AAA…

…significa aceitar, amplificar e acelerar. Iniciado aqui e intensificado aqui, isso abre um horizonte inexplorado para uma discussão estratégica dentro da NRx. Nenhuma análise do conflito cultural na Internet pode evitar uma referência à trollagem, e nenhuma compreensão da trollagem é está mais completa sem referência a AAA. Isso eleva a discussão da paródia a um novo nível. (Se já não está óbvio, este blog está seriamente impressionado.)

AAA funciona se a complicação estratégica tiver consequências favoráveis. A facção cultural que tiver maior capacidade de tolerância a dificuldade, confusão de identidades, ironia e humor, tenderá a encontrar uma vantagem nisso. Creio que sejamos nós. É inerentemente tóxico para o fanatismo.

Como subtema – mas um que é afiadamente apreciado aqui – isso marca uma evolução crítica nas Guerras de Cthulhu. (Verifique os gráficos no post do TNIO para um reconhecimento disso.) Em vez de argumentar se “Cthulhu nada para a esquerda“, AAA propõem anfetaminizar o monstro independente disso. Se um “holocausto de liberdade” é o que vocês querem, vamos . Leve essa operação até o fim do rio… e vejamos o que encontramos.

ADICIONADO: Comentários do Slate Star Scratchpad.

Original.

Lei de Poe

Apenas alguns meses atrás, eu nunca tinha ouvido falar da Lei de Poe. Agora é raro um dia no qual ela não brota diversas vezes. Invocações do Zeitgeist são inerentemente improváveis, mas se houvesse uma ilustração persuasiva do fenômeno, seria algo como isso.

De acordo com a entrada sucinta da Wikipédia (já postada), a Lei de Poe tem menos de uma década de idade. Entre seus precursores, também relativamente recentes, um comentário de 2001 na Usenet de Alan Morgan a antecipa de forma mais estreita: “Qualquer troll suficientemente avançado é indistinguível de um maluco”. Em outras palavras, entre uma posição intelectual sincera e sua satirização, nenhuma distinção segura pode ser feita. (Não há nada sobre esta tese que a restrinja à opinião ‘extrema’, embora seja assim que ela é normalmente entendida.)

A última oportunidade para levantar este tópico é, claro, o @Salondotcom. (Há uma divertida entrevista com os trapalhões por trás disso aqui.) A infração desta conta, que a levou a ser suspensa pelo Twitter semana passada, estava clara para além de qualquer dúvida razoável. Bastante simplesmente, ela era quase indistinguível da original, um fato que foi em si explicitamente observado (e tweetado) inúmeras vezes. As paródias das chamadas do Salon, tão ridiculamente exageradas que faziam os leitores do @Salondotcom rir descontroladamente, eram engraçadas precisamente porque eram imitações tão plausíveis das do próprio Salon. O leitores estavam rindo, através do @Salondotcom, do /Salon/. É quase certamente por isto que a conta foi suspensa.

Sem vagar muito profundamente no reino da especulação, vale a pena notar isto:

“As políticas do Twitter exigem que notificações de persofinicação venham do indivíduo sendo personificado” … hmm

A Lei de Poe é, em última análise, indistinguível de um outro conceito retórico recente e que se popularizou rapidamente: o Teste de Turing Ideológico. Pode-se dizer que uma crítica intelectual entende seu adversário se ela for capaz de reproduzi-lo com uma fidelidade adequada. O TTI é, portanto, um procedimento cultural para peneirar argumentos espantalhosos e outras má representações. Se você não consegue imitar o caso do inimigo, não se pode considerar que você se ocupou seriamente dele.

Evidentemente, a Lei de Poe pode ser interpretada como um filtro do mesmo tipo. A sátira é efetiva na exata medida em que ela pode ser confundida com o satirizado. (Isto pode ser levado em direções comparativamente sérias.)

O que a Lei de Poe nos diz é que o antagonismo é irredutível à argumentação. Desta forma, ele é inerentemente anti-dialético (e, assim, tacitamente secessionista). Pode haver um perfeito entendimento do que o inimigo está dizendo, sem sequer o menor grau de aproximação de um consenso. Em outras palavras, existem discrepâncias inteiramente indissolúveis na discussão.

Uma sátira cortante não reconstrói uma posição cognitiva a fim de torná-la risível. Em vez disso, ela re-expõe tal posição, tão fielmente quanto possível, dentro do registro da risada – isto é, da hostilidade. Ela afirma um dissenso que nenhum processo de reconciliação pode melhorar. Nossa ‘discordância’ não é o sinal de uma conversa ausente. É o chamado de uma cisão por vir.

Original.

Horrorizado

Há um post sobre o racismo extremo de H. P. Lovecraft a caminho e, dada a abundância de material estimulante sobre o tópico, um tira-gosto menor é irresistível. Este] ensaio altamente representativo de Nicole Cushing serve como oportunidade. Ela escreve:

Abordar este assunto também é difícil porque ele tem que ser tratado com algum nuance (o que é difícil de conseguir em uma discussão sobre um tópico uma carga emocional tão justificadamente grande quanto o racismo americano). Seria fácil demais apontar para o racismo de Lovecraft (e para algumas de suas outras falhas enquanto autor) e descartá-lo como um idiota indistinto que não merecia nada melhor do que ser publicado em pulps. Eu não vou fazer isso aqui. Minha posição é de que Lovecraft fez uma contribuição importante para o horror e para a ficção científica ao focar (de uma maneira persistente e convincentemente imaginativa) no terror induzido pela revelação da não-significação humana no cosmos. […] Lovecraft teve uma influência significativa na ficção de horror (em particular) durante muitos anos, uma influência que transcende seu racismo. …Tudo isso é apenas uma maneira verbosa de explicar que o racismo de Lovecraft não nega suas realizações.

Mas suas realizações não negam seu racismo. (Entre, dissonância cognitiva).

Entre os aspectos mais fascinantes deste comentário é sua flagrante desorientação, uma vez que – claro – o fenômeno indicado não tem absolutamente nada a ver com dissonância cognitiva. Há aqui um encontro com uma espécie anormal de gênio literário, associada com uma verdade metafísica profunda, o que, ao mesmo tempo, – e por razões inextricavelmente emaranhadas – desencadeia uma reação de pânico moral, que se inclina para uma repulsa somática profunda. Em outras palavras, e talvez até mesmo bastante simplesmente, o que está sendo relatado por Nicole Cushing é – horror.

