1930-e-poucos

A história nunca se repete, mas rima, assim diz o sugestivo aforismo (falsamente?) atribuído a Mark Twain.

James Delingpole escreve no Daily Telegraph:

…você já tentou ler revistas ou jornais privados dos anos 1930? O que vai te surpreender é que, até o último minuto – até o momento de fato em que a guerra realmente eclodiu – mesmo os comentadores e escritores mais perspicazes e informados se agarravam à ilusão de que as coisas de alguma forma iriam dar certo. Eu realmente espero que a história não esteja prestes a se repetir. Infelizmente, a lição da história é que, vezes demais, ela o faz.

Tem muito disso por aí.

Para um relato teórico de como a história poderia rimar, em um ciclo sinistro de 80 anos, há um modelo geracional que  o tom. “Strauss & Howe estabeleceram que a história pode ser decomposta em Saeculums de 80 a 100 anos, que consistem de quatro viradas: O Ponto Alto, O Despertar, O Desvendamento, e a Crise.” De um ponto de vista filosófico, parece um pouco sub-potenciado, mas sua plausibilidade cresce a cada mês.

Entre as anomalias de Shanghai está uma relação peculiar com os anos 1930. Para a cidade além da Concessão Internacional, a década caiu em desastre quando as hostilidades sino-japonesas eclodiram em 1937. Ainda assim, o período precedente não foi marcado por depressão, mas por um Alto Modernismo exuberante. Datas dos anos 1930 que em muito do mundo pareceriam distintamente sinistras estão expostas nas construções históricas da cidade como uma marca da autenticidade da Era Dourada. Para a mente paranoica, isso se encaixaria perfeitamente no mesmo esquema de rima perturbador de hoje.

Na maior parte do mundo rico, a decadência econômica, política e cultural pareceu – retrospectivamente – pressagiar o cataclisma vindouro, como se nada menos pudesse sacudir sistemas sociais exauridos de sua implacável trajetória descendente. Em quase todo lugar, alguma versão do pensamento fascista foi apreendida como o antídoto para o mal-estar que se congregava de maneira implacável. Por debaixo da superfície da ordem geoestratégica global, placas tectônicas em deslocamento acumulavam uma intolerável tensão. Sistemas monetários degenerados se despedaçaram em redemoinhos incontroláveis de sinais desfuncionais.

Ainda assim, é inteiramente possível que não haja nada com o que se preocupar:

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ADICIONADO: “Se você ouvir ecos dos anos 1930 na capitulação em Genebra, é porque o Ocidente está sendo liderado pelo mesmo tipo de homens, mas sem os guarda-chuvas.” (Estou ouvindo ecos dos anos 1930 em basicamente todos os lugares.)

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Uma Escuridão Mais Profunda

No ponto em que as pessoas começaram a falar sobre “um efeito positivo da Peste Negra”, elas percebem o quão longe elas descenderam às sombras? O horror hardcore da análise malthusiana sempre tem algumas novas profundidades para sondar.

A ideia de que os padrões de vida europeus se elevaram após o ‘alívio’ da pressão malthusiana oferecido pela peste bubônica está longe de ser nova. É até mesmo algo que se aproxima de um fato incontroverso da história econômica. Dar um passo a mais, contudo, e atribuir a ascensão do Ocidente à sua devastação epidêmica na metade do século XIV é vagar em tratos inexplorados de misantropia glacial. A Europa teve sorte o suficiente de que pessoas o suficiente morreram.

A implicação malthusiana (sistematizada por Gregory Clark), de que apenas a mobilidade social descendente é compatível com tendências eugênicas, é um pensamento sombrio no qual eu toquei ocasionalmente, mas ainda tenho que me fixar firmemente. A ideia de uma destruição populacional massiva como uma dádiva no desenvolvimento, em qualquer situação na qual as taxas de crescimento econômico caiam abaixo da fertilidade média (eu simplifico), leva o Iluminismo Sombrio a todo um novo nível.

Como nota de rodapé, ela levanta a questão: A Grande Divergência foi eugênica para o Extremo Oriente (que ficou para trás) e disgênica para o Ocidente (que seguiu adianta)? A prosperidade econômica é essencialmente uma destruidora de genes?

Eu tendo a ficar do lado dos libertários em sua aversão à economia (keynesiana) de janelas quebradas, mas é de se esperar que tal raciocínio rapidamente desapareça em pura paralisia cognitiva quando as conclusões malthusianas bem mais perturbadoras forem introduzidas. Os libertários já pensam que eles ‘pegaram’ Malthus, como o cara que perdeu a aposta de Simon-Ehlirch – um profeta anti-capitalista verde pregando a restrição populacional.

O Malthus real vai vir como um choque. Ele certamente gela minha espinha.

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Horror Abstrato (Parte 2)

Entre os gêneros literários, o horror não pode reivindicar um direito exclusivo a fazer contato com a realidade. Superficialmente, seu argumento a favor de sequer tê feito isso poderia parecer peculiarmente fraco, uma vez que ele raramente apela para o critério geralmente aceito de ‘realismo’. Na medida em que a realidade e a normalidade são confundidas de qualquer maneira, o horror imediatamente se encontra exilado naqueles espaços de aberração psicológica e social onde a ilusão extravagante encontra seu precário refúgio.

Ainda assim, precisamente através de sua liberação de qualquer representação plausível, o horror acumula para si um potencial para a realização de encontros de um tipo que é excepcional na literatura e raro até mesmo enquanto tópico hipotético dentro da filosofia. A abstração intrínseca da entidade horrorífica esculpe o caminho até um encontro, nativo da esfera do inteligível e, assim, não filtrado pela interioridade ou subjetividade da ficção. O que o horror explora é o tipo de coisa que, devido a sua plasticidade e alem-idez, poderia abrir seu caminho até seus pensamentos de maneira mais capaz do que você mesmo o faz. Qualquer ‘lar’ mental seguro que você imagine possuir, é um parque indefeso para as coisas que o horror invoca, ou às quais ele responde.

A experiência do horror profundo é, em certos aspectos, incomum, e uma vida inteiramente desprovida dela não pareceria notavelmente peculiar. Poder-se-ia ir mais longe e propor que, se tal experiência é verdadeiramente possível, o universo é manifestamente inabitável. O horror faz um alegação derradeira e intolerável, como sugerida por sua insidiosa familiaridade. À beira de sua invasão, é sugerida, simultaneamente, uma ocorrência ontologicamente auto-confirmadora – indistinguível de sua própria realidade – e uma substituição abrangente do que é comum, de tal modo que essa (coisa insuportável) é o que você sempre conheceu e a única coisa que pode ser conhecida. O menor vislumbre dela é a abolição radical de qualquer outra ser sequer imaginável. Nada importa, então, exceto que esse vislumbre seja evadido. Daí o efeito literário do horrorífico, na sugestão não confirmada (evitação pressentida do horror). Contudo, não é o efeito literário que nos importa aqui, mas a coisa.

Vamos assumir, então, (sem dúvida de maneira absurda) que shoggoth seja essa coisa, o pensamento sobre a qual está incluso – ou é absorvido – dentro de si mesma. H. P. Lovecraft dramatiza esta conjectura na biografia ficcional do ‘louco árabe’ Abdul Alhazred, ‘autor’ do Necronomicon, cujos escritos tendem a um encontro que eles simultaneamente impossibilitam:

Shoggoths e sua obra não deveriam ser vistos por seres humanos ou retratados por quaisquer seres. O autor louco do Necronomicon nervosamente tentara jurar que nenhum deles havia sido criado neste planeta e que apenas sonhadores drogados jamais os conceberam.

Insiste-se neste ponto:

Estas massas viscosas eram sem dúvida o que Abdul Alhazred sussurrou sobre os ‘Shoggoths’ em seu assustador Necronomicon, embora mesmo esse árabe louco não tenha dado pistas de que algum deles tenha existido na terra, exceto nos sonhos daqueles que haviam mastigado uma certa erva alcaloide.

Um registro escrito lúcido destas ‘criaturas’ não pode existir, porque o mundo que conhecemos prosseguiu. Pode-se permitir, pelo menos, que isso persista como um julgamento provisório.

Em um feroz dia de verão, em 738 D.C., Alhazred está caminhando pelo mercado central de Damasco a negócios desconhecidos. Ele parece estar absorto em pensamentos e desconectado de seu entorno. As multidões no mercado mal o notam. Sem aviso, o ar é rasgado por guinchos medonhos, que atestam um sofrimento para além da compreensão humana. Alhazred convulsiona abominavelmente, como se estivesse sendo arrastado para cima, para dentro de uma entidade invisível e devoradora, ou sendo digerido para fora do mundo. Seus gritos gorgolejam até o silêncio, conforme seu corpo é imundamente extraído da perceptibilidade. Dentro de alguns poucos momentos, nada resta. O pensamento adequado do shoggoth ocorreu.

