O Iluminismo Sombrio, Parte 4e

Parte 4e: História transcodificada

Democracia é o oposto de liberdade, quase inerente ao processo democrático é que ele tende na direção de menos liberdade, em vez de mais, e a democracia não é algo que pode ser consertado. A democracia está inerentemente quebrada, assim como o socialismo. A única maneira de consertá-la é romper com ela.
Frank Karsten

O historiador (principalmente da ciência) Doug Fosnow pediu que os condados “vermelhos” dos EUA se separassem dos “azuis”, formando uma nova federação. Isso foi recebido com muito ceticismo pela audiência, que notou que a federação “vermelha” não ficaria com praticamente nenhum litoral. Doug realmente pensou que uma secessão dessas tinha alguma probabilidade de ocorrer? Não, ele admitiu alegremente, mas qualquer coisa seria melhor do que a guerra racial que ele acha provável que ocorra, e é dever dos intelectuais propor possibilidade menos horríveis.
John Derbyshire

Assim, em vez de por meio de uma reforma de cima para baixo, sob as atuais condições, sua estratégia deve ser a de uma revolução de baixo para cima. A princípio, a compreensão dessa visão pareceria tornar a tarefa de uma revolução social liberal-libertária impossível, pois isso não implica que ter-se-ia que persuadir uma maioria do pública a votar pela abolição da democracia e por um fim a todos os impostos e legislação? E isso não é pura fantasia, dado que as massas são sempre estúpidas e indolentes, ainda mais dado que a democracia, como explicado acima, promove a degeneração moral e intelectual? Como alguém pode esperar que uma maioria de pessoas cada vez mais degeneradas, acostumadas com o “direito” de votar, jamais renunciasse voluntariamente à oportunidade de saquear a propriedade alheia? Colocado desta maneira, tem-se que admitir que o prospecto de uma revolução social deve, de fato, ser considerado como virtualmente nulo. Em vez disso, é apenas com base em uma reconsideração, ao considerar a secessão como uma parte integral de qualquer estratégia de baixo para cima, que a tarefa de uma revolução liberal-libertária parece menos do que impossível, mesmo que ainda continue sendo intimidadora.
Hans-Herman Hoppe

Concebida de maneira genérica, a modernidade é uma condição social definida por uma tendência integral, resumida como taxas de crescimento econômico sustentadas que excedem os aumentos de população e, assim, marcam uma escapada da história normal, aprisionada dentro da armadilha malthusiana. Quando, no interesse da apreciação desapaixonada, a análise é restrita aos termos deste padrão quantitativo básico, ela suporta uma sub-divisão nos componentes positivo (crescimento) e negativo da tendência: contribuições tecno-industriais (científicas e comerciais) à aceleração do desenvolvimento, por um lado, e as contra-tendências sócio-políticas à captura do produto econômico por parte de interesses especiais de rent-seeking democraticamente empoderados (demosclerose), por outro. O que o liberalismo clássico dá (revolução industrial), o liberalismo maduro leva embora (por meio do cancerígeno estado de intitulações). Na geometria abstrata, isso descreve uma curva em S de fuga auto-limitante. Assim como um drama de liberação, é uma promessa quebrada.

Concebida de maneira particular, como uma singularidade ou coisa real, a modernidade tem características etno-geográficas que complicam e qualificam sua pureza matemática. Ela veio de algum lugar, se impôs de maneira mais ampla e levou os vários povos do mundo a uma extraordinária gama de novas relações. Estas relações eram caracteristicamente ‘modernas’ se envolviam um transbordamento dos limites malthusianos anteriores, permitiam a acumulação de capital e iniciavam novas tendências demográficas, mas elas reuniam grupos concretos em vez de funções econômicas abstratas. Pelo menos em aparência, portanto, a modernidade foi algo feito por pessoas de um certo tipo com – e não incomumente a (ou mesmo contra) – outras pessoas, que eram conspicuamente diferentes delas. No momento em que hesitava no declive de desvanecimento da curva em S, no começo do século XX, a resistência às suas características genéricas (‘alienação capitalista’) havia se tornado quase inteiramente indistinguível da oposição à sua particularidade (‘imperialismo europeu’ e ‘supremacia branca’). Como consequência inevitável, a auto-consciência modernista do núcleo etno-geográfico do sistema deslizou em direção ao pânico racial, em um processo que só foi reprimido pelo surgimento e imolação do Terceiro Reich.

Dada a tendência inerente da modernidade à degeneração ou auto-cancelamento, três prospectos amplos se abrem. Estes não são estritamente exclusivos e não são, portanto, verdadeiras alternativas, mas, para propósitos esquemáticos, é útil apresentá-los como tal.

(1) Modernidade 2.0. A modernização global é revigorada a partir de um novo núcleo etno-geográfico, liberado das estruturas degeneradas de seu predecessor eurocêntrico, mas sem dúvida confrontando tendências de longo prazo de um caráter igualmente mortuário. Este é de longe o cenário mais encorajante e plausível (de uma perspectiva pró-modernista) e, se a China permanecer, mesmo que aproximadamente, em seu curso atual, será certamente realizado. (A Índia, infelizmente, parece ter ido muito longe em sua versão nativa da demosclerose para competir à sério.)

(2) Pós-Modernidade. Equivalendo essencialmente a uma nova idade das trevas, na qual os limites malthusianos se reimpõem brutalmente, este cenário assume que a Modernidade 1.0 globalizou tão radicalmente sua própria morbidez que todo o futuro do mundo colapsa ao seu redor. Se a Catedral ‘vencer’, estas são as consequências.

(3) Renascença Ocidental. Para renascer é primeiro necessário morrer, então, quanto mais forte a ‘reinicialização forçada’, tanto melhor. Crise abrangente e desintegração oferecem as melhores chances (mais realisticamente como um sub-tema da opção #1).

Visto que a concorrência é boa, uma pitada de Renascença Ocidental apimentaria as coisas, mesmo que – como é extremamente provável – a Modernidade 2.0 seja a principal rodovia do mundo para o futuro. Isso depende do Ocidente parar e reverter basicamente tudo que vem fazendo há mais de um século, com exceção apenas de inovações científicas, tecnológicas e empresariais. É aconselhável manter a disciplina retórica dentro de um modo estritamente hipotético, porque a possibilidade de qualquer uma dessas coisas é profundamente colorida pela incredulidade:

(1) Substituição da democracia representativa pelo republicanismo constitucional (ou por mecanismos governamentais anti-políticos ainda mais extremos).

(2) Redução massiva do governo e seu confinamento rigoroso a funções centrais (no máximo).

(3) Restauração da moeda lastreada (moedas de metais preciosos e notas de depósito desses metais) e abolição do banco central.

(4) Desmantelamento da discrição monetária e fiscal do estado, abolindo assim a macroeconomia prática e liberando a economia autônoma (ou ‘catalática’). (Este ponto é redundante, uma vez que ele se segue rigorosamente do 2 & 3 acima, mas é o verdadeiro prêmio e, logo, digno de enfatização.)

Há mais – isto é, menos política – mas já está absolutamente claro que nada disso vai acontecer aquém de um cataclisma existencial da civilização. Pedir que os políticos limitem seus próprios poderes é um não-começo, mas nada a menos nem remotamente leva na direção certa. Este, contudo, não é sequer o problema mais amplo ou profundo.