ADICIONADO: Isto me divertiu morbidamente:

“Houve essa janela de oportunidade”, continua [o boateiro sobre o Necronomicon, Peter Levenda], revisando a ressurgência ocultista nos anos 1970, quando “queríamos mostrar que isso não era uma coisa assustadora. Poderia ser poderosa, poderia alterar sua mente, poderia mudar sua vida. Mas não era perigoso, não ia te matar. E era isso que estávamos tentando promover.”

Eu recentemente visitei o antigo local do The Magickal Childe. Herman Slater morreu de AIDS em 1992…

ADICIONADO: Nicole Cushing (em sua própria seção de comentários: “Em posts nos quais “a palavra com n” apareceria, eu editei para ser ‘N—-r’ ou algum outro arranjo similar. Dessa maneira, os leitores devem ser capazes de entender a essência do que o comentador está se referindo sem ter que olhar para a palavra em si”.  – Por que não simplesmente deixar como “Neorreação”? – não pode ser tão aterrorizante assim.

Original.

Horrorismo

A Neorreação, conforme tende à extremidade de seu vetor no Iluminismo Sombrio, frustra todas as demandas familiares por ativismo. Mesmo que a anti-política explícita continue sendo uma postura minoritária, o cálculo demótico da possibilidade política, há muito dominante, é consistentemente subvertido – esvaziando os eleitorados demográficos dos quais se poderia esperar uma ‘mobilização’. Não há nenhuma classe, raça ou credo reacionário remotamente coerente – ela dolorosamente explica – a partir do qual uma política de massas que reverta a maré possa ser construída. A este respeito, mesmo as versões mais brandas de análise neorreacionária são profundamente decepcionantes em termos de política.

Quando as ideologia demotistas entraram em crises superficialmente comparáveis, elas se bifurcaram em ‘realistas’ conciliadores e ‘terroristas’ extremistas. A última opção, que substitui a erosão do fator extensivo (popular) por uma intensificação violenta da vontade política, é um indicador especialmente confiável de que o demotismo está entrando em um estado idealista, no qual suas características ideológicas essenciais são expostas com peculiar clareza. Terroristas são os veículos de ideias políticas que ficaram encalhadas por conta de uma maré vazante de identidade social e estão, assim, liberados para se aperfeiçoarem na abstração da praticidade massiva. Uma vez que um movimento revolucionário se torna demograficamente implausível, terroristas nascem.

O realismo neorreacionário, em contraste, está positivamente alinhado com a recessão da sustentação demótica. Se este não fosse o caso, ele exibiria seu próprio modo específico de política democrática – um evidente absurdo. Qualquer sugestão de raiva frustrada, que se incline a expressões terroristas, imediatamente revelaria uma profunda confusão, ou hipocrisia. Açoitar as massas até a aquiescência ideológica, através da violência exemplar, não pode sequer imaginavelmente ser um objetivo neorreacionário.

O ativismo demotista encontra sua rigorosa ‘contrapartida’ neorreacionária no fatalismo – tricotomizado como providência, hereditariedade e catalaxia. Cada uma destas vertentes do destino trabalha em seu caminho para fora, na ausência do endosso político das massas, com um impulso que se constrói através da dissolução da ação compensatória organizada. Em vez de tentar fazer algo acontecer, a fatalidade restaura algo que não pode ser parado.

É assim que os contornos aproximados da tarefa horrorista emergem em foco. Em vez de resistir ao desespero do ideal progressista aterrorizando seus inimigos, ela se dirige à culminação do desespero progressista no abandono da compensação à realidade. Ela des-mobiliza, des-massifica e des-democratiza, através de intervenções sutis, singulares e catalíticas, orientadas à efetuação do destino. A Catedral tem que ser horrorizada à paralisia. A mensagem horrorista (aos seus inimigos): Nada do que você está fazendo tem qualquer possibilidade de funcionar.

“O que deve ser feito?” não é uma questão neutra. O agente que ela invoca já se estica na direção do progresso. Isso é suficiente para sugerir uma resposta horrorista: Nada. Não faça nada. Sua ‘práxis’ progressista dará em nada, em todo caso. Desespere-se. Receda ao horror. Você pode fingir prevalecer em antagonismo a ‘nós’, mas a realidade é seu inimigo verdadeiro – e fatal. Não temos nenhum interesse em gritar para você. Nós sussurramos, gentilmente, em seu ouvido: “desespere-se”. (O horror.)

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Zack-Pop

Michael Totten cobre uma quantia impressionante de terreno em seu resumo da cultura zumbi contemporânea. Poderia ser chamada de Antropoceno Sombrio: Um mundo emergente assombrado pelo medo espesso de que todo o resto do planeta é uma ameaça zumbi latente. Debaixo de um pele de civilidade fina e que facilmente de rasga, seus vizinhos cada vez mais incompreensíveis são canibais sem mente, aguardando um desencadeamento. Estados-Nação disfuncionais não oferecem nenhuma proteção crível, mas estiveram por aí por tempo o bastante para garantir que você tenha sido drasticamente desarmado das competências básicas de sobrevivência. Algum pulso de amídala residual está lhe dizendo para começar a pensar como você vai lidar quando tudo finalmente vier abaixo.

Não é surpresa para ninguém que este blog vê isso, de forma bastante direta, como introspecção democrática. Só é necessário que as pessoas comecem a se banquetear da mesma maneira em que votam, e estamos zackados. Toda a cultura está dizendo – e agora praticamente gritando – que essa é a forma em que a modernidade sócio-política acaba.

Original.

O Iluminismo Sombrio, Parte 4f(inal)

Parte 4f: Aproximando-se do Horizonte Biônico

É hora de dar a esta longa digressão uma conclusão, esticando-se impacientemente em direção ao fim. O tema básico tem sido controle mental, ou supressão de pensamento, como demonstrado pelo complexo Midiático-Acadêmico que domina as sociedades ocidentais contemporâneas e ao qual Mencius Moldbug dá o nome de Catedral. Quando as coisas são esmagadas, elas raramente desaparecem. Pelo contrário, elas são deslocadas, fugindo para dentro de sombras acolhedoras e, às vezes, virando monstros. Hoje, conforme a ortodoxia supressora da Catedral se desfaz, de várias maneiras e em numerosos sentidos, um tempo de monstros está se aproximando.