Defender o realismo sóbrio desse relato não é nenhuma tarefa fácil. Um primeiro passo é gramatical e tem a ver com a difícil questão da pluralidade. Lovecraft, concebendo uma expedição a partir das convenções da ficção pulp, prontamente sucumbe ao modelo da entidade plural e se refere a ‘shoggoths’ sem hesitação óbvia. ‘Cada’ shoggoth tem uma magnitude aproximada (em média “quatro metros e meio de diâmetro quando em esfera”). Eles eram originalmente replicados como ferramentas e são naturalmente muitos. Apesar de serem “entidades sem forma, compostas por uma geleia viscosa que se parecia com uma aglutinação de bolhas… [com] forma e volume em constante mudança”, eles parecem, inicialmente, ser contáveis. Esta conformidade gramatical não será suportável por muito tempo.

‘Os shoggoths’ vêm de além do horizonte biônico, então é de se esperar que sua organização seja dissolvida em funcionalidade. ‘Eles’ são “infinitamente plásticos e dúcteis […] massas protoplasmáticas multicelulares capazes de moldar seus tecidos em todo tipo de órgãos temporários [..] jogando fora desenvolvimentos temporários ou formando órgãos aparentes de visão, audição e fala”. O que eles são é o que eles fazem, ou – por um tempo – o que é feito através deles.

Os shoggoths se originaram como ferramentas – como tecnologia – criada pelos Grandes Antigos como robôs biônicos ou maquinário de construção. Sua forma, organização e comportamento eram programáveis (“hipnoticamente”). No vocabulário da ciência econômica humana, não deveríamos ter qualquer problema em descrever shoggoth como aparato produtivo, isto é, como capital. Ainda assim, essa descrição requer elaboração, porque a estória está longe de completa:

Eles sempre haviam sido controlados através das sugestões hipnóticas dos Antigos e haviam modelado sua dura plasticidade em vários membros e órgãos temporários úteis, mas agora seus poderes de auto-modelagem às vezes eram exercidos de maneira independente e de várias formas imitativas, implantadas por sugestão passada. Eles tinham, parece, desenvolvido um cérebro semi-estável, cuja volição separada e ocasionalmente teimosa ecoava a vontade dos Antigos, sem sempre obedecê-la.

As ideias de ‘rebelião robô’ ou insurgência do capital são precursoras imperfeitas da realização de shoggoth, concebido como matéria intrinsecamente abstrata, tecno-plástica e bionicamente auto-processadora, do tipo que Lovecraft vislumbra interceptando a geofísica terrestre no passado distante, assustando-a cripticamente. Shoggoth é um estado plasmático virtual da capacidade material que inclui logicamente, dentro de si mesmo, todos os seres naturais. Ele constrói cérebros como subfunções técnicas. O que quer que os cérebros possam pensar, shoggoth pode processar, como uma especificação arbitrária da abstração protoplasmática – ou talvez hiperplasmática.

Protoplasma sem forma, capaz de zombar e refletir todas as formas e órgãos e processos – viscosas aglutinações de células borbulhantes – esferoides elásticos de quadro metros e meio, infinitamente plásticos e dúcteis – escravos da sugestão, construtores de cidades – cada vez mais taciturnos, cada vez mais inteligentes, cada vez mais anfíbios, cada vez mais imitativos! Grande Deus! Que loucura deixou mesmo esses Antigos blasfemos dispostos a usar e esculpir tais coisas?

A história do capitalismo é, indiscutivelmente, uma estória de horror…

[Todas as citações de Lovecraft de At the Mountains of Madness. ++ pesadelo shoggoth ainda por vir]

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O Momento NRx

Este não é ele.

O fenômeno Trump realmente é algo, uma crise da democracia e um despedaçamento da Janela de Overton muito inclusos, mas não é uma coisa intrinsecamente direitista e é radicalmente populista em natureza. Uma exploração reacionária do demotismo não é um episódio neorreacionário. É a Alt-Right que tem o devido crédito da captura do espírito deste desenvolvimento. Não somos nós.

A NRx está situada absolutamente fora da política de massa. Seu momento raia apenas quando a Era das Massas estiver concluída.

Ela estará concluída. A emergência da propriedade soberana (primária), liberada do critério da legitimação democrática é seu sinal. O governo, nestas bases, é neocameral. As tendências históricas profundas que a suportam incluem:

(1) Propriedade apolítica. Nenhuma realidade ou concepção dessa foi historicamente realizada ainda. Pois, enquanto a propriedade for determinada como uma relação social, ela não poder ser. A propriedade absoluta é criptográfica. Ela é mantida, não por consentimento social e, assim, acordo político, mas por chaves. Fnargl é um experimento mental provocador, mas as chaves privadas da CCP são um fato inegociável. Elas definem a relação de propriedade com um rigor que toda a história precedente da filosofia e da economia política foi incapaz de alcançar. Tudo que se segue da transição criptográfica – o Bitcoin mais notavelmente – contribui para o estabelecimento de um sistema de propriedade para além da prestação democrática de contas (e, desta forma, insensível à Voz). A administração neocameral implementa um estado criptográfico, estritamente equivalente a um governo completamente comercializado.

(2) Capital autônomo. A definição da corporação como uma pessoa legal estabelece as bases, dentro da modernidade, para a agência comercial abstraída que logo será realizada em ‘Corporações Autônomas Digitais’ (ou DACs). A escala da transição econômica assim implicada é difícil de superestimar. O consumo de massa enquanto fonte básica de receita para a empresa capitalista é superado em princípio. A convulsão iminente é imensa. O desenvolvimento industrial autopropulsor se torna seu próprio mercado, liberado da dependência de desejos de consumo populares (ou popularizáveis) arbitrários. A administração da demanda, enquanto base da governança macroeconômica, acabou. (Ninguém está remotamente pronto para isto ainda.)

(3) Segurança robótica. O rebaixamento definitivo das massas militares completa a trifeta. A massa armadas enquanto modelo da cidadania revolucionária declina à insensatez, substituída por drones. A Asabiyyah deixa inteiramente de importar, não importa o quanto continue a ser um foco de apego romântico. A industrialização fecha o ciclo e protege a si mesma.

O grande jogo, para as agências humanas (de qualquer escala social) se torna um de cooperação produtiva com formações de propriedade soberana, com a ameaça de violência política de massa varrida da mesa. A Alt-Right não é qualquer tipo de preparação para isto. Sua aventura é bastante diferente, o que não quer dizer que seja desinteressante ou – no curto prazo – inteiramente sem consequências, mas é exaurida por seu demotismo. Ela pertence à era que está morrendo, não à que está nascendo.

A modernidade sócio-política tem sido um argumento sobre distribuições de propriedade, e a Alt-Right agora demonstrou que a Esquerda (auto-consciente) não tem qualquer monopólio sobre isso. Conforme a senescência se aprofunda, a dialética rasga toda a estrutura apodrecida em pedaços. A NRx – quando entende a si mesma – não está argumentando.

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O Iluminismo Sombrio, Parte 3

Parte 3:

O fascículo anterior desta série acabou com nosso herói, Mencius Moldbug, até a cintura (ou pior) no pântano mefítico do politicamente incorreto, aproximando-se do coração sombrio de sua meditação político-religiosa em How Dawkins Got  Pwned. Moldbug pegou Dawkins no meio de uma denúncia sintomaticamente significante e excruciantemente beata dos “sentimentos vitorianos” racistas de Thomas Huxley – um sermão que conclui com a estranha declaração de que ele está citando as palavras de Huxley, apesar de sua pavorosidade auto-evidente e totalmente intolerável, “apenas para ilustrar como o Zeitgeist segue em frente”.

Moldbug dá o bote, perguntando mordazmente: “O que, exatamente, é essa coisa do Zeitgeist?”. É, indiscutivelmente, uma extraordinária captura. Eis aqui um pensador (Dawkins), treinado como biólogo e especialmente fascinado pelos tópicos (disjuntivamente) geminados da evolução naturalista e da religião abraâmica, tropeçando no que ele apreende como uma tendência unidirecional de desenvolvimento espiritual histórico-mundial, que ele então – enfaticamente, mas sem o menor apelo à razão disciplinada ou à evidência – nega que tenha qualquer conexão séria com o avanço da ciência, com a biologia humana ou com a tradição religiosa. O disparate balbuciante que daí se resulta é uma coisa de se admirar, mas, para Moldbug, tudo faz sentido:

Na verdade, o Zeitgeist do Professor Dawkins é… indistinguível do… antigo conceito anglo-calvinista ou puritano de Providência. Talvez esta seja uma falsa correspondência. Mas é uma bem próxima.

