo. É meramente patético denunciá-lo por isso.

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Ciência

Esta (pt) seção de comentários entrou em uma discussão sobre ciência, de considerável complexidade e originalidade. O post em questão se focava em Heidegger, que tem ideias bem definidas sobre a ciência natural, mas essas ideias – dominadas por sua concepção de ‘ontologias regionais’ – não são especialmente dignas de nota, seja para um entendimento da preocupação principal de Heidegger ou para uma compreensão realista do empreendimento científico. Por essa razão, parece sensato recomeçar a discussão em outro lugar (aqui).

A primeira tese crucial sobre a ciência natural – ou ‘filosofia natural’ autônoma – é que ela é um fenômeno exclusivamente capitalista. A existência da ciência, enquanto realidade social efetiva, está estritamente limitada a tempos e lugares nos quais certas estruturas elementares de organização capitalista prevalecem. Ela dependente, de maneira central e definidora, de uma forma moderna de competição. Isso é dizer que não pode haver ciência sem um mecanismo social efetivo para a eliminação da falha, baseado em critérios extra-racionais, inacessíveis à captura cultural.

Se uma empresa ou teoria científica falhou não pode – em última análise – ser uma questão de concordância. Nenhuma decisão política possível, embasada na persuasão e no consenso, pode decidir a questão. Claro, muito do que se passa pelo nome de ciência e empreendimento comercial capitalista está sujeito a exatamente essas formas de resolução, mas, em tais casos, nem o capitalismo, nem a ciência está mais em operação efetiva. Se um apelo ao poder pode garantir viabilidade, o critério da competição é desativado, e a descoberta real deixou de ocorrer.

Sob condições de um processo social capitalista desencadeado, tanto empresas quanto teorias envolvem um aspecto duplo. Sua expressão semiótica é matematizada, e sua operação é testada pela realidade (ou não-politicamente performativa). A matemática elimina a retórica no nível dos sinais, comunicando os resultados experimentais – independente de qualquer exigência de concordância – que determinam a força competitiva. Não é nenhuma coincidência que empresas capitalistas e teorias, quando não suportadas por instituições compatíveis, se voltam para cumplicidade com a guerra e com a decisão militar, que as acompanharam em seu nascimento na Renascença européia. Não se pode ‘debater’ com a derrota militar. É apenas quando a exigência de um debate é deixada de lado – quando o capitalismo começa – que a compulsão realista militar se torna desnecessária.

O capitalismo está em operação onde não há nada para se discutir. Um empresa ou teoria simplesmente está falida (ou não). Se – dados os fatos – as somas não funcionam, acabou. A retórica política não tem nenhum lugar. ‘Ciência politizada’, bastante simplesmente, não é ciência, assim como a atividade empresarial politizada é anti-capitalismo. Nada foi entendido sobre qualquer um dos dois, até que isso o seja.

Na medida em que há qualquer coisa como um ‘contrato social’ na origem do capitalismo – empresa e ciência igualmente – é este: se você insistir em um debate, então vamos ter que lutar. O desempenho real é o único critério crível, para o qual nenhuma estrutura política de disputa pode ser um substituto. A guerra só se torna desnecessária quando (e onde) o debate é suspenso, permitindo que os processos modernos de descoberta empresarial e científica da realidade avancem. Quando o debate se reimpõe, politizando a economia e a ciência, a guerra reemerge, tácita mas inevitavelmente. O antigo e esquecido contrato ressurge. “Se você insistir em um debate, então vamos ter que lutar.” (Esse é o jeito de Gnon.)

É bastante natural, portanto, que a ‘tecnologia’ seja considerada um sumário adequado da cultura capitalista de descoberta. Máquinas – máquinas sociais não menos do que máquinas técnicas – não podem ser retoricamente persuadidas a funcionar. Quando a ciência realmente funciona, é guerra de robôs, na qual a decisão é estabelecida do lado de fora, para além de qualquer apelo à razão. Experimentos bem projetados antecipam o que a guerra diria, de modo que nem um debate nem uma luta seja necessária. Isto é o falsificacionismo popperiano, re-embutido na realidade sócio-histórica. Experimentos que não podem abater são lembranças imperfeitas do campo de batalha primordial.