O dogma central da Catedral tem sido formalizado como o Modelo Padrão das Ciências Sociais (SSSM, na sigla em inglês) ou ‘teoria da tábula rasa’. É a crença, completada em sua essência pela antropologia de Franz Boas, de que toda questão legítima sobre a humanidade está restrita à esfera da cultura. A natureza permite que ‘o homem’ seja, mas nunca determina o que o homem é. Questões direcionadas às características e variações naturais entre humanos são, elas mesmas, apropriadamente compreendidas como peculiaridades, ou mesmo patologias, culturais. Falhas de ‘educação’ (nurture) são a única coisa que temos permissão de ver.

Uma vez que a Catedral tem uma orientação ideológica consistente e peneira seus inimigos de acordo, uma avaliação científica comparativamente independente do SSSM facilmente vira antagonismo bruto. Como Simon Blackburn observa (em uma análise criteriosa do Tabula Rasa de Steven Pinker), “A dicotomia entre natureza e educação (nurture) rapidamente adquire implicações políticas e emocionais. Para colocar de maneira crua, a direita gosta de genes e a esquerda gosta de cultura…”.

No limite do ódio recíproco, o determinismo hereditário confronta o construtivismo social, com cada um deles comprometido com um modelo radicalmente reduzido de causalidade. Ou a natureza se expressa como cultura, ou a cultura se expressa em suas imagens (‘construções’) da natureza. Ambas estas posições estão presas em lados opostos de um circuito incompleto, estruturalmente cegas à cultura de naturalismo prático, o que seria dizer: à manipulação tecno-científica / industrial do mundo.

Adquirir conhecimento e usar ferramentas é um único circuito dinâmico, que produz a tecno-ciência como um sistema integral, sem divisibilidade real em aspectos teóricos e práticos. A ciência se desenvolve em loops, através da técnica experimental e da produção de uma instrumentação cada vez mais sofisticada, ao passo em que está incorporada dentro de um processo industrial mais amplo. Seu avanço é o aperfeiçoamento de uma máquina. Este caráter intrinsecamente tecnológico da ciência (moderna) demonstra a eficiência da cultura enquanto força natural complexa. Ela nem expressa uma circunstância natural pré-existente, tampouco meramente constrói representações sociais. Em vez disso, natureza e cultura compõem um circuito dinâmico, à beira da natureza, onde o destino é decidido.

De acordo com a pressuposição auto-reforçadora de modernização, ser compreendido é ser modificável. É de se esperar, portanto, que a biologia e a medicina evoluam em conjunto. A mesma dinâmica histórica que subverte abrangentemente o SSSM através de ondas inundantes de descoberta científica simultaneamente volatiliza a identidade biológica humana através da biotecnologia. Não há qualquer diferença essencial entre aprender o que realmente somos e nos redefinirmos como contingências tecnológicas, ou seres tecnoplásticos, suscetíveis a transformações precisas e cientificamente informadas. A ‘humanidade’ se torna inteligível conforme é subsumida na tecnosfera, onde o processamento de informação do genoma – por exemplo – coloca a leitura e a edição em perfeita coincidência.

Descrever esse circuito, conforme ele consome a espécie humana, é definir nosso horizonte biônico: o limiar de uma fusão conclusiva entre natureza e cultura, no qual uma população se torna indistinguível de sua tecnologia. Isto não é nem determinismo hereditário, nem construtivismo social, mas é ao que ambos teriam feito referência, tivessem eles indicado qualquer coisa real. É uma síndrome vividamente antecipada por Octavia Butler, cuja trilogia Xenogenesis é devotada ao exame de uma população de além do horizonte biônico. Seus ‘comerciantes de genes’ Oankali não têm nenhuma identidade separável do programa biotecnológico que eles perpetuamente implementam sobre si mesmos, conforme adquirem comercialmente, produzem industrialmente e reproduzem sexualmente sua população dentro de um único processo integral. Entre o que os Oankali são e a maneira em que eles vivem, ou se comportam, não existe nenhuma diferença firme. Uma vez que eles criam a si mesmos, sua natureza é sua cultura e (claro) reciprocamente. O que eles são é exatamente o que eles fazem.

Os tradicionalistas da Ortosfera Ocidental estão certos em identificar o iminente horizonte biônico com um evento teológico (negativo). A auto-produção tecno-científica suplanta de maneira específica a essência fixa e sacralizada do homem enquanto um ser criado, em meio à maior reviravolta na ordem natural desde o surgimento da vida eucarionte, há meio bilhão de anos. Não é meramente um evento evolutivo, mas o limiar de uma nova fase evolutiva. John H. Campbell anuncia a emergência do Homo autocatalyticus, enquanto argumenta: ‘De fato, é difícil imaginar como um sistema de herança poderia ser mais ideal para a engenharia do que o nosso é’.

John H. Campbell? – um profeta da monstruosidade e a desculpa perfeita para uma citação monstruosa:

Os biólogos suspeitam que novas formas evoluem rapidamente a partir de exogrupos bastante pequenos de indivíduos (talvez até mesmo uma única fêmea fertilizada, Mayr, 1942) à margem de uma espécie existente. Ali, a pressão de um ambiente praticamente inabitável, a endogamia forçada entre membros isolados da família, a “introgressão” de genes estranhos de espécies vizinhas, a falta de outros membros da espécie contra quem competir, ou o que seja, promove uma grande reorganização do programa genômico, possivelmente a partir de uma mudança modesta na estrutura genética. Quase todos esses fragmentos trasmutados de espécies se extinguem, mas ocasionalmente um deles é afortunado o suficiente para se encaixar em um novo nicho viável. Ele prospera e se expande até uma nova espécie. Sua conversão em um pool genético estatisticamente constrito então estabiliza a espécie contra maiores mudanças evolutivas. Espécies estabelecidas são bem mais notáveis por sua estase do que por mudanças. Mesmo produzir uma nova espécie filha não parece mudar uma espécie existente. Ninguém nega que as espécies possam gradualmente se transformar e o fazer em várias medidas, mas essa chamada “anagênese” é relativamente pouco importante, se comparada à grande saltação geologicamente súbita na geração de novidade.

Três implicações são importantes.

1. A maior parte das mudanças evolutivas estão associadas com a origem de novas espécies.

2. Diversos modos de evolução podem operar simultaneamente. Neste caso, o mais efetivo domina o processo.

3. Pequenas minorias de indivíduos fazem a maior parte da evolução, ao invés da espécie como um todo.

Uma segunda característica importante da evolução é a autorreferência (Campbell, 1982). A caricatura cartesiana de um “ambiente” externo autônomo que dita a forma de um espécie, como um cortador de biscoitos corta estêncis a partir de folhas de massa, está completamente errada. A espécie molda seu ambiente tão profundamente quanto o ambiente “evolui” a espécie. Em particular, os organismos causam as condições limitadoras do ambiente sobre o qual eles competem. Portanto, os genes desempenham dois papeis na evolução. Eles são os alvos da seleção natural e são eles também que, em última análise, induzem e determinam as pressões seletivas que agem sobre si. Esta causalidade circular submerge o caráter mecânico da evolução. A evolução é dominada pelo feedback das atividades evoluídas dos organismos sobre sua evolução.

