O Iluminismo Sombrio, Parte 4f(inal)

Parte 4f: Aproximando-se do Horizonte Biônico

É hora de dar a esta longa digressão uma conclusão, esticando-se impacientemente em direção ao fim. O tema básico tem sido controle mental, ou supressão de pensamento, como demonstrado pelo complexo Midiático-Acadêmico que domina as sociedades ocidentais contemporâneas e ao qual Mencius Moldbug dá o nome de Catedral. Quando as coisas são esmagadas, elas raramente desaparecem. Pelo contrário, elas são deslocadas, fugindo para dentro de sombras acolhedoras e, às vezes, virando monstros. Hoje, conforme a ortodoxia supressora da Catedral se desfaz, de várias maneiras e em numerosos sentidos, um tempo de monstros está se aproximando.

O dogma central da Catedral tem sido formalizado como o Modelo Padrão das Ciências Sociais (SSSM, na sigla em inglês) ou ‘teoria da tábula rasa’. É a crença, completada em sua essência pela antropologia de Franz Boas, de que toda questão legítima sobre a humanidade está restrita à esfera da cultura. A natureza permite que ‘o homem’ seja, mas nunca determina o que o homem é. Questões direcionadas às características e variações naturais entre humanos são, elas mesmas, apropriadamente compreendidas como peculiaridades, ou mesmo patologias, culturais. Falhas de ‘educação’ (nurture) são a única coisa que temos permissão de ver.

Uma vez que a Catedral tem uma orientação ideológica consistente e peneira seus inimigos de acordo, uma avaliação científica comparativamente independente do SSSM facilmente vira antagonismo bruto. Como Simon Blackburn observa (em uma análise criteriosa do Tabula Rasa de Steven Pinker), “A dicotomia entre natureza e educação (nurture) rapidamente adquire implicações políticas e emocionais. Para colocar de maneira crua, a direita gosta de genes e a esquerda gosta de cultura…”.

No limite do ódio recíproco, o determinismo hereditário confronta o construtivismo social, com cada um deles comprometido com um modelo radicalmente reduzido de causalidade. Ou a natureza se expressa como cultura, ou a cultura se expressa em suas imagens (‘construções’) da natureza. Ambas estas posições estão presas em lados opostos de um circuito incompleto, estruturalmente cegas à cultura de naturalismo prático, o que seria dizer: à manipulação tecno-científica / industrial do mundo.

Adquirir conhecimento e usar ferramentas é um único circuito dinâmico, que produz a tecno-ciência como um sistema integral, sem divisibilidade real em aspectos teóricos e práticos. A ciência se desenvolve em loops, através da técnica experimental e da produção de uma instrumentação cada vez mais sofisticada, ao passo em que está incorporada dentro de um processo industrial mais amplo. Seu avanço é o aperfeiçoamento de uma máquina. Este caráter intrinsecamente tecnológico da ciência (moderna) demonstra a eficiência da cultura enquanto força natural complexa. Ela nem expressa uma circunstância natural pré-existente, tampouco meramente constrói representações sociais. Em vez disso, natureza e cultura compõem um circuito dinâmico, à beira da natureza, onde o destino é decidido.

De acordo com a pressuposição auto-reforçadora de modernização, ser compreendido é ser modificável. É de se esperar, portanto, que a biologia e a medicina evoluam em conjunto. A mesma dinâmica histórica que subverte abrangentemente o SSSM através de ondas inundantes de descoberta científica simultaneamente volatiliza a identidade biológica humana através da biotecnologia. Não há qualquer diferença essencial entre aprender o que realmente somos e nos redefinirmos como contingências tecnológicas, ou seres tecnoplásticos, suscetíveis a transformações precisas e cientificamente informadas. A ‘humanidade’ se torna inteligível conforme é subsumida na tecnosfera, onde o processamento de informação do genoma – por exemplo – coloca a leitura e a edição em perfeita coincidência.

Descrever esse circuito, conforme ele consome a espécie humana, é definir nosso horizonte biônico: o limiar de uma fusão conclusiva entre natureza e cultura, no qual uma população se torna indistinguível de sua tecnologia. Isto não é nem determinismo hereditário, nem construtivismo social, mas é ao que ambos teriam feito referência, tivessem eles indicado qualquer coisa real. É uma síndrome vividamente antecipada por Octavia Butler, cuja trilogia Xenogenesis é devotada ao exame de uma população de além do horizonte biônico. Seus ‘comerciantes de genes’ Oankali não têm nenhuma identidade separável do programa biotecnológico que eles perpetuamente implementam sobre si mesmos, conforme adquirem comercialmente, produzem industrialmente e reproduzem sexualmente sua população dentro de um único processo integral. Entre o que os Oankali são e a maneira em que eles vivem, ou se comportam, não existe nenhuma diferença firme. Uma vez que eles criam a si mesmos, sua natureza é sua cultura e (claro) reciprocamente. O que eles são é exatamente o que eles fazem.

Os tradicionalistas da Ortosfera Ocidental estão certos em identificar o iminente horizonte biônico com um evento teológico (negativo). A auto-produção tecno-científica suplanta de maneira específica a essência fixa e sacralizada do homem enquanto um ser criado, em meio à maior reviravolta na ordem natural desde o surgimento da vida eucarionte, há meio bilhão de anos. Não é meramente um evento evolutivo, mas o limiar de uma nova fase evolutiva. John H. Campbell anuncia a emergência do Homo autocatalyticus, enquanto argumenta: ‘De fato, é difícil imaginar como um sistema de herança poderia ser mais ideal para a engenharia do que o nosso é’.

John H. Campbell? – um profeta da monstruosidade e a desculpa perfeita para uma citação monstruosa:

Os biólogos suspeitam que novas formas evoluem rapidamente a partir de exogrupos bastante pequenos de indivíduos (talvez até mesmo uma única fêmea fertilizada, Mayr, 1942) à margem de uma espécie existente. Ali, a pressão de um ambiente praticamente inabitável, a endogamia forçada entre membros isolados da família, a “introgressão” de genes estranhos de espécies vizinhas, a falta de outros membros da espécie contra quem competir, ou o que seja, promove uma grande reorganização do programa genômico, possivelmente a partir de uma mudança modesta na estrutura genética. Quase todos esses fragmentos trasmutados de espécies se extinguem, mas ocasionalmente um deles é afortunado o suficiente para se encaixar em um novo nicho viável. Ele prospera e se expande até uma nova espécie. Sua conversão em um pool genético estatisticamente constrito então estabiliza a espécie contra maiores mudanças evolutivas. Espécies estabelecidas são bem mais notáveis por sua estase do que por mudanças. Mesmo produzir uma nova espécie filha não parece mudar uma espécie existente. Ninguém nega que as espécies possam gradualmente se transformar e o fazer em várias medidas, mas essa chamada “anagênese” é relativamente pouco importante, se comparada à grande saltação geologicamente súbita na geração de novidade.

