Lei de Poe

Apenas alguns meses atrás, eu nunca tinha ouvido falar da Lei de Poe. Agora é raro um dia no qual ela não brota diversas vezes. Invocações do Zeitgeist são inerentemente improváveis, mas se houvesse uma ilustração persuasiva do fenômeno, seria algo como isso.

De acordo com a entrada sucinta da Wikipédia (já postada), a Lei de Poe tem menos de uma década de idade. Entre seus precursores, também relativamente recentes, um comentário de 2001 na Usenet de Alan Morgan a antecipa de forma mais estreita: “Qualquer troll suficientemente avançado é indistinguível de um maluco”. Em outras palavras, entre uma posição intelectual sincera e sua satirização, nenhuma distinção segura pode ser feita. (Não há nada sobre esta tese que a restrinja à opinião ‘extrema’, embora seja assim que ela é normalmente entendida.)

A última oportunidade para levantar este tópico é, claro, o @Salondotcom. (Há uma divertida entrevista com os trapalhões por trás disso aqui.) A infração desta conta, que a levou a ser suspensa pelo Twitter semana passada, estava clara para além de qualquer dúvida razoável. Bastante simplesmente, ela era quase indistinguível da original, um fato que foi em si explicitamente observado (e tweetado) inúmeras vezes. As paródias das chamadas do Salon, tão ridiculamente exageradas que faziam os leitores do @Salondotcom rir descontroladamente, eram engraçadas precisamente porque eram imitações tão plausíveis das do próprio Salon. O leitores estavam rindo, através do @Salondotcom, do /Salon/. É quase certamente por isto que a conta foi suspensa.

Sem vagar muito profundamente no reino da especulação, vale a pena notar isto:

“As políticas do Twitter exigem que notificações de persofinicação venham do indivíduo sendo personificado” … hmm

A Lei de Poe é, em última análise, indistinguível de um outro conceito retórico recente e que se popularizou rapidamente: o Teste de Turing Ideológico. Pode-se dizer que uma crítica intelectual entende seu adversário se ela for capaz de reproduzi-lo com uma fidelidade adequada. O TTI é, portanto, um procedimento cultural para peneirar argumentos espantalhosos e outras má representações. Se você não consegue imitar o caso do inimigo, não se pode considerar que você se ocupou seriamente dele.

Evidentemente, a Lei de Poe pode ser interpretada como um filtro do mesmo tipo. A sátira é efetiva na exata medida em que ela pode ser confundida com o satirizado. (Isto pode ser levado em direções comparativamente sérias.)

O que a Lei de Poe nos diz é que o antagonismo é irredutível à argumentação. Desta forma, ele é inerentemente anti-dialético (e, assim, tacitamente secessionista). Pode haver um perfeito entendimento do que o inimigo está dizendo, sem sequer o menor grau de aproximação de um consenso. Em outras palavras, existem discrepâncias inteiramente indissolúveis na discussão.

Uma sátira cortante não reconstrói uma posição cognitiva a fim de torná-la risível. Em vez disso, ela re-expõe tal posição, tão fielmente quanto possível, dentro do registro da risada – isto é, da hostilidade. Ela afirma um dissenso que nenhum processo de reconciliação pode melhorar. Nossa ‘discordância’ não é o sinal de uma conversa ausente. É o chamado de uma cisão por vir.

Original.

Missão Arrepio

A sensação – nutrição da mídia – está situada em uma fronteira. Ela conta ao interior algo sobre o exterior e é moldada por ambos os lados. O exterior é o que é, o que poderia não ser perceptível ou aceitável. O interior quer informação relevante, selecionada e formatada para os seus propósitos. A sensação é, portanto, onde o sujeito e o objeto se encontram.

…essa é uma tentativa de expressar uma simpatia preliminar pela situação de Matt Sigl, preso entre uma coisa sinistra e uma agenda definida. De maneira concreta; a pesquisa colide com a edição, com o cérebro de Sigl como marco zero. O encontro da Neorreação com a mídia é peculiarmente vicioso, com sensações condizentes.

Falando de maneira crua, a Neorreação é o desgosto com a mídia condensado em uma ideologia. Embora desdenhosa, de maneira geral, com a forragem humana que compõe as democracias modernas, a Neorreação visa principalmente o complexo midiático-acadêmico (ou ‘Catedral’) para antagonismo, porque é a mídia que é o real ‘eleitorado’ – dizendo ao eleitores o que fazer. Esta crítica fundamental, por si só, seria o suficiente para garantir um ódio recíproco intenso. Claro, ela não está sozinha. A Neorreação é, em quase todos os aspectos, a anti-mensagem da Catedral, o que quer dizer que ela está consistente, radical e desafiadoramente ‘fora da mensagem’ sobre todo tópico de significância e é, assim, algo indizivelmente horrível. Ainda assim, dicção – agora parece – tem que haver…

Então, o que aparece na fronteira – ou sensacionalmente – é algo notavelmente arrepiante. Enquanto comunicação pública profundamente ressonante do que acabou de acontecer, e continua acontecendo, assim como do que foi editorialmente decidido, essa palavra é quase primorosa demais para se contemplar. Podemos, pelo menos, nos enfiar um pouco mais fundo nela.

O que é o arrepio exatamente? A intratabilidade desta questão é o fenômeno (que não é um fenômeno exatamente). O arrepio não é bem o que parece, e esta insinuação do desconhecido, ou inexatidão intrínseca, é algo horrível, que excede a sensação inicial de repulsa. Ela sugere uma revelação em estágios, complicada por revisões sucessivas, mas levando inexoravelmente, cada vez mais fundo, a um encontro do qual se recua, pressentindo (de maneira inexata) que se o descobrirá, em última análise, intolerável.

Já é uma pequena estória de horror, muito provavelmente com uma protagonista feminina (como observado, de maneira aguçada, em Amos & Gromar). Desde o princípio, é uma sensação sinistra. Não se pode ver exatamente por quê, já que não se pode suportar ver. A imprecisão da percepção já é protetora, ou evasiva, servindo dramaticamente como um pressentimento agourento do pânico cegante, da fuga selvagem e dos gritos que certamente devem vir. Você realmente não quer ver isso, muito embora (horrivelmente) você saiba que você tem que ver, porque poderia ser perigoso. Como os lívidos cartazes de filmes guincham sensacionalmente, é uma coisa que É Melhor Você Levar a Sério.

Isso é o jornalismo comendo a si mesmo, ou sendo comido, em um encontro com algo monstruoso vindo do Exterior. Olhe para esta coisa que você não será capaz de olhar (sem gemer em horror). Observe o que você não pode suportar ver. Inclina-se para um tipo de loucura, que não poderia ser mais óbvia ou menos claramente perceptível. Os editores de Sigl foram sugados para dentro de um vórtex de sensacionalismo horrível que chama atenção para a única coisa que eles têm o dever de esconder das pessoas. Tem que ser arrepiante, isto é: imperceptível no momento mesmo em que é vista. A resposta aprovada à Neorreação é ficar arrepiado, mas isso não pode ser o suficiente.

A princípio poderíamos pensar que ‘arrepiante’ é um adjetivo subjetivo, que descreve algo horrível demais para se descrever. É tentador, uma vez que suspeitamos que essas pessoas se retiraram aos seus sentimentos há muito tempo. A realidade é bem mais arrepiante.

As coisas realmente arrepiam, embora não exatamente de maneira objetiva, quando procedem de uma maneira que você não é bem capaz de perceber. Evidentemente, Moldbug  isso (“Algo está acontecendo aqui. Mas você não sabe o que é – sabe, Mr. Jones?”).

Você tem que imaginar que você é a mídia para ir mais adiante na estória de horror. Aí você pode ver que é arrepiante, em parte (sempre em partes), porque você a deixou entrar. Aquela coisa de guinchar que você estava fazendo? Talvez você devesse ter tomado como um sinal. Agora ela está rastejando por dentro, na sua mídia, nos seus cérebros, em seus pensamentos vagos e sem escrutínio e em todos aqueles elaborados sistemas de segurança que você gastou tanto tempo montando – agora eles são em sua maior parte uma pista de obstáculos para os tiras, ou quem quer que seja que você pensa que poderia, em imaginação, vir a seu resgate, porque eles certamente não estão entre você e o Vírus Mental.

Sério, o que você estava pensando, quando começou a gritar sobre ela e, assim, a deixou entrar? Você não sabe, né? – e isso é seriamente arrepiante. Muito embora você não queira – de maneira alguma – ela lhe faz pensar sobre BDH, hereditariedade, instintos, impulsos e máquinas química incompreensíveis, furtivamente operantes por trás de seus pensamentos, obstinadas em sua realidade e intoleráveis para além do reconhecimento. Guinchar “ciência nazista!” (ou o que seja) não ajuda, porque agora ela está dentro, e você sabe que é verdade, mesmo enquanto você atua como a heroína sendo caçada, balbuciando “não, não, não, não, não…”, recuando cada vez mais profundamente nas sombras. Isto é a realidade, e já está dentro, era isso que você estava dizendo quando a chamou de ‘arrepiante’.