Uma outra palavra para Zeitgeist é Progresso. Não é de se surpreender que os Universalistas tendam a acreditar no Progresso – na verdade, em um contexto político, eles frequentemente se denominam progressistas. O universalismo de fato fez um bom bocado de progresso desde [a época da embaraçosa observação de Huxley em] 1913. Mas isto dificilmente refuta a proposição de que o Universalismo é uma tradição parasita. Progresso para o carrapato não é progresso para o cão.

O que, exatamente é essa coisa de Zeitgeist? Vale a pena repetir a questão. Não é espantoso, para começar, que quando um darwinista inglês busca uma arma para golpear outro, o cacete mais conveniente à mão seja uma palavra alemã – associada com uma linhagem abstrusa de filosofia idealista adoradora do estado – fazendo referência explícita a uma concepção de tempo histórico que não tem qualquer conexão discernível com o processo de evolução naturalista? É como se, de maneira dificilmente imaginável, durante uma contenda comparável entre físicos (sobre o tópico da indeterminação quântica), de repente se ouvisse gritar que “Deus não joga dados com o universo”. Na verdade, os dois exemplos estão intimamente emaranhados, uma vez que a fé de Dawkins no Zeitgeist é combinada com uma adesão ao progressismo dogmático da ‘Religião Einsteiniana’ (meticulosamente dissecada, claro, por Moldbug).

O despudor é notável, ou pelo menos seria, se ingenuamente se acreditasse que os protocolos da racionalidade científica ocupavam uma posição soberana em tal disputa, mesmo que apenas em princípio. Na verdade – e aqui a ironia é amplificada à própria beira da psicose uivante – o Old One de Einstein ainda reina. Os critérios de julgamento devem tudo à higiene espiritual neo-puritana e nada que seja à realidade testável. A elocução científica é filtrada para a conformidade com uma agenda social progressista, cuja autoridade parece não ser afetada por sua completa indiferença para com a integridade científica. O que lembra Moldbug de Lysenko, por razões compreensíveis.

“Se os fatos não concordam com a teoria, tanto pior para os fatos” afirmou Hegel. É o Zeitgeist que é Deus, historicamente encarnado no estado, espezinhando meros dados de volta na poeira. A este altura, todo mundo sabe onde isso acaba. Um ideal moral igualitário, endurecido em um axioma universal ou dogma cada vez mais incontestável, completa a ironia histórica suprema da modernidade, ao tornar a ‘tolerância’ o critério de ferro para os limites da tolerância (cultural). Uma vez que seja aceito de maneira universal ou, falando de maneira mais prática, por todas as forças sociais que empunham um poder cultural significante, que a intolerância é intolerável, a autoridade política legitimou toda e qualquer coisa que seja conveniente para si mesma, sem restrição.

Essa é a mágica da dialética, ou da perversidade lógica. Quando apenas a tolerância é tolerável, e todo mundo (que importa) aceita esta fórmula manifestamente absurda como não apenas racionalmente inteligível, mas como o princípio universalmente afirmado da fé democrática moderna, nada resta exceto a política. A tolerância perfeita e a intolerância absoluta se tornaram logicamente indistinguíveis, com qualquer uma sendo igualmente interpretável como a outra, A = não-A, ou o inverso, e, no mundo abertamente orwelliano que daí resulta, apenas o poder tem as chaves da articulação. A tolerância progrediu em tal grau que tem se tornado uma função de policiamento social, fornecendo o pretexto existencial para novas instituições inquisitoriais. (“Devemos lembrar que aqueles que toleram a intolerância abusam da própria tolerância, e um inimigo da tolerância é um inimigo da democracia”, ironiza Moldbug.)

A tolerância espontânea que caracterizava o liberalismo clássico, enraizada em um conjunto modesto de direitos estritamente negativos que restringiam o domínio da política, ou intolerância governamental, se rende, durante a maré democrática, a um direito positivo a ser tolerado, definido de maneira cada vez mais expansiva como intitulação substancial, envolvendo afirmações públicas de dignidade, garantias impostas pelo estado de tratamento igual por parte de todos os agentes (públicos e privados), proteções governamentais contra desfeitas e humilhações não-físicas, subsídios econômicos e – em última análise – representação estatisticamente proporcional dentro de todos os campos de emprego, realização e reconhecimento. Que a culminação escatológica desta tendência seja simplesmente impossível não importa de maneira alguma para a dialética. Pelo contrário, isso energiza o processo político, comburindo qualquer ameaça de
saciação política no combustível do agravo infinito. “I will not cease from Mental Fight, Nor shall my Sword sleep in my hand: Till we have built Jerusalem, In England’s green and pleasant land.”[1] Em algum lugar antes de que Jerusalém fosse alcançada, o pluralismo inarticulado de uma sociedade livre foi transformado no multiculturalismo assertivo de uma democracia totalitária suave.

Os judeus da Amsterdam do século XVII ou os huguenotes da Londres do século XVIII gozaram do direito de serem deixados em paz e enriqueceram suas sociedades anfitriãs em troca. Os grupos de agravo democraticamente empoderados dos tempos modernos posteriores são incitados por líderes políticos a exigirem um (fundamentalmente iliberal) direito de ser ouvido, com consequências sociais que são predominantemente malignas. Para os políticos, contudo, que se identificam e se promovem como a voz dos não ouvidos ou dos ignorados, o auto-interesse em jogo dificilmente poderia ser mais óbvio.

A tolerância, que já pressupôs a negligência, agora a condena e, ao fazê-lo, se torna seu oposto. Fosse este um desenvolvimento partidário, a política partidária de um tipo democrático poderia sustentar a possibilidade de reversão, mas ele não é nada do tipo. “Quando alguém está sofrendo, o governo tem que se mover” declarou o Presidente ‘conservador compassivo’ dos EUA George W. Bush, em um fútil esforço de canalizar a Catedral. Quando a ‘direita’ soa assim, ela não está apenas morta, mas inequivocamente fedendo a decomposição avançada. O ‘Progresso’ venceu, mas isso é ruim? Moldbug aborda a questão de  maneira rigorosa:

Se uma tradição faz com que seus hospedeiros cometam erros de cálculo que comprometem suas metas pessoais, ela exibe um morbidez misesiana. Se ela faz com que seus hospedeiros ajam de maneiras que comprometam os interesses reprodutivos de seus genes, ela exibe uma morbidez darwiniana. Se se subscrever à tradição é individualmente vantajoso ou neutro (desertores são recompensados ou pelo menos não são punidos), mas coletivamente prejudicial, a tradição é parasitária. Se se subscrever é individualmente desvantajoso, mas coletivamente benéfico, a tradição é altruísta. Se é tanto individual quanto coletivamente benigna, ela é simbiótica. Se é tanto individual quanto coletivamente danosa, é maligna. Cada um desses rótulos podem ser aplicados tanto à morbidez misesiana quanto à darwiniana. Um tema que seja arracional, mas não exiba nem morbidez misesiana, nem darwiniana, é trivialmente mórbido.

Considerados de maneira comportamental, os sistemas misesiano e darwiniano são aglomerações de incentivos ‘egoístas’, orientados, respectivamente, à acumulação de propriedade e à propagação de genes. Ao passo que os darwinistas concebem a esfera ‘misesiana’ como um caso especial da motivação geneticamente auto-interessada, a tradição austríaca, enraizada em um anti-naturalismo neokantiano altamente racionalizado, está predisposta a resistir a tal reducionismo. Embora as consequências finais desta disputa sejam consideráveis, sob as atuais condições ela é uma querela de urgência menor, uma vez que ambas as formações estão unidas no ‘ódio’, isto é, em sua tolerância reacionária a estruturas de incentivos que punem os mal adaptados.

‘Ódio’ é uma palavra sobre a qual se deter. Ela testemunha com especial clareza a ortodoxia religiosa da Catedral, e suas peculiaridades merecem uma observação cuidadosa. Talvez sua característica mais notável seja sua perfeita redundância, quando avaliada da perspectiva de qualquer análise das normas legais e culturais que não esteja inflamada pelo entusiamo evangélico neo-puritano. Um ‘crime de ódio’, se for qualquer coisa que seja, é apenas um crime, mais ‘ódio’, e o que o ‘ódio’ adiciona é revelador. Para nos restringirmos, momentaneamente, a exemplos de criminalidade incontroversa, se poderia perguntar: o que é, exatamente, que agrava um assassinato, ou uma agressão, se a motivação for atribuída ao ‘ódio’? Dois fatores parecem especialmente proeminentes, e nenhum tem qualquer conexão óbvia com as normas legais comuns.