Três implicações são importantes.

1. A maior parte das mudanças evolutivas estão associadas com a origem de novas espécies.

2. Diversos modos de evolução podem operar simultaneamente. Neste caso, o mais efetivo domina o processo.

3. Pequenas minorias de indivíduos fazem a maior parte da evolução, ao invés da espécie como um todo.

Uma segunda característica importante da evolução é a autorreferência (Campbell, 1982). A caricatura cartesiana de um “ambiente” externo autônomo que dita a forma de um espécie, como um cortador de biscoitos corta estêncis a partir de folhas de massa, está completamente errada. A espécie molda seu ambiente tão profundamente quanto o ambiente “evolui” a espécie. Em particular, os organismos causam as condições limitadoras do ambiente sobre o qual eles competem. Portanto, os genes desempenham dois papeis na evolução. Eles são os alvos da seleção natural e são eles também que, em última análise, induzem e determinam as pressões seletivas que agem sobre si. Esta causalidade circular submerge o caráter mecânico da evolução. A evolução é dominada pelo feedback das atividades evoluídas dos organismos sobre sua evolução.

A terceira percepção seminal é de que a evolução se estende para além da mudança nos organismos enquanto produtos da evolução, a uma mudança no próprio processo. A evolução evolui (Jantsch, 1976; Balsh, 1989; Dawkins, 1989; Campbell, 1993). Os evolucionistas sabem deste fato mas nunca concederam ao fato a importância que ele merece, porque é incomensurável com o darwinismo. Os darwinistas, e especialmente os neodarwinistas modernos, equacionam a evolução com a operação de um princípio lógico simples, que é anterior à biologia: A evolução é meramente o princípio darwiniano da seleção natural em ação e é disso que a ciência da evolução trata. Uma vez que princípios não podem mudar com o tempo ou as circunstâncias, a evolução tem que ser fundamentalmente estática.

Claro, a evolução biológica não é assim de forma alguma. Ela é um processo complexo real, não um princípio. A maneira em que ela ocorre pode mudar com o tempo e indisputavelmente o faz. Isto é de máxima importância, porque o processo de evolução avança conforme procede (Campbell, 1986). A matéria pré-viva na sopa primordial da terra era capaz de evoluir apenas através de mecanismos “químicos” sub-darwinianos. Uma vez que estes processos insignificantes criaram moléculas genéticas com informação para sua autorreplicação, então a evolução foi capaz de se engajar em seleção natural. A evolução então embrulhou os genomas auto-replicantes dentro de organismos auto-replicantes para controlar a maneira em que a vida responderia aos ventos da seleção vindos do ambiente.Mais tarde, ao criar organismos multicelulares, a evolução ganhou acesso à mudança morfológica enquanto alternativa a uma evolução bioquímica mais lenta e menos versátil. Mudanças nas instruções em programas de desenvolvimento substituíram mudanças nos catalisadores enzimáticos. Sistemas nervosos abriram caminho para uma evolução comportamental, social e cultural ainda mais rápida e mais potente. Finalmente, esses modos mais elevados produziram a organização necessária para uma evolução racional e propositada, guiada e propelida por mentes orientadas a metas. Cada um desses passos representou um novo nível emergente de capacidade evolutiva.

Desta forma, existem dois processos evolutivos distintos, mas entrelaçados. Eu os chamo de “evolução adaptativa” e “evolução geradora”. A primeira é a familiar modificação darwiniana de organismos para aumentar sua sobrevivência e sucesso reprodutivo. A evolução geradora é inteiramente diferente. Ela é a mudança em um processo, em vez de uma estrutura. Além disso, esse processo é ontológico. Evolução literalmente significa “se desdobrar” e o que está se desdobrando é a capacidade de evoluir. Animais superiores se tornaram cada vez mais hábeis em evoluir. Em contraste, eles não são nem um pouco mais aptos do que seus ancestrais ou as formas mais baixas de micróbios. Toda espécie hoje teve exatamente o mesmo histórico de sobrevivência; na média, todo organismo mais elevado vivo hoje ainda deixará apenas duas proles, como era o caso cem milhões de anos atrás, e as espécies modernas têm tanta probabilidade de serem extintas quanto aquelas do passado. As espécies não podem se tornar cada vez mais aptas porque o sucesso reprodutivo não é um parâmetro cumulativo.

Para os nacionalistas raciais, preocupados com que seus netos sejam parecidos consigo, Campbell é o abismo. Miscigenação não chega nem perto da questão. Pense em tentáculos faciais.

Campbell também é um secessionista, embora não tenha quaisquer distrações com as preocupações da política de identidade (pureza racial) ou do elitismo cognitivo tradicional (eugenia). Ao se aproximar do horizonte biônico, o secessionismo assume uma atitude completamente mais selvagem e mais monstruosa – em direção à especiação. O pessoal no euvolution captura bem o cenário:

Raciocinando que a maior parte da humanidade não vai voluntariamente aceitar políticas de gerenciamento populacional qualitativo, Campbell aponta que qualquer tentativa de elevar o QI de toda a raça humana seria tediosamente lento. Ele ainda ponta que o ímpeto geral do eugenia primordial não era tanto melhoria da espécie quanto prevenção do declínio. A eugenia de Campbell, portanto, advoga o abandono do Homo sapiens enquanto ‘relíquia’ ou ‘fóssil vivo’ e a aplicação de tecnologia genéticas para se intrometer no genoma, provavelmente escrevendo novos genes a partir do zero usando um sintetizador de DNA. Tal eugenia seria praticada por grupos da elite, cujas realizações ultrapassariam tão rápida e radicalmente o andamento comum da evolução que, dentro de dez gerações, os novos grupos terão avançado para além de nossa atual forma, no mesmo grau em que nós transcendemos os símios.

Quando visto do horizonte biônico, o que quer que venha a emergir da dialética do terror racial permanece preso em trivialidades. É hora de seguir em frente.

Original.