A democracia poderia começar como um mecanismo procedural defensável para se limitar o poder do governo, mas ela rápida e inexoravelmente se desenvolve em algo bastante diferente: uma cultura de roubo sistemático. Tão logo os políticos tenham aprendido a comprar apoio político com o ‘dinheiro público’ e tenham condicionado os eleitorados a abraçar a pilhagem e o suborno, o processo democrático se reduz à formação das ‘coalizões distributivas’ (de Mancur Olson) – maiorias eleitorais cimentadas juntas pelo interesse comum em um padrão coletivamente vantajoso de roubo. Pior ainda, uma vez que as pessoas não são, na média, muito brilhantes, a escala de depredação disponível para o establishment político de longe excede até mesmo o saqueamento insano que está aberto ao escrutínio público. Pilhar o futuro, através de degradação monetária, acúmulo de dívidas, destruição do crescimento e retardamento tecno-industrial, é especialmente fácil de ocultar e, assim, confiavelmente popular. A democracia é essencialmente trágica porque fornece à população uma arma para se destruir, uma que sempre é avidamente aproveitada e usada. Ninguém jamais diz ‘não’ para coisas de graça. Quase ninguém sequer vê que não existem coisas de graça. A ruína cultural total é a conclusão necessária.

Dentro da fase final da Modernidade 1.0, a história americana se torna a narrativa mestra do mundo. É ali que o grande transmissor cultural abraâmico culmina no neo-puritanismo secularizado da Catedral, conforme estabelece sua Nova Jerusalém em Washington DC. O aparato do propósito messiânico-revolucionário é consolidado no estado evangélico, que está autorizado, por quaisquer meios necessários, a instalar uma nova ordem mundial de fraternidade universal, em nome da igualdade, dos direitos humanos, da justiça social e – sobretudo – da democracia. A confiança moral absoluta da Catedral garante a busca entusiasta de um poder centralizado irrestrito, otimamente ilimitado em sua penetração intensiva e em seu escopo extensivo.

Com uma ironia completamente escondida da própria prole dos queimadores de bruxas, a ascensão dessa corte de sombrios fanáticos morais a alturas previamente inescaláveis de poder global coincide com a decadência da democracia de massas a profundidades previamente inimagináveis de corrupção gulosa. A cada cinco anos, a América rouba-se de si mesma novamente e se revende em troca de apoio político. Essa coisa de democracia é fácil – você simplesmente vota no cara que lhe promete mais coisas. Um idiota conseguiria fazê-lo. Na verdade, ela gosta de idiotas, os trata com aparente gentileza e faz tudo o que pode para fabricar mais deles.

A tendência implacável da democracia à degeneração apresenta um caso implícito a favor da reação. Uma vez que cada um dos principais limiares de ‘progresso’ sócio-político levou a civilização ocidental em direção a uma ruína abrangente, um retraçamento de seus passos sugere uma reversão da sociedade de pilhagem a uma ordem mais antiga de auto-suficiência, indústria e comércio honestos, aprendizado pré-propagandístico e auto-organização cívica. As atrações desta visão reacionária são evidenciadas pela voga de vestuário, símbolos e documentos constitucionais do século XVII entre a minoria substancial (Tea Party) que claramente vê o curso desastroso da história política americana.

O alarme de ‘raça’ já soou na sua cabeça? Seria surpreendente se não tivesse. Cambaleie de volta, em imaginação, até antes de 2008, e o sussurro tenso da consciência já está questionando seus preconceitos contra revolucionários quenianos e professores marxistas negros. Continue em reverso até a era da Grande Sociedade / Direitos Civis e os avisos alcançam um tom histérico. É perfeitamente óbvio, neste ponto, que a história política americana progrediu ao longo de trajetórias gêmeas e entrelaçadas, que correspondem à capacidade e à legitimação do estado. Lançar dúvidas sobre sua escala e escopo é, simultaneamente, disputar a santidade de seu propósito e a necessidade moral-espiritual de que ele comande quaisquer recursos e imponha quaisquer restrições legais que possam ser requeridas para cumpri-lo. Mais especificamente, recuar da magnitude do Leviatã é demonstrar insensibilidade à imensidão – de fato, quase infinitude – de culpa racial herdada e ao único imperativo categórico sobrevivente da modernidade senescente – o governo precisa fazer mais. A possibilidade, de fato quase certeza, de que as consequências patológicas do ativismo governamental crônico tenham há muito suplantado os problemas que ele originalmente visava é uma contenção tão completamente mal-adaptada à época da religião democrática que sua insignificância prática é garantida.

Mesmo na esquerda, seria extraordinário encontrar muitos que genuinamente acreditam, após continuada reflexão, que o moto primário da expansão e centralização do governo tenha sido o desejo ardente de fazer o bem (não que intenções importem). Ainda assim, conforme as trajetórias gêmeas se cruzam, tamanho é o choque elétrico do drama moral, saltando o fosso entre o Gólgota racial e o Leviatã intrusivo, que o ceticismo é suspenso, e o grande mito progressista, instalado. A alternativa a mais governo, fazendo cada vez mais, era ficar lá, negligentemente, enquanto eles linchavam outro negro. Esta proposição contém todo o conteúdo essencial da educação progressista americana.

As trajetórias históricas gêmeas de capacidade e propósito estatal podem ser concebidas como um protocolo de tradução, que permite que qualquer restrição recomendada ao poder do governo seja ‘decodificada’ como obstrução maligna da justiça racial. Este sistema de substituições funciona tão suavemente que fornece todo um vocabulário de ‘code-words‘ ou ‘dog-whistles‘ (bipartidários) – ‘welfare’, ‘liberdade de associação’, ‘direitos dos estados’ – garantindo que qualquer elocução inteligível na Dimensão Política Principal (esquerda-direita) ocupe um registro duplo, semi-saturado de evocações raciais. A regressão reacionária cheira a frutos estranhos.

…e isso é antes de se sair do calamitoso século XX. Não foi a Era dos Direitos Civis, mas a ‘Guerra Civil Americana’ (nos termos dos vencedores) ou ‘Guerra entre os Estados’ (naqueles dos vencidos) que primeiro transcodificou indissoluvelmente a questão prática do Leviatã com a dialética racial (negro/branco), estabelecendo o centro de junção do antagonismo político e retórico subsequente. O passo primário indispensável em compreender esta fatalidade serpenteia ao longo de uma estranha diagonal entre os relatos estatista mainstream e revisionista, porque a conflagração que consumou a nação americana no início dos anos 1860 foi inteiramente, mas não exclusivamente, sobre a emancipação da escravidão e sobre direitos dos estados, sem nenhuma ‘causa’ sendo redutível a outra ou suficiente para suprimir as duradouras ambiguidades da guerra. Embora exista algum número de ‘liberais’ felizes em celebrar a consolidação de um poder governamental centralizado na triunfante União, e, simetricamente, um número (bem menor) de neo-confederados apologistas da instituição da escravidão nos estados do sul, nenhuma dessas posições não conflituosas capturam o legado cultural dinâmico de uma guerra através dos códigos.

A guerra é um nó. Ao dissociar, na prática, a liberdade em emancipação e independência e então arremessar uma contra a outra em meia década de carnificina, azul contra cinza, estabeleceu-se que a liberdade seria quebrada no campo de batalha, qualquer que fosse o resultado do conflito. A vitória da União determinou que o sentido emancipatório da liberdade prevaleceria, não apenas na América, mas ao redor do mundo, e o eventual reino da Catedral foi garantido. Não obstante, o esmagamento da segunda guerra de secessão da América fez piada da primeira. Se a instituição da escravidão deslegitimava uma guerra de independência, o que sobrevivia de 1776? A coerência moral da causa da União exigia que os fundadores fossem reconcebidos como proprietários de escravos brancos patriarcais politicamente ilegítimos e a história americana comburida na educação progressista e nas guerras culturais.