Primeiramente, o crime é aumentado por um elemento puramente ideacional, ideológico ou mesmo ‘espiritual’, que atesta não apenas uma violação da conduta civilizada, mas também uma intenção herética. Isto facilita a abstração completa do ódio em relação à criminalidade, após a qual ele toma a forma de ‘discurso de ódio’ ou simplesmente ‘ódio’ (que deve sempre ser contrastado com a ‘paixão’, ‘injúria’ ou ‘ira’ justificada representada pela linguagem crítica, controversa ou meramente abusiva que é dirigida contra grupos, categorias sociais ou indivíduos não protegidos). ‘Ódio’ é uma ofensa contra a própria Catedral, uma recusa de sua orientação espiritual e um ato mental de provocação contra o destino religioso manifesto do mundo.

Em segundo lugar, e de maneira relacionada, o ‘ódio’ é deliberadamente e mesmo estrategicamente assimétrico em relação à polaridade política de equilíbrio das sociedades democráticas avançadas. Entre a implacável marcha do progresso e o resmungo ineficaz do conservadorismo, ele não vacila. Como vimos, apenas a direita pode ‘odiar’. Conforme o sistema imunológico doxológico da supressão de ‘ódio’ é consolidado dentro dos sistemas educacional da elite e midiático, a distribuição altamente seletiva de proteções garante que o ‘discurso’ – especialmente o discurso empoderado – é consistentemente reajustado para a esquerda, o que quer dizer, na direção de um Universalismo cada vez mais abrangentemente radicalizado. A morbidez desta tendência é extrema.

Uma vez que o status de agravo é concedido como compensação política para a incompetência econômica, ele constrói um mecanismo cultural automático que advoga a disfunção. O credo Universalista, com sua identificação reflexiva da igualdade com a injustiça, não consegue conceber nenhuma alternativa à proposição de que, quanto mais baixo a situação ou o status de alguém, mais convincente é a sua revindicação sobre a sociedade, mais pura e mais nobre é a sua causa. A falha temporal é a o sinal da eleição espiritual (marxo-calvinismo) e disputar qualquer parte disso é claramente ‘ódio’.

Isto não força nem mesmo o neo-reacionário de coração mais duro a sugerir, em uma caricatura do estilo cultural alto-vitoriano, que a desvantagem social, como manifesta em violência política, criminalidade, falta de moradia, insolvência e dependência do bem-estar social, é um índice simples da culpabilidade moral. Em grande parte – talvez uma parte esmagadoramente grande – ela reflete o puro infortúnio. Pessoas obscuras, impulsivas, sem saúde e pouco atraentes, criadas caoticamente em famílias abusivas e encalhadas em comunicadas despedaçadas e assoladas pelo crime, têm toda razão de amaldiçoaram os deuses antes de si mesmas. Além disso, um desastre pode atingir qualquer um.

Em relação a estruturas efetivas de incentivos, contudo, nada disto é da menor importância. A realidade comportamental conhece apenas uma lei de ferro: O que quer que seja subsidiado é promovido. Com uma necessidade não mais fraca do que aquela da própria entropia, na medida em que a democracia social busca suavizar as más consequências – para grandes corporações não menos do que para individuos batalhadores e culturas desafortunadas – as coisas ficam piores. Não há maneira de contornar ou ir além desta fórmula, só pensamento positivo e cumplicidade com a degeneração. Claro, esta compreensão reacionária definidora está condenada à inconsequência, uma vez que equivale à conclusão supremamente impalatável de que toda tentativa de melhoria ‘progressiva’ está fadada a se reverter, ‘perversamente’, em uma falha horrível. Nenhuma democracia poderia aceitar isto, o que significa que toda democracia falhará.

A excitada espiral da fuga degeneradora misesiana-darwiniana é nitidamente capturada nas palavras da libertária mais fofa do Beltway, Megan McArdle, escrevendo na embocadura central da Catedral, The Atlantic:

É um pouco irônico que as primeiras tensões sérias causadas pelas mudanças demográficas da Europa estejam aparecendo nos orçamentos de bem-estar social do continente, porque os próprios sistemas de pensão podem bem ter moldado e limitado o crescimento da Europa. O século XX viu a adoção internacional de sistemas de seguridade social que prometiam benefícios definidos, pagos a partir da receita tributária futura – conhecidos pelos especialistas em pensão como sistemas de “paygo” e pelos críticos como esquemas de Ponzi. Estes sistemas tem aliviado grandemente os medos de uma velhice destituída, mas múltiplos estudos mostram que conforme os sistemas seguridade social se tornam mais generosos (e a velhice mais segura), as pessoas têm menos filhos. De acordo com uma estimativa, de 50 as 60 por cento da diferença entre a taxa de natalidade (acima da taxa de reposição) da América e da Europa pode explicada pelos sistemas mais generosos da última. Em outras palavras, o sistema de pensão da Europa pode ter posto em ação o próprio declínio demográfico que ajudou a tornar esse sistema – e alguns governos europeus – insolvente.

Apesar da ridícula sugestão de McArdle de que os Estados Unidos da América, de alguma maneira, se isentaram do caminho mortuário da Europa, o esboço geral do diagnóstico é claro e cada vez mais aceito como senso comum (embora melhor ignorado). De acordo com o credo ascendente, o bem-estar social alcançado através da progenitura e da poupança não é universal e, assim, é moralmente ignorante. Ele deveria ser suplantado, tão ampla e rapidamente quanto possível, por benefícios universais ou ‘direitos positivos’, distribuídos universalmente ao cidadão democrático e, assim, inevitavelmente, roteado através do Estado altruísta. Se, como resultado, devido à irremediável incorreção política da realidade, economias e populações colapsarem em concerto, pelo menos isso não danificará nossas almas. Ó, democracia! Sua idiota moribunda doce como sacarina, você acha que as hordas zumbis se preocuparão com a sua alma?

Moldbug comenta:

O Universalismo, na minha opinião, é melhor descrito como um culto dos mistérios do poder. É um culto do poder porque um estágio crítico em seu ciclo replicador de vida é uma criaturazinha chamada Estado. Quando olhamos para as proteínas de superfície dos grandes Us, notamos que a maioria delas podem ser explicadas por sua necessidade de capturar, reter e manter o Estado e dirigir seus poderes à criação de condições que favoreçam a replicação continuada do Universalismo. É tão difícil imaginar o Universalismo sem o Estado quanto a malaria sem o mosquito.

É um culto dos mistérios porque ele desloca as tradições teístas, substituindo as superstições metafísicas por mistérios filosóficos, tais como humanidade, progresso, igualdade, democracia, justiça, meio ambiente, comunidade, paz, etc.

Nenhum destes conceitos, como definidos na doutrina Universalista ortodoxa, é sequer ligeiramente coerente. Todos podem absorver uma energia mental arbitrária sem produzir nenhum pensamento racional. Nisto, eles são melhor comparados aos
absurdos plotinianos, talmúdicos ou escolásticos.

Como bônus, eis aqui o guia do Urban Future para a sequência principal dos regimes políticos modernos:

Regime(1): Tirania Comunista
Crescimento Típico: ~0%
Voz / Saída: Baixa / Baixa
Clima cultural: Utopismo psicótico
A vida é… dura, mas ‘justa’
Mecanismo de transição: Redescobre os mercados no grau zero econômico

Regime(2): Capitalismo Autoritário
Crescimento Típico: 5-10%
Voz / Saída: Baixa / Alta
Clima cultural: Realismo insensível
A vida é… dura, mas produtiva
Mecanismo de transição: Pressurizado pela Catedral a se democratizar

Regime(3): Social Democracia
Crescimento Típico: 0-3%
Voz / Saída: Alta / Alta
Clima cultural: Desonestidade beata
A vida é… suave e insustentável
Mecanismo de transição: Chutar latas sai da pista

Regime(4): Apocalipse Zumbi
Crescimento Típico: N/A
Voz / Saída: Alta (em sua maioria gritaria inútil) / Alta (com combustível, munição, comida seca, moedas de metais preciosos)
Clima cultural: Sobrevivencialismo
A vida é… de dura a impossível
Mecanismo de transição: Desconhecido

Para todos os regimes, as expectativas de crescimento assumem uma população moderadamente competente, de outra forma, vá direto para (4).

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[1] Nota do Tradutor: Estrofe final do poema “And did those feet in ancient time” de William Blake, na introdução de seu épico Milton (1808). Tradução livre: “Eu não deixarei de Lutar coma Mente, Tampouco minha Espada dormirá em minha mão: Até que tenhamos construído Jerusalém, Na terra ver e agradável da Inglaterra”.