O Iluminismo Sombrio, Parte 4e

Parte 4e: História transcodificada

Democracia é o oposto de liberdade, quase inerente ao processo democrático é que ele tende na direção de menos liberdade, em vez de mais, e a democracia não é algo que pode ser consertado. A democracia está inerentemente quebrada, assim como o socialismo. A única maneira de consertá-la é romper com ela.
Frank Karsten

O historiador (principalmente da ciência) Doug Fosnow pediu que os condados “vermelhos” dos EUA se separassem dos “azuis”, formando uma nova federação. Isso foi recebido com muito ceticismo pela audiência, que notou que a federação “vermelha” não ficaria com praticamente nenhum litoral. Doug realmente pensou que uma secessão dessas tinha alguma probabilidade de ocorrer? Não, ele admitiu alegremente, mas qualquer coisa seria melhor do que a guerra racial que ele acha provável que ocorra, e é dever dos intelectuais propor possibilidade menos horríveis.
John Derbyshire

Assim, em vez de por meio de uma reforma de cima para baixo, sob as atuais condições, sua estratégia deve ser a de uma revolução de baixo para cima. A princípio, a compreensão dessa visão pareceria tornar a tarefa de uma revolução social liberal-libertária impossível, pois isso não implica que ter-se-ia que persuadir uma maioria do pública a votar pela abolição da democracia e por um fim a todos os impostos e legislação? E isso não é pura fantasia, dado que as massas são sempre estúpidas e indolentes, ainda mais dado que a democracia, como explicado acima, promove a degeneração moral e intelectual? Como alguém pode esperar que uma maioria de pessoas cada vez mais degeneradas, acostumadas com o “direito” de votar, jamais renunciasse voluntariamente à oportunidade de saquear a propriedade alheia? Colocado desta maneira, tem-se que admitir que o prospecto de uma revolução social deve, de fato, ser considerado como virtualmente nulo. Em vez disso, é apenas com base em uma reconsideração, ao considerar a secessão como uma parte integral de qualquer estratégia de baixo para cima, que a tarefa de uma revolução liberal-libertária parece menos do que impossível, mesmo que ainda continue sendo intimidadora.
Hans-Herman Hoppe

Concebida de maneira genérica, a modernidade é uma condição social definida por uma tendência integral, resumida como taxas de crescimento econômico sustentadas que excedem os aumentos de população e, assim, marcam uma escapada da história normal, aprisionada dentro da armadilha malthusiana. Quando, no interesse da apreciação desapaixonada, a análise é restrita aos termos deste padrão quantitativo básico, ela suporta uma sub-divisão nos componentes positivo (crescimento) e negativo da tendência: contribuições tecno-industriais (científicas e comerciais) à aceleração do desenvolvimento, por um lado, e as contra-tendências sócio-políticas à captura do produto econômico por parte de interesses especiais de rent-seeking democraticamente empoderados (demosclerose), por outro. O que o liberalismo clássico dá (revolução industrial), o liberalismo maduro leva embora (por meio do cancerígeno estado de intitulações). Na geometria abstrata, isso descreve uma curva em S de fuga auto-limitante. Assim como um drama de liberação, é uma promessa quebrada.

Concebida de maneira particular, como uma singularidade ou coisa real, a modernidade tem características etno-geográficas que complicam e qualificam sua pureza matemática. Ela veio de algum lugar, se impôs de maneira mais ampla e levou os vários povos do mundo a uma extraordinária gama de novas relações. Estas relações eram caracteristicamente ‘modernas’ se envolviam um transbordamento dos limites malthusianos anteriores, permitiam a acumulação de capital e iniciavam novas tendências demográficas, mas elas reuniam grupos concretos em vez de funções econômicas abstratas. Pelo menos em aparência, portanto, a modernidade foi algo feito por pessoas de um certo tipo com – e não incomumente a (ou mesmo contra) – outras pessoas, que eram conspicuamente diferentes delas. No momento em que hesitava no declive de desvanecimento da curva em S, no começo do século XX, a resistência às suas características genéricas (‘alienação capitalista’) havia se tornado quase inteiramente indistinguível da oposição à sua particularidade (‘imperialismo europeu’ e ‘supremacia branca’). Como consequência inevitável, a auto-consciência modernista do núcleo etno-geográfico do sistema deslizou em direção ao pânico racial, em um processo que só foi reprimido pelo surgimento e imolação do Terceiro Reich.

Dada a tendência inerente da modernidade à degeneração ou auto-cancelamento, três prospectos amplos se abrem. Estes não são estritamente exclusivos e não são, portanto, verdadeiras alternativas, mas, para propósitos esquemáticos, é útil apresentá-los como tal.

(1) Modernidade 2.0. A modernização global é revigorada a partir de um novo núcleo etno-geográfico, liberado das estruturas degeneradas de seu predecessor eurocêntrico, mas sem dúvida confrontando tendências de longo prazo de um caráter igualmente mortuário. Este é de longe o cenário mais encorajante e plausível (de uma perspectiva pró-modernista) e, se a China permanecer, mesmo que aproximadamente, em seu curso atual, será certamente realizado. (A Índia, infelizmente, parece ter ido muito longe em sua versão nativa da demosclerose para competir à sério.)

(2) Pós-Modernidade. Equivalendo essencialmente a uma nova idade das trevas, na qual os limites malthusianos se reimpõem brutalmente, este cenário assume que a Modernidade 1.0 globalizou tão radicalmente sua própria morbidez que todo o futuro do mundo colapsa ao seu redor. Se a Catedral ‘vencer’, estas são as consequências.

(3) Renascença Ocidental. Para renascer é primeiro necessário morrer, então, quanto mais forte a ‘reinicialização forçada’, tanto melhor. Crise abrangente e desintegração oferecem as melhores chances (mais realisticamente como um sub-tema da opção #1).

Visto que a concorrência é boa, uma pitada de Renascença Ocidental apimentaria as coisas, mesmo que – como é extremamente provável – a Modernidade 2.0 seja a principal rodovia do mundo para o futuro. Isso depende do Ocidente parar e reverter basicamente tudo que vem fazendo há mais de um século, com exceção apenas de inovações científicas, tecnológicas e empresariais. É aconselhável manter a disciplina retórica dentro de um modo estritamente hipotético, porque a possibilidade de qualquer uma dessas coisas é profundamente colorida pela incredulidade:

(1) Substituição da democracia representativa pelo republicanismo constitucional (ou por mecanismos governamentais anti-políticos ainda mais extremos).

(2) Redução massiva do governo e seu confinamento rigoroso a funções centrais (no máximo).

(3) Restauração da moeda lastreada (moedas de metais preciosos e notas de depósito desses metais) e abolição do banco central.

(4) Desmantelamento da discrição monetária e fiscal do estado, abolindo assim a macroeconomia prática e liberando a economia autônoma (ou ‘catalática’). (Este ponto é redundante, uma vez que ele se segue rigorosamente do 2 & 3 acima, mas é o verdadeiro prêmio e, logo, digno de enfatização.)

Há mais – isto é, menos política – mas já está absolutamente claro que nada disso vai acontecer aquém de um cataclisma existencial da civilização. Pedir que os políticos limitem seus próprios poderes é um não-começo, mas nada a menos nem remotamente leva na direção certa. Este, contudo, não é sequer o problema mais amplo ou profundo.