Se a independência é a ideologia dos donos de escravos, a emancipação requer a destruição programática da independência. Dentro de uma história transcodificada, a efetuação da liberdade é indistinguível de sua abolição.

Original.

Um Caminho Abstrato para a Liberdade

Nesta seção de comentários (e em outros lugares), o comentador VXXC cita o Conselho Sombrio de Durant: “Pois a liberdade e a igualdade são inimigas declaradas e perpétuas, e, quando uma prevalece, a outra morre. Deixe os homens livres, e suas desigualdades naturais se multiplicarão quase geometricamente”. Ele, então, observa: “Isso está bom para mim, eu vou com a Liberdade”. Este blog concorda sem reservas.

Tome este conselho sombrio como a tese de que uma dimensão praticamente significante pode ser construída, dentro da qual a liberdade e o igualitarismo estão relacionados como variáveis estritamente recíprocas. Tomando esta dimensão como orientação, dois modelos abstratos de redistribuição demográfica podem ser examinados, a fim de identificar o que é que os neorreacionários querem.

O Modelo Libertarianismo Suicida (MLS) de Caplan-Boudreaux, considerado aqui e depois esboçado aqui, toma a seguinte forma aritmética:

Suponha que existem dois países com populações iguais. A qualidade das políticas vai de 0 a 10, 10 sendo a melhor. No país A, os pontos de felicidade (a primeira escolha de políticas das pessoas) estão uniformemente distribuídos de 2 a 6. No país B, os pontos de felicidade estão uniformemente distribuídos de 4 a 8. […] Quando os países são independentes, o país A fica com uma qualidade política de 4 ( a mediana da distribuição uniforme de 2 a 6), e o país B fica com uma qualidade política de 6 (a mediana da distribuição uniforme de 4 a 8). A política média sob a qual as pessoas vivem: 50%*4+50%*6-5. …suponha que você abra as fronteiras, e todo mundo se mude para o país B (o país mais rico). A mediana de toda a distribuição é 5. Resultado: Os imigrantes vivem sob políticas melhores, os nativos vivem sob políticas piores. A média (5) continua inalterada.

Alguns ajustes preparatórias ajudam a suavizar o processo. Primeiramente, converta os “pontos de felicidade” de Caplan em coeficientes de liberdade (de ‘0’, ou igualitarismo absoluto, até ‘1’ ou liberdade irrestrita). Uma sociedade na qual a liberdade fosse maximizada não seria totalmente desigual (coeficiente de Gini 1.0), mas seria totalmente indiferente à desigualdade enquanto problema. Em outras palavras, preocupações igualitárias teriam impacto político zero. É neste sentido, apenas, que a liberdade é aperfeiçoada.

Em segundo lugar (e automaticamente), os julgamentos peticionadores de princípio de “melhor” e “pior” são deslocados pelos recíprocos ideológicos de liberdade e igualdade – não há qualquer necessidade de se compelir aquiescência quanto aos méritos objetivos de qualquer uma das duas. De fato, há toda razão para se encorajar aqueles inconvictos das atrações superiores da liberdade a buscarem satisfação ideológica em um reino igualitário, em outro lugar. Da perspectiva da liberdade, o êxodo igualitário é um bem inequívoco – mesmo supremo, análogo à dissipação de entropia política.

É ainda tacitamente presumido aqui que os coeficientes de liberdade se correlacionam linearmente com a otimização de inteligência, mas isto depende de mais argumentos, a serem colocados entre parênteses por ora.

O valor teórico extraordinário do MLS pode agora ser demonstrado. Devido a seu igualitarismo radical, ele define um limite péssimo para a neorreação e, assim, – por inversão estrita – descreve o programa abstrato para uma restauração da sociedade livre (o Modelo Neorreacionário de redistribuição demográfica, ou MN). A fim de mapear esta reversão, o curso mais simples é pressupor a realização completa do MLS em um espaço ‘geográfico’ arbitrário, que é tomado como sendo flexivelmente divisível e populado por 320 milhões de pessoas, homogenizadas pelo MLS a um coeficiente de liberdade de 0.5.

Confinando-nos às ferramentas já empregadas no estabelecimento do clímax do MLS (ao passo que – pelo bem a apresentação lúcida – ignoramos quaisquer assimetrias da catraca degenerativa), vamos agora proceder no caminho da reversão. A lei de conservação do MLS mantém que a liberdade média é preservada, de modo que um cisma inicial produz duas populações iguais – equivalente àquelas do ponto inicial de Caplan – cada uma contando com 160 milhões, mas agora diferenciadas, na dimensão do conselho sombrio, com coeficientes de liberdade de 0.6 e 0.4.

Persiga este procedimento de divisão territorial / populacional e diferenciação ideológica de maneira recursiva, focando exclusivamente no segmento comparativamente livre a cada vez. Os 160 milhões de 0.6s se tornam 80 milhões de 0.7s, e um número igual de 0.5s. Após cinco iterações, a distribuição des-homogeneizada neorreacionária-secessionista final é alcançada:

160 milhões x 0.4
80 milhões x 0.5
40 milhões x 0.6
20 milhões x 0.7
10 milhões x 0.8, e – encarnando o significado da histórial mundial, ou pelo menos absorvendo a exaltação neorreacionária –
10 milhões x 1.0

Aproximadamente 3% da população original agora vive em uma sociedade verdadeiramente livre. Para Caplan e outros proponentes do MLS, claro, nada que seja foi ganho.

Ainda assim, assuma, ao invés do universalismo utilitários do MLS, sobre fundamentos profundamente desigualitários, que a quantidade agregada de liberdade fosse considerada de importância vastamente menor do que a qualidade exemplar da liberdade, então a realização neorreacionária é gritante. Onde a liberdade não existia em nenhum lugar, agora ela existe, a um custo essencialmente irrelevante de deterioração socialista moderada em outros lugares. Metade da população original – 160 milhões de almas – foi agora liberada para gozar de uma sociedade ‘mais justa’ do que conheciam antes. Por que não lhes parabenizar pelo fato, sem ser distraído indevidamente pela fome e pelos campos de reeducação? Pode-se confiantemente presumir que eles teriam votado pelo regime que agora toma conta deles. Seus arranjos políticos internos não precisam mais nos preocupar.

Para a Neorreação (O MN), não é uma questão de se as pessoas (em geral) são livres, mas apenas se a liberdade existe (em algum lugar). A mais alta obtenção de liberdade dentro do sistema, em vez do nível médio de liberdade ao longo de todo o sistema, é sua esmagadora prioridade. Ao reverter o processo de redistribuição demográfica vislumbrado pelo MLS, seus fins são alcançados.

As conclusões utilitárias de soma zero desta comparação seriam perturbadas por uma elaboração mais concreta do MN, na qual os efeitos da exemplaridade, da concorrência, das externalidades positivas do desempenho tecno-econômico e de outras influências da liberdade fossem incluídos. No presente nível de abstração – estabelecido pelo próprio modelo (LS) de Caplan – tais desdobramentos positivos poderiam parecer não mais do que concessões sentimentais ao sentimento comum. É a essência cruel do Modelo Neorreacionário que tem, inicialmente, que se afirmar. Melhor a maior liberdade possível, mesmo que para uns poucos, do que uma liberdade menor para todos. A qualidade é o que mais importa.

A objeção semi-rawlesiana – completamente implícita dentro do MLS – poderia ser: “E se a sociedade livre, conforme a ‘probabilidade’ dita, não fosse a sua?” – nossa réplica: “Seria necessário um egoísta desprezível para não se deliciar com ela, mesmo à distância, como um farol de aspiração, e um idiota ou canalha para não partir no mesmo caminho, de qualquer maneira que eles fossem capazes”.

Desintegre o destino.