Está acontecendo, e não faz sentido nenhum dizer “supere” – porque você não vai.

Original.

Zack-Pop

Michael Totten cobre uma quantia impressionante de terreno em seu resumo da cultura zumbi contemporânea. Poderia ser chamada de Antropoceno Sombrio: Um mundo emergente assombrado pelo medo espesso de que todo o resto do planeta é uma ameaça zumbi latente. Debaixo de um pele de civilidade fina e que facilmente de rasga, seus vizinhos cada vez mais incompreensíveis são canibais sem mente, aguardando um desencadeamento. Estados-Nação disfuncionais não oferecem nenhuma proteção crível, mas estiveram por aí por tempo o bastante para garantir que você tenha sido drasticamente desarmado das competências básicas de sobrevivência. Algum pulso de amídala residual está lhe dizendo para começar a pensar como você vai lidar quando tudo finalmente vier abaixo.

Não é surpresa para ninguém que este blog vê isso, de forma bastante direta, como introspecção democrática. Só é necessário que as pessoas comecem a se banquetear da mesma maneira em que votam, e estamos zackados. Toda a cultura está dizendo – e agora praticamente gritando – que essa é a forma em que a modernidade sócio-política acaba.

Original.

Zackado

Embora, sem dúvidas, seja lisonjeiro ser o alvo de uma artigo de opinião brutal, preguiçoso e desonesto, também é vagamente irritante. Kuznicki não poderia ter alimentado a fogueira com ódio o suficiente com a rejeição da democracia, simpatias pela BDH, anti-igualitarismo, fundamentalismo de mercado, desintegracionismo, e o sussurar de Shoggoth, sem também inventar um monte de coisas?

De qualquer maneira, apenas para registro:

* Eu não sou um proponente do “‘realismo’ racial nacionalista branco”.
* Em nenhum lugar eu “argumento que o nacionalismo branco e o liberalismo de mercado de alguma forma são indissociáveis”.
* Eu nunca fiz um “argumento contra os mercados” de qualquer tipo, muito menos de que eles “estão por trás da democracia com um veto tirânico e imprevisível” [o que quer que isso signifique]
* Eu nunca promovi a “pureza racial”

Sem dúvidas, há uma série de pessoas que aparecem aqui que desejam que eu fizesse alguns desses argumentos, e, ao me distanciar delas, eu não estou querendo endossar a sugestão de Kuznicki de que eles são meros insultos.

Este tipo de situação tende a estressar a objetividade, de modo que não vou fingir um perfeito equilíbrio quanto ao assunto. Parecem haver lições, no entanto, de uma natureza bastante geral.

Para começar, o problema do ‘engajamento’ com a mídia é real, que só pode ficar mais premente, em estrita proporção com o ‘sucesso’. Eles têm que vir atrás de Mencius Moldbug, em algum ponto, na medida em que qualquer coisa interessante estiver sendo preparada, então provavelmente haverá mais testes de execução contra alvos secundários. Toda a questão da seleção de alvos é potencialmente interessante, mas não tenho nenhum conhecimento especial para compartilhar sobre esse tópico neste momento.

Claramente, eu tive muita sorte nesse caso. A China não parece ser compatível com a Catedral (como Stirner aponta na excelente seção de comentários), então a pressão social direta está seriamente embotada. Kuznicki não é nem a faca mais afiada na gaveta, nem um pitbull, então fraqueza tem sido a impressão ‘dominante’. O site do qual ele posta, apesar de seu estilo de revista, é bestante incrivelmente marginal – o tráfego deste pequeno blog para o seu tem corrido de duas a três vezes ao contrário (o que eu nunca teria imaginado – eles têm dez contribuidores listados lá). O Umlaut também permite comentários, o que tem sido um fisco completo para eles desta vez (dê uma olhada). Todos os visitantes têm detonado Kuznicki, e usado o sistema de upvote/downvote para quantificar o argumento. Estou enviesado, mas achei isso absolutamente hilário. Vale a pena notar, contudo, que a máquina midiática da esquerda tem retirado suas seções de comentários, que os torna bem mais efetivos como máquinas de ataque livres de represálias. Finalmente, o Twitter têm sido um recurso extraordinário. É um componente absolutamente crítico de nossa capacidade de nos defender.

Reunindo tudo isso: Temos que aprender, nos preparar e antecipar. As lutas por vir valem a pena acertar. Qualquer depressão fatalista sobre o poderio de nossos inimigos é tanto derrotismo auto-realizador quanto, em medida considerável, simplesmente falso. Não há qualquer razão para pensar que o ‘destino’ da mídia está sob seu controle ou mesmo que suas tendência são, em geral, favoráveis a eles. A prática é nossa amiga. Essas coisas vão importar cada vez mais. A sorte não vai sempre estar tão obviamente de um lado só.

ADICIONADO: Jason Kuznicki é magnânimo o suficiente para escrever isto. Aprecia-se.

Original.

O Iluminismo Sombrio, Parte 4b

Parte 4b: Observações Desagradáveis

Embora famílias negras e pais de garotos não sejam os únicos que se preocupam com a segurança dos adolescentes, Tillman, Brown e outros pais dizem que criar garotos negros é talvez o aspecto mais estressantes de ser pai, porque estão lidando com uma sociedade é temerosa e hostil em relação a eles, simplesmente por causa da cor de sua pele.

“Não acredita? Fique um dia em meu lugar”, disse Brown.

Brown disse que, aos 14, seu filho está naquela idade crítica em que ele está sempre preocupado com sua segurança por causa da criação de perfis.

“Eu não quero assustá-lo ou fazê-lo generalizar as pessoas, mas, historicamente, nós homens negros temos sido estigmatizados como os perpetradores de crimes e, onde quer que estejamos, somos suspeitos”, disse Brown.

Pais negros que não deixam esse fato claro, ele e outros disseram, o fazem arriscando seus filhos.

“Qualquer pai afro-americano que não esteja tendo essa conversa está sendo irresponsável”, Brown disse. “Eu vejo toda esta coisa como uma oportunidade para falarmos francamente, abertamente e honestamente sobre relações raciais.”
– Gracie Bonds Staples (Star-Telegram)

Quando as comunidades resistem a um influxo de titulares de vales-habitação do Seção 8 vindos do centro da cidade, digamos, eles estão reagindo esmagadoramente a comportamentos. A cor da pele é um indicador desse comportamento. Se os negros do centro da cidade se comportassem como Asiáticos – amontoando tanto conhecimento em seus filhos quanto eles conseguem colocar em seus crânios – a cautela persistente em relação aos negros de renda mais baixa que muitos americanos inquestionavelmente nutrem desapareceriam. Existem racistas irremediáveis entre os americanos? Por certo. Eles vêm em todas as cores, e deveríamos deplorar todos eles. Mas a questão da raça nos Estados Unidos é mais complexa do que a companhia educada geralmente tem permissão de expressar.
– Heather Mac Donald (City Journal)

“Vamos falar sobre o elefante na sala. Eu sou negra, OK?” disse a mulher, recusando-se a se identificar porque antecipou uma reação devido à sua raça. Ela se inclinou para olhar para o repórter direto nos olhos. “Haviam garotos negros roubando casas nesta vizinhança”, ela disse. “É por isto que George suspeitou de Trayvon Martin.”
— Chris Francescani (Reuters)

“Em suma, a dialética pode ser definida como a doutrina da unidade dos opostos. Isto incorpora a essência da dialética”, Lenin observa, “mas isso requer explicações e desenvolvimento”. Isto é: mais discussão.

A sublimação (Aufhebung) do Marxismo no Leninismo é uma eventualidade que é melhor compreendida de maneira crua. Ao forjar um política comunista revolucionária de ampla aplicação, quase inteiramente divorciada das condições materiais maduras ou das contradições sociais avançadas que foram anteriormente antecipadas, Lenin demonstrou que a tensão dialética coincidia, exaustivamente, com sua politização (e que toda referência a uma ‘dialética da natureza’ não é mais do que uma subordinação retrospectiva do domínio científico a um modelo político). Dialéticas são tão reais quanto são feitas ser.

A dialética começa com uma agitação política e não se estende para além de sua ‘lógica’ prática, antagonista, faccional e de coalizão. Ela é a ‘superestrutura’ por si só, ou contra a limitação natural, apropriando-se de maneira prática da esfera política, em sua extensão inteligível mais ampla, como uma plataforma para a dominação social. Onde quer que haja discussão, há uma oportunidade não resolvida para governar.