A democracia poderia começar como um mecanismo procedural defensável para se limitar o poder do governo, mas ela rápida e inexoravelmente se desenvolve em algo bastante diferente: uma cultura de roubo sistemático. Tão logo os políticos tenham aprendido a comprar apoio político com o ‘dinheiro público’ e tenham condicionado os eleitorados a abraçar a pilhagem e o suborno, o processo democrático se reduz à formação das ‘coalizões distributivas’ (de Mancur Olson) – maiorias eleitorais cimentadas juntas pelo interesse comum em um padrão coletivamente vantajoso de roubo. Pior ainda, uma vez que as pessoas não são, na média, muito brilhantes, a escala de depredação disponível para o establishment político de longe excede até mesmo o saqueamento insano que está aberto ao escrutínio público. Pilhar o futuro, através de degradação monetária, acúmulo de dívidas, destruição do crescimento e retardamento tecno-industrial, é especialmente fácil de ocultar e, assim, confiavelmente popular. A democracia é essencialmente trágica porque fornece à população uma arma para se destruir, uma que sempre é avidamente aproveitada e usada. Ninguém jamais diz ‘não’ para coisas de graça. Quase ninguém sequer vê que não existem coisas de graça. A ruína cultural total é a conclusão necessária.

Dentro da fase final da Modernidade 1.0, a história americana se torna a narrativa mestra do mundo. É ali que o grande transmissor cultural abraâmico culmina no neo-puritanismo secularizado da Catedral, conforme estabelece sua Nova Jerusalém em Washington DC. O aparato do propósito messiânico-revolucionário é consolidado no estado evangélico, que está autorizado, por quaisquer meios necessários, a instalar uma nova ordem mundial de fraternidade universal, em nome da igualdade, dos direitos humanos, da justiça social e – sobretudo – da democracia. A confiança moral absoluta da Catedral garante a busca entusiasta de um poder centralizado irrestrito, otimamente ilimitado em sua penetração intensiva e em seu escopo extensivo.

Com uma ironia completamente escondida da própria prole dos queimadores de bruxas, a ascensão dessa corte de sombrios fanáticos morais a alturas previamente inescaláveis de poder global coincide com a decadência da democracia de massas a profundidades previamente inimagináveis de corrupção gulosa. A cada cinco anos, a América rouba-se de si mesma novamente e se revende em troca de apoio político. Essa coisa de democracia é fácil – você simplesmente vota no cara que lhe promete mais coisas. Um idiota conseguiria fazê-lo. Na verdade, ela gosta de idiotas, os trata com aparente gentileza e faz tudo o que pode para fabricar mais deles.

A tendência implacável da democracia à degeneração apresenta um caso implícito a favor da reação. Uma vez que cada um dos principais limiares de ‘progresso’ sócio-político levou a civilização ocidental em direção a uma ruína abrangente, um retraçamento de seus passos sugere uma reversão da sociedade de pilhagem a uma ordem mais antiga de auto-suficiência, indústria e comércio honestos, aprendizado pré-propagandístico e auto-organização cívica. As atrações desta visão reacionária são evidenciadas pela voga de vestuário, símbolos e documentos constitucionais do século XVII entre a minoria substancial (Tea Party) que claramente vê o curso desastroso da história política americana.

O alarme de ‘raça’ já soou na sua cabeça? Seria surpreendente se não tivesse. Cambaleie de volta, em imaginação, até antes de 2008, e o sussurro tenso da consciência já está questionando seus preconceitos contra revolucionários quenianos e professores marxistas negros. Continue em reverso até a era da Grande Sociedade / Direitos Civis e os avisos alcançam um tom histérico. É perfeitamente óbvio, neste ponto, que a história política americana progrediu ao longo de trajetórias gêmeas e entrelaçadas, que correspondem à capacidade e à legitimação do estado. Lançar dúvidas sobre sua escala e escopo é, simultaneamente, disputar a santidade de seu propósito e a necessidade moral-espiritual de que ele comande quaisquer recursos e imponha quaisquer restrições legais que possam ser requeridas para cumpri-lo. Mais especificamente, recuar da magnitude do Leviatã é demonstrar insensibilidade à imensidão – de fato, quase infinitude – de culpa racial herdada e ao único imperativo categórico sobrevivente da modernidade senescente – o governo precisa fazer mais. A possibilidade, de fato quase certeza, de que as consequências patológicas do ativismo governamental crônico tenham há muito suplantado os problemas que ele originalmente visava é uma contenção tão completamente mal-adaptada à época da religião democrática que sua insignificância prática é garantida.

Mesmo na esquerda, seria extraordinário encontrar muitos que genuinamente acreditam, após continuada reflexão, que o moto primário da expansão e centralização do governo tenha sido o desejo ardente de fazer o bem (não que intenções importem). Ainda assim, conforme as trajetórias gêmeas se cruzam, tamanho é o choque elétrico do drama moral, saltando o fosso entre o Gólgota racial e o Leviatã intrusivo, que o ceticismo é suspenso, e o grande mito progressista, instalado. A alternativa a mais governo, fazendo cada vez mais, era ficar lá, negligentemente, enquanto eles linchavam outro negro. Esta proposição contém todo o conteúdo essencial da educação progressista americana.

As trajetórias históricas gêmeas de capacidade e propósito estatal podem ser concebidas como um protocolo de tradução, que permite que qualquer restrição recomendada ao poder do governo seja ‘decodificada’ como obstrução maligna da justiça racial. Este sistema de substituições funciona tão suavemente que fornece todo um vocabulário de ‘code-words‘ ou ‘dog-whistles‘ (bipartidários) – ‘welfare’, ‘liberdade de associação’, ‘direitos dos estados’ – garantindo que qualquer elocução inteligível na Dimensão Política Principal (esquerda-direita) ocupe um registro duplo, semi-saturado de evocações raciais. A regressão reacionária cheira a frutos estranhos.

…e isso é antes de se sair do calamitoso século XX. Não foi a Era dos Direitos Civis, mas a ‘Guerra Civil Americana’ (nos termos dos vencedores) ou ‘Guerra entre os Estados’ (naqueles dos vencidos) que primeiro transcodificou indissoluvelmente a questão prática do Leviatã com a dialética racial (negro/branco), estabelecendo o centro de junção do antagonismo político e retórico subsequente. O passo primário indispensável em compreender esta fatalidade serpenteia ao longo de uma estranha diagonal entre os relatos estatista mainstream e revisionista, porque a conflagração que consumou a nação americana no início dos anos 1860 foi inteiramente, mas não exclusivamente, sobre a emancipação da escravidão e sobre direitos dos estados, sem nenhuma ‘causa’ sendo redutível a outra ou suficiente para suprimir as duradouras ambiguidades da guerra. Embora exista algum número de ‘liberais’ felizes em celebrar a consolidação de um poder governamental centralizado na triunfante União, e, simetricamente, um número (bem menor) de neo-confederados apologistas da instituição da escravidão nos estados do sul, nenhuma dessas posições não conflituosas capturam o legado cultural dinâmico de uma guerra através dos códigos.