Original.

Liberdade (Prelúdio-1b)

Mesmo na ausência de sua circunscrição católica enérgica, poderia ser tentador identificar a NRx como uma ideologia anti-calvinista, dada a centralidade da ocultada herança calvinista para a critica de Moldbug à modernidade. Como Foseti observa (no que continua a ser um ponto alto da exegese neorreacionária):

Acredite ou não, muito embora a definição de Moldbug para a Esquerda seja basicamente a primeira coisa sobre a qual ele escreveu, há uma quantidade razoável de debate sobre este tópico nos círculos “reacionários”. Às vezes se refere a este debate como A Questão Puritana. (Além de puritano, Moldbug também usa os termos: idealismo progressista, ultra-calvinismo, cripto-cristão, universalistas unitários, etc.)

Não faz parte do sumário deste blog facilitar os posicionamentos mais sonolentos – e, às vezes, simplesmente escarnecedores – aos quais o diagnóstico de Moldbug pode parecer estar aberto. Ao passo que nossos amigos católicos podem se considerar estarem seguramente localizados fora da síndrome sob consideração, esta atitude corresponde, estrutural ou sistematicamente, a uma posição minoritária (independente dos números envolvidos). Enquanto secto cismático dissidente, a corrente principal da NRx está cladisticamente envolvida pelo objeto de sua crítica. O ‘calvinismo’ – em sua extensão histórica e teórica – é um horizonte problemático, dentro do qual a NRx está incorporada, antes que ele possa concebivelmente ser interpretado como um objeto desprezado de dispensa.

Mais diretamente relevante para esta sequência que lentamente emerge é a questão da destruição, empregada como uma super-categoria consistente com Gnon que abraça o destino e a providência. Trivialmente, é mantido aqui que o desafio calvinista fundamental ao significado da história e ao status final da agência humana não foi, de maneira alguma, resolvido ao longo do curso de seus sucessivos desenvolvimentos cladísticos, mas apenas evadido, marginalizado e apagado. No nível da clareza filosófica, nenhum ‘progresso’ significante teve lugar. Certas questões, já consideradas prementes, foram meramente abandonadas ou semi-aleatoriamente reformuladas. Tipicamente, uma nebulosa tolerância à discordância cognitiva implícita substituiu uma condição anterior de aguda angústia teológica. A insatisfação modernista com as soluções religiosas anteriormente propostas para certos dilemas metafísicos profundos foi confundida com a dissolução destes dilemas em si. Conforme as invocações da ‘liberdade’ se tornam cada vez mais ensurdecedoras, a influência conceitual recuou de maneira constante. Presume-se (absurdamente) que um coquetel mental intoxicante – e, de maneira mais importante, narcotizador – de volição privada irrestrita e determinismo naturalista tornou obsoleto o dilema histórico entre a onipotência divina e o livre arbítrio humano (ou seu representante filosófico, o tempo e a temporalização). Problemas desconfortáveis que instalam incerteza no âmago da autocompreensão humana são tratados como relíquias culturais embaraçosas, herdadas de ancestrais ignorantes, naquelas raras ocasiões em que eles sequer impingem.

Para este blog, o calvinismo continua sendo uma destruição inexplorada. Apreendido dentro de seus próprios termos, ele é uma ocorrência providencial cujo sentido permanece sequestrado dentro do conselho secreto de Deus.

Como combustível, três passagens, tiradas dos Capítulos 15 e 16, Livro 1, das Institutas da Religião Cristã (1536) de Jõao Calvino, na tradução de Henry Beveridge:

Livro 1. Capítulo 15.

8. Portanto, Deus forneceu à alma do homem o intelecto, através do que ele poderia discernir o bem do mal, o justo do injusto, e poderia saber o que seguir e do que se esquivar, a razão indo adiante com sua lanterna; motivo pelo qual os filósofos, em referência a seu poder de direção, a chamaram de το ἑγεμονικον. A isto ele juntou a vontade, à qual a escolha pertence. O homem se destacava neste nobres dons em sua condição primitiva, quando a razão, a inteligência, a prudência e o Julgamento não apenas eram suficientes para o governo de sua vida terrena, mas também o permitiam se elevar a Deus e à felicidade eterna. Depois disso, a escolha foi adicionada para dirigir os apetites e temperar todas os movimentos orgânicos; a vontade sendo assim perfeitamente submissa à autoridade da razão. Neste estado ereto, o homem possuía liberdade de vontade, através da qual, se ele escolhesse, ele era capaz de obter a vida eterna. Seria aqui inoportuno introduzir a questão relativa à predestinação secreta de Deus, porque não estamos considerando o que poderia ou não acontecer, mas o que a natureza do homem verdadeiramente era. Adão, portanto, poderia ter ficado de pé se ele escolhesse, uma vez que foi apenas por sua própria vontade que ele caiu; mas foi porque sua vontade era maleável em ambas as direções e porque ele não havia recebido a constância de perseverar que ele tão facilmente caiu. Ainda assim, ele tinha uma escolha livre de bem e mal; e não apenas isso, mas, na mente e na vontade, havia a mais alta retidão, e todas as partes orgânicas estavam devidamente enquadradas para a obediência, até que o homem corrompeu suas boas propriedades e destruiu a si mesmo. Daí a grande escuridão dos filósofos que buscaram uma construção completa em uma ruína e um arranjo ajustado na desordem. O princípio a partir do qual eles partiram era que o homem não poderia ser um animal racional a menos que tivesse uma livre escolha de bem e mal. Eles também imaginaram que a distinção entre virtude e vício seria destruída, se o homem, de seu próprio conselho, não arranjasse sua vida. Até o momento, bem, não houvera qualquer mudança no homem. Isto sendo desconhecido para eles, não é surpreendente que eles joguem tudo na confusão. Mas aqueles que, ao passo que professam ser discípulos de Cristo, ainda buscam livre arbítrio no homem, não obstante ele estar perdido e afogado em destruição espiritual, trabalham sob múltiplas ilusões, criando uma mistura heterogênea de doutrina inspirada e opiniões filosóficas e, assim, errando quanto a ambas. Mas será melhor deixar estas coisas para seu próprio lugar (vide Livro 2 cap. 2). No presente, é necessário apenas lembrar que o homem, em sua primeira criação, eram muito diferente de toda sua posteridade que, derivando sua origem dele depois dele ser corrompido, recebeu uma mácula hereditária. A princípio, cada parte de sua alma foi formada para a retidão. Havia solidez de mente e liberdade de vontade para escolher o bem. Se qualquer um objetar que ele foi colocado, como se fosse, em uma posição escorregadia, pois seu poder era fraco, eu respondo que o grau conferido era suficiente para retirar toda desculpa. Pois certamente a Divindade não poderia ser amarrada a esta condição – criar o homem tal que ele não pudesse pecar ou não pecasse. Tal natureza poderia ter sido mais excelente; mas expostular com Deus como se ele estivesse obrigado a conferir esta natureza ao homem é mais do que injusto, ao ver que ele tinha todo o direito de determinar quanto ou quão pouco Ele daria. Por que Ele não o sustentou pela virtude da perseverança está escondido em seu próprio conselho; é o nosso nos mantermos dentro dos limites da sobriedade. O homem havia recebido o poder, se tivesse a vontade, mas ele não teve a vontade que teria lhe dado o poder; pois esta vontade teria sido seguida pela perseverança. Ainda assim, depois de ter recebido tanto, não há desculpa para ele ter espontaneamente trazido a morte sobre si mesmo. Nenhuma necessidade estava coloca sobre Deus de lhe dar mais do que essa vontade intermediária e mesmo transiente, que da queda do homem ele pudesse extrair materiais para sua própria glória.