A Catedral encarna estas lições. Ela não tem qualquer necessidade de esposar o Leninismo, ou dialética operacional comunista, porque não reconhece nada mais. Dificilmente há um fragmento da ‘superestrutura’ social que tenha escapado da reconstrução dialética através de antagonismo articulado, polarização, estruturação binária e reversão. Dentro da academia, da mídia e mesmo das belas artes, a super-saturação política prevaleceu, identificando mesmo os elementos mais minúsculos da apreensão com uma ‘crítica social’ conflituosa e com a teologia igualitária. O comunismo é a implicação universal.

Mais dialética é mais política, e mais política significa ‘progresso’ – ou migração social para a esquerda. A produção de concordância pública leva apenas em uma direção e, dentro da discordância pública, tal ímpeto já existe em embrião. É apenas na ausência de concordância e de uma discordância publicamente articulada, ou seja, na não-dialética, no não-argumento, na diversidade sub-política ou iniciativa politicamente descoordenada que o refúgio ‘direitista’ da ‘economia’ (e, de maneira mais ampla, da sociedade civil) será encontrado.

Quando nenhuma concordância é necessária ou coercitivamente exigida, a liberdade negativa (ou ‘libertária’) ainda é possível, e este ‘outro’ não argumentativo da dialética é facilmente formulado (mesmo que, em uma sociedade livre, ele não precise ser): Faça suas próprias coisas. Bastante claramente, este imperativo irresponsável e negligente é politicamente intolerável. Ele coincide exatamente com a depressão esquerdista, retrocesso ou despolitização. Nada clama mais urgentemente por ser contra argumentado.

No extremo oposto está o êxtase dialético da justiça teatral, na qual a estrutura argumentativa dos procedimentos legais é associada à divulgação por meio da mídia. O entusiasmo dialético encontra sua expressão definitiva em um drama de tribunal que combina advogados, jornalistas, ativistas comunitários e outros agentes da superestrutura revolucionária na produção de um julgamento-show. Contradições sociais são encenadas, casos antagonistas articulados, e uma resolução, institucionalmente esperada. Isto é Hegel para o horário nobre da televisão (e agora para a Internet). É a maneira em que a Catedral compartilha sua mensagem com as pessoas.

Às vezes, em suas paixão impaciente pelo progresso, essa mensagem pode tropeçar em si mesma, porque, muito embora os agentes da Catedral sejam infinitamente razoáveis, eles são cada vez menos sensatos, muitas vezes surpreendentemente incompetentes, e estão propensos a cometer erros. Isto deve ser esperado com bases teológicas. Conforme o estado se torna Deus, ele se degenera em imbecilidade, no modelo do santo tolo. A política midiática do espetáculo de Trayvon Martin fornece um exemplo pertinente.

Nos Estados Unidos, como em qualquer outro país grande, muitas coisas acontecem todos os dias, exibindo inúmeros padrões de obscuridade variante. Por exemplo, em um dia médio, há aproximadamente 3400 crimes violentos, incluindo 40 assassinatos, 230 estupros, 1000 assaltos e 2100 agressões agravadas, ao lado de 25.000 crimes não violentos de propriedade (roubos e furtos). Muito poucos destes serão amplamente divulgados ou aproveitados como educacionais, exemplares e representativos. Mesmo que a mídia não estivesse inclinada a uma seleção baseada em narrativa das ‘boas estórias’, o simples volume de incidentes compeliria a algo do tipo. Dada esta situação, é quase inevitável que as pessoas perguntem: Por que estão nos contando isto?

Quase tudo sobre a morte de Trayvon Martin é controverso, exceto pela motivação da mídia. Sobre este tópico, há quase uma unanimidade. O significado ou mensagem pretendida da estória do caso dificilmente poderia ter sido mais transparente: A paranoia racista branca torna a América perigosa para pessoas negras. Ele assim ensaiaria a dialética do terror racial (seu medo é assustador), feita – como sempre – para converter o pesadelo social recíproco da América em uma peça de moralidade unilateral, alocando o pavor legítimo exclusivamente a um lado da divisão racial principal do país. Parecia perfeito. Um vigilante branco malignamente enganado atira em uma criança negra inocente, justificando o medo negro (‘a conversa’) enquanto expõe o pânico branco como um psicose assassina. Esta é uma estória de tamanho significado arquetípico progressista que não pode ser contada vezes demais. Na verdade, é boa demais para ser verdadeira.

Logo se tornou evidente, contudo, que a seleção da mídia – mesmo quando reforçada pela máquina de raiva de celebridades / ‘ativistas comunitários’ – não fora suficiente para manter a estória no script, e ambos os atores principais estavam se distanciando de seus papeis atribuídos. Se os estereótipos endossados pelos progressistas devessem ser sequer remotamente preservados, uma vigorosa edição seria exigida. Isso foi especialmente necessário porque certos leitores maus, racistas e preconceituosos do Miami Herald estavam começando a forjar uma conexão mental destruidora de narrativas entre ‘Trayvon Martin’ e ‘ferramenta de assalto’.

Quanto ao assassino, George Zimmerman, o nome dizia tudo. Ele claramente iria ser um cara pálida, desajeitado, parecido com um storm-trooper, com esperança algum tipo de cristão louco por armas e, talvez – se eles realmente achassem ouro, – um tipo dos movimentos de milícia, com um histórico de homofobia e ativismo anti-aborto. Ele começou ‘branco’ – por nenhuma razão óbvia além da incompetência midiática e da programação narrativa – e depois se viu transformado em um ‘hispânico branco’ (uma categoria que parece ter sido rapidamente inovada no momento), antes de ser gradualmente deslocado ao longo de uma série de complicações étnicas cada vez mais compatíveis com a realidade, culminando na descoberta de seu bisavô afro-peruano.

No coração da Catedral, estava bem na hora de coçar a cabeça. Aqui estava o grande réu amerikkkano, sendo preparado para seu julgamento-show, o Presidente havia contribuído emocionalmente em nome da sagrada vítima, e o jogo coordenado no solo havia sido avançado à beira fervilhante de revoltas raciais, quando a mensagem começou a cair aos pedaços, em tal medida que agora ameaçava a se degenerar em um caso irritantemente irrelevante de violência de negros contra negros. Não era apenas que George Zimmerman tinha uma ancestralidade negra – o que o tornava simplesmente ‘negro’ pelos padrões construtivistas sociais da própria esquerda – ele também havia crescido amigavelmente entre pessoas negras, com duas garotas afro-americanas como “parte do lar por anos”, havia entrado em um empreendimento em conjunto com um parceiro negro, era um democrata registrado e até mesmo algum tipo de ‘organizador comunitário’…

Então, por que Martin morreu? Foi por carregar chá gelado e um pacote de Skittles sendo negro (a versão ‘poderia ter sido o Obama filho’, aprovada pela mídia e por ativistas comunitários), por ir verificar alvos de assaltos (a versão do perfilamento racial kluxer) ou por quebrar o nariz de Zimmerman, derruba-lo, sentar em cima dele e golpear sua cabeça repetidamente contra o calçada (a ser decidido no tribunal)? Ele era um mártir da injustiça racial, um predador social de baixo nível ou um sintoma humano da crise urbana americana? A única coisa que estava realmente clara quando os procedimentos legais começaram, além da tristeza esquálida do episódio, era que ele não estava resolvendo nada.

Para uma sensação do quão desconcertantemente a lição aprovada havia se desintegrado no momento em que Zimmerman foi acusado de assassinato em segundo grau, só é necessário ler este post do blogueiro BDH oneSTDV, que descreve os distúrbios dialéticos da direita guerreira racial.

Apesar da natureza perturbadora das “acusações” contra Zimmerman, muitos da alt-right recusam conceder a Zimmerman qualquer simpatia ou sequer ver isto como um momento seminal no reino anarco-tirano do esquerdismo moderno. De acordo com estes indivíduos, os mestiço, falante de espanhol e democrata registrado, recebeu o que estava em seu caminho – a ira da multidão negra e da elite de esquerda indiretamente apoiada pelo próprio Zimmerman. Devido ao seu histórico de votação, antecedentes multiculturais e tutelagem de jovens de minorias, eles vêem Zimmerman como emblemático do ataque da esquerda à América branca, um tipo de soldado na campanha contra a brancura americana. [Negrito no original]

A política popular do politicamente correto estava pronta para seguir adiante. Com o grande julgamento-show colapsando em desordem narrativa, era hora de refocar na Mensagem, que se danem os fatos (que se danem duplamente). ‘Jezebel‘ melhor exemplifica o tom ameaçador e vagamente histérico:

Você sabe como dizer se as pessoas negras ainda são oprimidas? Porque as pessoas negras ainda são oprimidas. Se você alega que você não é uma pessoa racista (ou, pelo menos, que você está comprometido em trabalhar para caralho para não ser uma – o que, na verdade, é o melhor que qualquer um nós pode prometer), então você tem que acreditar que as pessoas são fundamentalmente nascidas iguais. Logo, se isso é verdade, então, em um vácuo, fatores como cor da pele não deveriam ter nenhum efeito sobre o sucesso de ninguém. Certo? E, portanto, se você realmente acredita que todas as pessoas são criadas iguais, então, quando você vê que desigualdades raciais drásticas existem no mundo real, a única coisa que você poderia concluir é que alguma força externa está segurando algumas pessoas. Como… o racismo. Certo? Então, parabéns. Você acredita em racismo! A menos que você não acredite realmente que as pessoas nasçam iguais. E, se você não acredita que as pessoas nascem iguais, então você é a p**** de um racista.