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Horror Econômico

H. P. Lovecraft e o sistema financeiro global finalmente convergiram.

Da carta da Artemis Capital Management aos investidores (sério): “Volatilidade é sobre medo… mas risco de cauda extremo é sobre horror. O Cisne Negro, enquanto constructo filosófico negativo, é quando o medo acaba e o horror começa. …O medo é algo que vem de dentro do nosso escopo de pensamento. O verdadeiro horror não é o medo humano em um mundo definível, mas o medo que vem de fora do que é definível. O horror é sobre as limitações do nosso pensamento. …Cthulhu é um cisne negro.”

Uma cibernética gótica abundante completa o pesadelo. (“Convexidade curta sombria descreve uma fragilidade imensurável à mudança, introduzida quando os participantes são encorajados a se comportarem de uma maneira que contribui para loops de feedback em um sistema complexo.”)

O Halloween chega mais cedo este ano.

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Fins Econômicos

“Os economistas estão certos sobre a economia, mas há mais vida para além da economia”, twita Nydwracu, com aspas já adicionadas. Se os economistas estão certos sobre a economia depende muito dos economistas, e aqueles que estão mais certos são aqueles que fazem menos alegações de compreensão, mas este é um outro tópico que não o que será perseguido neste post. É a segunda parte da frase que importa aqui e agora. A questão orientadora: A esfera econômica pode ser rigorosamente delimitada e, assim, suplantada pela razão moral-política (e instituições sociais associadas)?

Já é cortejar a má-compreensão perseguir esta questão em termos de ‘economia’, que é (por profundas razões históricas) dominada pela macroeconomia – isto é, um projeto intelectual orientado para a facilitação do controle político sobre a economia. A este respeito, a linha tecno-comercial da Neorreação é distintivamente caracterizada por uma aversão radical à economia, enquanto complemento previsível para o seu apego à economia não controlada (ou laissez-faire). Não é a economia que é o objeto primário de controvérsia, mas o capitalismo – a economia livre, autônoma ou não-transcendida.

Essa questão é uma fonte de tensão dinâmica dentro da Neorreação, que eu espero ser um grande estímulo à discussão ao longo deste ano. Em minha estimativa, os polos de controvérsia são marcados por este post de Michael Anissimov em More Right (entre outros), e este post aqui (entre outros). Muitos outros escritos relevantes sobre o tópico dentro da reactosfera me parecem significantemente mais restritos (Anarchopapist; Amos & Gromar…), ou menos resolutos em seus comprometimentos conceituais (Jim) e, assim, – em geral – menos direcionados ao estabelecimento de fronteiras. Isto é sugerir – com alguma cautela – que More Right e este blog balizam as alternativas extremas que estruturam o terreno de dissenso sobre essa questão em particular. (Em si, esta é uma alegação tendenciosa, aberta a contra-argumentação e retificação).

Então, qual é o terreno do conflito vindouro? Ele inclui (em ordem aproximada de prioridade intelectual):

– Uma avaliação do modelo Neocameral e de seu legado dentro da Neorreação. Esta é a estrutura teórica ‘de entrada’ através da qual libertários passam para dentro do realismo neorreacionário, marcado por uma ambiguidade fundamental entre um economismo abrangente (que determina a soberania como um conceito proprietarista) e temas monarquistas supra-econômicos. Toda a discussão poderia, talvez, ser efetivamente empreendida como comentários sobre o Neocameralismo e sobre o que resta dele.

– Um formulação rigorosa de teleologia dentro da Neorreação, que refine o aparato conceitual de nível meta através do qual meios-e-fins, instrumentalidade tecno-economia, estratégia, propósito e valores dominantes são concretamente entendidos. Este é um forte candidato para o nível mais alto de articulação filosófica exigido pelo sistema de ideias neorreacionárias. (Da perspectiva deste blog, seria esperado, incidentalmente, que ela subsumisse todas as considerações da filosofia moral – e especialmente uma substituição completa do utilitarismo por um alternativa intrinsecamente neorreacionária – mas não vou presumir que esta seja uma posição incontroversa, mesmo entre nós.)

– Inextricáveis, em última análise, do anterior (na realidade), mas provisoriamente distinguidos por propósitos analíticos, são os tópicos teleonômicos de emergência / ordem espontânea, coordenação não planejada, evolução de sistemas complexos e dissipação de entropia. A supremacia intelectual destes conceitos define a direita, do lado da tradição libertária. Esta supremacia deve agora ser usurpada (pela ‘hierarquia’ ou alguma alternativa)? Se sim, não é uma transição a ser sofrida casualmente. A posição deste blog: qualquer transição dessas seria uma drástica regressão cognitiva e insustentável, de maneira tanto teórica quanto prática.

– A filosofia da guerra, que está posicionada de maneira crível para envolver todas as ideias neorreacionárias e até mesmo para convertê-las em alguma outra coisa. (Não é nenhuma coincidência que Moldbug, assim como os libertários, axiomatize o imperativa da paz – mesmo às custas do realismo.) A guerra é realidade histórica em estado bruto, e seus desafio não podem ser evadidos indefinidamente.

– Cosmopolitismo. A ênfase na saída implica fortemente em uma crise da lealdade tradicional, de enorme consequência. Há muito mais a ser dito sobre isto, de ambos os lados.

– Aceleracionismo. Ainda não uma preocupação Neorreacionária reconhecida, mas talvez destinada a se tornar uma. Enquanto pura expressão da teleologia capitalista, sua intrusão no argumento se torna quase inevitável.

– Bitcoin…

Um ponto conciliatório, por ora (está tarde): A Neorreação não tem menos cola do que fissão interna, e isto é descrito sobretudo pelo tema da secessão (geografia dinâmica, governo experimental, fragmentação…) More Right não é anti-capitalista e este blog não é anti-monárquico, contanto – em cada caso – que opções de saída efetivas sustentem a diversidade de regimes. Conforme essa controvérsia se desenvolver, a importância do impulso secessionista apenas se fortalecerá como ponto de convergência.

Michael Anissimov twita: “Em vez de fazer uma eleição em 2016, os Estados Unidos deveriam voluntariamente se abolir e se dividir em cinco pedaços”. A este respeito, este blog é incondicionalmente Anissimovita.

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Direto no Dinheiro (#2)

A maneira mais direta de levar essa discussão adiante é digressão. Isso é o que a história do capitalismo sugere, e muito mais o faz, além disso.

Para começar com o básico incontroverso, em uma economia sofisticada financiarizada, dívida e poupança são conceitos complementares, credores correspondem a devedores, ativos correspondem a passivos. Em um nível mais básico de atividade econômica e análise, contudo, esta simetria desmorona. Em um nível mais fundamental, a poupança é simplesmente consumo deferido, que – mesmo primordialmente – se divide em duas formas distintas.

Quando a produção não é imediatamente consumida, ela pode ser acumulada, ou seja, conservada para consumo futuro. Comida armazenada é o exemplo mais óbvio. Em princípio, uma economia de sofisticação financeira quase ilimitada poderia ser
construída sobre este pilar apenas. Um grão excedente poderia ser emprestado para consumo imediato por outra parte, criando uma relação credor-devedor e a oportunidade para que instrumentos financeiros surgissem. O excesso de produção em um nó da rede social poderia ser traduzido em um acúmulo monetário ou em algum tipo de ativo financeiro ‘de papel’ (produzindo um passivo circulante). O patente anacronismo envolvido neste modelo econômico abstrato, que combina produção primitiva com relações sociais ‘avançadas’ (de um tipo implicitamente liberal) é razão o suficiente para suspendê-lo neste ponto.

O outro tipo (quase) igualmente primitivo de poupança é de maior importância para o argumento a ser desdobrado, porque já é embrionicamente capitalista. Em vez de simples acumulação, a poupança pode tomar a forma de ‘produção indireta’ (Böhm-Bawerk), na qual o consumo imediato é substituído não por um acúmulo, mas por meios de produção indiretos (uma digressão). Por exemplo, em vez de caçar, um selvagem empreendedor poderia passar tempo elaborando uma arma – consumindo o tempo de produção permitido por um excedente anterior de alimentos, a fim de melhorar a eficiência da aquisição de comida, indo para a frente. A poupança, então, se torna inextricável da tecnologia, deferindo a produção imediata em prol da produção futura melhorada. Os horizontes de tempo são estendidos.

Assim como com o exemplo anterior (simples acúmulo), o potencial para financiarização da produção indireta é, em princípio, ilimitada. Nosso tecno-selvagem poderia emprestar comida a fim de elaborar uma ponta de lança, confiante – ou,  pelo menos, especulativamente assumindo – que o aumento da eficiência de caça no futuro tornará a amortização da dívida facilmente suportável. Um ‘vínculo’ poderia ser inventado para selar este acordo. Investimento tecnológico significa que a história propriamente dita começou.