Capítulo 16.

2. …a Providência de Deus, como ensinado na Escritura, se opõem à fortuna e às causas fortuitas. Por uma opinião errônea que predomina em todas as eras, uma opinião quase universalmente predominante em nosso próprio tempo – a saber, que todas as coisas acontecem fortuitamente, a verdadeira doutrina da Providência não apenas foi obscurecida, mas quase enterrada. Se alguém cai entre salteadores ou bestas vorazes; se uma repentina rajada de vento no mar causa um naufrágio; se alguém é derrubado pela queda de uma casa ou de uma árvore; se outro, ao perambular por caminhos desertos, se encontra com o livramento; ou, depois de ser jogado pelas ondas, chega a um porto e faz uma maravilhosa escapada por um fio da morte – todas estas ocorrências, prósperas tanto quanto adversas, o senso carnal atribuirá à fortuna. Mas quem aprendeu da boca de Cristo que todos os cabelos de sua cabeça estão contados (Mt. 10:30), procurará mais longe pela causa e manterá que todos os eventos que sejam são governados pelo conselho secreto de Deus. Com relação a objetos inanimado novamente devemos manter que, embora cada um possua suas propriedades peculiares, ainda assim todos eles exercem sua força apenas na medida em que são dirigidos pela mão imediata de Deus. Consequentemente, eles são meramente instrumentos, nos quais Deus infunde a energia que ele vê satisfazer e se volta e converte a qualquer propósito a seu prazer.

8. …mantemos que Deus é o arranjador e governador de todas as coisas, – que desde a mais remota eternidade, de acordo com sua própria sabedoria, ele decretou o que ele deveria fazer e agora, através de seu poder, executa o que decretou. Consequentemente, mantemos que, por sua providência, não o céu e a terra e as criaturas inanimadas apenas, mas também os conselhos e vontades dos homens são governadas de modo a se mover exatamente no curso que ele destinou. O que, então, dirá você , nada acontece fortuitamente, nada contingentemente? Eu respondo, foi um ditado verdadeiro de Basílio, o Grande, de que Fortuna e Acaso são termos pagãos; o significado dos quais não deve ocupar as mentes pias. Pois se todo sucesso é a bênção de Deus, e a calamidade e a adversidade são sua maldição, não resta qualquer lugar, nos assuntos humanos, para a fortuna e o acaso. Devemos também ser movidos pelas palavras de Agostinho (Retract. lib. 1 cap. 1), “Em meus escritos contra os Acadêmicos”, diz ele, “eu me arrependo de ter usado tão frequentemente o termo Fortuna; embora eu tencionasse denotar com ele não alguma deusa, mas a questão fortuita de eventos em questões externas, sejam bons ou maus. Daí, também, estas palavras, Talvez, Por acaso, Fortuitamente, que nenhuma religião nos proíbe de usar, embora tudo deve ser referido à Divina Providência. Tampouco eu me omiti de observar isto, quando eu disse: ‘Embora, talvez, aquilo que é vulgarmente chamado de Fortuna também seja regulado por uma ordem oculta, e o que chamamos de Acaso não seja nada além daquilo cuja razão e causa são secretas’. É verdade, eu assim o disse, mas eu me arrependo de ter mencionado a Fortuna ali como o fiz, quando vejo o costume muito ruim que os homens têm de dizer, não da maneira em que deveriam fazer, ‘Se Deus quiser’, mas ‘Se a Fortuna quiser’.” Em suma, Agostinho em todo lugar ensina que se qualquer coisa é deixada para a fortuna, o mundo se move a esmo. E embora ele declare em outros lugares (Quæstionum, lib. 83) que todas as coisas são realizadas em parte pelo livre arbítrio do homem e, em parte, pela Providência de Deus, ele logo depois demonstra de forma clara o suficiente que o ele quis dizer foi que os homens também são governados pela Providência, quando assume como princípio que não pode haver um absurdo maior do que manter que qualquer coisa é feita sem a ordenação de Deus; porque aconteceria a esmo. Razão pela qual ele também exclui a contingência que depende da vontade humana, mantendo, um pouco mais adiante, em termos mais claros, que nenhuma causa deve ser buscada para além da vontade de Deus. Quando ele usa o termo permissão, o significado que ele lhe atribui aparecerá melhor em uma única passagem (De Trinity. lib. 3 cap. 4) em que ele prova que a vontade de Deus é a causa suprema e primária de todas as coisas, porque nada acontece sem sua ordem ou permissão. Ele certamente não imagina Deus sentado ociosamente em uma torre de vigia, quando ele escolhe permitir qualquer coisa. A vontade que ele representa se interpondo é, se eu puder assim expressá-la, ativa (actualis) e, exceto por isso, não poderia ser considerada como uma causa.

ADICIONADO: Em conexão com algumas das discussões que estão ocorrendo na seção de comentários (aqui), este parágrafo do Sermão de Regensburg (2006) do Papa Bento XVI parece digna de reprodução aqui: “A deselenização primeiro emerge em conexão com os postulados da Reforma, no século XVI. Olhando para a tradição da teologia escolástica, os Reformadores pensaram que estavam sendo confrontados com um sistema de fé totalmente condicionado pela filosofia, isto é, uma articulação da fé baseada em um sistema alienígena de pensamento. Como resultado, a fé não mais aparecia como uma Palavra histórica viva, mas como um elemento de um sistema filosófico abrangente. O princípio da sola scriptura, por outro lado, buscava a fé em sua forma pura, primordial, como originalmente encontrada na Palavra bíblica. A metafísica aparecia como uma premissa derivada de uma outra fonte, da qual a fé tinha que ser liberada a fim de se tornar mais uma vez plena de si. Quando Kant afirmou que precisava colocar o pensamento de lado a fim de criar espaço para a fé, ele levou seu programa adiante com um radicalismo que os Reformadores nunca poderiam ter previsto. Desta forma, ele ancorou a fé exclusivamente na razão prática, negando a ela o acesso à realidade como um todo”.

Original.

Liberdade (Prelúdio-1)

A forma mais provocadora de começar isso seria dizer: A recepção de investigações metafísicas da liberdade e do destino é frequentemente similar àquela da BDH. Estas questões não são desejadas. Elas desestabilizam demais. As réplicas que elas evocam normalmente são concebidas para acabarem com uma agitação angustiante, em vez de aproveitar as oportunidades de exploração. Não que isto seja de qualquer forma surpreendente. Tais problemas tendem a fazer pender as fundações mais básicas da existência teológica, cultural e psicológica para dentro de um abismo insondável. Se não podemos estar certos de onde elas levarão – e como poderíamos? – elas apostam o mundo, sem deixar restos. Desista de tudo e talvez algo possa sair disso.

Quando interpretada como uma consideração de causalidade, que relaciona uma concepção de “livre arbítrio” com modelos naturalistas de determinação física, as linhas de batalha parecem dividir a tradição religiosa da ciência moderna. Ainda assim, a tensão mais profunda está enraizada dentro da própria tradição religiosa Ocidental, que estabelece as ideias indispensáveis de eternidade e agência em uma relação de subversão recíproca tácita. A abominação intelectual do calvinismo – que não pode ser pensada sem ruína – é idêntica a este tormento cultural que irrompe à proeminência. É também o motor sombrio da modernidade Ocidental (e, assim, global): o paradoxo central que faz da história uma estória de horror.