A terceira percepção seminal é de que a evolução se estende para além da mudança nos organismos enquanto produtos da evolução, a uma mudança no próprio processo. A evolução evolui (Jantsch, 1976; Balsh, 1989; Dawkins, 1989; Campbell, 1993). Os evolucionistas sabem deste fato mas nunca concederam ao fato a importância que ele merece, porque é incomensurável com o darwinismo. Os darwinistas, e especialmente os neodarwinistas modernos, equacionam a evolução com a operação de um princípio lógico simples, que é anterior à biologia: A evolução é meramente o princípio darwiniano da seleção natural em ação e é disso que a ciência da evolução trata. Uma vez que princípios não podem mudar com o tempo ou as circunstâncias, a evolução tem que ser fundamentalmente estática.

Claro, a evolução biológica não é assim de forma alguma. Ela é um processo complexo real, não um princípio. A maneira em que ela ocorre pode mudar com o tempo e indisputavelmente o faz. Isto é de máxima importância, porque o processo de evolução avança conforme procede (Campbell, 1986). A matéria pré-viva na sopa primordial da terra era capaz de evoluir apenas através de mecanismos “químicos” sub-darwinianos. Uma vez que estes processos insignificantes criaram moléculas genéticas com informação para sua autorreplicação, então a evolução foi capaz de se engajar em seleção natural. A evolução então embrulhou os genomas auto-replicantes dentro de organismos auto-replicantes para controlar a maneira em que a vida responderia aos ventos da seleção vindos do ambiente.Mais tarde, ao criar organismos multicelulares, a evolução ganhou acesso à mudança morfológica enquanto alternativa a uma evolução bioquímica mais lenta e menos versátil. Mudanças nas instruções em programas de desenvolvimento substituíram mudanças nos catalisadores enzimáticos. Sistemas nervosos abriram caminho para uma evolução comportamental, social e cultural ainda mais rápida e mais potente. Finalmente, esses modos mais elevados produziram a organização necessária para uma evolução racional e propositada, guiada e propelida por mentes orientadas a metas. Cada um desses passos representou um novo nível emergente de capacidade evolutiva.

Desta forma, existem dois processos evolutivos distintos, mas entrelaçados. Eu os chamo de “evolução adaptativa” e “evolução geradora”. A primeira é a familiar modificação darwiniana de organismos para aumentar sua sobrevivência e sucesso reprodutivo. A evolução geradora é inteiramente diferente. Ela é a mudança em um processo, em vez de uma estrutura. Além disso, esse processo é ontológico. Evolução literalmente significa “se desdobrar” e o que está se desdobrando é a capacidade de evoluir. Animais superiores se tornaram cada vez mais hábeis em evoluir. Em contraste, eles não são nem um pouco mais aptos do que seus ancestrais ou as formas mais baixas de micróbios. Toda espécie hoje teve exatamente o mesmo histórico de sobrevivência; na média, todo organismo mais elevado vivo hoje ainda deixará apenas duas proles, como era o caso cem milhões de anos atrás, e as espécies modernas têm tanta probabilidade de serem extintas quanto aquelas do passado. As espécies não podem se tornar cada vez mais aptas porque o sucesso reprodutivo não é um parâmetro cumulativo.

Para os nacionalistas raciais, preocupados com que seus netos sejam parecidos consigo, Campbell é o abismo. Miscigenação não chega nem perto da questão. Pense em tentáculos faciais.

Campbell também é um secessionista, embora não tenha quaisquer distrações com as preocupações da política de identidade (pureza racial) ou do elitismo cognitivo tradicional (eugenia). Ao se aproximar do horizonte biônico, o secessionismo assume uma atitude completamente mais selvagem e mais monstruosa – em direção à especiação. O pessoal no euvolution captura bem o cenário:

Raciocinando que a maior parte da humanidade não vai voluntariamente aceitar políticas de gerenciamento populacional qualitativo, Campbell aponta que qualquer tentativa de elevar o QI de toda a raça humana seria tediosamente lento. Ele ainda ponta que o ímpeto geral do eugenia primordial não era tanto melhoria da espécie quanto prevenção do declínio. A eugenia de Campbell, portanto, advoga o abandono do Homo sapiens enquanto ‘relíquia’ ou ‘fóssil vivo’ e a aplicação de tecnologia genéticas para se intrometer no genoma, provavelmente escrevendo novos genes a partir do zero usando um sintetizador de DNA. Tal eugenia seria praticada por grupos da elite, cujas realizações ultrapassariam tão rápida e radicalmente o andamento comum da evolução que, dentro de dez gerações, os novos grupos terão avançado para além de nossa atual forma, no mesmo grau em que nós transcendemos os símios.

Quando visto do horizonte biônico, o que quer que venha a emergir da dialética do terror racial permanece preso em trivialidades. É hora de seguir em frente.

Original.

O Iluminismo Sombrio, Parte 4a

Parte 4a: Uma sub-digressão multiparte ao terror racial

Meu próprio sentimento da coisa é que, por debaixo de toda a conversa feliz, debaixo da adesão obstinada a ideias falhas e teorias mortas, debaixo da gritaria e do anátema contra pessoas como eu, há um desespero profundo e frio. Em nossos mais íntimos corações, não acreditamos que a harmonia racial possa ser alcançada. Daí a tendência à separação. Só queremos continuar com nossas vidas longe um dos outros. Ainda assim, para um povo moralista e otimista como os americanos, esse desespero é insuportável. Ele é empurrado para longe, para algum lugar em que não tenhamos que pensar sobre ele. Quando alguém nos força a pensar sobre ele, reagimos com fúria. Aquele menininho na estória de Andersen sobre as novas roupas do Imperador? O fim seria mais verdadeiro para com a vida se ele tivesse sido linchado por uma multidão uivante de cidadãos ultrajados.
– John Derbyshire, entrevistado na Gawker