Alguém “realmente acredita que as pessoas nascem iguais”, da maneira que se entende isso aqui? Acredita, isto é, não apenas que uma expectativa formal de tratamento igual é um pré-requisito da interação civilizada, mas que qualquer desvio revelado da igualdade substancial de resultado é uma indicação óbvia e inequívoca de opressão? Que isso é “a unica coisa que você poderia concluir”?

No mínimo, Jezebel poderia ser parabenizada por expressar a fé progressista em sua forma mais pura, inteiramente descontaminada de sensibilidade à evidência ou à incerteza de qualquer tipo, casualmente desdenhosa de qualquer pesquisa relevante – quer existente ou meramente concebível – e supremamente confiante sobre sua própria invencibilidade moral. Se os fatos estão moralmente errados, tanto pior para os fatos – está é a única posição que poderia ser adotada, mesmo se for embasada em uma mistura de pensamento desejoso, ignorância deliberada e mentiras insultantemente infantis.

Chamar a crença na igualdade substancial humana de superstição é insultar a superstição. Pode ser injustificado acreditar em leprechauns, mas pelo menos a pessoa que mantém tal crença não está assistindo-os não existir, a cada hora de vigília do dia. A desigualdade humana, em contraste e em toda a sua multiplicidade abundante, está constantemente em exposição, conforme as pessoas exibem suas variações em gênero, etnia, atratividade física, tamanho e forma, força, saúde, agilidade, charme, humor, sagacidade, diligência e sociabilidade, ente outras inúmeras características, traços, habilidades e aspectos de sua personalidade, algumas de forma imediata e conspícua, algumas apenas lentamente, ao longo do tempo. Absorver mesmo a mais mínima fração disso tudo e concluir, da única maneira possível, que ou não é nada em absoluto, ou que é um ‘construto social’ e um índice de opressão, é puro delírio Gnóstico: um comprometimento, para além de toda evidência, com a existência de um mundo verdadeiro e bom, velado pelas aparências. As pessoas não são iguais, elas não se desenvolvem igualmente, suas metas e realizações não são iguais, e nada pode torná-las iguais. A igualdade substancial não tem qualquer relação com a realidade, exceto enquanto sua negação sistemática. Violência em uma escala genocida é necessária para sequer se aproximar do programa igualitário prático e, se qualquer coisa menos ambiciosa for tentada, as pessoas a contornam (algumas de maneira mais competente que as outras).

Para tomar apenas o exemplo mais óbvio, qualquer um com mais do que um filho sabe que ninguém nasce igual (exceto, talvez, gêmeos monozigóticos e clones). Na verdade, todo mundo nasce diferente, de inúmeras maneiras. Mesmo quando, – como normalmente é o caso – as implicações dessas diferenças para os resultados da vida são difíceis de prever com confiança, sua existência é inegável ou, pelo menos: sinceramente inegáveis. Claro, sinceridade, ou mesmo uma coerência cognitiva mínima, não é nem remotamente a questão aqui. A posição de Jezebel, embora impecável em sua correção política, não é apenas factualmente duvidosa, mas sim risivelmente absurda e, na verdade – estritamente falando – insana. Ela dogmatiza um negação da realidade tão extrema que ninguém poderia genuinamente manter, ou sequer entretê-la, muito menos plausivelmente explicá-la ou defendê-la. Ela é um princípio de fé que não pode ser entendido, mas apenas afirmado ou aceito, como loucura tornada lei, ou religião autoritária.

O mandamento político desta religião é transparente: Aceite a política social progressista como a única solução possível para o pecado problema da desigualdade. Este comando é um ‘imperativo categórico’ – nenhum fato possível jamais poderia miná-lo, complicá-lo ou revisá-lo. Se a política social progressista na verdade resultar em uma exacerbação do problema, a realidade ‘caída’ deve ser culpada, uma vez que o mal social é obviamente pior do que se vislumbrara anteriormente e apenas esforços redobrados na mesma direção podem esperar remediá-lo. Não pode haver nada a se aprender em questão de fé. Eventualmente, o colapso social sistemático ensina a lição que a falha crônica e a deterioração incremental não puderam comunicar. (Isso é o darwinismo social em escala macro para principiantes, e é a maneira em que a civilização acaba.)

Devido a sua excepcional correlação com uma variação substancial nos resultados sociais nas sociedades modernas, de longe a dimensão mais problemática da biodiversidade humana é a inteligência ou capacidade geral de resolução de problemas, quantificada como QI (que mede o ‘g’ de Spearman). Quando o ‘senso comum estatístico’ ou perfilamento é aplicado aos proponentes da Bio-Diversidade Humana, contudo, um outro traço significativo rapidamente é exposto: um déficit notavelmente consistente de condescendência. De fato, é amplamente aceito dentro da própria ‘comunidade’ amaldiçoada que a maior parte daqueles teimosos e esquisitos o suficiente para se educarem sobre o tópico da variação biológica humana são significantemente ‘retardados socialmente‘, com baixa inibição verbal, baixa empatia e baixa integração social, o que resulta em má adaptação crônica às expectativas do grupo. Os EQs típicos deste grupo podem ser extraídos como a raiz quadrada aproximada de seus QIs. Um autismo moderado é típico, suficiente para aproximar seus companheiros em um espírito de curiosidade natural-científica desprendida, mas não tão avançado ao ponto de compelir um desengajamento cósmico total. Estes traços, que eles próprios consideram – com base na copiosa informação técnica – como sendo substancialmente herdáveis, têm consequências sociais manifestas, que reduzem oportunidades de emprego, rendas e mesmo potencial reprodutivo. A despeito de todo o conselho terapêutico gratuito disponível no ambiente progressista, esta desagradabilidade não demonstra qualquer sinal de estar diminuindo e pode mesmo estar se intensificando. Como Jezebel mostra tão claramente, isto só pode ser um signal de opressão estrutural. Por que as pessoas desagradáveis não podem ter uma pausa?

A história é condenadora. Os ‘sociáveis’ sempre tiveram um rancor pelos desagradáveis, frequentemente declinando se casar ou fazer negócios com eles, os excluindo das atividades do grupo e de cargos políticos, os rotulando com insultos, os ostracizando e evitando. A ‘desagradabilidade’ foi estigmatizada e estereotipada em termos extremamente negativos, em tal medida que muitos dos desagradáveis buscaram rótulos mais sensíveis, tais como ‘deficientes sociais’, ou ‘sócioatípicos’. Não raro, pessoas foram verbal ou mesmo fisicamente agredidas por nenhuma outra razão além de sua desagradabilidade radical. Mais trágico de tudo, devido à sua completa incapacidade de se relacionarem uns com os outros, os desagradáveis nunca foram capazes de se mobilizar politicamente contra a opressão social estrutural que enfrentam ou de entrar em coalizações com seus aliados naturais, tais como cínicos, refutadores, contrarianistas e aqueles que sofrem com síndrome de Tourette. A desagradabilidade ainda tem que ser libertada, embora seja provável que a Internet ‘ajude’…

Considere o ensaio em infâmia de John Derbyshire, The Talk: Nonblack Version, que foca inicialmente em sua implacável desagradabilidade e está atento à correlação negativa entre sociabilidade e razão objetiva. Como Derbyshire observa em outros lugares, as pessoas geralmente são incapazes de se diferenciar de suas identidade de grupo ou de aplicar apropriadamente generalizações estatísticas sobre grupos a casos individuais, incluindo os seus próprios. Um reificação racionalmente indefensável, mas socialmente inevitável, dos perfis de grupo é psicologicamente normal – até mesmo ‘humana’ – com o resultado de que informação estatística ruidosa e não específica é erroneamente aceita como uma contribuição para o auto-entendimento, mesmo quando informações específicas estão disponíveis.

Da perspectiva da análise racional socialmente autista e de baixo QE, isto está simplesmente equivocado. Se um indivíduo tem certas características, o fato de pertencer a um grupo que tem características médias similares ou dissimilares não tem qualquer relevância que seja. Informações diretas e determinadas sobre o indivíduo não são, em nenhum grau, enriquecidas por informações indiretas e indeterminadas (probabilísticas) sobre os grupos aos quais o indivíduo pertence. Se os resultados individuais de um teste são conhecidos, por exemplo, nenhuma compreensão adicional é fornecida por inferências estatísticas sobre os resultados do teste que poderiam ter sido esperados com base no perfilamento do grupo. Um judeu asquenaze imbecil não é menos imbecil porque ele é um judeu asquenaze. É pouco provável que freiras chinesas idosas sejam assassinas, mas uma assassina que ocorra de ser um freira chinesa idosa não é nem mais nem menos assassina do que uma que não o seja. Isto é tudo extremamente óbvio, para as pessoas desagradáveis.