Se o futuro (já) é real, que é o que a eternidade implica, então a agência finita ou ‘intra-temporal’ só pode ser uma ilusão. Se a agência é real, como qualquer apelo à liberdade e à responsabilidade metafísicas exigem, a eternidade está abolida pela indeterminação absoluta do tempo futuro. Eternidade e agência não podem ser reconciliadas fora do berço de uma obscuridade reconfortante. Esta, pelo menos, é a indicação a ser extraída da história Ocidental da convulsão teológica e da crise filosófica em curso. Agostinho, Calvino, Espinoza estão entre as ondas de choque mais óbvias de um envolvimento despedaçador de almas na eternidade, que funde tradição e catástrofe como destruição.

“Você acha que foi predestinado a se tornar um filósofo?” se pergunta ao filósofo católico Peter Kreeft:

Sim, claro. A predestinação está na Bíblia. Um bom autor dá liberdade às suas personagens, de modo que somos livres precisamente porque fomos predestinados a sermos livres. Não há qualquer contradição entre predestinação e livre arbítrio.

Este blog ainda tem algumas questões a perseguir…

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O Iluminismo Sombrio, Parte 2

Parte 2: O arco da história é longo, mas se curva em direção a um apocalipse zumbi

David Graeber: Parece-me que se você for perseguir isto à sua conclusão lógica, a única maneira de se ter uma sociedade verdadeiramente democrática também seria abolir o capitalismo neste estado.

Marina Sitrin: Não podemos ter democracia com capitalismo… Democracia e capitalismo não funcionam juntos.
(Aqui, via John J. Miller)

Esse é sempre o problema com a história. Sempre parece que acabou. Mas nunca acaba.
(Mencius Moldbug)

Pesquisar ‘democracia’ e ‘liberdade’ junto no Google é altamente iluminante, de uma maneira sombria. No ciberespaço, pelo menos, está claro que apenas uma minoria distinta pensa nestes termos como positivamente acoplados. Se a opinião deve ser julgada em termos da aranha do Google e de sua presa digital, de longe a associação mais predominante é disjuntiva ou antagonista, embasada na compreensão reacionária de que a democracia apresenta uma ameaça letal à liberdade, quase garantindo sua eventual erradicação. A democracia é para a liberdade o que Gargântua é para uma torta. (“Por certo você pode ver que amamos a liberdade, ao ponto de roncos no estômago e salivação…”).

Steve H. Hanke estabelece o caso com autoridade em seu pequeno ensaio On Democracy Versus Liberty, focado na experiência americana:

A maioria das pessoas, incluindo a maioria dos americanos, ficaria surpresa em aprender que a palavra “democracia” não aparece na Declaração de Independência (1776) ou na Constituição dos Estados Unidos da América (1789). Elas também ficariam chocadas de aprender a razão para a ausência da palavra democracia nos documentos fundantes dos E.U.A. Ao contrário do que a propaganda levou o público a acreditar, os Pais Fundadores da América estavam céticos e ansiosos quanto à democracia. Eles estavam cientes dos males que acompanham a tirania da maioria. Os Criadores da Constituição fizeram um grande esforço para garantir que o governo federal não fosse embasado na vontade da maioria e não fosse, portanto, democrático.
Se os Criadores da Constituição não abraçavam a democracia, ao que eles aderiam? A um homem, os Criadores concordaram que o propósito do governo era asseguras aos cidadãos a trilogia de John Locke de direitos à vida, à liberdade e à propriedade.

Ele elabora:

A Constituição é primariamente um documento estrutural e procedural que especifica quem deve exercer o poder e como eles devem exercê-lo. Um bom tanto de ênfase é colocado na separação de poderes e nos freios e contrapesos do sistema. Estes não eram um constructo ou fórmula cartesiano visando a engenharia social, mas um escudo para proteger as pessoas do governo. Em suma, a Constituição foi desenhada para governar o governo, não as pessoas.
A Bill of Rights estabelece os direitos do povo contra violações pelo Estado. A única coisa que os cidadãos podem exigir do Estado, sob a Bill of Rights, é um julgamento por um júri. O resto dos direitos dos cidadãos são proteções contra o Estado. Por cerca de um século depois que a Constituição foi ratificada, a propriedade privada, os contratos e o livre comércio interno dentro dos Estados Unidos eram sagrados. O escopo e a escala do governo permaneceram muito constritos. Tudo isso era muito consistente com o que era entendido ser liberdade.

Conforme o espírito da reação estende seus tentáculos-Sith pelo cérebro, fica difícil lembrar como a narrativa progressista clássica (ou não-comunista) pôde já ter feito sentido. O que as pessoas estavam pensando? O que elas estavam esperando do emergente estado super-empoderado, populista, canibal? A eventual calamidade não era inteiramente previsível? Como já foi possível ser um Whig?

A credibilidade ideológica da democratização radical não está, claro, em questão. Como pensadores que vão desde (o cristão progressista) Walter Russell Mead até o (reacionário ateu) Mencius Moldbug detalharam exaustivamente, ela se conforma tão exatamente ao entusiamo religioso ultra-protestante que seu poder de animar a alma revolucionária não deveria surpreender a ninguém. Dentro de apenas alguns anos desde o desafio de Martinho Lutero ao establishment papal, insurrecionistas camponeses estavam enforcando seus inimigos de classe por toda a Alemanha.

A credibilidade empírica do avanço democrático é bem mais estarrecedora e também genuinamente complexa (o que é dizer, controversa ou, mais precisamente, digna de uma controvérsia embasada em dados e rigorosamente argumentada). Em parte, isso é porque a configuração moderna da democracia emerge dentro do alcance de uma tendência modernista bem mais ampla, cujas linhas tecno-científica, econômica, social e política estão obscuramente inter-relacionadas, costuradas por correlações enganadoras e pelas subsequentes falsas causalidades. Se, como Schumpeter argumenta, o capitalismo industrial tende a engendrar uma cultura democrática-burocrática que se conclui em estagnação, poderia, ainda assim, parecer como se a democracia estivesse ‘associada’ com o progresso material. É fácil interpretar erroneamente um indicador atrasado como um fator causal positivo, especialmente quando o zelo ideológico empresta seu viés à má apreensão. Na mesma linha, uma vez que o câncer aflige apenas pessoas vivas, ele poderia – com aparente razão – ser associado à vitalidade.

Robin Hanson (gentilmente) observa:

Sim, muitas tendências foram positivas por um século mais ou menos, e, sim, isto sugere que elas continuarão a crescer por mais ou menos um século. Mas, não, isto não significa que os estudantes estão empírica ou moralmente errados por pensarem ser uma “fantasia utópica” que se pudesse “acabar com a pobreza, a doença, a tirania e a guerra” ao se juntar à empreitada política de um Kennedy moderno. Por quê? Porque as tendências positivas recentes nestas áreas não foram muito causadas por tais movimentos políticos! Elas foram, em sua maioria, causadas por nós termos ficado ricos com a revolução industrial, um evento que os movimentos políticos tenderam, se qualquer coisa, a tentar retardar, na média.

A cronologia histórica simples sugere que a industrialização apoia a democratização progresista, em vez de ser derivada dela. Esta observação já até mesmo deu origem a uma escola amplamente aceita da teorização pop em ciências sociais, de acordo com a qual a ‘maturação’ das sociedades em uma direção democrática é determinada por limites de afluência, ou formação de classe média. O correlativo lógico estrito de tais ideias, de que a democracia é fundamentalmente não-produtiva em relação ao progresso material, é tipicamente sub-enfatizado. A democracia consome o progresso. Quando percebida da perspectiva do iluminismo sombrio, o modo apropriado de análise para estudar o fenômeno democrático é a parasitologia geral.