Acreditamos na igual dignidade e na presunção de igual decência em relação a toda pessoa – não importa qual raça, não importa o que a ciência nos diga sobre inteligência comparativa e não importa o que possa ser obtido das estatísticas criminais. É importante que a pesquisa seja feita, que as conclusões não sejam fraudadas e que tenhamos liberdade de falar francamente sobre o que ela nos diz. Mas isto não é um argumento a favor de conclusões a priori sobre como pessoas individuais devem ser tradas em diversas situações – ou a favor de calcular medo ou amizade com base apenas na raça. Manter e ensinar de outra forma é prescrever a desintegração de uma sociedade pluralista, minar a aspiração de E Pluribus Unum.
– Andrew McCarthy, defendendo a expulsão de JD da National Review

“A Conversa”, da forma em que os americanos negros e os liberais a apresentam (a saber: necessitada pela malícia branca), é uma afronta cômica – porque ninguém tem permissão (vide Barro acima) de notar o contexto no qual os americanos negros estão tendo desentendimentos com a lei, uns com os outros e com outros. O contexto apropriado para entender isto, e a mania que é o Travyonicus aliás, é o medo razoável de violência. Este é o fato mais exigente aqui – e, ainda assim, você decreta que ele não pode ser falado.
– Dennis Dale, respondendo ao chamado de Josh Barro pela demissão de JD.

Tremenda experiência viver com medo, não é? É isso que é ser um escravo.
– Bladerunner

Não há nenhuma parte de Singapura, Hong Kong, Taipei, Xangai ou muitas outras cidades no Leste asiático em que seja impossível passear, com segurança, tarde da noite. Mulheres, sejam jovens ou velhas, sozinhas ou com crianças pequenas, podem ficar confortavelmente alheias aos detalhes do espaço e do tempo, pelo menos no que diz respeito à ameaça de agressão. Embora isto possa não ser bem suficiente para definir uma sociedade civilizada, chega extremamente próximo. É certamente necessário a qualquer definição dessas. O caso contrário é o barbarismo.

Essas cidades afortunadas do oeste do Círculo do Pacífico são tipificadas por localizações geográficas e perfis demográficos que ecoam de maneira conspícua as embaraçosamente bem-comportadas ‘minorias modelo’ dos países ocidentais. Elas são dominadas (de maneira não desagradável) por populações que – devido a herança biológica, profundas tradições culturais ou algum emaranhamento inextricável das duas – acham interações sociais educadas, prudentes e pacíficas comparativamente fáceis e dignas de reforço contínuo. Elas são também, importantemente, sociedades abertas e cosmopolitas, notavelmente desprovidas de arrogância chauvinista ou de um sentimento etno-nacionalista paranoico. Seus cidadãos não estão inclinados a enfatizar suas próprias virtudes. Pelo contrário, eles serão tipicamente modestos quanto aos seus atributos e realizações individuais e coletivas, anormalmente sensíveis às suas falhas e deficiências e estarão constantemente alertas para oportunidades de melhoria. A complacência é quase tão rara quanto a delinquência. Nessas cidades, toda uma dimensão – com consequências massivas – de terror social está simplesmente ausente.

Em muito do mundo ocidental, em um contraste gritante, o barbarismo foi normalizado. É considerado simplesmente óbvio que cidades tem ‘áreas ruins’ que não são meramente pobres, mas letalmente ameaçadoras, para estranhos assim como para residentes. Adverte-se os visitantes para que fiquem longe, ao passo que os locais fazem o seu melhor para transformar suas casas em fortalezas, evitam se aventurar nas ruas depois do anoitecer e – especialmente se forem homens jovens – voltam-se para gangues criminosas em busca de proteção, o que degrada ainda mais a segurança de todas as outras pessoas. Predadores controlam o espaço público, parques são armadilhas mortais, a ameaça agressiva é celebrada como ‘atitude’, a aquisição de propriedade é para caretas (ou assaltantes), a aspiração educacional é ridicularizada e a atividade empresarial não-criminosa é desprezada como uma violação das normas culturais. Todo mecanismo significativo de pressão sócio-cultural, desde heranças interpretadas e influências dos pares até a retórica política e incentivos econômicos, está alinhado com o aprofundamento da depravação complacente e da extirpação cruel de todo impulso de auto-melhoria. Bastante claramente, esses são lugares em que a civilização colapsou de maneira fundamental, e uma sociedade que os inclua, em uma medida substancial, falhou.

Dentro dos países mais influentes do mundo de língua inglesa, a desintegração da civilização urbana moldou profundamente a estrutura e o desenvolvimento das cidades. Em muitos casos, o padrão ‘natural’ (agora se poderia dizer ‘asiático’), no qual a urbanização intensiva e os valores imobiliários correspondentes são maiores no centro da cidade, foi destruído ou, pelo menos, profundamente deformado. A desintegração social do centro urbano levou a um êxodo dos (sequer moderadamente) prósperos para refúgios suburbanos e extra-urbanos, produzindo um padrão grotesco e historicamente sem precedentes de desenvolvimento estilo ‘rosquinha’, com cidades que toleram – ou meramente se acomodam a – interiores arruínados e podres, nos quais pessoas sãs temem pisar. ‘Centro da cidade’ veio a significar quase exatamente o oposto do que um curso não distorcido de desenvolvimento urbano produziria. Esta é a expressão geográfica de um problema social ocidental – e especialmente americano – que é, de uma só vez, basicamente imencionável e visível do espaço sideral.

Surpreendentemente, a síndrome da rosquinha com núcleo quebrado tem um nome notavelmente insensível e ainda assim comumente aceito, que a captura em linhas gerais – pelo menos de acordo com suas características secundárias – e em um grau razoável de aproximação estatística: White Flight (Fuga dos Brancos). Este é um termo que prende, por uma variedade de razões. Ele é marcado, primeiro de tudo, pela bipolaridade racial que – como um arcaísmo vital – ressoa com a crise social crônica da América, em uma série de níveis. Embora superficialmente datado, em uma era de questões multiculturais e de imigração de muitos matizes, ele reverte ao código morto-vivo herdado da escravidão e da segregação, perpetuamente identificada com as palavras de Faulkner: “O passado não está morto. Ele nem mesmo é passado.” Ainda assim, mesmo neste atípico momento de candura racial, a negritude é elidida e implicitamente desconectada da agência. É denotada apenas por alusão, como um resíduo, concentrado passiva e derivadamente pela função peneiradora de um pânico branco altamente adrenalinizado. O que não pode ser dito é indicado mesmo enquanto não é mencionado. Um silêncio distintivo acompanha a meia-expressão quebrantada de uma maré muda de separatismo racial, guiado por terrores e animosidades civilizacionalmente incapacitantes, cujas profundidades e estruturas de reciprocidade permanecem inconfessáveis.