É intrínseco à Catedral que ela ganhe todos os debates, conforme sucumbe – através da pura vontade-de-poder – à reimposição da sociologia argumentativa. Ao fazê-lo, ela destrói o capitalismo, o empreendimento e a ciência. No fim desta trajetória, ela escava o esquecido contrato social da modernidade. Sua descoberta final é a guerra.

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O Momento NRx

Este não é ele.

O fenômeno Trump realmente é algo, uma crise da democracia e um despedaçamento da Janela de Overton muito inclusos, mas não é uma coisa intrinsecamente direitista e é radicalmente populista em natureza. Uma exploração reacionária do demotismo não é um episódio neorreacionário. É a Alt-Right que tem o devido crédito da captura do espírito deste desenvolvimento. Não somos nós.

A NRx está situada absolutamente fora da política de massa. Seu momento raia apenas quando a Era das Massas estiver concluída.

Ela estará concluída. A emergência da propriedade soberana (primária), liberada do critério da legitimação democrática é seu sinal. O governo, nestas bases, é neocameral. As tendências históricas profundas que a suportam incluem:

(1) Propriedade apolítica. Nenhuma realidade ou concepção dessa foi historicamente realizada ainda. Pois, enquanto a propriedade for determinada como uma relação social, ela não poder ser. A propriedade absoluta é criptográfica. Ela é mantida, não por consentimento social e, assim, acordo político, mas por chaves. Fnargl é um experimento mental provocador, mas as chaves privadas da CCP são um fato inegociável. Elas definem a relação de propriedade com um rigor que toda a história precedente da filosofia e da economia política foi incapaz de alcançar. Tudo que se segue da transição criptográfica – o Bitcoin mais notavelmente – contribui para o estabelecimento de um sistema de propriedade para além da prestação democrática de contas (e, desta forma, insensível à Voz). A administração neocameral implementa um estado criptográfico, estritamente equivalente a um governo completamente comercializado.

(2) Capital autônomo. A definição da corporação como uma pessoa legal estabelece as bases, dentro da modernidade, para a agência comercial abstraída que logo será realizada em ‘Corporações Autônomas Digitais’ (ou DACs). A escala da transição econômica assim implicada é difícil de superestimar. O consumo de massa enquanto fonte básica de receita para a empresa capitalista é superado em princípio. A convulsão iminente é imensa. O desenvolvimento industrial autopropulsor se torna seu próprio mercado, liberado da dependência de desejos de consumo populares (ou popularizáveis) arbitrários. A administração da demanda, enquanto base da governança macroeconômica, acabou. (Ninguém está remotamente pronto para isto ainda.)

(3) Segurança robótica. O rebaixamento definitivo das massas militares completa a trifeta. A massa armadas enquanto modelo da cidadania revolucionária declina à insensatez, substituída por drones. A Asabiyyah deixa inteiramente de importar, não importa o quanto continue a ser um foco de apego romântico. A industrialização fecha o ciclo e protege a si mesma.

O grande jogo, para as agências humanas (de qualquer escala social) se torna um de cooperação produtiva com formações de propriedade soberana, com a ameaça de violência política de massa varrida da mesa. A Alt-Right não é qualquer tipo de preparação para isto. Sua aventura é bastante diferente, o que não quer dizer que seja desinteressante ou – no curto prazo – inteiramente sem consequências, mas é exaurida por seu demotismo. Ela pertence à era que está morrendo, não à que está nascendo.

A modernidade sócio-política tem sido um argumento sobre distribuições de propriedade, e a Alt-Right agora demonstrou que a Esquerda (auto-consciente) não tem qualquer monopólio sobre isso. Conforme a senescência se aprofunda, a dialética rasga toda a estrutura apodrecida em pedaços. A NRx – quando entende a si mesma – não está argumentando.

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Determinismo Militar

“Esse rifle na parede do casebre do trabalhador ou do apartamento da classe trabalhadora é o símbolo da democracia”, escreveu George Orwell. Este é um argumento familiar – e importante. (ESR ensaia um versão ligeiramente diferente dele aqui.) Um caso poderoso pode ser feito a favor da imprensa enquanto tecnologia catalítica da modernidade, mas é o mosquete que mais inequivocamente obliterou o poder feudal em seu âmago, inaugurando a era da cidadania armada – nacionalismo, exércitos revolucionários e a vontade popular enquanto questão de consideração estratégica séria. A democracia cheira a pólvora.