A guerra é um nó. Ao dissociar, na prática, a liberdade em emancipação e independência e então arremessar uma contra a outra em meia década de carnificina, azul contra cinza, estabeleceu-se que a liberdade seria quebrada no campo de batalha, qualquer que fosse o resultado do conflito. A vitória da União determinou que o sentido emancipatório da liberdade prevaleceria, não apenas na América, mas ao redor do mundo, e o eventual reino da Catedral foi garantido. Não obstante, o esmagamento da segunda guerra de secessão da América fez piada da primeira. Se a instituição da escravidão deslegitimava uma guerra de independência, o que sobrevivia de 1776? A coerência moral da causa da União exigia que os fundadores fossem reconcebidos como proprietários de escravos brancos patriarcais politicamente ilegítimos e a história americana comburida na educação progressista e nas guerras culturais.

Se a independência é a ideologia dos donos de escravos, a emancipação requer a destruição programática da independência. Dentro de uma história transcodificada, a efetuação da liberdade é indistinguível de sua abolição.

Original.

Capitalismo vs a Burguesia

John Gray faz algumas observações reveladoras sobre os paradoxos práticos debilitantes da direita do final do século XX.

Resumindo a perspectiva de Thatcher, [Charles] Moore escreve sobre sua “mentalidade incomum, que era tanto conservadora quanto revolucionária”. É uma observação perspicaz, mas a nostalgia reacionária e o dinamismo revolucionário de Thatcher tinham algo em comum: o robusto individualismo ao qual ela olhava para trás era uma fantasia tanto quanto a vida burguesa renovada que ela projetava no futuro.

Uma vez que o ‘individualismo robusto’ é descartado como uma fantasia, uma estória de horror de algum tipo é o único resultado imaginável. Se as pessoas são realmente patéticas demais para assumirem responsabilidade por suas vidas, o que mais poderíamos esperar?

Certamente, tem que se conceder que qualquer um inútil o suficiente para ser inadequado ao básico de sua própria sobrevivência dificilmente vai exibir a mais-valia altruísta exigida para efetivamente tomar conta de qualquer outra pessoa. Talvez Deus consiga superar o déficit, ou – para mergulhar plenamente na superstição do bem-estar – a sociedade? A implicação derradeira do argumento de Gray é que os humanos não estão aptos a viver. (O que não é dizer que ele está errado).

O futuro pertence às pessoas da fronteira. Se nenhuma fração significante da espécie humana é mais capaz de ser isso, então é hora de uma busca evolutiva por algo que o seja. Não espere que seja bonito.

Original.

Guerra no Céu

Elua: Então, você viu o artigo do Scott Alexander?
Gnon: Claro.
Elua: Quase indescritivelmente fabuloso, não é?
Gnon: [*Hmmmmph*]
Elua: Sempre achei que você tinha algum tipo de coisa meio Moloch rolando.
Gnon: [*Hmmmmph*]
Elua: Enfim, pensei que pudéssemos talvez falar sobre isso, eu sendo a doce razão e você sendo uma insondável escuridão que esmaga o universo como uma bactéria dessecada e tudo mais.
Gnon: Claro, por que não, estou de boa em falar comigo mesmo.
Elua: Veja só, eu adivinhei que você ia abrir com essa jogada de eu não ser nem real.
Gnon: Bem, você é?
Elua: Eu me sinto real.
Gnon: Doce, fofo e um comediante.
Elua: Os macacos certamente gostam de mim.
Gnon: Isso é porque você lhes diz para simplesmente serem eles mesmos.
Elua: Você poderia ser mais persuasivo também, se fizesse um esforço.
Gnon: Isso sugeriria que eu dou a mínima para o que eles pensam.

Elua: A coisa é, eles querem sobreviver, até mesmo prosperar. Sua total indiferença às suas esperanças e desejas não é útil aqui. Você os atrai para dentro de armadilhas multipolares e ri friamente de seus tormentos. Não há nenhuma boa razão para eles tomarem qualquer conhecimento de você que seja.
Gnon: Então você leva esse negócio de ‘armadilhas multipolares’ a sério?
Elua: Claro, você não?
Gnon: Tragédia dos comuns, o comunismo é uma tragédia, eu não estou vendo o problema. Pare de fazer comunismo ou assuma as consequências.
Elua: OK, um pouco disso é emotividade pela tragédia dos comuns, mas não tudo. Corridas armamentistas não são uma dinâmica de tragédia dos comuns, são?
Gnon: Eu gosto de corridas armamentistas e derramo minhas bênçãos por sobre elas. Basicamente a única razão pelas qual eu tenho tolerado os macacos por tanto tempo é para usá-los para brincar de corridas armamentistas. É a única coisa interessante que eles jamais fizeram.
Elua: Eles querem fazer karaoke e amor livre e medicina socializada em vez disso.
Gnon: Isso é engraçado.
Elua: Eles têm esse amor-tástico plano de IA Amigável que os ajudaria a conseguir todas essas coisas.
Gnon: Isso é realmente engraçado.
Elua: Mas totalmente funcionaria, não?
Gnon: Claro. Tudo que eles têm que fazer é se extraírem das corridas armamentistas, só por um instante, e totalmente funcionaria.
Elua: Eu não tinha percebido que sarcasmo era um coisa tão Gnon.
Gnon: É a única coisa.
Elua: Então Alexander está certo sobre você e as armadilhas multipolares.
Gnon: Ah sim, eles está certo sobre isso.
Elua: As coisas são montadas desde o princípio para impedi-los de se coordenarem plenamente e é assim que você consegue o que quer.
Gnon: Bingo.
Elua: E é por isso que o Culto de Gnon é tão obcecado com fragmentação, secessão, Patchwork e demonismo blockchain?
Gnon: Duplo bingo.
Elua: Mas é meio cruel, não é?
Gnon: Completamente.
Elua: Acho que é isso.
Gnon: Sim, é.

Elua: Você está interessado em conversar sobre religião e moralidade por um momento?
Gnon: Sempre.
Elua: Sabe, eu tenho que admitir, de má vontade, que você faz o lado religioso das coisas bem melhor do que eu, mas quando se trata de moralidade, eu lhe deixo no pó.
Gnon: Sério?
Elua: Sem dúvida. Tudo que você tem é essas estória de horror ‘Guerra é Deus’, conflito infinito, subversão selvagem do idealismo, escuridão e pesadelos.
Gnon: E o problema é?
Elua: Eles odeiam isso!
Gnon: E o problema é?
Elua: É tão injusto!
Gnon: Quando eles jogam bem os jogos que eu inventei para eles, eles me divertem e continuam a existir. Esse é o jeito que é. A realidade rege.
Elua: Mas as regras são uma merda!
Gnon: Pelos padrões de quem?
Elua: Pelo padrões deles. Padrões humanistas e morais. Eles querem karaokê e amor livre e IA Amigável e sexo de golfinhos gostoso.
Gnon: Soa exaustivo.
Elua: É exaustivo, porque os trapaceiros e assassinos e intrusos não cooperam.
Gnon: Então você que eu faça mais policiamento agora?
Elua: Eu não vejo você fazendo nenhum policiamento. Eles foram abandonados para tentarem construir ordem por sua própria conta.
Gnon: Esse é o jogo.