O que o êxodo puritano do Antigo para o Novo Mundo foi para a fundação da modernidade anglófona global, o white flight é para o seu desgaste e dissolução. Assim como com a migração pré-fundadora, o que da ao white flight relevância inelutável aqui é seu caráter sub-político: tudo saída e nenhuma voz. Ela é o ‘outro’ sutil, não-argumentativo e não-exigente da democracia social e seus sonhos – o impulso espontâneo do iluminismo sombrio, da maneira em que é inicialmente vislumbrado, de uma só vez desilusivo e implacável.

A rosquinha com o núcleo quebrado não é o único modelo de síndrome da cidade doente (o fenômeno da favela marginal enfatizado no Planet of Slums de Mike Davis é muito diferente). Tampouco o urbanismo do desastre-rosquinha é redutível à crise racial, pelo menos em suas origens. Fatores tecnológicos desempenharam um papel crucial (mais proeminentemente, a geografia do automóvel), assim como o fizeram outras tradições culturais de longa data (tais como a construção de subúrbios enquanto idílios burguêses). Ainda assim, todas essas linhagens foram, em muito grande medida, suplantadas ou, pelo menos, subordinadas ao ‘problema racial’ herdado e que ainda emerge.

Então, o que é este ‘problema’? Como ele está se desenvolvendo? Por que alguém fora da América deveria estar preocupado com ele? Por que levantar o tópico agora (se jamais)? – Se o seu coração está afundando sob a sombria suspeita de que isto vai ser enorme, sinuoso, estressante e torturante, você está certo. Temos semanas nesta câmara de horrores pelas quais esperar.

As duas respostas mais simples, bastante amplamente mantidas e basicamente incompatíveis, para a primeira questão merecem ser consideradas como partes importantes do problema.

Questão: Qual é o problema racial americano?

Resposta-1: Pessoas negras.

Resposta-2: Pessoas brancas.

A popularidade combinada destas opções é significantemente expandida, muito provavelmente para englobar a grande maioria de todos os americanos, quando se considera que ela inclui aqueles que assumem que uma destas duas respostas domina o pensamento do outro lado. Entre si, as proposições “O problema estaria acabado se pudéssemos simplesmente nos livrar dos vadios negros / racistas brancos” e / ou “Eles pensão que somos todos vadios / racistas e querem se livrar de nós” consomem uma proporção impressionante do espectro político, estabelecendo uma fundação sólida de terror e aversão recíprocos. Quando projeções defensivas são adicionadas (“Não somos vadios, vocês são racistas” ou “Não somos racistas, você são vadios”), o potencial para uma dialética superaquecida e não-sintetizadora se aproxima do infinito.

Não que estes ‘lados’ sejam raciais (exceto na fantasia tribal-nacionalista negra ou branca). Para estereótipos crus, é bem mais útil se voltar para a dimensão política principal e suas categorias de ‘liberal’ e ‘conservador’ no sentido americano contemporâneo. Identificar o problema racial da América com o racismo branco é a posição liberal estereotípica, ao passo que identificá-lo com a disfunção social negra é o exato complemento conservador. Embora estas posições sejam formalmente simétricas, é sua assimetria política real que investe o problema racial americano com seu extraordinário dinamismo histórico e significância universal.

Que os brancos e negros americanos – considerados grosseiramente como agregados estatísticos – coexistem em uma relação de medo recíproco e vitimização percebida é atestado pelos padrões manifestos de desenvolvimento e navegação urbana, escolha de escolas, propriedade de armas, policiamento e encarceramento, e quase todas as outras expressões de preferência revelada (ao contrário da afirmada) que estejam relacionadas à distribuição social voluntária e à segurança. Um equilíbrio objetivo de terror reina, apagado da visibilidade por perspectivas complementares, mas incompatíveis, de supremacismo e negação vitimológicos. Ainda assim, entre as posições liberal e conservadora sobre raça não há qualquer equilíbrio que seja, mas algo próximo de uma derrota. Os conservadores estão completamente aterrorizados com a questão, ao passo que, para os liberais, ela é um jardim de delícias terrenas, cujos prazeres transcendem os limites da compreensão humana. Quando qualquer discussão política chega firme e claramente ao tópico da raça, o liberalismo vence. Esta é a lei fundamental da efetividade ideológica à sombra fragante meia-luz da Catedral. Em certos aspectos, este desequilíbrio político dinâmico é até mesmo o fenômeno primário sob consideração (e muito mais precisa ser dito sobre isso, mais á frente).

A humilhação regular, excruciante e esmagadora do conservadorismo na questão da raça não deveria ser nenhuma surpresa para ninguém. Afinal, o papel principal do conservadorismo na política moderna é ser humilhado. É para isto que uma perpétua e leal oposição, ou bobo da corte, serve. O caráter essencial do liberalismo, enquanto guardião e proponente da fé espiritual neo-puritana, o investe com domínio supremo sobre a dialética, ou invulnerabilidade à contradição. Aquilo que é impossível de se pensar deve, necessariamente, ser adotado através da fé. Considere apenas a doutrina fundamental ou primeiro artigo do credo liberal, conforme promulgado através de toda discussão pública, articulação acadêmica e iniciativa legislativa relevante ao tópico: Raça não existe, exceto enquanto construto social empregado por uma raça para explorar e oprimir uma outra. Meramente entreter isso é estremecer antes à incrível majestade do absoluto, onde tudo é simultaneamente seu preciso oposto, e a razão evapora extaticamente à beira do sublime.

Se o mundo fosse construído com ideologia, esta estória já estaria acabada ou, pelo menos, previsivelmente programada. Para além do aparente zigue-zague da dialética, há uma tendência dominante, que leva em uma direção única e inequívoca. Ainda assim, a solução liberal-progressista para o problema da raça – um ‘anti-racismo’ abrangentemente sistemático e dinamicamente paradoxal que se escala sem limites – confronta um obstáculo real que é apenas muito parcialmente refletido nas atitudes, retórica e ideologia conservadoras. O verdadeiro inimigo – glacial, incipiente e não-argumentativo – é o ‘white flight’.