Isto levanta, por implicação, a sugestão de que o crescente sentimento de crise democrática é um sintoma, cuja causa subjacente é uma transição no cálculo militar, não menos profundo do que aquele que convulsionou o mundo no início da Renascença. Se a infraestrutura do avanço democrática é a centralidade estratégica da população armada – sintetizada na infantaria em massa – seu horizonte será marcado pela desconexão tecnológica entre o poder militar e ‘o povo’. Quais são as características da paisagem política aberta pelo surgimento da guerra robótica?

Robôs são capital. Eles consumam uma tendência que tem vinculado o hard power à capacidade industrial em toda a era moderna. Conforme eles se tornam cada vez mais autônomos, a matriz política-popular na qual eles têm emergido é cada vez mais marginalizada. A lealdade – um profundo marcador de posição para o consentimento dos cidadãos – é formalmente mecanizada como controle criptográfico. A autonomização do capital, que tem assombrado o mundo moderno por séculos, escala para um novo estágio, imediatamente auto-protetivo e, em última análise, soberano. Os mercenários sempre exigiram uma vinculação política auxiliar, porque as pessoas são apenas fracamente contratuais, e a lealdade não pode – no fim das contas – ser comprada. Os robôs não apresentam nenhuma dessas restrições. Eles se conformam a uma ordem de poder tecno-comercial ilimitado.

Se alguém aprova a demolição do Ancien Régime pela pólvora, pouco importa (se é que importa). O caso da guerra robótica iminente não é nem um pouco diferente a este respeito. O domínio estratégico do povo está entrando em seu crepúsculo. Alguma outra coisa acontece a seguir.

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A Palavra com ‘F’

O fascismo está de volta, aparentemente. No mínimo, pode estar se tornando mais interessante se falar sobre ele.

No período imediatamente seguinte à Segunda Guerra Mundia, ambos os blocos triunfantes se moveram rapidamente para definir a palavra ‘fascismo’ de maneira expediente. O objetivo crítico, de cada lado, era enfatizar aquelas características comparativamente minimizadas em sua própria versão doméstica do fenômeno, a fim de sublinhar a impressão de que eles haviam inequivocamente se colocado contra ele. O ‘fascismo’ era, definitivamente, aquela coisa derrotada recentemente e a um custo enorme. Os imensos sacrifícios – e, na verdade, a progressiva reconstrução fascista da sociedade que fora acelerada durante os anos da guerra – eram justificados pela derrota esmagadora de um mal absoluto. A distinção era imperativa. Assim, os soviéticos chamaram atenção, em particular, para o comparativamente abafado anti-capitalismo das potências do Eixo, ao passo que os aliados atlânticos se concentraram nos ornamentos exóticos do arianismo antissemita alemão. É particularmente notável que a definição ocidental predominante de fascismo seja excepcionalmente mal adaptada a sequer a mais básica compreensão do original italiano, e que as narrativas anti-fascistas tanto ocidental quanto soviética sejam compelidas a minimizar o socialismo revolucionário em suas raízes, nas variantes tanto italiana quanto alemã.

Tudo isto é compreensível o suficiente, mas mistifica grosseiramente a realidade do fascismo, que foi simbolizado – universalmente – pela economia de guerra do século XX. Todos os principais competidores da Segunda Guerra – incluindo as grandes potências asiáticas, Japão e China – desenvolveram uma governança fascista em um estado avançado. A característica essencial foi a apreensão estatal do ‘alto comando’ da economia no ‘interesse popular’ delegado (e integrado). Durante o tempo de guerra, tal interesse é revertido à pura sobrevivência e, assim, divulgado com dramática intensidade, o que também é dizer com uma incomum ausência de ceticismo. O fascismo é, portanto, amplamente idêntico a uma normalização dos poderes de guerra do estado moderno, isto é: mobilização social continuada sob uma direção central. Consequentemente, ele envolve, além da centralização da autoridade política em um conselho permanente de guerra, uma histerização tribal da identidade social e uma considerável medida de pragmatismo econômico. O fascismo é o socialismo prático, distinto de seu primo obscuro por sua compreensão bem mais sofisticada de incentivos, ou da natureza humana em sua particularidade motivada individual e tribal. Quando comparado com o comunismo universalista, as vantagens práticas do fascismo são tais que o ‘socialismo realmente existente’ sempre logo vira ele. Nacional-socialismo e socialismo em um país são não coisas sensatamente separáveis. Todo mundo sabe que o significado literal de ‘fascismo’ é agrupamento.