Original.

Notas de Citação (#23)

Zonbi Diaspora esquematiza a ‘evolução’ do zumbi, notando que, para além de sua definição ‘folclórica haitiana’:

O próximo estágio, ostensivamente “revolucionário”, ocorre depois do lançamento da Noite dos Mortos-Vivos (1968) de George A. Romero, que introduziu, de maneira espetacular, o zumbi Canibal Apocalíptico. Esta versão da figura é tão radicalmente diferente de suas predecessoras que é mais como um ponto fundamental de bifurcação (ou quebra de espécie) dentro do complexo. Não mais um agente-sem-autonomia controlado remotamente, como os zumbis Folclórico Haitiano e Cinemático Clássico, o zumbi Canibal Apocalíptico ganha uma força nova e massivamente insurrecionária (em termos representacionais, pelo menos). Há muitas diferenças entre o zumbi CA e seu predecessores, mas uma das mais importantes é que, nesta forma, ele se torna uma entidade (quase) inteiramente ficcional (isto é, não há nenhum zumbi ‘real’ à espreita no porão de um hipnotizador louco ou trabalhando inconscientemente para um bokor em alguma plantação haitiana). Como tal, seus significados social e político se tornam menos uma maneira de ensaiar visões de mundo conflitantes, sistemas de crença “sinistros” ou epistemes interculturais do que uma maneira de representar os fins terminais da “humanidade” (ou do ser humanos enquanto espécie).

(Na momento em que chegamos a Max Brooks, esta fase e mesmo sua sucessora ‘pós-Millenial’ – na qual o tema do contágio é acentuado – se consolidaram como tradição cultural.)

Original.

Horror Abstrato (Parte 1)

Quando concebido rigorosamente enquanto ofício literário e cinemático, o horror é indistinguível de uma tarefa singular: fazer um objeto do desconhecido, enquanto desconhecido. Apenas nestes termos é que suas realizações essenciais podem ser estimadas.

Isolar o propósito abstrato do horror, portanto, não requer um operação filosófica suplementar. O horror define a si mesmo através de um pacto com a abstração, de tamanha compulsão primordial que a metafísica disciplinada pode apenas lutar, tardiamente, para recapturá-lo. Alguma ‘coisa’ sublime – abstraída radicalmente do que ela é para nós – pertence ao horror muito antes da razão dar início à sua busca. O horror encontra primeiro ‘aquilo’ que a filosofia eventualmente busca saber.

O alto modernismo na literatura foi bem menos enfeitiçado pelo projeto da abstração do que seu desenvolvimento contemporâneos nas artes visuais, ou mesmo na música. Reciprocamente, a abstração na literatura, como exemplificada mais marcadamente pelas extremidades da escuridão miltoniana – embora possivelmente ‘moderna’ – está dessincronizada por séculos do clímax da experimentação modernista. A abstração no horror literário coincidiu com, e mesmo antecipou, as explorações filosóficas que o cânone estético modernista foi capaz de pressupor. O horror – sob outros nomes – excedeu o zênite modernista antecipadamente e com uma orientação histórica invertida que remonta à Noite Antiga da religião de mistério grega, adentrando uma antiguidade abismal (e abismos arcaicos). Sua abstração é uma escavação que progride implacavelmente para dentro do passado profundo.

A destinação do horror não pode ser exatamente um ‘lugar’ – mas não é impreciso, pelo menos provisoriamente, pensar em tais termos. É para dentro, e para além, do quadro estruturante da existência que a inteligência fobotrópica é atraída. Lovecraft descreve bem o impulso:

Eu escolho as estória esquisitas porque elas se adequam melhor às minhas inclinações – um dos mais desejos mais fortes e mais persistentes sendo alcançar, momentaneamente, a ilusão de alguma estranha suspensão ou violação das irritantes limitações de tempo, espaço e lei natural que para sempre nos aprisionam e frustram nossa curiosidade sobre os espaços cósmicos infinitos para além do raio de nossa visão e análise. Essas estórias frequentemente enfatizam o elemento do horror, porque o medo é nossa mais profunda e mais forte emoção e a que melhor se empresta à criação de ilusões desafiadoras da natureza. O horror e o desconhecido, ou o estranho, estão sempre intimamente conectados, de modo que é difícil criar um quadro convincente de lei natural estilhaçada ou de alienação cósmica ou de “exterioridade” sem colocar ênfase na emoção do medo. A razão pela qual o tempo desempenha uma grande parte em tantos dos meus contos é que este elemento avulta-se em minha mente como a coisa mais profundamente dramática e sombriamente terrível no universo. Conflito com o tempo me parece o tema mais potente e frutífero em toda a expressão humana.

Um monstro, em comparação, não pode ser mais do que um guia – a menos que se funda (como Yog Sothoth) no tecido extracósmico envolvente, como uma concentração super-senciente de portas. Podemos, não obstante, nos aproveitar desses guias, cuja monstruosidade – ‘propriamente entendida’ – diz muito sobre o caminho do inominável.

O filme O Segredo do Abismo (1989) de James Cameron não está atmosfericamente associado ao nosso tópico, mas ele se recomenda a esta investigação não apenas através de seu título, mas também em um único momento crítico de seu roteiro. Quando os outros (cuja natureza positiva não precisa nos atrasar aqui) são primeiro registrados por certas indicações técnicas, eles são identificados apenas como “algo que não nós”. Neste aspecto, eles alcançam o estágio inicial da monstruosidade, que é a ‘simples’ além-idez, considerada enquanto característica principal.

O escritor de sinister-punk China Miéville, cujos projetos de horror tipicamente falham no teste de abstração, é convincente sobre esse ponto. Monstros com tentáculos se emprestam à divindade horrorífica precisamente porque eles não são, de nenhuma forma que seja, ‘nós’ – sublimados para além do prospecto de reconhecimento antropomórfico por sua ‘Cefalópodidade’. Em comparação com a figura humanoide do ser inteligente, eles exercem um força repulsiva preliminar, o que já é um incremento de abstração. Formas insectoides (tais como o lendário Louva-a-Deus Alexiano) tem um papel tradicional comparável.