Crueza e anacronismo à parte, nada aqui ainda é economicamente controverso, dado apenas o pressuposto imperturbável de que o propósito final – ou teleologia governante – é o consumo. A estrutura temporal do consumo é alterada, mas a poupança (em qualquer destas formas básicas e perenes) é motivada pela maximização do consumo no longo prazo. Suspensão e digressão são subordinadas dentro de uma rígida relação de meios e fins, que é a economia em si mesma. As escolas clássica, esquerdo-marxista, neoclássica e austríaca não têm quaisquer discordância significantes sobre este ponto. Uma digressão mais profunda é necessária para perturbá-lo.

Para que serve o cérebro? Ele, também, é uma digressão. A história evolutiva parece favorecer cérebros de maneira apenas muito parsimoniosa, porque eles são caros. Eles são um meio para a elaboração de comportamentos complexos, exigindo um investimento antecipado extravagante de recursos biológicos, contado, de maneira mais primitiva, em calorias. Uma espécie que possa se reproduzir (e cujos indivíduos possam se nutrir) sem extravagância cefálica, o faz. Este é, esmagadoramente, o caso normal. Construir cérebros é uma digressão biológica relutantemente tolerada, sob rigorosa subordinação teleológica – deveríamos dizer ‘teleonômica’.

‘Otimize a inteligência’ é, tanto para a biologia quanto para a economia, um imperativo mal concebido. A inteligência, ‘como’ o capital, é um meio, que encontra sua única inteligibilidade em um fim mais primordial. A autonomização de
tais meios, expressa como um imperativo inteligênico não-subordinado ou tecno-capitalista, contraria a ordem original da natureza e da sociedade. Ela é um digressão que escapa, mais facilmente perseguida através do Marxismo de Direita.

Marx tem um grande pensamento: os meios de produção se impõem socialmente como um imperativo efetivo. Para qualquer esquerdista, isto é, claro, patológico. Como já vimos, a biologia e a economia (de forma mais geral) estão dispostas a concordar. A digressão por si só é uma perversão da ordem natural e social. Defensores do mercado – os austríacos mais proeminentemente – tomaram o lado da economia contra Marx, negando que a autonomização do capital seja um fenômeno a ser reconhecido. Quando Marx descreve a burguesia como órgãos robóticos do capital auto-direcionador, a velha resposta liberal tem sido defender a humanidade e a agência da classe economicamente executiva, como expressa na figura do empreendedor.

O Marxismo de Direita, alinhado com a autonomização do capital (e completamente despojado da absurda TVT), tem sido uma posição não ocupada. A assinatura de seus proponentes seria uma defesa da acumulação de capital enquanto um fim-em-
si-mesmo, contra-subordinando a natureza e a sociedade como um meio. Quando a otimização de inteligência é auto-montada dentro da história, ela se manifesta enquanto digressão que escapa, ou acumulação de capital real (que é mistificada por sua representação financeira). Crudificada ao limite – mas não além – ela é robótica geral (produção indireta escalada). Talvez não devêssemos esperar que ela seja claramente anunciada, porque – estrategicamente – ela tem toda a  razão para se camuflar.

O Marxismo de Direita faz previsões. Há uma de particular relevância para esta discussão: teorias de deficiência de consumo para o sub-desempenho econômico serão cada vez mais enfatizadas conforme a dinâmica ultra-capitalista se introduz historicamente. Em sua fase inequivocamente robótica – quando a inteligênese do capital social explodir (como manufatura auto-excitatória de cérebros-máquina) – a legitimação teleológica da produção indireta pelo consumo humano prospectivo rapidamente se deteriora em um absurdo. O conceito econômico (ainda dominante) de ‘sobre-investimento’ é exposto como uma alegação ideológica sobre a escalação da inteligência, feita em nome de uma humanidade original e tomando uma forma cada vez mais desesperada e provavelmente militarizada.

Na medida em que a questão econômica continua sendo: qual é a base de consumo que justifica este nível de investimento?, a história se torna cada vez mais ininteligível. É assim que a economia se desintegra. As especificidades exigem elaboração posterior.

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Plutocracia

A entrada da Wikipédia sobre Plutocracia começa:

Plutocracia (do grego πλοῦτος, ploutos, significando “riqueza”, e κράτος, kratos, significando”poder, domínio, governo”), também conhecida como plutonomia ou plutarquia, define uma sociedade ou um sistema governado e dominado pela pequena minoria dos principais cidadãos mais ricos. O primeiro uso conhecido do termo foi em 1652. Ao contrário de sistemas como democracia, capitalismo, socialismo ou anarquismo, a plutocracia não está enraizada em uma filosofia política estabelecida e não tem quaisquer defensores formais. O conceito de plutocracia pode ser defendido pelas classes ricas de uma sociedade de uma maneira indireta ou sub-reptícia, embora o termo em si seja quase sempre usado em um sentido pejorativo

Com convém ao territória teórico virgem, esta definição provoca alguns pensamentos bruscamente cortados.

(1) Assumindo, não irrealisticamente, que Plutocracia designa algo além de uma ideia fantástica, fica imediatamente óbvio que sua identificação como um tipo de regime político quase inevitavelmente enganará. O pode plutocrático não começa na arena política, e sua expressão política provavelmente não captura sua natureza rapidamente. Na medida em que a imagem de um ‘governo plutocrático’ associa a plutocracia a uma conspiração, ela não é só insensível ao fenômeno real, mas positivamente falsificadora.

(2) Se existiram plutocratas dignos do nome, eles foram os ‘Barões Gatunos’ na América do meio ao final do século XIX. O progressismo reescreveu tão completamente a história deste período que é difícil, hoje, apreciar o que ocorreu. A destruição de sua época foi não menos fundamental para o que se seguiu do que a decapitação ideológica dos reis foi para a era subsequente de governo popular.

(3) Plutocratas eram monopolistas porque criaram estruturas industriais inteiramente novas, mais ou menos a partir do zero. Seu monopolismo era o governo efetivo do novo e demonstravelmente alcançado. Não havia nenhuma ‘indústria do petróleo’ antes de John D, Rockerfeller trazer uma à existência – fazê-la existir foi a fundação de sua soberania econômica.

(4) Entre os plutocratas, o que é, na verdade, dizer entre os soberanos de setores industriais distintos, as relações eram ultra-competitivas, em uma medida sem precedentes na história. A concorrência intra-setorial, do tipo considerado normal pelos teóricos de mercado influenciados pelo progressismo, foi dramaticamente ofuscada pela concorrência inter-setorial dos plutocratas. (Conceber a concorrência econômica ‘normal’ como uma dinâmica restrita ao domínio de mercadoria intercambiáveis já é sucumbir à domesticação progressista-estatista.)

(5) Os plutocratas faziam guerra econômica por toda esfera de produção, inovando oportunidades para a competição onde estas já não eram evidentes. Abrir novas frentes de conflito econômica onde elas ainda não existiam esteve entre os mais profundos motores da mudança dinâmica e radicalmente transformadora. O conflito econômico plutocrático criava competição. (Rockefeller inventou o oleoduto para competir com as ferrovias – uma manobra de flanqueamento que não era previsível, estava fora do conflito em processo.)

(6) Plutocratas exemplificam o direito natural ao governo na modernidade. Seu direito é natural porque é ganho – ou verdadeiramente demonstrado – um fato que nenhum monarca ou multidão pode equiparar. Dentro da plutocracia, poder é criação. Fora dos dogmas da teologia, isto pode ser ilustrado em algum outro lugar?

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Meta-Neocameralismo

Primeira coisa: “Meta-Neocameralismo” não é nada novo e certamente não é nada pós-Moldbugiano. Não é mais do que o Neocameralismo apreendido em seus aspectos mais abstratos, através da cunhagem de um termo provisório e dispensável. (Ele permite um acrônimo que não leva a confusões com a Carolina do Norte, ao passo que encoraja confusões bastante diferentes, que eu estou fingindo não notar.)

De maneira local (a este blog), o “meta-” é a marca de um prolegômeno a uma discussão disciplinada sobre o Neocameralismo, que tem que ocorrer mais tarde. Sua abstração é introdutória, de acordo com algo que ainda deve ser recomeçado, ou reanimado, em detalhe. (Para os detalhes, fora o cânone de Moldbug em si, olhe aqui.)