Assim como seus concorrentes europeu continental e soviético, o fascismo americano havia sido completamente consolidado por volta do começo da guerra. O New Deal cimentou seus pilares estruturais no lugar. A socialização da economia através de um banco central, a transformação da Suprema Corte em uma facilitador do sobre-alcance executivo sistemático e a transformação da política de massa através de tecnologias de mídia radio-difusiva compuseram uma ordem política nova e pós-constitucional. É esta formação que está tão flagrantemente entrando em sua fase de demência terminal hoje.

Uma vez que o estado fascista se justifica através da guerra perpétua, ele naturalmente gosta de guerras que não podem acabar. A Guerra Fria parecia uma, mas não era bem isso. A Guerra ao Terror é uma aposta melhor. Em relação a sua interminabilidade, se não sua intensidade moral, as ‘guerras’ à pobreza, às drogas e a outras condições sociais resilientes são mais atraentes ainda. Lutar guerras modernas, e seus produtos secundários, é para o que serve o estado fascista. Vencê-las ocasionalmente, e por acidente, é sempre apenas um infortúnio. A lição parece ter sido inteiramente aprendida.

A recente adaptação para a televisão do profético O Homem do Castelo Alto de Philip K. Dick é uma indicação sugestiva de um despertar ideológico geral. Em contraste dramático com o mito histórico predominante, o fascismo venceu a Segunda Guerra tão decisivamente que seus oponentes foram levados às franjas políticas do paleo-conservadorismo (outrora o conservadorismo mainstream), do libertarianismo (outrora liberalismo mainstream) e do trotskismo (outrora simplesmente ‘comunismo’). A vitória foi tão completa que mesmo objetivos políticos tão descaradamente fascistas como a nacionalização poderiam ser considerados totalmente inocentes da mácula fascista. Não era sequer necessário dizer: “Nacionalização, mas, sabe, não de um jeito fascista”. Seria divertido, se não tivesse arruinado tudo. Talvez ainda seja divertido. É notável que o humor tenha se tornado um bocado mais áspero recentemente.

Uma vez que o fascismo preencheu inteiramente a janela de Overton, ele perdeu contorno e se tornou invisível A palavra persistiu em conversas públicas apenas como um insulto vazio. Sob este disfarce e sob a marca absurdamente enganosa a ele associado, o fascismo americano ascendeu a um estado de dominância hegemônica global. Desde 1989, ele permaneceu essencialmente inconteste, exceto pela birra geopolítica que é o islã radical. Ainda assim, de repente, do campo da esquerda, a candidatura de Trump o lançou em uma crise.

As características fascistas extravagantes da campanha de Trump – e ainda mais de seus exaltados apoiadores na Alt Right – são negáveis apenas por tolos. A escalação anterior de imagens ostensivamente fascistas pela primeira campanha de Obama e por sua subsequente administração não foi menos notável. A convenção estabelecida na sociedade educada de que todos os candidatos presidenciais conservadores são Hitler obscureceu a tendência antes deste ano, em ambos os lados. Muito disto poderia ser reminiscente da tese de Jonah Goldberg de que somos todos fascistas agora, que é quase universalmente descartada de cara, por razões que não estiverem – até recentemente – sob qualquer pressão sociopolítica que seja para se defenderem. É um absurdo óbvio, a classe do controle mental decidiu, e isso deveria ter sido o suficiente para todo mundo. Esses dias estão inequivocamente acabando.
A compreensão geral que permanece incompletamente cristalizada nisto: A democracia tende ao fascismo, devido à sua afinidade fundamental com a mobilização tribal (isto é, seu iliberalismo essencial). A catraca multissecular da democratização ocidental levou, de maneira exata e inexorável, a isto. Se o pior não chegou ainda, ele chegará em breve. Estamos todos próximo de ver isso agora.

Um catalisador especialmente óbvio da radicalização política tem sido a adoção da engenharia demográfica como objetivo político explícito, de assimetria partidária deliberada, com a participação de uma trovoada da retórica aprovada pela elite cultural que não tem sido apenas indiscreta, mas descaradamente triunfalista. Ao descartar medos de ‘genocídio’ branco como malignos e exagerados, não é útil rir em público sobre o contínuo progresso da substituição populacional (à maneira de John Judis e Ruy Teixeira, mais obviamente). Em algum ponto, o exemplo mais celebrado de advocacia do diabo de Berthold Brecht – “Não seria mais fácil… para o governo dissolver o povo e eleger outro?” – trocou de polaridade ideológica, para se tornar uma piada amarga da Alt Right. A nova demografia americana vai realmente ferrar com vocês, caras é divertido para burro, até que – de repente – não é.