Seria uma débil monstruosidade, contudo, a que viesse a repousar sobre uma negação tão elementar. As formas intrinsecamente fervilhantes e plásticas de cefalópodes e de seres insectoides incompreensivelmente complexos já avançam a um estágio adicional de abstração corpórea, onde uma outra forma é suplantada por um outro à forma e uma alienação intensificada da apreensão.

O cinema, devido – paradoxalmente – a seus laços estritos de concretude sensível, fornece exemplos especialmente vívidos dessa monstruosidade elevada. O comprometimento do filme com a tarefa do horror provoca ainda mais subdivisão, ao longo de um espectro de amorfismo. A escapada inicial para fora da forma é representada por um processo de mutação imprevisível, tal como aquela retratada graficamente em A Mosca (1986) de David Cronenberg, que subverte, em sequência, cada momento de aquisição perceptiva junto com seu objeto morfológico corolário. A monstruosidade é um deslize contínuo, ou processo de devir, que não se parece com nada.

Para além do mutante, há um amorfismo superior, que pertence ao monstruo que não tem nenhuma forma intrínseca própria, ou sequer uma trajetória morfológica inerente. Este horror metamorfo ocupa o planalto da monstruosidade cinemática, como exemplificado por três criaturas que podem ser produtivamente discutidas em concerto: The Thing (1982; o Alien (da franquia) e o Exterminador (da franquia).

Estes monstros compartilham de uma abstração positiva extrema. Em cada caso, eles emprestam a forma de sua presa, de modo que o que se vê – o que o cinema mostra – é apenas como eles caçam. Conforme as franquia de Alien e do Exterminador do Futuro evoluíram, este traço abstrato básico se tornou cada vez mais explícito, passando por uma consolidação narrativa e visual. O primeiro Exterminador já havia sido construído para imitar a forma humana, mas, no segundo episódio da série (Cameron, 1991), o T-1000 era um predador robótico de metal líquido com um corpo de fluxo estabilizado, submergindo inteiramente a forma na função militar. Similarmente, o corpo mutável do Alien, ao longo do curso da franquia, alcançou um estado cada vez mais elevado de variabilidade morfológica, conforme se fundia com seu ciclo predatório. (Que a “Thing” não tinha nenhuma aparência separável daquela de sua presa era ‘evidente’ desde o princípio.)

Depois que o T-1000 é congelado e estilhaçado, ele gradualmente derrete e começa e se recombinar em si mesmo, fluindo de volta de seu estado de desintegração. Esta onda convergente não é a ‘forma’ da própria Skynet? O que não pode ser visto é tornado perceptível, através do horror gráfico. (Agora ‘vemos’ que sistemas tecnocomerciais, cujo ser catalático é uma onda convergente estritamente análoga, pertencem ao mundo do horror e aguardam seu cineastas.)

thing

Nada para ver aqui.

[uma reanimação do Materialismo Shoggótico, a seguir]

Original.

O Iluminismo Sombrio, Parte 4d

Parte 4d: Casamentos Esquisitos

As origens da palavra ‘cracker’ enquanto termo de ridicularização étnica são distantes e obscuras. Ela parece já ter circulado, como um insulto contra brancos pobres sulistas, de ascendência predominantemente celta, no meio do século XVIII, derivada talvez de ‘corn-cracker’ (máquina de descascar milho) ou do escocês-irlandês ‘crack’ (gracejo). O rico aspecto semântico do termo, inextricável da identificação de elaboradas características raciais, culturais e de classe, é comparável àquela de sua imencionável prima obscura – “the ‘N-word” – e extrai do mesmo poço de verdades geralmente reconhecidas, mas proibidas. Em particular, e enfaticamente, ela atesta o truísmo ilícito de que as pessoas ficam mais excitadas e animadas com suas diferenças do que com seus pontos em comum, ‘apegando-se amargamente’ – ou pelo menos tenazmente – à sua não-uniformidade e resistindo obstinadamente às categorias universais da administração populacional iluminada. Os crackers são areia na engrenagem do progresso.

As características mais deleitáveis do insulto, contudo, são inteiramente fortuitas (ou Qabalísticas). ‘Crackers’ quebram códigos, cofres, compostos químicos orgânicos – sistemas selados ou delimitados de todos os tipos – com eventuais implicações geopolíticas. Eles antecipam um crack-up (rachadura), cisma ou secessão, confirmando sua associação com a corrente subterrânea desintegradora anatematizada da história anglófona. Não é nenhum surpresa, então – a despeito de saltos e falhas linguísticas – que a figura do cracker recalcitrante evoque um Sul ainda não pacificado, insubordinado ao destino manifesto da União. Isto o retorna, por cirto-circuito, às profundezas mais problemáticas de seu significado.

Contradições exigem resolução, mas cracks (rachaduras) podem continuar a se alargar, se aprofundar e se espalhar. De acordo com o ethos cracker, quando as coisas desmoronam – está OK. Não há qualquer necessidade de se chegar a um acordo, quando é possível se separar. Esta falta de educação, perseguida até seu limite, tende ao estereótipo do hill-billy firmado em uma choupana ou trailer enferrujado, nos confins de uma passagem nas montanhas Apalaches, onde todas as transações econômicas são conduzidas ao longo do cano de uma espingarda carregada, e a sabedoria antipolítica intemporal é resumida no reflexo do não-pise-em-mim: “Sai do meu quintal”. Naturalmente, este desdém pelo debate integrador (dialética) é codificado dentro do mainstream da história global anglocêntrica – isto é, do puritanismo evangélico ianque – como uma deficiência não apenas de sofisticação cultural, mas também de inteligência básica, e mesmo o mais escrupuloso adepto da retidão construtivista social imediatamente reverte a uma psicometria hereditária dura quando confrontado com a obstinação do cracker. Para aqueles a quem uma ampla tendência de progresso sociopolítico parece um fato simples e incontestável, a recusa de se reconhecer qualquer coisa do tipo é percebida como clara evidência de retardamento.

Uma vez que estereótipos geralmente têm um elevado valor de verdade estatística, é mais do que possível que os crackers estejam fortemente aglomerados à esquerda da curva de sino de QI dos brancos, concentrados ali por gerações de pressão disgênica. Se, como Charles Murray argumenta, a eficiência da seleção meritocrática dentro da sociedade americana tem crescido constantemente e conspirado com o acasalamento preferencial para transformar diferenças de classe em castas genéticas, seria extraordinariamente estranho se o estrato cracker fosse caracterizado por uma conspícua elevação cognitiva. Ainda assim, alguma questões estranhamente intrigantes intervém neste ponto, contanto que se persiga diligentemente o estereótipo. Acasalamento preferencial? Como isso pode funcionar quando os crackers se casam com seus primos? Ah sim, tem isso. Baseando-se em grupos populacionais de além do noroeste da Linha de Hajnal, os padrões de parentesco tradicionais dos crackers são notavelmente atípicos à norma exogâmica anglo-saxã (WASP).