A excelente seção de comentários aqui (pt) fornece pelo menos algumas indicações cruciais:

nydwracu (23/03/2014 at 6:47 pm): O Neocameralismo não responde a questões como essa [sobre as especificidades da organização social]; em vez disso, ele é um mecanismo para responder questões como essa. … Você pode perguntar “a Coca é considerada melhor do que a RC Cola?” ou você pode instituir o capitalismo e descobrir. Você pode perguntar “estados etno-nacionalista são considerados melhores do estados mistos?” ou você pode instituir o patchwork e descobrir. …

RiverC (23/03/2014 at 3:44 am): O Neo-cameralismo é, se visto nesta luz, um ‘sistema de sistemas políticos’, ele não é um sistema político, mas um sistema para se implementar sistemas políticos. Claro, o mesmo cara que o propôs também inventou um sistema operacional (um sistema para se implementar sistemas de software.)

O MNC, então, não é uma prescrição política, por exemplo, um ideal social alinhado com as preferências tecno-comercialistas. Ele é um framework intelectual para se examinar sistemas de governança, teoricamente formalizados como disposições de propriedade soberana. A formalização social de tais sistemas, que Moldbug também promove, pode ser colocada em parênteses no MNC. Não estamos, neste estágio, considerando o modelo de uma ordem social desejável, mas sim o modelo abstrato de ordem social em geral, apreendido radicalmente – na raiz – onde ‘governar’ e ‘possuir’ carecem de significados distintos. A propriedade soberana é ‘soberana’ e ‘primária’ porque ela não é meramente uma reivindicação, mas uma posse efetiva. (Há muito mais a vir, em posts posteriores, sobre o conceito de propriedade soberana, algumas meditações preliminares aqui.)

Uma vez que o MNC é um artigo extremamente poderoso de tecnologia cognitiva, capaz de resolver problemas em uma série de níveis distintos (em princípio, uma série ilimitada), ele é esclarecido através da segmentação em uma cascata de abstração. Descer por estes níveis adiciona concretude e inclina-se incrementalmente em direção a julgamentos normativos (emoldurados pelo imperativo hipotético do governo efetivo, como definido dentro da cascata).

(1) O nível mais alto de significância prática (uma vez que a teologia do MNC não precisa nos atrasar) já foi tocado. Ele se aplica a regimes sociais de todo tipo concebível, assumindo apenas que um modo sistemático de reprodução de propriedade soberana caracterize cada um de maneira essencial. O poder é econômico, independente de sua relação com as convenções modernas de transação comercial, porque ele envolve a disposição de uma quantidade real (mesmo que obscura), que está sujeita a aumento ou diminuição ao longo do curso cíclico de sua mobilização. População, território, tecnologia, comércio, ideologia e inúmeros outros fatores heterogêneos são componentes da propriedade soberana (poder), mas seu caráter econômico é garantido pela possibilidade – e, na verdade, necessidade – de compromissos mais ou menos explícitos e cálculos de custo-benefício, sugerindo uma fungibilidade original (mesmo que germinal), que é meramente coerência aritmética. Isto é pressuposto por qualquer estimativa de crescimento ou declínio, sucesso ou falha, fortalecimento ou enfraquecimento, do tipo exigido não apenas pela análise histórica, mas também até mesmo pela mais elementar competência administrativa. Sem uma economia implícita de poder, nenhuma discriminação poderia ser feita entre melhoria e deterioração, e nenhuma ação dirigida à primeira seria possível.

A reprodução cíclica efetiva do poder tem um critério externo – sobrevivência. Não está aberto a nenhuma sociedade ou regime decidir por si mesmo o que funciona. Seu entendimento inerente de sua própria economia de poder é uma medida complexa, que afere uma relação com o lado de fora, cujas consequências são vida e morte. Incorporada na ideia de propriedade soberana desde o princípio, portanto, está uma acomodação à realidade. Fundamental ao MNC, no nível mais alto de análise, é a compreensão de que o poder é restrito primordialmente. Do Lado de Fora estão os lobos, servindo como o flagelo de Gnon. Mesmo o maior de todos os Deuses-Reis imagináveis – o incrível Fnargl incluso – tem, em última análise, que descobrir consequências, em vez de inventá-las. Não há princípio mais importante que este.

A entropia será dissipada, a estupidez será punida, os fracos morrerão. Se o regime se recursar a se curvar a esta Lei, os lobos irão aplicá-la. O Darwinismo Social não é uma escolha que as sociedades podem fazer, mas um sistema de consequências reais que lhes engloba. O MNC é articulado no nível – que não pode ser transcendido – em que o realismo é obrigatório para qualquer ordem social. Aquelas incapazes de criá-lo, através do governo efetivo, o receberão mesmo assim, nas severas tempestades de Nêmesis. A ordem não é definida dentro de si mesma, mas pela Lei do Lado de Fora.

Neste nível mais alto de abstração, portanto, quando se pergunta ao MNC “em que tipo de regimes você acredita?”, a única resposta apropriada é “aqueles compatíveis com a realidade”. Toda sociedade conhecida pela história – e outras além – tem um economia funcional de poder, pelo menos por um tempo. Nada mais além disso é necessário para que o MNC lhes assuma como objetos de investigação disciplinada.

(2) Sabendo que o realismo não é um regime opcional de valor, somos capazes de proceder abaixo na cascata do MNC, com a introdução de uma segunda suposição: Civilizações buscarão professores mais gentis do que os lobos. Se for possível adquirir algum entendimento sobre o colapso, isso será preferido à experiência do colapso (uma vez que os lobos tiverem retirado os ineducáveis da história).

Tudo a que se pode sobreviver é potencialmente educacional, mesmo um espancamento pelos lobos. O MNC, contudo, como seu nome sugere, tem razão para estar atento especialmente à lição mais abstrata do Lado de Fora – a prioridade (lógica) do meta-aprendizado. É bom descobrir a realidade, antes – ou, pelo menos, não muito mais tarde – de a realidade nos descobrir. Civilizações duráveis não meramente sabem de coisas, elas sabem que é importante saber coisas e absorver informação realista. Regimes – dispondo de propriedade soberana – têm uma especial responsabilidade de instanciar esta dêutero-cultura de aprender-a-aprender, que é necessária para o governo inteligente. Esta é uma responsabilidade que eles tomam sobre si mesmo porque é exigido pelo Lado de Fora (e mesmo em seu requinte, ainda cheira a lobo).

O poder está sob tal compulsão a aprender sobre si mesmo que a recursão, ou intelectualização, pode ser assumida. O poder é selecionado para se restringir, o que ele não pode fazer sem um aumento em formalização, e isto é uma questão – como veremos – de imensas consequências. Por necessidade, ele aprende-a-aprender (ou morre), mas estão lição introduz um fator trágico crítico.

A tragédia do poder é em grande parte coincidente com a modernidade. Não é um tópico simples, e, desde o princípio, dois elementos em particular exigem atenção explícita. Primeiramente, ele encontra a aterrorizante verdade (de segunda ordem) de que o aprendizado prático é irredutivelmente experimental. Ao se tornar ‘meta’, o conhecimento se torna científico, o que significa que a falha não pode ser precluída através da dedução, mas tem que ser incorporada no maquinário do próprio aprendizado. Nada que não possa dar errado é capaz de ensinar qualquer coisa (mesmo a acumulação de verdades lógicas e matemáticas exige tentativa-e-erro cognitivo, aventuras em becos sem saída e a perseguição de intuições enganadoras). Em segundo lugar, ao se tornar cada vez mais formalizada e cada vez mais fungível, a disposição de poder soberano atinge uma elevada liquidez. Agora é possível que o poder se venda, e uma explosão de barganha social resulta. O poder pode ser trocado por (‘mera’) riqueza, ou por paz social ou canalizado para formas sem precedentes de regimes radicais de filantropia / sacrifício religioso. Combine esses dois elementos, e está claro que regimes entram na modernidade ’empoderados’ por novas capacidades para a auto-dissolução experimental. Vender a autoridade para as massas em troca de promessas de bom comportamento? Por que não dar uma chance?

O MNC no Estágio-2 da Cascata, desta maneira, assume (realisticamente) um mundo em que o poder se tornou uma arte de experimentação, caracterizado por calamidades sem precedentes em uma escala colossal, ao passo que a economia de poder e a economia tecno-comercial foram radicalmente de-segmentadas, produzindo um sistema único, irregular, mas incrementalmente suavizado de valor social trocável, ondulando sempre para fora, sem limite firme. A organização sociopolítica e a organização corporativa ainda são distinguidas por marcadores de status tradicional, mas não são mais estritamente diferenciáveis por função essencial.