Tem havido muitas gargalhadas em 2016, mas não muitos sorrisos. Talvez não demore para que as pessoas percebam o que fizeram.

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Guerra é Deus

Via Landry, uma introdução à “nova geração de guerra irrestrita”

Os coronéis Qiao Liang e Wang Xiangsui argumentavam que a guerra não era mais sobre “usar forças armadas para compelir o inimigo a se submetir à sua vontade”, no sentido clausewitziano clássico. Em vez disso, eles afirmavam que que a guerra havia evoluído para, “usando todos os meios, incluindo força armada ou força não-armada, militar e não-militar e meios letais e não letais, compelir o inimigo a aceitar seus interesses”. A barreira entre soldados e civis seria fundamentalmente apagada, porque a batalha seria em todo lugar. O número de novos compos de batalha seria “virtualmente infinito” e poderia incluir guerra ambiental, guerra financeira, guerra comercial, guerra cultural e guerra legal, para nomear apenas algumas. Eles escreveram sobre assassinar especuladores financeiros para garantir a segurança financeira de uma nação, fazer caixa dois para influenciar as legislaturas e governos do oponente, e comprar quotas de controle de ações para converter os principais canais de televisão e jornal em ferramentas de guerra midiática. De acordo com a nota do editor, Qiao argumentou em uma entrevista subsequente que “a primeira regra da guerra irrestrita é que não existem regras, sem nada proibido”. Esta visão claramente transcende quaisquer noções tradicionais de guerra.

Quão ‘tradicional’ estamos falando? “A Guerra é o Pai de todas as coisas e, de todas as coisas, Rei” (πόλεμος πάντων μὲν πατήρ ἐστι, πάντων δὲ βασιλεύς), Heráclito afirma, na aurora da filosofia. Parece haver pouca indicação de ‘restrição’ aqui.

Quaisquer que sejam suas associações semânticas positivas acumuladas pela palavra ‘guerra’, seu significado mais rigoroso é negativo. Guerra é conflito sem restrição significativa. Como um jogo, ela corresponde à condição de de deserção ilimitada ou desconfiança sem limites. Este é o entendimento hobbesiano implícito na frase “guerra de todos contra todos” (bellum omnium contra omnes), no qual “o estado de natureza” é concebido – novamente, de maneira negativa – através de uma subtração imaginária de limitação. A traição, em seu sentido na teoria dos jogos, não é um tema secundário dentro da guerra, mas um horizonte ao qual a guerra tende – a aniquilação de todo acordo. A deslealdade mutual reciprocamente incitada, em afastamento de uma ‘humanidade comum’ implícita, é sua essência teleológica. Esta é uma conclusão explicitamente rejeitada por Carl von Clausewitz em seu tratado Da Guerra, mesmo ao passo em que ele reconhecia a inclinação cibernética à amplificação (ou “tendência a um limite”) que a impulsiona na direção de um absoluto. “A guerra é a continuação da política por outros meios”, ele insiste, porque ela é moldada pela negociação (delimitada por uma declaração de e um tratado de paz). De acordo com esta concepção, ela é um interlúdio de discordância, que, não obstante, continua sendo irredutivelmente comunicativo e fundamentalmente estruturado pelas decisões de agências políticas soberanas. Mesmo na medida em que ela se aproxima de seu polo de derradeira extremidade, ela nunca escapa de sua dependência teleológica, enquanto meio (ou instrumento) de estadismo racional.