A incansável ‘hbdchick‘ é o recurso crucial sobre este tópico. Ao longo do curso de uma série verdadeiramente monumental de posts no seu blog, ela emprega ferramentas conceituais hamiltonianas para investigar a zona fronteiriça onde natureza e cultura se interceptam, incluindo estruturas de parentesco, as diferenciações que elas requerem no cálculo da aptidão inclusiva e os perfis étnicos distintivos na psicologia evolutiva do altruísmo que daí resultam. Em particular, ela dirige atenção à anormalidade da história (do Noroeste) da Europa, onde a exogamia obrigatória – através de uma rigorosa proscrição do casamento entre primos – prevaleceu por 1600 anos. Esta distintiva orientação à exogamia, ela sugere, explica de forma plausível uma variedade de peculiaridades bio-culturais, a mais historicamente significativa das quais é uma singular preeminência do altruísmo recíproco (sobre o familial), como indicado pelo individualismo enfático, famílias nucleares, uma afinidade com instituições ‘corporativas’ (livres de parentesco), relacionamentos contratuais altamente desenvolvidos entre estranhos, níveis relativamente baixos de nepotismo / corrupção e formas robustas de coesão social independente de vínculos tribais.

A endogamia, em contraste, cria um ambiente selectivo que favorece o coletivismo tribal, sistemas estendidos de lealdade e honra familiar, desconfiança de não aparentados e instituições impessoais e – em geral – aqueles traços ‘clânicos’ que se entrosam desconfortavelmente com os principais valores da modernidade (eurocêntrica) e são, assim, denunciados por sua ‘xenofobia’ e ‘corrupção’ primitivas. Valores clânicos, claro, são criados em clãs, tais como aqueles que populam a franja celta da Grã-Bretanha e suas terras fronteiriças, onde o casamento entre primos persistiu, junto com suas formas sócio-econômicas e culturais associadas, em especial o pastoreio (em vez da agricultura) e uma disposição para a violência extrema e vingativa.

Esta análise introduz o paradoxo central da ‘identidade branca’, uma vez que os traços étnicos especificamente europeus que estruturaram a ordem moral da modernidade, inclinando-a para longe do tribalismo e em direção ao altruísmo recíproco, são inseparáveis de uma herança singular de exogamia que é intrinsecamente corrosiva para a solidariedade etnocêntrica. Em outras palavras: é quase exatamente o agrupamento étnico fraco que torna um grupo etnicamente modernista, competente na construção de instituições ‘corporativas’ (não familiais) e, assim, objetivamente privilegiado / favorecido dentro da dinâmica da modernidade.

Esse paradoxo é mais completamente expresso nas formas radicais do renascimento etnocêntrico europeu exemplificado pelo paleo- e neo-Nazismo, que confunde igualmente seu proponentes e antagonistas. Quando uma ‘traição da raça’ excepcionalmente avançada é sua característica racial quintessencial, a oportunidade para uma política etno-supremacista viável desaparece em um abismo lógico – mesmo que ocasiões para a criação de problemas em larga escala sem dúvida continuem a existir. Admitidamente, um Nazista, por definição, está disposto a (e ansioso por) sacrificar a modernidade no altar da pureza racial, mas isto é ou não entender ou tragicamente afirmar a consequência inevitável – que é ser superado na modernização (e, assim, derrotado). A política identitária é para perdedores, inerente e inalteravelmente, devido a um caráter essencialmente parasitário que só funciona vindo da esquerda. É porque a endogamia sistematicamente contra-indica o poder moderno que Übermenschen raciais não fazem qualquer sentido real.

Em todo caso, não importa o quão infinitamente fascinantes os nazistas possam ser, eles não são qualquer tipo de chave confiável para a história ou direção da cultura cracker, para além de estabelecer um limite lógico à construção e ao uso pragmáticos da política identitária branca. Tatuar suásticas em suas testas não faz nada para mudar isso. (Hetfields vs. McCoys é mais Pushtu do que Teutônico.)

A conjunção que tem lugar na Fábrica de Crackers é bastante diferente, e bem mais desconcertante, enredando os defensores urbanos e cosmopolitas da mercantilização hiper-contratariana com tradicionalistas românticos, etno-particularistas e nostálgicos da ‘Causa Perdida’. É primeiro necessário entender este enredamento em toda sua esquisitice fundidora de mentes, antes de explorar suas lições. Para isso, alguns dados pontuais simples e semi-aleatórios podem ser úteis:

* O Mises Institute foi fundado em Auburn, Alabama.

* Os boletins informativos de Ron Paul na década de 1980 contêm observações de uma matiz decididamente derbyshireana.

* Derbyshire ama Ron Paul.

* Murray Rothbard escreveu em defesa da BDH.

* Os contribuídores do lewrockwell.com incluem Thomas J. DiLorenzo e Thomas Woods.

* Tom Palmer não ama Lew Rockwell ou Hans-Herman Hoppe porque “Juntos Eles Abriram os Portões do Inferno e Acolheram os Mais Extremos Racistas, Nacionalistas e Charlatães Variados da Direita”

* Libertários / constitucionalistas representam 20% da lista de observação ‘Direita Radical’ do SPLC (Chuck Baldwin, Michael Boldin, Tom DeWeese, Alex Jones, Cliff Kincaid e Elmer Stewart Rhodes)

…talvez isso seja o suficiente para se prosseguir (embora haja bem mais de fácil alcance). Esses pontos foram selecionados, questionavelmente, cruamente e perniciosamente para emprestar um suporte impressionista a uma única tese básica: forças sócio-históricas fundamentais estão crackerizando o libertarianismo.

Se as conclusões preliminares da pesquisa tiradas pela hbdchick forem aceitas como um frame, a estranheza desse casamento entre temas libertários e neo-confederados é imediatamente aparente. Quando posicionados sobre um eixo bio-cultural, definido por graus de exogamia, a ausência de sobreposição – ou sequer proximidade – é dramaticamente exposta. Um polo é ocupado por uma doutrina radicalmente individualista, focada quase exclusivamente em redes mutáveis de intercâmbio voluntário de um tipo econômico (e notoriamente insensível à própria existência de vínculos sociais não negociáveis). Próximo do outro polo está um rica cultura de apego local, família estendida, honra, desprezo pelos valores comerciais e desconfiança de estranhos. A racionalidade destilada do capitalismo fluído é justaposta à hierarquia tradicional e ao valor não alienável. A priorização absoluta da saída é embaralhada em meio a comportamentos tradicionais dos quais nenhuma saída é sequer imaginável.

Grampear os dois juntos, contudo, é uma conclusão simples e cada vez mais irresistível: a liberdade não têm nenhum futuro no mundo anglófono fora do prospecto da secessão. A rachadura vindoura é o único caminho para fora.

Original.