O negócio moderno do governo não é ‘meramente’ negócios apenas porque ele permanece mal formalizado. Como a discussão anterior sugere, isto indica que pode se esperar que a integração econômica se aprofunde, conforme a formalização do poder proceda. (Moldbug busca acelerar este processo.) Uma suposição inercial de esferas ‘pública’ e ‘privada’ distintas é rapidamente perturbada por redes de troca em espessamento, que permutam procedimentos administrativos e pessoal, financiam ambições políticas, gastam recursos políticos em esforços comerciais de lobby, trocam ativos econômicos por favores políticos (denominados em votos) e, em geral, consolidam um reservatório vasto e altamente líquido de valor anfibiamente ‘corporacrático’, indeterminável entre ‘riqueza’ e ‘autoridade’. A interconversibilidade riqueza-poder é uma índice confiável da modernidade política.

O MNC não decide que o governo deveria se torna um negócio. Ele reconhece que o governo se tornou um negócio (que lida com quantidades fungíveis). Contudo, ao contrário de empreendimentos comerciais privados, que dissipam entropia através de falências e reestruturação dirigida ao mercado, os governos são confiavelmente os negócios pior administrados em suas respectivas sociedades, funcionalmente aleijados por modelos organizacionais defeituosos e estruturalmente desonestos, exemplificados mais proeminentemente pelo princípio democrático: o governo é um negócio que deveria ser administrado por seus clientes (mas, na verdade, não pode ser). Tudo neste modelo que não é uma mentira é um erro.

No segundo nível (descendente) de abstração, então, o MNC ainda não está recomendando nada além de clareza teórica. Ele propõe:
a) O poder está destinado a chegar a processos experimentais de aprendizado
b) Conforme ele aprende, ele se formaliza e se torna mais fungível
c) Experimentos em poder fungível estão vulneráveis a erros desastrosos
d) Tais erros de fato já ocorreram, de uma forma semi-total
e) Por razões históricas profundas, a organização empresarial tecno-comercial emerge como o modelo proeminente para entidades governamentais, tanto quanto para qualquer agente econômico composto. É em termos deste modelo que a disfunção política moderna pode ser tornada (formalmente) inteligível.

(3) Pegue o elevador de abstração do MNC para baixo mais um nível, e ele ainda é mais uma ferramenta analítica do que uma prescrição social. (Isso é uma coisa boa, de verdade.) Ele nos diz que todo governo, tanto existente quanto potencial, é mais acessível à investigação rigorosa quando apreendido como uma corporação soberana. Apenas esta abordagem é capaz de recorrer a toda a panóplia de recursos teóricos, antigos e modernos, porque somente desta maneira o poder é rastreado da mesma forma em que ele realmente se desenvolveu (em estreito alinhamento com uma tendência ainda incompleta).

As objeções mais óbvias são, sensu stricto, românticas. Ela assumem uma forma previsível (o que não quer dizer que seja casualmente descartável). O governo – mesmo que talvez o governo perdido ou ainda irrealizável – é associado a valores ‘mais elevados’ do que aqueles julgados comensuráveis com a economia tecno-comercial, o que estabelece, assim, a base para uma crítica da ‘ontologia empresarial’ MNC da governança como uma redução intelectual ilegítima e uma vulgarização ética. Quantificar a autoridade como poder já é suspeito. Projetar sua liquidação incremental em uma economia geral, em que a liderança se integra – cada vez mais perfeitamente – com o sistema de preços, aparece como um sintoma abominável do niilismo modernista.

A lealdade (ou o conceito intricadamente relacionado de asabiyyah) serve como um reduto exemplar da causa romântica. Não é repulsivo sequer entreter a possibilidade de que a lealdade poderia ter um preço? Handle aborda isto diretamente na seção de comentários já citada (24/03/2014 at 1:18 am). Uma pequena amostra captura a linha de seu engajamento:

Programas de incentivo à preservação da lealdade são vários e altamente sofisticados e abrangem o espectro todo desde milhas para passageiros frequentes a ‘clubes’ que são cativantes e demorados de tal maneira que imitam a satisfação de toda a comunidade, socialização e funções psicológicas identitárias que deixariam mesmo o religioso tradicionalista mais incondicional com inveja. Porque muitas pessoas são geneticamente programadas com esta sub-rotina de coordenação que é facilmente explorável em uma contexto muito distante de suas origens evolutivas. Às vezes as marcas ‘merecem’ a lealdade competitiva especial (‘engenharia alemã’!) e às vezes elas não merecem (paracetamol da marca Tylenol).

Há muito mais que pode, e será, dito no prosseguimento desta disputa, uma vez que ela talvez seja o condutor mais crítico da fissão da NRx e não vai suportar uma solução. A alegação MNC fria, contudo, pode ser empurrada bem através dela. A autoridade está à venda e assim esteve por séculos, de modo que qualquer análise que ignore este nexo de câmbio é uma evasão histórica. O D-M-D’ de Marx, através do qual o capital monetizado se reproduz e se expande através do ciclo da mercadoria, é acompanhado por um igualmente definido ciclo D-P-D’ ou P-D-P’ de circulação-aumento de poder através da riqueza monetizada.

Uma ressalva tentadora, com raízes veneráveis na sociedade tradicional, é lançar dúvida sobre a predominância de tais redes de troca, sobre a suposição de que o poder – possivelmente mais dignificado como ‘autoridade’ – goza de uma suplemento qualitativo em relação ao valor econômico comum, de tal modo que ele não pode ser retro-transferido. Quem trocaria autoridade por dinheiro, se a autoridade não pode ser comprada (e está, de fato, “além do preço”)? Mas este ‘problema’ se resolve, uma vez que a primeira pessoa a vender um cargo político – ou seu equivalente menos formal – imediatamente demonstra que ele pode ser não menos facilmente comprado.

Desde o estágio mais primário e abstrato deste esboço do MNC, insistiu-se que o poder tem que ser avaliado economicamente, por si mesmo, se qualquer coisa como um cálculo prático dirigido a seu aumento deva ser possível. Uma vez que isto seja concedido, a análise MNC da entidade governamental em geral enquanto um processador econômico – isto é, uma empresa – adquire ímpeto irresistível. Se lealdade, asabiyyah, virtude, carisma e outros valores elevados (ou ‘incomensuráveis’) são fatores de poder, então eles já são inerentemente auto-economizantes dentro do cálculo do estadismo. O próprio fato de que eles contribuem, determinadamente, para uma estimativa geral de força e fraqueza atesta seu status econômico implícito. Quando uma empresa tem uma liderança carismática, capital reputacional ou uma forte cultura de lealdade à empresa, tais fatores são monetizados como valores patrimoniais pelos mercados financeiros. Quando um Príncipe inspeciona a ‘qualidade’ do domínio de um outro, ele já estima as prováveis despesas de inimizade. Para as burocracias militares modernas, tais cálculos são rotina. Valores incomensuráveis não sobrevivem ao contato com verbas de defesa.

Ainda assim, não importa o quão sinistro seja este movimento (de uma perspectiva romântica), o MNC não diz a ninguém como projetar uma sociedade. Ele diz apenas que um governo efetivo necessariamente parecerá, para ele, como uma empresa (soberana) bem-organizada. A isto, pode-se adicionar os corolários:
a) A efetividade do governo está sujeita a um critério externo, fornecido por um mecanismo trans-estatal e inter-estatal. Isto poderia tomar a forma da pressão do Patchwork (Geografia Dinâmica) em uma ordem civilizada, ou concorrência militar na região selvagem rondada por lobos do caos hobbesiano.
b) Sob estas condições, pode-se esperar que a racionalidade calculacional do MNC seja atraente para os próprios estados, qualquer que seja a sua variedade de forma social. Alguma convergência (considerável) sobre normas de estimativa e arranjo econômicos é, desta forma, previsível, a partir dos contornos descobertos da realidade. Há coisas que falharão.

Valores não econômicos são mais facilmente invocados do que perseguidos. Foseti (comentando aqui (pt), 23/03/2014 at 11:59 am) escreve:

Ninguém disputa que a meta da sociedade são bons cidadãos, mas a questão é que tipo de governo fornece esse resultado. […] Até onde eu consigo dizer, temos apenas duas teorias de governança que foram expressas. […] A primeira é a capitalista. Como Adam Smith notou, as melhores corporações (em todas as medidas) são as que são operadas por motivos claros, mensuráveis e egoístas. […] A segunda é a comunista. Neste sistema, as corporações são geridas para o benefícios de todos no mundo. […] Não surpreendentemente, as corporações geridas sobre o último princípio encontraram uma número incrivelmente grande de maneiras de serem uma merda. Não coincidentemente, assim o fizeram os governos do século XX geridos sobre o mesmo princípio. […] Eu acho que é quase impossível exagerar as maneiras em que todo mundo estaria melhor se tivéssemos um governo eficientemente, efetivo e responsável.

* Eu entendo que isso não funciona em Grego, mas a confusão sistemática de antes com depois é uma coisa deste blog.

Original.