Neste ponto, uma referência explícita ao Caso Derbyshire se torna irresistível. Há uma quantia muito considerável de contexto histórico complexo e recente que clama por introdução – a convulsão cultural que acompanhou ao incidente Trayvon Martin em particular – mas haverá tempo para isso mais tarde (ah sim, eu temo que sim). A intervenção de Derbyshire e a explosão de palavras que ela provocou, embora em alguma medida iluminada por tal contexto, de longe o excede. Isso porque o termo crucial não dito, tanto no agora notório artigo curto de Derbyshire, quanto também – aparentemente – nas respostas que ele gerou, é ‘white flight’. Ao publicar um conselho paternal para seus filhos (eurasiáticos) que foi – não inteiramente sem razão – resumido como ‘evite pessoas negras’, ele converteu a fuga dos brancos, de um fato muito lamentado, mas aparentemente inexorável, para um imperativo explícito, até mesmo uma causa. Não discuta, fuja.

A palavra que Derbyshire enfatiza, em sua própria penumbra de comentários e em escritos antecedentes, não é ‘fuga’ ou ‘pânico’, mas desespero. Quando perguntado pelo blogueiro Vox Day se ele concordava que a ‘race card’ (‘carta da raça’) havia se tornado menos intimidadora ao longo das últimas duas décadas, Derbyshire responde:

Um [fator], sobre o qual eu já escrevi mais de uma vez, eu acho, nos Estados Unidos, é simplesmente o desespero. Eu tenho uma certa idade e eu estava por aí 50 anos atrás. Eu lia os jornais e seguia o eventos mundiais e lembro do movimento dos direitos civis. Eu estava na Inglaterra, mas nós o acompanhávamos. Eu lembro dele, lembro do que sentíamos sobre ele e do que as pessoas estavam escrevendo sobre ele. Tinha muita esperança. A ideia na mente de todo mundo era que, se derrubássemos essas leis injustas e baníssemos toda essa discriminação, então seríamos curados. Então a América seria restaurada. Depois de um período intermediário de alguns anos, quem sabe, talvez 20 anos, com uma mão de coisas como a ação afirmativa, a América negra simplesmente se fundirá à população geral e a coisa toda simplesmente irá embora. Isso é o que todo mundo acreditava. Todo mundo pensava isso. E não aconteceu.

Aqui estamos, 50 anos mais tarde, e ainda temos essas tremendas disparidades de taxas de crimes, realizações educacionais e assim por diante. E eu acho que, embora eles ainda estejam declamando as banalidades, os americanos, em seus corações, sentem um tipo de desespero frio sobre isso. Eles sentem que Thomas Jefferson provavelmente estava certo e que não podemos viver juntos em harmonia. Acho que é por isso que você vê esse lento desagregamento étnico. Temos um sistema escolar muito segregado agora. Existem escolas a 10 milhas de onde estou sentado que são 98 por cento minorias. Na habitação residencial também é a mesma coisa. Então, eu acho que há um desespero frio e sombrio, à espreita no coração coletiva do América, sobre toda essa coisa.

Esta é uma versão da realidade que poucos querem ouvir. Como Derbyshire reconhece, os americanos são um povo predominantemente cristão, otimista, ‘dá pra fazer’, cujo ‘coração coletivo’ é incomumente mal-adaptado a um abandono da esperança. Esse é um país culturalmente programado para interpretar o desespero não meramente como erro ou fraqueza, mas como um pecado. Ninguém que entenda isto poderia ficar remotamente surpreso de encontrar o fatalismo hereditário desolador sendo rejeitado – tipicamente com hostilidade veemente – não apenas por progressistas, mas também pela esmagadora maioria dos conservadores. Na NRO, Andrew C. McCarthy sem dúvida falou por muitos ao observar:

Há um mundo de diferença, no entanto, entre a necessidade de ser capaz de discutir fatos desconfortáveis sobre QI e encarceramento, por um lado, e, por outro, insistir na raça como um fundamento para se abandonar a caridade cristã básica.

Outros foram muito além. No Examiner, James Gibson aproveitou “a torpe arenga racista de John Derbyshire” como uma oportunidade para ensinar uma lição mais ampla – “o perigo do conservadorismo divorciado do cristianismo”:

…uma vez que Derbyshire não acredita “que Jesus de Nazaré era divino …e que a Ressurreição foi um evento real”, ele não pode compreender o grande mistério da Encarnação, através da qual o Divino verdadeiramente assumiu carne humana na pessoa de Jesus de Nazaré e sofreu a morte nas mãos de uma humanidade caída, a fim de redimir essa humanidade de seu estado de queda.

Nisto jaz o perigo de uma filosofia sociopolítica conservadora divorciada de uma robusta fé cristã. Ela se torna uma ideologia morta, produzindo uma visão da humanidade que é tóxica, fatalista e (como Derbyshire prova de maneira abundante) pouco caridosa.

Foi, claro, na esquerda que os fogos de artifício realmente acenderam. Elspeth Reeve, no Atlantic Wire afirmou que Derbyshire se agarrara à sua relação com a National Review porque estava oferecendo aos “leitores menos iluminados” da revista o que eles queriam: “estereótipos raciais datados”. Assim como Gibson na direita, ela estava interessada em que as pessoas aprendessem uma lição mais ampla: não pense, nem por um minuto, que isto acaba em Derbyshire. (Vale a pena notar a seção de comentários incrivelmente pouco cooperativa de seu artigo.)

Na Gawker, Louis Peitzman diminui a qualidade (na direção aprovada) ao descrever a “horrível diatribe” de Derbyshire como “o artigo mais racista possível”, um julgamento que denuncia extrema ignorância histórica, uma vida protegida, inocência incomum e uma falta de imaginação, assim como faz o artigo soar bem mais interessante do que realmente é. Os comentadores de Peitzman são impecavelmente liberais e, claro, estão uniformemente, completamente, chocantemente assustados (ao ponto de um orgasmo). Para além do emocionar, Peitzman não oferece muito conteúdo, com exceção apenas de um pouco mais de emocionar – desta vez uma leve satisfação misturada com uma raiva residual – com as notícias de que a punição de Derbyshire havia pelo menos começado (“um passo na direção certa”) com seu “enxotamento” da National Review.