Respostas semi-libertárias ao surto aceitam isto implicitamente. Dada uma população profundamente infectada pelo vírus zumbi, e que bamboleia para dentro do colapso social, a opção preferida é a quarentena. Não é o isolamento comunicativo que é essencial, mas uma dessolidarização funcional da sociedade, que estreite os loops de feedback e exponha as pessoas com intensidade máxima às consequências de suas ações. A solidariedade social, em contraste preciso, é a amiga do parasita. Ao recortar todos os mecanismos de feedback de alta frequência (tais como os sinais de mercado) e substituí-los por loops lerdos em infravermelho que passam através de um fórum centralizado de ‘vontade geral’, uma sociedade radicalmente democratizada isola o parasitismo do que ele faz, transformando padrões de comportamento locais, dolorosamente disfuncionais, intoleráveis e, assim, urgentemente corrigidos em patologias sócio-políticas globais, anestesiadas e crônicas.

Roa as partes do corpo de outras pessoas e pode ser difícil conseguir um emprego – este é o tipo de lição que uma ordem de feedback estreito, ciberneticamente intensa e laissez faire permitiria que fosse aprendida. É também exatamente o tipo de descriminação zumbifóbica insensível que qualquer democracia compassiva denunciaria como uma crimideia, ao passo que reforça o orçamento público para os deficientes vitais, empreende campanhas de conscientização em nome daqueles que sofrem da síndrome de impulso canibal involuntário, afirma a dignidade do estilo de vida zumbi nos currículos da educação superior e regula rigorosamente os espaços de trabalho para garantir que os mortos-vivos que se misturam não sejam vitimados por empregadores obcecados com lucros, desempenhocêntricos ou mesmo animacionistas não reconstruídos.

Conforme uma iluminada tolerância-zumbi floresce ao abrigo do mega-parasita democrático, um pequeno remanescente dos reacionários, atentos aos efeitos de incentivos reais, levantam a estereotipada questão : “Vocês percebem que estas políticas inevitavelmente levam a uma expansão massiva da população zumbi?” O vetor dominante da história pressupõe que tais objeções incômodas sejam marginalizadas, ignoradas e – sempre que possível – silenciadas através do ostracismo social. O remanescente ou fortifica o porão, enquanto estoca comida seca, munição e moedas de prata, ou acelera o processo de pedido de um segundo passaporte e começa a fazer suas malas.

Se tudo isso parece estar vindo sem rumo da concretude histórica, há um remédio convenientemente atual: uma pequena troca de canal para a Grécia. Enquanto modelo microcósmico para a morte do Ocidente, que se desenrola em tempo real, a estória grega é hipnótica. Ela descreve um arco de 2500 anos que está longe de elegante, mas é irresistivelmente dramático, de proto-democracia a apocalipse zumbi realizado. Sua virtude preeminente é que ela ilustra perfeitamente o mecanismo democrático in extremis, que separa indivíduos e populações locais das consequências de suas decisões, ao bagunçar seu comportamento através de sistemas centralizados de redistribuição em larga escala. Você decide o que você faz, mas então vota nas consequências. Como alguém poderia dizer ‘não’ para isso?

Não é surpresa que, ao longo de 30 anos de adesão à UE, os gregos tenham avidamente cooperado com um megaprojeto de engenharia social que retira todos os sinais sociais de onde curta e re-roteia o feedback através do grandioso circuito da solidariedade europeia, garantindo que toda informação economicamente relevante seja desviada para o vermelho através do cárter de morte por calor do Banco Central Europeu. Mais especificamente, ele tem conspirado com a ‘Europa’ para obliterar toda a informação que poderia estar contida nas taxas de juros gregas, assim efetivamente incapacitando todo feedback financeiro sobre escolhas de política doméstica.

Isto é a democracia em uma forma consumada que desafia qualquer aperfeiçoamento adicional, uma vez que nada se conforma mais exatamente à ‘vontade geral’ do que a abolição legislativa da realidade, e nada entrega a cicuta à realidade mais definitivamente do que acoplar taxas de juros teutônicas com decisões de gasto do leste do Mediterrâneo. Viva como helenos e pague como germânicos – qualquer partido político que falhasse em subir ao poder sobre esta plataforma merece catar sucata sendo picado por urubus no deserto. É o no-brainer final, em praticamente todos os sentidos imagináveis da expressão. O que poderia dar errado?

Mais ao ponto, o que deu errado? Mencius Moldbug começa sua séria no Unqualified Reservations “How Dawkins got pwned” (“Como Dawkins foi pwnado”, ou tomado através de uma “vulnerabilidade explorável”) com o delineamento das regras de design para um hipotético “parasita memético ótimo” que seria “tão virulento quanto possível. Ele será altamente contagioso, altamente mórbido e altamente persistente. Um inseto realmente feio.” Em comparação com esta super-praga ideológica, o monoteísmo vestigial ridicularizado em Deus: Um Delírio figuraria como nada pior do que um resfriado moderadamente desagradável. O que começa como uma brincadeira abstrata com um meme se conclui como uma grande varredura da história, à moda do iluminismo sombrio:

Minha crença é que o Professor Dawkins não é apenas um ateu cristão. Ele é um ateu protestante. E ele não é apenas um ateu protestante. Ele é um ateu calvinista. E ele não é apenas um ateu calvinista. Ele é um ateu anglo-calvinista. Em outras palavras, ele também pode ser descrito como um ateu puritano, um ateu dissidente, um ateu não conformista, um ateu evangélico, etc, etc.

Esta taxonomia cladística remonta a ancestralidade intelectual do Professor Dawkins até cerca de 400 anos atrás, à era da Guerra Civil Inglesa. Exceto, claro, pelo tema do ateísmo, o cerne do Professor Dawkins é uma combinação notável para as tradições Ranter, Leveller, Digger, Quaker, Quintomonarquista ou qualquer uma das mais extremas tradições dissidentes inglesas que floresceram durante o interregno cromwelliano.

Francamente, esses caras eram aberrações. Maníacos fanáticos. Qualquer pensador inglês mainstream dos séculos XVII, XVIII ou XIX, informado de que esta tradição (ou sua descendente moderna) é agora a denominação cristã dominante do planeta, consideraria isto como um sinal do apocalipse iminente. Se você está seguro de que eles estão errados, você está mais seguro do que eu.

Felizmente, o próprio Cromwell era comparativamente moderado. Os sectos ultrapuritanos extremos nunca conseguiram se agarrar solidamente ao poder sob o Protetorado. Ainda mais felizmente, Cromwell ficou velho e morreu, e o cromwellismo morreu com ele. O governo legítimo foi restaurado na Grã-Bretanha, assim como a Igreja da Inglaterra, e os dissidentes se tornaram uma franja marginal novamente. E francamente, que alívio danado que foi.

Contudo, você não consegue reprimir um bom parasita. Uma comunidade de puritanos fugiu para a América e fundou as colônias teocráticas da Nova Inglaterra. Depois de suas vitórias militares na Rebelião Americana e na Guerra de Secessão, o puritanismo americano estava bem no caminho para a dominação mundial. Sua vitórias na Primeira Guerra Mundial, na Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria confirmaram sua hegemonia global. Todo pensamento mainstream legítimo sobre a Terra hoje é descendente dos puritanos americanos e, através deles, dos dissidentes ingleses.