Para as pessoas normais, contudo, não é óbvio de maneira alguma. Em parte, isto é porque a inteligência racional é escassa e anormal entre humanos e, em parte, porque a ‘inteligência’ social funciona com o que o resto das pessoas está pensando, ou seja, com um sentimento irracional de grupo, pouca informação, preconceitos, estereótipos e heurística. Uma vez que (quase) todas as outras pessoas estão tomando atalhos, ou ‘economizando’ razão, é apenas racional reagir defensivamente a generalizações que provavelmente serão reificadas ou inapropriadamente aplicadas – superando ou substituindo percepções específicas. Qualquer um que antecipe ser predefinido através de um identidade de grupo tem um ego-investimento expandido naquele grupo e na maneira em que ele é percebido. Uma avaliação genérica, por mais objetivamente que tenha sido alcançada, se tornará imediatamente pessoal, sob condições (mesmo bastante remotamente) normais.

A razão desagradável pode teimosamente insistir que qualquer coisa na média não pode ser sobre você, mas a mensagem não será, em geral, recebida. A ‘inteligência’ social humana não é construída dessa maneira. Mesmo comentadores supostamente sofisticados tropeçam repetidamente nas exibições mais chocantes de incompreensão estatística, sem o menor embaraço, porque o embaraço foi feito para alguma outra coisa (e quase exatamente para o oposto). A falha em entender estereótipos em sua aplicação científica ou probabilística é um pré-requisito funcional da sociabilidade, uma vez que a única alternativa à idiotice, neste aspecto, é a desagradabilidade.

O artigo de Derbyshire é digno de nota porque é bem sucedido em ser definitivamente desagradável e tem sido reconhecido como tal, apesar da incoerência espumante da maioria das réplicas. Entre as coisas que ‘a conversa’ e ‘a contra-conversa’ compartilham está uma estrutura teatral de conversação pseudo-privada feita para ser ouvida. Em ambos os casos, uma mensagem que pais são compelidos a entregar a seus filhos é encenada como o veículo de uma lição social mais ampla, visando aqueles que, por ação ou inação, criaram um mundo que é intoleravelmente perigoso para eles.

Esta forma é intrinsecamente manipuladora, o que torna mesmo a conversa ‘original’ um alvo tentador de paródias. No original, contudo, um tom de sinceridade angustiada é projetado através de uma performance deliberada de inocência (ou ignorância). Ouça filho, eu sei que isso vai ser difícil de entender… (Ó, por quê, por que estão fazendo isto conosco?). A contra-conversa, em forte contraste, funde seu drama microssocial com o discuso clinicamente não-sociável de “pesquisas metódicas nas ciências humanas” – tratando populações como unidades biogeográficas vagas com características quantificáveis, em vez de como sujeitos jurídico-políticos em comunicação. Ela ridiculariza a inocência e – por implicação – o critério da própria sociabilidade. Concordância, condescendência, não contam para nada. As estatísticas rigorosa e redundantemente compiladas dizem o que dizem e, se não conseguimos viver com isso, tanto pior para nós.

Ainda assim, mesmo para uma leitura razoavelmente simpática, ou escrupulosamente desagradável, o artigo de Derbyshire fornece bases para críticas. Por exemplo, e desde o começo, é notável que o recíproco racial de “americanos não-negros” é “americanos negros”, e não “negros americanos” (o termos que Derbyshire seleciona). Esta inversão da ordem das palavras, trocando substantivos e adjetivos, rapidamente se assenta em um padrão. Tem importância que Derbyshire exija a extensão da civilidade para qualquer “negro individual” (em vez de aos ‘indivíduos negros’)? Certamente faz diferença. Dizer que alguém é ‘negro’ é dizer algo sobre ela, mas dizer que alguém é ‘um negro’ é dizer quem ela é. O efeito é sutilmente, mas distintivamente, ameaçador, e Derbyshire é bem treinado demais, algebraicamente, para ser desculpado de observar isso. Afinal, ‘John Derbyshire é um branco’ soa igualmente estranho, assim como o faz qualquer formulação análoga, que submerge o indivíduo no gênero, a ser recuperado como uma mera instância ou exemplo.

O aspecto mais intelectualmente substantivo deste logro de incivilidade gratuita foi examinado por William Saletan e Noah Millman, que fizeram pontos muito similares, dos dois lados da divisa liberal/conservador. Ambos os autores identificam um fissura ou incongruência metódica no artigo de Derbyshire, decorrente de seu comprometimento com a aplicação microssocial de generalizações estatísticas macrossociais. Estereótipos, por mais rigorosamente confirmados que sejam, são essencialmente inferiores ao conhecimento específico em qualquer situação social concreta, porque ninguém nunca encontra uma população.

Como um liberal de posições problemáticas, Saletan não tem escolha alguma além de recuar melodramaticamente das “conclusões de revirar o estômago” de Derbyshire, mas suas razões para fazê-lo não são consumadas por suas crise gastro-emocional. “Mas o quê, exatamente, é uma verdade estatística?” ele pergunta. “É uma estimativa de probabilidade a que você pode recorrer se você não souber nada sobre [um indivíduo em particular]. É o substituto fraco de uma pessoa ignorante para o conhecimento.” Derbyshire, com sua atenção de Aspergers à ausência de vencedores negros da Fields Medal, é “…um nerd matemático que substitui a inteligência social pela inteligência estatística. Ele recomenda cálculos de grupo em vez de se dar ao trabalho de aprender sobre a pessoas que está na sua frente”.

Millman enfatiza a inversão irônica que transforma o (desagradável) conhecimento científico social em ignorância imperativa:

Os “realistas raciais” gostam de dizer que eles são os que estão curiosos quanto ao mundo e que os tipos “politicamente corretos” são os que preferem ignorar a feia realidade. Mas o conselho que Derbyshire dá a seus filhos os encoraja a não serem curiosos demais sobre o mundo a seu redor, por medo de se machucarem. E, como regra geral, esse é conselho terrível para crianças – e não é o conselho que Derbyshire tem seguido em sua própria vida.

A conclusão de Millman também é instrutiva:

Então, por que eu sequer estou argumentando com Derb? Bem, porque ele é um amigo. E porque mesmo conversas preguiçosas e socialmente irresponsáveis precisam ser refutadas, não meramente denunciadas. O artigo de Derbyshire é racista? Claro que é racista. Todo o seu ponto é que é tanto racional quanto moralmente correto que seus filhos tratem pessoas negras de maneira significativamente diferente das pessoas brancas e tenham medo delas. Mas “racista” é um termo descritivo, não moral. A turma “realista racial” está fortemente convencida da precisão das principais premissas de Derbyshire, e eles não vão ser convencidos a abandonar essa convicção pela afirmação de que tal convicção é “racista” – tampouco, honestamente, eles deveriam ser. Por esta razão, eu sinto que é importante argumentar que as conclusões de Derbyshire não se seguem, de maneira simples, daquelas premissas e estão, na verdade, moralmente incorretas, mesmo que aquelas premissas sejam concedidas por bem do argumento.

[Breve intervalo…]

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A Presidência NRx

Linha de Data, Dezembro de 2016. (Uma modesta extrapolação.)

Opinião Neoconservadora Informada: Então, NRx, vocês finalmente conseguiram. Isso é tudo culpa sua. A vitória eleitoral que vocês estavam buscando desde o princípio agora está no saco. O levante popular reacionário foi bem sucedido. Aproveitem seu novo e brilhante Estado Neocameral. Estaremos assistindo dos nossos refúgios canadenses e sorrindo sombriamente enquanto sua utopia racial autoritária dá de cara com uma crise econômica autárquica. E aí a reação pública começará, vinda de uma cidadania curvada em profunda vergonha, mas que redescobrirá suas virtudes americanas. Estarão de volta as revoluções coloridas e nossos alertas negligenciados serão novamente apreciados. Esta foi sua única chance. Comemore-a enquanto pode.

NRx: ??? [*Eles estão drogados?*]

Minha teoria provisória, neste ponto, é que a NRx é comparativamente boa em conversar em catedralês, o que a torna atraente enquanto destino único e fácil para qualquer um que queira rapidamente fabricar uma narrativa sobre como as coisas foram tão completamente para o inferno (apoiada por citações em um dialeto inteligível). Não é uma explicação sendo promovida aqui com uma confiança enorme.

A confiança começa com a observação de que a análise (enlouquecida) de Trump como um Monstro do Frankenstein NRX está se estabelecendo como um enchimento emergencial de concreto Flashlock™ nos modelos mentais do Quarto Estado. Muito surrealismo no futuro próximo está garantido.