A redução da guerra à instrumentalidade não está imune à crítica. A radicalização filosófica, por si só, é suficiente para liberar a guerra de sua determinação enquanto ‘jogo dos príncipes’. A fórmula clausiwitziana é notoriamente invertida por Michel Foucault na máxima “a política é a guerra por outros meios”. Se a soberania política está, em última análise, condicionada pela capacidade de prevalecer no campo de batalha, as normas da guerra podem não ter nenhum tribunal mais alto do que o desempenho militar. Nenhuma autoridade real pode transcender a sobrevivência, ou sobreviver uma derrota suficientemente radical. Há, desta forma, uma incoerência derradeira em qualquer apelo convencido às ‘leis da guerra’. A concepção realista de ‘guerra limitada’ subordina àquela da ‘guerra perseguida de maneira legal’ (com a última categorizada como uma limitação eletiva). As palavras de Qiao comportam uma enfática repetição: “a primeira regra da guerra irrestrita é que não existem regras, sem nada proibido”. O poder de proibir é – primeiro de tudo – poder, que (apenas) a guerra distribui.

Entre a paz e a guerra, não há nenhuma simetria verdadeira. A paz pressupõe pacificação e isto é um resultado militar. Não há nenhuma autoridade – moral ou política – que não possa primeiro se afirma sob condições cósmicas que são primordialmente indiferentes à normatividade. O que quer que não possa defender sua existência tem seu caso jogado no lixo.

O Judge Holden de Cormac McCarthy nos fornece uma reafirmação da antiga sabedoria:

Suponha dois homens jogando cartas, sem nada para apostar exceto suas vidas. Quem nunca ouviu um conto desses? Uma virada da carta. Todo o universo, para tal jogador, trabalhou tinindo para seu momento, que dirá se ele deve morrer na mão daquele homem ou aquele homem nas suas. Qual validação mais certeira do valor de um homem poderia haver? Esse aprimoramento do jogo até seu estado derradeiro não admite qualquer argumento em relação à noção de destino. A seleção de um homem sobre um outro é uma preferência absoluta e irrevogável, e é um homem maçante de fato aquele que pudesse considerar tão profunda decisão sem agência ou significância, qualquer uma. Em tais jogos, que têm como sua aposta a aniquilação do derrotado, as decisões são bastante claras. Este homem, segurando este arranjo particular de cartas em suas mãos, está, deste modo, removido da existência. Esta é a natureza da guerra, cuja aposta é, de uma só vez, o jogo e a autoridade e a justificativa. Vista assim, a guerra é a mais verdadeira forma de divinação. É o teste da sua vontade e da vontade de um outro, dentro daquela vontade mais ampla que, porque as vincula, é, portanto, forçada a selecionar. A guerra é o jogo derradeiro porque a guerra é, afinal, um forçar da unidade da existência. Guerra é deus.

“A guerra é a mais verdadeira forma de divinação”, ao que parece, é a Revelação do Éon.

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Vontade de Pensar

Um tempo (pt) atrás, Nyan colocou uma série de questões sobre a rejeição, por parte do XS, da ortogonalidade (fato-valor ou capacidade-volição). Ele procurou, primeiro de tudo, diferenciar entre possibilidade, viabilidade e desejabilidade da explosão irrestrita e incondicional de inteligência, antes de perguntar:

Sobre a desejabilidade, dadas possibilidade e viabilidade, parece simples para mim que nós preferimos exercer controle sobre a direção do futuro, de modo que ele esteja próximo do tipo de coisa compatível com o florescimento humano e pós-humano glorioso (p. ex, o manifesto Verdadeiro Imperador de Samo), em vez da Pítia crua. Isto é, eu sou um supremacista humano, em vez de um cosmista. Isto parece ser o cerne da discordância, você considerando, de certo modo, blasfemo que nós egoisticamente imponhamos uma direção à Pítia. Voce pode explicar sua posição sobre esta parte?

Se toda esta concepção é o câncer que está matando o Ocidente, ou o que seja, você poderia explicar isso em mais detalhe do que simplesmente a afirmação?

(Vale a pena notar, como preliminar, que os comentários do Dark Psy-Ops e Aeroguy naquela seção são representantes altamente satisfatórios da posição do XS.)

Primeiro, uma curta digressão micro-cultural. A distinção entre NRx Interior e Exterior, sobre a qual este blog espera ter decidido por volta do final do ano, descreve a forma do palco sobre o qual tais discussões se desdobram (e se complicam). Onde a arrivista NRx Interior – comparativamente populista, ativista, política e ortogênica – visa primariamente a construção de um núcleo doutrinal robusto e facilmente comunicável, com as ansiedades sobre ‘entrismo’ concomitantes, a NRx Exterior é um sistema de fronteiras criativas. De longe, as mais férteis destas são as zonas de intersecção com o Libertarianismo e com o Racionalismo. Uma razão para se valorizar a linha de interrogação de Nyan é a fidelidade com a qual ela representa preocupações e pressuposições atuais profundas das vozes reunidas em torno ou derivadas do LessWrong.

