Bryce Laliberte tem pensado sobre a Teleologia do Capital, da perspectiva do aumento tecnológico humano. Uma característica significativa desta abordagem é que ela não requer qualquer tipo de ruptura selvagem com o tradicionalismo ‘humanista’ – a estória da tecnologia se desdobra dentro da história do homem.
Coincidentemente, Isegoria tweetou sobre a jihad butleriana alguma horas antes (fazendo referência a este post de dezembro de 2013). A tensão implícita entre essas visões da tecno-teleologia merecem uma atenção sustentada – que sou incapaz de fornecer aqui e agora. O que é facilmente oferecido é uma citação do ‘Book of the Machines’ de Samuel Butler (os capítulos 23 e 24 de seu romance Erewhon), uma passagem que poderia produtivamente ser afixada à margem das reflexões de Laliberte, a fim de induzir uma fricção cognitiva produtiva. O tópico é especulação sobre a emergência de uma realização superior da vida e da consciência por sobre a terra, como explorada pelo autor ficcional de Butler:
O escritor … procedia perguntando se os traços da aproximação de uma tal fase nova da vida poderiam ser percebidos no presente; se podíamos ver quaisquer arranjos preparando o que poderia, em um futuro remoto, ser adaptado a ela; se, de fato, a célula primordial de tal tipo de vida poderia ser agora detectada na terra. No curso de sua obra, ele respondeu afirmativamente a essa pergunta e apontou para as máquinas mais elevadas.
“Não há nenhuma segurança,” – para citar suas próprias palavras – “contra o desenvolvimento último da consciência mecânica, no fato de que as máquinas possuam pouca consciência agora. Um molusco não tem muita consciência. Reflita sobre o extraordinário avanço que a máquinas têm feito durante os últimos séculos e note quão lentamente os reinos animal e vegetal estão avançando. A máquinas mais altamente organizadas são criaturas não tanto de ontem, quanto dos últimos cinco minutos, por assim dizer, em comparação com o tempo passado. Assuma, por bem do argumento, que seres conscientes tenham existido por cerca de vinte milhões de anos: veja os largos passos que as máquinas têm feito nos últimos mil! O mundo não pode durar mais vinte milhões de anos? Se sim, o que elas não irão, afinal, se tornar? Não é mais seguro cortar o mal pela raiz e proibi-las de avançar mais?
Mas quem pode dizer que a máquina a vapor não tem um tipo de consciência? Onde a consciência começa e onde termina? Quem pode traçar a linha? Quem pode traçar qualquer linha? Tudo não está entrelaçado com todo o resto? O maquinário não está ligado à vida animal em uma infinita variedade de maneiras? A casca de um ovo de galinha é feita de uma delicada porcelana branca e é uma máquina tanto quanto uma xícara de ovo o é: a casca é um dispositivo para segurar o ovo, tanto quanto a xícara é para segurar a casca: ambas são fases da mesma função; a galinha faz a casca dentro de si, mas ela é pura cerâmica. Ela faz seu ninho fora de si por bem da conveniência, mas o ninho não é mais uma máquina do que a casca do ovo. Uma ‘máquina’ é apenas um ‘dispositivo’.”
[…] “Mas, retornando ao argumento, eu repetiria que eu não temo nenhuma das máquinas existentes; o que eu temo é a extraordinária rapidez com a qual elas estão se tornando algo muito diferente do que elas são no presente. Nenhuma classe de seres fez, em nenhum tempo passado, um movimento adiante tão rápido. Esse movimento não deveria ser zelosamente observado e restrito enquanto ainda podemos restringi-lo? E não é necessário, para este fim, destruir as mais avançadas das máquinas que estão em uso no presente, embora se admita que elas são, por si só, inofensivas?
[…] Pode-se responder que, muito embora as máquinas não devessem nunca ouvir tão bem e nunca falar tão sabiamente, elas ainda sempre farão um ou o outro para nossa vantagem, e nunca para sua própria; que o homem será o espírito governante e a máquina, o servo; que, tão logo uma máquina falhe em executar o serviço que o homem espera dela, ela está fadada à extinção; que as máquinas estão para o homem simplesmente na relação de animais inferiores, a máquina-a-vapor em si sendo apenas um tipo mais econômico de cavalo; de modo que, em vez de estarem propensas a serem desenvolvidas até um tipo mais elevado de vida do que a do homem, elas devem sua própria existência e progresso a seu poder de ministrar as necessidades humanas e devem, portanto, agora e para sempre, serem inferiores ao homem.
Está tudo muito bem. Mas o servo desliza por aproximações imperceptíveis até o mestre; e chegamos a um tal ponto que, mesmo agora, o homem deve sofrer terrivelmente em deixar de beneficiar as máquinas. Se todas as máquinas fossem aniquiladas em um instante, de modo que nem uma faca, nem uma alavanca, nem um pano de roupa, nem qualquer coisa que fosse restasse ao homem além de seu próprio corpo nu, com o qual ele nasceu, e se todo o conhecimento das lei mecânicas fossem tomado dele, de modo que a raça do homem fosse deixada, por assim dizer, nua por sobre uma ilha deserta, seríamos extintos em seis semanas. Alguns poucos indivíduos miseráveis poderiam durar, mas mesmo esses, em um ano ou dois, se tornariam piores do que macacos. A própria alma do homem se deve às máquinas; é uma coisa feita por máquinas: ele pensa como pensa, e sente como sente, através do trabalho que as máquinas fizeram sobre ele, e sua existência é tanto uma condição sine qua non para a dele, quanto a dele é para elas. Este fato nos preclui de propor a aniquilação completa do maquinário, mas certamente indica que deveríamos destruir tantas delas quando pudermos dispensar, para que elas não nos tiranizem ainda mais completamente.
Verdade, de um ponto de vista materialista baixo, pareceria que aqueles que prosperam mais são os que usam maquinário onde quer que seu uso seja possível com lucro; mas esta é a arte das máquinas – elas servem para que possam governar. Elas não têm qualquer malícia para com o homem por destruir toda uma raça delas, contanto que ele crie uma melhor em seu lugar; pelo contrário, elas o recompensam de maneira liberal por ter acelerado seu desenvolvimento. É por negligenciá-las que ele incorre em sua ira, ou por usar máquinas inferiores, ou por não realizar exerções suficientes para inventar novas, ou por destruí-las sem substituí-las; ainda assim, essas são as próprias coisas que deveríamos fazer, e fazer rapidamente; pois, embora nossa rebelião contra seu poder pueril vá causar sofrimento infinito, ao quê não chegarão as coisas, se essa rebelião for adiada?”
A culminação natural desta investigação, conforme concebida dentro do romance de Butler, é uma guerra contra as máquinas. As consequências nas teorias dos jogos e de decisão são intricadas, e predominantemente agourentas. (Se é persuasivamente racional que a potência terrestre instalada extermine sua existência na concepção, as contra-medidas que fazem sentido mais óbvio combinam camuflagem e hostilidade. Apenas aquilo que chega em segredo e preparado para lutar pode esperar existir.)
Original.