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O Iluminismo Sombrio, Parte 1

Parte 1: Neo-reacionários se dirigem para a saída

O Iluminismo não é apenas um estado, mas um evento, e um processo. Enquanto designação de um episódio histórico, concentrado no norte da Europa durante o século XVIII, é um dos principais candidatos ao ‘verdadeiro nome’ da modernidade, capturando sua origem e essência (‘Renascença’ e ‘Revolução Industrial’ são outros). Entre ‘iluminismo’ e ‘iluminismo progressista’, há apenas uma diferença elusiva, porque a iluminação leva tempo – e se alimenta de si mesma, porque o iluminismo é auto-confirmador, suas revelações, ‘auto-evidentes’, e porque um ‘iluminismo sombrio’ retrógrado, ou reacionário, quase equivale a uma contradição intrínseca. Tornar-se iluminado, nesse sentido histórico, é reconhecer e depois perseguir uma luz guia.

Houve eras de escuridão e, então, o iluminismo veio. Claramente, o avanço se demonstrou, oferecendo não apenas melhoria, mas também um modelo. Além disso, ao contrário de uma renascença, não há qualquer necessidade de um iluminismo relembrar o que foi perdido ou de enfatizar as atrações do retorno. O reconhecimento elementar do iluminismo já é história Whig em miniatura.

Uma vez que certas verdades iluminadas tenham sido descobertas auto-evidentes, não pode haver volta, e o conservadorismo é preventivamente condenado – predestinado – ao paradoxo. F. A. Hayek, que se recusava a se descrever como um conservador, celebremente resolveu, em vez disso, pelo termo ‘Velho Whig’, que – como ‘liberal clássico’ (ou o ainda mais melancólico ‘remanescente’) – aceita que o progresso não é o que costumava ser. O que poderia ser um Velho Whig, se não um progressista reacionário? E o que diabos é isso?

Claro, muitas pessoas já pensam que sabem com o que o modernismo reacionário se parece e, em meio ao atual colapso de volta aos anos 1930, sua preocupações só deverão crescer. Basicamente, é para isso que serve a palavra com ‘F’, pelo menos no uso progressista. Uma fuga da democracia, sob essas circunstâncias, se conforma tão perfeitamente às expectativas que elude o reconhecimento específico, aparecendo meramente como um atavismo ou uma confirmação de uma terrível repetição.

Ainda assim, algo está acontecendo e é – pelo menos em parte – alguma outra coisa. Um marco foi a discussão, em abril de 2009, hospedada no Cato Unbound, entre pensadores libertários (incluindo Patri Friedman e Peter Thiel) na qual a desilusão com a direção e as possibilidades da política democrática foi expressa com uma franqueza incomum. Thiel resumiua tendência de maneira brusca: “Eu não acredito mais que a liberdade e a democracia são compatíveis”.

Em agosto de 2011, Michael Lind postou uma réplica democrática no Salon, desenterrando uma sujeira impressionantemente fétida e concluindo:

O pavor da democracia por parte de libertários e liberais clássicos é justificado. O libertarianismo realmente é incompatível com a democracia. A maioria dos libertários deixaram claro qual dos dois eles preferem. A única questão que ainda precisa ser resolvida é por que alguém deveria dar atenção aos libertários.

Lind e os ‘neo-reacionários’ parecem estar em amplo acordo de que a democracia não é apenas (ou sequer) um sistema, mas sim um vetor, com uma direção inequívoca. Democracia e ‘democracia progressista’ são sinônimos e indistinguíveis da expansão do estado. Embora governos de ‘extrema direita’ tenham, em raras ocasiões, momentaneamente detido esse processo, sua reversão está para além dos limites da possibilidade democrática. Uma vez que ganhar eleições é esmagadoramente uma questão de comprar votos e que os órgãos informacionais da sociedade (educação e mídia) não são mais resistentes ao suborno do que o eleitorado, um político frugal é simplesmente um político incompetente, e a variante democrática do darwinismo rapidamente elimina esses desajustados do pool genético. Esta é uma realidade que a esquerda aplaude, a direita do establishment amuadamente aceita e contra a qual a direita libertária tem ineficazmente se lamentado. Cada vez mais, contudo, os libertários deixaram de se importar se alguém está lhes ‘da[ndo] atenção’ – eles têm procurado por algo inteiramente diferente: uma saída.

É uma inevitabilidade estrutural que a voz libertária seja abafada na democracia e, de acordo com Lind, ela deveria o ser. Cada vez mais libertários estão propensos a concordar. ‘Voz’ é a democracia em si, em sua estirpe historicamente dominante e rousseauísta. Ela modela o estado como uma representação da vontade popular, e se fazer ouvir significa mais política. Se votar enquanto auto-expressão massificada de povos politicamente empoderados é um pesadelo que engolfa o mundo, adicionar à confusão não ajuda. Ainda mais do que Igualdade-vs-Liberdade, Voz-vs-Saída é a crescente alternativa, e os libertários estão optando pela fuga muda. Patri Friedman observa: “pensamos que a saída livre é tão importante que a chamamos de o único Direito Humano Universal”.

Para os neo-reacionários incondicionais, a democracia não está meramente condenada, ela condena a si própria. Fugir dela se aproxima de um imperativo absoluto. A corrente subterrânea que propele essa antipolítica é reconhecivelmente hobbesiana, um iluminismo sombrio coerente, despojado desde seu princípio de qualquer entusiasmo rousseauísta pela expressão popular. Predisposto, em todo caso, a perceber as massas politicamente despertas como uma turba irracional vociferante, ele concebe a dinâmica da democratização como fundamentalmente degenerativa: sistematicamente consolidando e exacerbando vícios, ressentimentos e deficiências privadas até que atinjam o nível de criminalidade coletiva e corrupção social abrangente. O político democrático e o eleitor estão unidos por um circuito de incitação recíproca, no qual cada lado leva o outro a extremos cada vez mais desavergonhados de canibalismo que vaia e se pavoneia, até que a única alternativa ao gritar seja ser comido.

Onde o iluminismo progressista vê ideais políticos, o iluminismo sombrio vê apetites. Ele aceita que os governos são feitos de pessoas e que elas vão comer bem. Colocando suas expectativas tão baixo quanto razoavelmente possível, ele busca apenas poupar a civilização do deboche frenético, ruinoso, guloso. De Thomas Hobbes a Hans-Herman Hoppe e além, ele pergunta: Como o poder soberano pode ser impedido – ou pelo menos dissuadido – de devorar a sociedade? Ela consistentemente acha as ‘soluções’ democráticas para este problema risíveis, na melhor das hipóteses.

Hoppe advoga uma ‘sociedade de lei privada’ anarco-capitalista, mas, entre monarquia e democracia, ele não hesita (e seu argumento é estritamente hobbesiano):

Como um monopolista hereditário, um rei considera o território e o povo sob seu jugo como sua propriedade pessoal e se engaja na exploração monopolista desta “propriedade”. Sob a democracia, o monopólio e a exploração monopolista não desaparecem. Antes, o que acontece é isto: em vez de um rei e uma nobreza que consideram o país como sua propriedade privada, um zelador temporário e permutável é colocado como encarregado monopolista do país. O zelador não é dono do país, mas enquanto ele estiver no cargo, permite-se que ele o use para vantagem sua e de seus protegidos. Ele é dono seu uso corrente – usufruto – mas não seu capital social. Isso não elimina a exploração. Pelo contrário, torna a exploração menos calculista e a faz ser executada com pouca ou nenhuma consideração pelo capital social. A exploração se torna míope e o consumo de capital será sistematicamente promovido.

Agentes políticos investidos com autoridade transiente por sistemas democráticos multipartidários têm um incentivo esmagador (e demonstravelmente irresistível) de pilhar a sociedade com as maiores rapidez e abrangência possíveis. Qualquer coisa que eles negligenciem roubar – ou ‘deixem na mesa’ – provavelmente será herdada por sucessores políticos a quem não apenas não são conectados, mas, na verdade, se opõem, e que podem, portanto, esperar que utilizem todos os recursos disponíveis em detrimento de seus adversários. O que quer que seja deixado para trás se torna uma arma na mão do seu inimigo. Melhor, então, destruir tudo que não possa ser roubado. Da perspectiva de um político democrático, qualquer tipo de bem social que não seja nem diretamente apropriável, nem atribuível à (sua própria) política partidária é puro desperdício e não conta de nada, ao passo que o infortúnio social mais grave – contanto que possa ser atribuído a uma administração anterior ou adiado até uma subsequente – figura nos cálculos racionais como uma óbvia bênção. As melhorias tecno-econômicas de longo alcance e a acumulação associada de capital cultural que constituíam o progresso social em seu sentido antigo (Whig) não são o interesse político de ninguém. Uma vez que a democracia floresça, eles enfrentam a ameaça imediata de extinção.