Dado a ascensão deste “inseto realmente feio” à dominação mundial, poderia parecer estranho azucrinar figuras tangenciais tais como Dawkins, mas Moldbug seleciona seu alvo por razões estratégicas primorosamente julgadas. Moldbug se identifica com o darwinismo de Dawkins, com seu repúdio intelectual do teísmo abraâmico e com seu amplo comprometimento para com a racionalidade científica. Ainda assim, ele reconhece, de maneira crucial, que as faculdades críticas de Dawkins se desligam – de maneira abrupta e frequentemente cômica – no ponto em que elas poderiam colocar em risco um comprometimento ainda mais amplo para com o progressismo hegemônico. Desta maneira, Dawkins é poderosamente indicativo. O secularismo militante é, ele mesmo, uma variante modernizada do meta-meme abraâmico, em seu ramo taxonômico anglo-protestante e democrático radical cuja tradição específica é o anti-tradicionalismo. O clamoroso ateísmo de Deus: Um Delírio representa um estratagema protetivo e uma atualização consistente da reforma religiosa, guiada por um espírito de entusiasmo progressista que supera o empirismo e a razão, ao passo que exemplifica um dogmatismo irritável que rivaliza com qualquer coisa a ser encontrada nas estirpes anteriores com temas divinos.

Dawkins não é meramente um progressista moderno iluminado e um democrata radical implícito, ele é um cientista impressionantemente credenciado, mais especificamente um biólogo e (assim) um evolucionista darwiniano. O ponto no qual ele toca o limite do pensamento aceitável, como definido pelo super-inseto memético é, portanto, bastante fácil de antecipar. Sua tradição, herdada do ultra-protestantismo do baixo clero, substituiu Deus pelo Homem como local de investimento espiritual, e o ‘Homem’ tem estado no processo de dissolução através da pesquisa darwiniana por mais de 150 anos. (Como a pessoa sã e decente que eu seu que você é, tendo chegado até aqui com Moldbug, você provavelmente já está murmurando sob a sua respiração, não mencione raça, não mencione raça, não mencione raça, por favor, ó, por favor, em nome do Zeitgeist e do querido e doce não-deus do progresso, não mencione raça…) …mas Moldbug  está citando Dawkins, que cita Thomas Huxley “…em um contexto em que deve ser executado por pensamentos e não por mordidas. Os lugares mais altos na hierarquia da civilização certamente não estarão dentro do alcance de nossos primos escuros”. Que Dawkins enquadra observando: “Tivesse Huxley… sido nascido e educado em nosso tempo, [ele] teria sido o primeiro a se encolher conosco por seus sentimentos vitorianos e tom untuoso. Eu lhes cito apenas para ilustrar como o Zeitgeist segue em frente”.

Fica pior. Moldbug parece estar segurando a mão de Huxley e… (ewww!) fazendo aquela coisa de acariciar as palmas com seus dedos. Isto por certo não é mais a reação libertária padrão – está ficando seriamente sombria e assustadora. “Em toda seriedade, qual é a evidência para o fraternismo? Por que, exatamente, o Professor Dawkins acredita que todos os neohominídeos são nascidos com potencial idêntico para o desenvolvimento neurológico? Ele não diz. Talvez ele pense que é óbvio.”

Qualquer que seja sua opinião sobre os méritos científicos respectivos da diversidade ou da uniformidade biológica humana, está, certamente, para além de qualquer argumento que a última hipótese, apenas, é tolerada. Mesmo se as crenças progressistas-universalistas sobre a natureza humana forem verdadeiras, elas não são mantidas porque são verdadeiras ou porque se chegou a elas através de qualquer processo que passe no teste de risada para a racionalidade científica crítica. Elas são recebidas como princípios religiosos, com toda a intensidade passional que caracteriza itens essenciais da fé, e questioná-las não é uma questão de inexatidão científica, mas do que agora chamamos de politicamente incorreto, e já conhecemos como heresia.

Sustentar esta postura moral transcendente em relação ao racismo não é mais racional do que a subscrição à doutrina do pecado original, da qual ela é, em todo caso, a inequívoca substituta moderna. A diferença, claro, é que o ‘pecado original’ é uma doutrina tradicional, à qual se subscreve um grupo social aguerrido, significantemente sub-representado entre os intelectuais públicos e as figuras da mídia, profundamente antiquada na cultura mundial dominante e largamente criticada – se não ridicularizada – sem qualquer suposição imediata de que o crítico está defendendo assassinato, roubo ou adultério. Questionar o status do racismo enquanto pecado social supremo e definidor, por outro lado, é cortejar a condenação universal das elites sociais e despertar suspeitas de crimideias que vão desde a apologética pró-escravidão até fantasias genocidas. O racismo é o mal puro ou absoluto, cuja esfera apropriada é o infinito e o eterno, ou as profundezas pecaminosas incendiárias da alma hiper-protestante, em vez dos confins mundanos da interação civil, do realismo social científico ou da legalidade eficiente e proporcional. A dissimetria de afeto, sanção e poder social cru que acompanha antigas heresias e suas substitutas, uma vez notada, é um indicador enervante. Um novo secto reina, e ele não está nem mesmo especialmente bem escondido.

Ainda assim, mesmo entre as circunscrições BDH mais endurecidas, a santificação histérica da raça-ideia mais-que-boa dificilmente é suficiente para emprestar à democracia radical a aura de profunda morbidez que Moldbug detecta. Isto requer um relação devocional com o Estado.

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Para Além da Face

A crítica do Social Matter ao ‘Complexo Industrial da Justiça Social’ (cujo primeiro estágio já foi linkado aqui), isola a “tendência, na natureza humana, a sobreatribuir agência” enquanto uma proeminente fonte de erro. Em outras palavras, as pessoas gostam de colocar uma face nas coisas – mesmo nas nuvens – em tal medida que a própria noção de uma ‘pessoa’ é sempre já fabricada. Etimologicamente (e não apenas etimologicamente), uma ‘pessoa’ é uma máscara.

Conforme os hominídeos arcaicos foram sendo seletivamente adaptados a relações sociais cada vez mais complicadas, eles foram facializados. O olho humano adquiriu sua esclera branca, para acentuar a expressividade, tornando a direção da atenção diretamente comunicativa. Com a chegada da linguagem, gestos e expressão foram aumentados por mensagens articuladas. O ‘gerenciamento da face’ se tornou um sumidouro exigente de funcionalidade cognitiva, em seus aspectos de desempenho e interpretação. Uma nova e instintiva ‘teoria da mente’ começara a acreditar em pessoas e – quase com certeza simultaneamente – a se identificar como uma. Este era um novo tipo de pele, ou superfície sensível. A partir da sociabilidade psicológica, um modelo do eu enquanto ser social, auto-escrutinado como um objeto de atenção de outro de seu tipo – isto é, um ego – nascia.

A ‘pessoa interna’ não corresponde a nada real. A pessoa, ou eu socialmente desempenhado, é essencialmente superficial. É irredutivelmente teatral. Ela existe apenas enquanto modo de inserção dentro de um jogo de múltiplos jogadores.

Como quer que, em última análise, venhamos a fazer sentido da agência e do destino, não será em termos comensuráveis com a pessoa (a face), a não ser por contumaz autoengano. A liberdade pessoal é um ato, uma performance dentro de uma peça. Não têm nenhuma profundidade real. Todas as perguntas dirigidas a ela estão condenadas à confusão. A coisa real – livre ou predestinada – veste uma face, como um papel atribuído no interior do mundo.

A inanidade do Facebook e também sua extrema popularidade se seguem quase imediatamente deste arranjo. O escritor tem que assumir uma face. A estupidez destes retratos, que adornam capas de livros e colunas de notícias, é indistinguível de sua necessidade social. Cada um é já uma pequena teoria da conspiração, uma má atribuição de agência, baseada na absurda tese símia de que as palavras saem da face. Não leve palavras a sério até que você possa ver o branco de seus olhos – avalie a qualidade do sorriso que acompanha o pensamento. Assim, tudo desaparece.

É para além da face – fora dela – que a ocorrência é decidida, as peças, escritas. Se não começarmos ali, não estamos sequer começando.

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