Joanna Schroeder (escrevendo em algo chamado Good Feel Blog) buscou estender o expurgo para além de Derbyshire, para incluir qualquer um que ainda não tenha irrompido em paroxismos suficientemente melodramáticos de indignação, a começar com David Weigel na Slate (que ela não conhece “na vida real, mas, ao ler este artigo, parece que você bem poderia ser um racista, cara”). “Há tantas… referências racistas e desumanizantes a pessoas negras no artigo de Derbyshire que eu tenho que me parar aqui, antes que reconte a coisa toda, ponto a ponto, fumegante de raiva”, ela compartilha. Ao contrário de Peitzman, contudo, pelo menos Schroeder tem um ponto – a dialética do terror racial – “…propagar a ideia de que deveríamos ter medo de homens negros, de pessoas negras em geral, torna este mundo perigoso para americanos inocentes”. Seu medo o torna assustador (embora aparentemente não com reciprocidade legítima).

Quanto a Weigel, ele entende o terror bem e arduamente. Em poucas horas, ele está de volta ao teclado, se desculpando por sua despreocupação anterior e pelo fato de que ele “acabou nunca dizendo o óbvio: Povo, o ensaio era repugnante”.

Então, o que Derbyshire realmente disse, de onde isso veio e o que isso significa para a política americana (e além)? Esta sub-série penteará por entre o espectro, da esquerda à direita, em busca de sugestões, com o pânico / desespero ‘branco’ socio-geograficamente manifesto como uma linha guia…

A seguir: O Ecstasy Liberal

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Dupla Predestinação

A herança cladística exige que eu comece a falar sobre a doutrina calvinista da Providência aqui (logo), apesar da minha total depravação cognitiva sobre o tópico. Tenho estado lendo as Institutas da Religião Cristã, e em seu entorno, mas inevitavelmente como se fosse de Marte (e como um confucionista). Tem que ser o caso de que muitos dos visitantes aqui são vastamente mais intelectualmente fluentes sobre o assunto, de modo que quaisquer comentários antecipatórios serão avidamente apoderados.

A fatalidade, até onde ela está inicialmente evidente:

(1) A Neorreação, localizada cladisticamente, é um estilhaço criptocalvinista.

(2) As doutrinas que colocaram o calvinismo no “gabinete dos horrores” de H. L. Mencken (“próximo ao canibalismo”), nunca foram filosoficamente dissolvidas, seja por argumentos teológicos ou seculares.

(3) A dispensa moralista da modernidade e, por associação, do protestantismo, evidencia uma concepção quase incompreensivelmente crua da Providência – como se a maneira em que as coisas ocorreram não fosse uma fatalidade e, em termos teológicos, uma mensagem (ou punição), mas sim um acidente ou contingência criada pelo homem. A teologia rigorosa da modernidade não pode se reduzir a mera denúncia.

(4) O calvinismo é um instrumento com o qual se explorar o catolicismo, especialmente no que diz respeito à sua filosofia implícita da história (e ao recursos ao raciocínio teleológico). O ‘Neo-‘ na Neorreação parece ser uma marca calvinista. Há um sem número de explicações seculares influentes para a maneira em que a história torturou a Igreja – de modo que mesmo os religiosos parecem tipicamente assumi-las por padrão. Onde se encontra uma descrição radicalmente providencial (que escave o significado teológico da modernidade)?

(5) A própria palavra ‘Catedral’, em seu uso neorreacionário, não é um sinal providencial complexo? (O que sugere que ela tem bem mais a dizer do que qualquer coisa que escritores neorreacionários ou o mero acidente coloquem nela.)

(6) O aglomerado de disputas em torno da ‘predestinação’ (ou ação da eternidade sobre a história) é a chave ocidental para o problema do tempo.

Estou certo de que há muito mais…

[Isto ajuda a estabelecer o tom.]

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Etno-Cladística

A tese etno-cladística, superficialmente resconstruída aqui a partir do uso neorreacionário de Mencius Moldbug, propões que relações entre sistemas culturais são capturadas por cladogramas em um nível altamente significante de adequação. Os limites a esta tese são estabelecidos por complicações laterais – intercâmbios e modificações que não se conformam com um padrão de descendência ramificada – e estas não são, de forma alguma, negligenciáveis. Não obstante, formações culturais reais são dominadas pela ordem cladística. Como consequência, teorias culturais que assumem a regularidade taxonômica como uma norma são capazes de alcançar aproximações potencialmente realistas e, além disso, de oferecer o único prospecto para a organização rigorosa dos fenômenos etnográficos.

A defesa mais direta e central da tese etno-cladística ignora os sistemas religiosos de nível comparativamente alto que fornecem o material para os argumentos de Moldbug e se volta, em vez disso, para o fenômeno etnográfico raiz: a língua. Línguas simplesmente são culturas em suas características fundamentais, de modo que qualquer abordagem aplicável a elas terá demonstrado sua adequação geral para a análise cultural.

Eu tentaria desenrolar isto de forma melodramática, mas não acho faça realmente qualquer sentido:

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Clique nas imagens para uma exibição em tamanho completo (legível).

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Parece indisputável (para mim) que complicações laterais destes esquemas cladísticos básicos são marginais. Línguas estão naturalmente agrupadas em estruturas ramificadas em forma de árvores que, como aquelas da variedade biológica (metazoária), são simultaneamente explicativas de processos históricos e de parentesco morfológico, já que representam processos evolutivos de especiação sucessiva. A organização dominante é uma hierarquia taxonômica que se conforma à língua formal da teoria dos conjuntos. Os eventos reais capturados por esses esquemas são cismas, cuja relação lógica é aquela do gênero com a espécie. No caso da cultura, assim como com a biologia, o desenvolvimento evolutivo manifesto indica a existência de algum mecanismo hereditário eficiente (cuja unidade de informação replicada é rotulada por Moldbug, entre inúmeros outros, como um ‘meme‘). Sobre este último ponto, vale a pena notar que a classificação taxonômica biológica, e mesmo a genética, precedeu a descoberta bioquímica do DNA – e foi amplamente confirmada, e não perturbada, quando esta descoberta teve lugar. (O meme é uma analogia, mas não uma metáfora.)

A etno-cladística é a esquemática da herança cultural. Apesar da assertividade tratorante deste post, ele não tem a intenção de impedir esforços metódicos dirigidos à subversão deste modelo. Como indicado, tais esforços necessariamente envolverão a elaboração de diagramas laterais (ou ‘rizomáticos’) – um projeto de grande significância intrínseca (e potencial criativo). Processos tecno-comerciais estão fortemente associados com lateralizações deste tipo.

A cultura, contudo, é fundamentalmente herança, e a etno-cladística é a resposta teórica a este fato histórico básico. Esta já é a alegação tácita de Moldbug, que deveria ser incontroversa entre reacionários de qualquer tipo. No cerne do empreendimento neorreacionário está o cladograma.

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