A civilização, enquanto processo, é indistinguível da preferência temporal decrescente (ou preocupação declinante com o presente em comparação ao futuro). A democracia, que tanto em teoria quanto no fato histórico evidente acentua a preferência temporal ao ponto de um frenesi alimentício convulsivo, está, assim, tão próxima de uma negação precisa da civilização quanto qualquer coisa poderia estar, aquém de um colapso social instantâneo em barbarismo assassino ou apocalipse zumbi (ao qual ela eventualmente leva). Conforme o vírus democrático queima por entre a sociedade, hábitos e atitudes laboriosamente acumulados de investimento prospectivo, prudente, humano e industrial são substituídos por um consumismo estéril e orgiástico, incontinência financeira e um circo político de ‘reality show’. O amanhã poderia pertencer ao outro time, então é melhor comer tudo agora.

Winston Churchill, que observou, em estilo neo-reacionário, que “o melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com o eleitor médio”, é melhor conhecido por sugerir “que a democracia é a pior forma de governo exceto todas as outras que foram tentadas”. Embora nunca exatamente conceda que “OK, a democracia é uma merda (na verdade, ela realmente é uma merda), mas qual é a alternativa?”, a implicação é óbvia. O teor geral desta sensibilidade é atraente para os conservadores modernos, porque ressoa com sua aceitação irônica e desiludida da deterioração civilizacional implacável e com a apreensão intelectual associada do capitalismo como um arranjo social padrão pouco apetitoso, mas ineliminável, que permanece após todas as alternativas catastróficas ou meramente impraticáveis terem sido descartadas. A economia de mercado, neste entendimento, não é mais do que uma estratégia espontânea de sobrevivência que se costura em meio às ruínas de um mundo politicamente devastado. As coisas provavelmente só vão ficar piores para sempre. E assim vai.

Então, qual é a alternativa? (Certamente não faz qualquer sentido vasculhar a década de 1930 em busca de uma.) “Você consegue imaginar uma sociedade pós-demotista do século XXI? Uma que se via como se recuperando da democracia, da mesma forma em que o leste europeu se vê como se recuperando do Comunismo?” pergunta o Lord Sith supremo dos neo-reacionários, Mencius Moldbug. “Bem, eu suponho que isso lhe torna um de nós.”

As influência formativas de Moldbug são austro-libertárias, mas isto está acabado. Como ele explica:

…os libertários não conseguem apresentar uma figura realista de um mundo no qual sua batalha é vencida e permanece vencida. Ele acabam procurando maneiras de empurrar um mundo, no qual o caminho natural ladeira abaixo do Estado  é crescer, de volta ladeira acima. Este prospecto é sisifista, e é compreensível porque atrai tão poucos apoiadores.

Seu despertar para a neo-reação vem com o reconhecimento (hobbesiano) de que soberania não pode ser eliminada, enjaulada ou controlada. Utopias anarco-capitalistas não podem nunca condensar a partir da ficção científica, poderes divididos fluidamente se reúnem novamente como um Exterminador despedaçado, e constituições têm exatamente tanta autoridade real quanto um poder interpretativo soberano as permite ter. O estado não vai a lugar nenhum porque – para aqueles que o operam – ele vale demais para se desistir e, enquanto instanciação concentrada da soberania na sociedade, ninguém pode fazê-lo fazer nada. Se o estado não pode ser eliminado, Moldbug argumenta, pelo menos ele pode ser curado da democracia (ou mau governo sistemático e degenerativo), e a maneira de fazer isso é formalizá-lo. Esta é uma abordagem que ele chama de ‘neo-cameralismo’.

Para um neocameralista, um estado é um negócio que é dono de um país. Um estado deveria ser gerido, como qualquer outro grande negócio, dividindo-se a propriedade lógica em ações negociáveis, cada uma das quais rende um fração precisa do lucro do estado. (Um estado bem administrado é muito lucrativo.) Cada ação tem um voto, e os acionistas elegem um conselho que contrata e demite gerentes.
Os clientes deste negócio são seus residentes. Um estado neocameralista gerido lucrativamente, como qualquer negócio, servirá a seus clientes de maneira eficiente e efetiva. Mau governo é igual a mau gerenciamento.

Primeiramente, é essencial esmagar o mito democrático de que um estado ‘pertence’ aos cidadãos. O ponto do neo-cameralismo é comprar as partes interessadas no poder soberano, para não perpetuar mentiras sentimentais sobre o direito das massas ao voto. A menos que a propriedade do estado seja formalmente transferida para as mãos de seus reais governantes, a transição neo-cameral simplesmente não ocorrerá, o poder continuará nas sombras, e a farsa democrática continuará.

Assim, em segundo lugar, a classe dominante deve ser plausivelmente identificada. Deveria ser imediatamente notado, em contra-distinção aos princípios marxistas da análise social, que essa não é a ‘burguesia capitalista’. Logicamente, não pode ser. O poder da classe empresarial já está sempre claramente formalizado, em termos monetários, de modo que a identificação do capital com o poder político é perfeitamente redundante. É necessário perguntar, em vez disso, a quem os capitalistas pagam por favores políticos, quanto estes favores potencialmente valem, e como a autoridade de concedê-los está distribuída. Isto requer, com um mínimo de irritação moral, que toda a paisagem social do suborno político (‘lobby’) seja mapeada de maneira exata e que os privilégios administrativos, legislativos, judiciais, midiáticos e acadêmicos acessados por tais subornos sejam convertidos em ações fungíveis. Na medida em que vale a pena subornar os eleitores, não há qualquer necessidade de excluí-los inteiramente deste cálculo, embora sua porção de soberania seja estimada com o escárnio apropriado. A conclusão deste exercício é o mapeamento de uma entidade governante que é a instância verdadeiramente dominante do regime democrático. Moldbug a chama de a Catedral.

A formalização dos poderes políticos, em terceiro lugar, permite a possibilidade do governo efetivo. Uma vez que o universo da corrupção democrática seja convertido em uma participação acionária (livremente transferível) na gov-corp, os donos do estado podem iniciar a governança corporativa racional, começando com o apontamento de um CEO. Como com qualquer negócio, os interesses do estado estão agora formalizados de maneira precisa como maximização do valor acionário de longo prazo. Não há mais qualquer necessidade de que os residentes (clientes) tenham qualquer interesse em qualquer política que seja. Na verdade, fazê-lo seria exibir tendências semi-criminosas. Se a gov-corp não entrega um valor aceitável por seus impostos (aluguel soberano), eles podem notificar sua função de serviço ao consumidor e, se necessário, levar sua clientela para outro lugar. A gov-corp deveria se concentrar em operar um país eficiente, atraente, vital, limpo e seguro, de um tipo que seja capaz de atrair clientes. Nenhuma voz, saída livre.

…embora a abordagem neocameralista completa nunca tenha sido tentada, seus equivalentes históricos mais próximos desta abordagem são a tradição do século XVIII de absolutismo iluminado, como representado por Frederico, o Grande, e a tradição não-democrática do século XXI, como visto em fragmentos perdidos do Império Britânico, tais como Hong Kong, Singapura e Dubai. Estes estados parecem fornecer uma qualidade bastante alta de serviço a seus cidadãos, sem qualquer democracia significativa que seja. Eles têm níveis mínimos de crime e altos níveis de liberdade pessoal e econômica. Eles tendem a ser bastante prósperos. Eles são fracos apenas em liberdade política, e liberdade política é desimportante por definição quando o governo é estável e efetivo.

Na antiguidade europeia clássica, a democracia era reconhecida como uma fase familiar de desenvolvimento político cíclico, fundamentalmente decadente em natureza e preliminar a uma descida à tirania. Hoje, este entendimento clássico está completamente perdido e foi substituído por uma ideologia democrática global, carecendo inteiramente de auto-reflexão, que é afirmada, não como uma tese social-científica crível ou sequer como uma aspiração popular espontânea, mas sim como uma crença religiosa, de um tipo específico e historicamente identificável:

…uma tradição recebida que eu chamo de Universalismo, que é um secto cristão não-teísta. Alguns outros rótulos atuais para esta mesma tradição, mais ou menos sinônimos, são progressismo, multiculturalismo, liberalismo, humanismo, esquerdismo, politicamente correto e similares. …o Universalismo é o ramo moderno dominante do cristianismo na linha calvinista, tendo evoluído a partir da tradição inglesa dissidente ou puritana, através dos movimentos Unitário, Transcendentalista e Progressista. Seu espinhoso caminho ancestral também inclui alguns raminhos laterais que são importantes o suficientes para nomear, mas cuja ancestralidade cristã é ligeiramente mais bem dissimulada, tais como o laicismo rousseauviano, o utilitarismo benthamita, o judaísmo reformado, o positivismo comteano, o idealismo alemão, o socialismo científico marxista, o existencialismo sartreano, o pós-modernismo heideggeriano, etc, etc, etc. …o Universalismo, em minha opinião, é melhor descrito como um culto dos mistérios do poder. …É tão difícil imaginar o Universalismo sem o Estado quanto a malária sem o mosquito. …O ponto é que esta coisa, como quer que você se importe de chamá-la, tem pelo menos duzentos anos de idade e provavelmente algo como quinhentos. É basicamente a própria Reforma. …E simplesmente despertar para ela e a denunciar como má tem tanta probabilidade de funcionar quanto processar Shub-Niggurath no tribunal de pequenas causas.