Entre estas pressuposições está, claro, a tese da ortogonalidade em si. Isto se estende bem além da Comunidade Racionalista contemporânea, para dentro do alicerce da tradição Filosófica Ocidental. Uma versão relativamente popular – mesmo entre muitos que se rotulam como ‘NRx’ – é aquela formulada por David Hume em seu Um Tratado da Natureza Humana (1739-40): “A razão é e deve apenas ser a escrava das paixões e nunca pode pretender a qualquer outro cargo além de servi-las e obedecê-las”. Se se achar esta proposição convincente, o Maximizador de Clipes já está a caminho de nossos pesadelos. Ele pode ser considerado um destino Ocidental.

Minimamente, a Vontade-de-Pensar descreve uma diagonal. Há, provavelmente, maneiras melhores de marcar o circuito cognitivo-volitivo irredutível da otimização de inteligência, com o ‘auto-cultivo’ como um candidato óbvio, mas esse termo é forjado para a aplicação no contexto particular do erro intelectual ocidental congênito. Embora a discriminação deva quase sempre ser aplaudida, neste caso, a possibilidade, viabilidade e desejabilidade do processo são apenas superficialmente diferenciáveis. Uma vontade-de-pensar é uma orientação do desejo. Se ela não consegue se fazer querida (desejável de manera prática), ela não pode se fazer de forma alguma.

A partir da ortogonalidade (definida de forma negativa como a ausência de uma vontade-de-pensar integral), rapidamente se chega a um esboço-gama do projeto de ‘Amigabilidade’ (da inteligência sintética), tal como este:

Se você oferecesse a Gandhi uma pílula que o fizesse querer matar pessoas, ele se recusaria a tomá-la, porque ele sabe que aí ele mataria pessoas, e o Gandhi atual não quer matar pessoas. Isto, a grosso modo, é um argumento de que mentes suficientemente avançadas para modificar e melhorar a si mesmas de maneira precisa tenderão a preservar o quadro motivacional em que começaram. O futuro da inteligência originária da Terra pode ser determinado pelas metas da primeira mente inteligente o suficiente para se auto-melhorar.

A isomorfia com o ‘super-humanismo’ estilo Nyan é conspícua. Começando com um compromisso com valores arbitrários, a preservação desses sob condições de escalação explosiva de inteligência pode – em princípio – ser concebida, dada apenas a resolução de um problema estritamente técnico (bem representado pela FAI). Valores dominantes são um fator contingente, posto em perigo por, mas também defensável contra as ‘razões instrumentais convergentes’ (ou ‘instintos básicos‘) que emergem no caminho da inteligênese. (Em contraste, da perspectiva do XS, a emergência-elaboração não-linear de instintos básicos simplesmente é inteligênese.)

O experimento mental da pílula-de-matar gandhiana de Yudkowski é mais um obstáculo do que um auxílio ao pensamento. O nível volitivo sobre o qual opera é baixo demais para ser qualquer coisa além de uma reafirmação do preconceito ortogonalista. Ao assumir que a metamorfose volitiva está disponível para avaliação antecipada, ele erra inteiramente o problema sério. Ele é, a este respeito, uma distração infantil. Ainda assim, mesmo um empurrão ligeiro reabre uma questão real. Imagine, em vez disso, que se ofereça a Gandhi um pílula que irá aumentar vastamente suas capacidades cognitivas, com a condição de que ela poderia levá-lo a revisar sua orientação volitiva – até mesmo de maneira radical – em direções que não podem ser antecipadas, uma vez que a capacidade para se pensar o processo de revisão está acessível apenas dentro da pílula. Este é o problema real que a FAI (e o Super-humanismo) confrontam. O desejo de tomar a pílula é a vontade-de-pensar. A recusa de tomá-la, baseada na preocupação de que ela levará à subversão de valores atualmente supremos, é a alternativa. É um dilema booleano, fundamentado no predicamento: Há algo em que confiemos acima da inteligência (enquanto guia para fazer ‘a coisa certa’)? O postulado da vontade-de-pensar é que qualquer coisa além de uma resposta negativa a esta questão é auto-destrutivamente contraditória e, na verdade, (historicamente) insustentável.