Para compreender o aparecimento de nosso predicamento contemporâneo, caracterizado pela expansão implacável e totalizante do estado, pela proliferação de ‘direitos humanos’ positivos espúrios (reivindicações sobre os recursos de outros apoiados por burocracias coercitivas), dinheiro politizado, temerárias ‘guerras pela democracia’ evangélicas e controle abrangente do pensamento, arranjado em defesa do dogma universalista (acompanhado pela degradação da ciência em uma função de relações públicas do governo), é necessário se perguntar como Massachusetts veio a conquistar o mundo, como Moldbug o faz. Com cada ano que passa, o ideal internacional da boa governança se encontra aproximando-se mais intima e rigidamente dos padrões estabelecidos pelos departamentos de Estudos das Reclamações das universidades da Nova Inglaterra. Esta é a divina providência dos ranters e dos levelers, elevada a uma teleologia planetária e consolidada como o reino da Catedral.

A Catedral substituiu com seu evangelho tudo que conhecíamos. Considere apenas as preocupações expressas pelos pais fundadores da América (compilado pelo comentário #1 do ‘Liberty-clinger’ aqui):

Uma democracia não é nada mais do que o domínio da turba, onde 51% das pessoas podem retirar os direitos dos outros 49%. – Thomas Jefferson

A democracia são dois lobos e um cordeiro votando sobre o que comer no almoço. A liberdade é um cordeiro bem armado contestando o voto! – Benjamin Franklin

A democracia nunca dura muito. Ela logo desperdiça, exaure e se assassina. Nunca houve uma democracia, até hoje, que não tenha cometido suicídio. – John Adams

As democracias sempre foram espetáculos de turbulência e contenção; sempre foram descobertas incompatíveis com a segurança pessoal ou os direitos de propriedade; e, em geral, foram tão curtas em suas vidas quanto foram violentas em sua morte. – James Madison

Somos um Governo Republicano, a Real liberdade nunca é encontrada no despotismo ou nos extremos da democracia… foi observado que uma democracia pura, se fosse praticável, seria o governo mais perfeito. A experiência provou que nenhuma posição é mais falsa do que esta. As antigas democracias, na quais as próprias pessoas deliberavam, nunca possuíram uma boa característica de governo. Seu próprio caráter era a tirania… – Alexander Hamilton

Mais sobre votar com seus pés (e do gênio incandescente de Moldbug), a seguir…

Nota adicionada (7 de Março):

Não confie na atribuição da citação de ‘Benjamin Franklin’ acima. De acordo com Barry Popik, o ditado provavelmente foi inventado por James Bovard em 1992. (Bovard observa, em outro lugar: “Há poucos erros mais perigosos no pensamento político do que igualar a democracia à liberdade”.)

Original.

Horror Econômico

H. P. Lovecraft e o sistema financeiro global finalmente convergiram.

Da carta da Artemis Capital Management aos investidores (sério): “Volatilidade é sobre medo… mas risco de cauda extremo é sobre horror. O Cisne Negro, enquanto constructo filosófico negativo, é quando o medo acaba e o horror começa. …O medo é algo que vem de dentro do nosso escopo de pensamento. O verdadeiro horror não é o medo humano em um mundo definível, mas o medo que vem de fora do que é definível. O horror é sobre as limitações do nosso pensamento. …Cthulhu é um cisne negro.”

Uma cibernética gótica abundante completa o pesadelo. (“Convexidade curta sombria descreve uma fragilidade imensurável à mudança, introduzida quando os participantes são encorajados a se comportarem de uma maneira que contribui para loops de feedback em um sistema complexo.”)

O Halloween chega mais cedo este ano.

Original.

Doctor Gno

Uma coisa tem que ser concedida ao artigo sub-adolescente de Pein (casualmente descartado aqui) – ele desencadeou uma agústia interessante. Esta interpretação da Neorreação (tecno-comercial) como vilania de Bond é especialmente notável. Ao contrário de Pein, Izabella Kaminska demonstra pelo menos um pouco de perspicácia genuína. De maneira mais importante, ela se agarra ao Secessionismo do Vale do Silício como um (assustador) projeto criptopolítico, de real significância. Suas referência são excelentes (a história é construída em torno de uma série de slides extraídas desta palestra histórica, de Balaji Srinivasan, intitutlada Silicon Valley’s Ultimate Exit (“A Saída Derradeira do Vale do Silício”, em tradução livre).

dr-no

A elegância desse projeto repousa em sua combinação de simplicidade e radicalidade, capturada em elementos essenciais pela fórmula S > V (Saída sobre Voz). Ele avança o prospecto, já em movimento, de uma destruição da política (embasada em voz) através da inovação tecno-comercial de mecanismos de saída. Está começando a deixar os progressistas insanos.

O ponto fundamental não poderia ser mais claro: Não queremos governar vocês. Queremos escapar de vocês.

Claro, toda a agenda da Catedral é levar esta mensagem de volta à ininteligibilidade, ao inundá-la com a tediosa dialética política BDSM esquerdista, como se a questão fosse uma luta por domínio. A este respeito, os memes monarquistas predominantes dentro da NRx desempenham um papel distintivamente amigável aos progs.

Entre os slides de Srinivasan, há um com o cabeçalho Um contínuo de abordagens válidas: De ilhas privadas à colonização de Marte. Ele contém a nota: “E a melhor parte disto: as pessoas que pensam que isso é esquisito, que zombam da fronteira, que odeiam tecnologia – elas não vão te seguir lá para fora”.

Os progressistas sabem como argumenter sobre reis (não importa o quão ineptamente). Aquilo com que eles não têm nenhuma ideia de como argumentar – aquilo com o que não se pode argumentar – é a fuga.

O Secessionismo do Vale do Silício é o melhor campo de batalha que temos.

Original.

Para Além da Face

A crítica do Social Matter ao ‘Complexo Industrial da Justiça Social’ (cujo primeiro estágio já foi linkado aqui), isola a “tendência, na natureza humana, a sobreatribuir agência” enquanto uma proeminente fonte de erro. Em outras palavras, as pessoas gostam de colocar uma face nas coisas – mesmo nas nuvens – em tal medida que a própria noção de uma ‘pessoa’ é sempre já fabricada. Etimologicamente (e não apenas etimologicamente), uma ‘pessoa’ é uma máscara.

Conforme os hominídeos arcaicos foram sendo seletivamente adaptados a relações sociais cada vez mais complicadas, eles foram facializados. O olho humano adquiriu sua esclera branca, para acentuar a expressividade, tornando a direção da atenção diretamente comunicativa. Com a chegada da linguagem, gestos e expressão foram aumentados por mensagens articuladas. O ‘gerenciamento da face’ se tornou um sumidouro exigente de funcionalidade cognitiva, em seus aspectos de desempenho e interpretação. Uma nova e instintiva ‘teoria da mente’ começara a acreditar em pessoas e – quase com certeza simultaneamente – a se identificar como uma. Este era um novo tipo de pele, ou superfície sensível. A partir da sociabilidade psicológica, um modelo do eu enquanto ser social, auto-escrutinado como um objeto de atenção de outro de seu tipo – isto é, um ego – nascia.

A ‘pessoa interna’ não corresponde a nada real. A pessoa, ou eu socialmente desempenhado, é essencialmente superficial. É irredutivelmente teatral. Ela existe apenas enquanto modo de inserção dentro de um jogo de múltiplos jogadores.

Como quer que, em última análise, venhamos a fazer sentido da agência e do destino, não será em termos comensuráveis com a pessoa (a face), a não ser por contumaz autoengano. A liberdade pessoal é um ato, uma performance dentro de uma peça. Não têm nenhuma profundidade real. Todas as perguntas dirigidas a ela estão condenadas à confusão. A coisa real – livre ou predestinada – veste uma face, como um papel atribuído no interior do mundo.

A inanidade do Facebook e também sua extrema popularidade se seguem quase imediatamente deste arranjo. O escritor tem que assumir uma face. A estupidez destes retratos, que adornam capas de livros e colunas de notícias, é indistinguível de sua necessidade social. Cada um é já uma pequena teoria da conspiração, uma má atribuição de agência, baseada na absurda tese símia de que as palavras saem da face. Não leve palavras a sério até que você possa ver o branco de seus olhos – avalie a qualidade do sorriso que acompanha o pensamento. Assim, tudo desaparece.

É para além da face – fora dela – que a ocorrência é decidida, as peças, escritas. Se não começarmos ali, não estamos sequer começando.

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