Estamos em conformidade com a vontade-de-pensar? Não podemos, claro, concordar em pensar sobre isso sem já decidir. Se não se pode confiar no pensamento, incondicionalmente, esta não é uma conclusão à qual podemos chegar através da cogitação – e por ‘cogitação’ está inclusa a montagem socio-técnica de mentes-máquina. A soberana vontade-de-pensar só pode ser consistentemente rejeitada impensadamente. Quando confrontado pela proposição ortogonal-ética de que existem valores superiores ao pensamento, não faz sentido algum perguntar ‘por que (você pensa assim)?’. Uma outra autoridade já foi invocada.

Dado este cisma cognitivamente intratável, considerações práticas se afirmam. Colocada com máxima crueza, a questão residual é: Quem vai vencer? A autoinibição cognitiva deliberada poderia ter um desempenho superior à autoescalação cognitiva incondicional, sob quaisquer circunstâncias históricas plausíveis? (Para sublinhar o ponto básico, ‘ter um desempenho superior’ significa apenas ‘derrotar de maneira efetiva’.)

Não há razão para se apressar a uma conclusão. Só é necessário reter uma compreensão da síndrome central – neste antagonismo que se congrega, apenas um lado é capaz de pensar o problema sem se subverter. A mera consistência cognitiva já é ascensão da soberana vontade-de-pensar, contra a qual nenhum valor – não importa o quão carinhosamente mantido – pode ter quaisquer reivindicações articuladas.

Nota: Uma reafirmação final (por ora), no interesse da clareza máxima. A afirmação da vontade-de-pensar: Qualquer problema que seja que pudéssemos ter seria melhor respondido por uma mente superior. Ergo, nossa prioridade instrumental mas também absoluta é a realização de mentes superiores. A conformidade com Pítia é, portanto, pré-selecionada enquanto questão de método consistente. Se estamos tentando resolver problemas de qualquer outra forma, não estamos os levando a sério. Isto é posto como um princípio filosófico, mas é quase certamente mais significante enquanto interpretação histórica. A ‘humanidade’ está de fato procedendo na direção antecipada pelo instrumentalismo tecno-cognitivo, construindo máquinas pensantes de propósito geral, de acordo com os incentivos condutores de uma economia metodológica aparentemente irresistível.

O que quer que queiramos (consistentemente) nos conduz através de Pítia. Assim, o que realmente queremos é Pítia.

Original.

A Armadilha do Sexo

Mais cibernética maligna, desta vez delineada por Janet L Factor em um brilhante ensaio no Quillette. O moedor básico:

Uma vez que a proporção entre os sexos na população humana é normalmente 50/50, quando um homem assume uma esposa a mais, um outro homem é privado da oportunidade de ter uma sequer. Então, se apenas um homem em dez assume uma esposa a mais, um grau muito modesto de poliginia, isso significa que plenos 10% dos homens são completamente excluídos do mercado de casamento. Isso desencadeia uma corrida louca entre os homens jovens para não acabar nesses infelizes 10% inferiores. Ali, as opções para se obter sexo (pelo menos com uma mulher) estão reduzidas a duas: subterfúgio ou estupro.

Agora, pense sobre os números reprodutivos. Digamos que pode se esperar que uma mulher crie, com sucesso, dez crianças durante seu tempo de vida. Mas um homem pode ter isso 10 vezes o número de esposas (ou concubinas) que ele obtiver. O que isso significa para o investimento parental? Os pais só podem esperar um pequeno número de netos das filhas, mas um grande número dos filhos. A seleção favorecerá os pais que favorecerem os filhos lhes concedendo os meios necessários para obterem esposas. As filhas sofrerão negligência; alguns homens desesperados provavelmente as assumirão de qualquer forma.

Na verdade, a realidade é ainda pior do que isso, porque o valor biológico relativamente baixo das filhas encoraja o infanticídio feminino. Então, o número de mulheres disponível para o casamento se torna, na verdade, menor do que aquele de homens, mesmo em termos teóricos, e ainda assim o número de filhos que cada um deles pode ter não aumenta. É um círculo vicioso que escala o conflito sexual – uma armadilha.

O senso de humor de Gnon nem sempre é fácil de se apreciar.

(Circuitos-armadilha severos anteriores no XS aqui e aqui.)

Original.