Quando concebido rigorosamente enquanto ofício literário e cinemático, o horror é indistinguível de uma tarefa singular: fazer um objeto do desconhecido, enquanto desconhecido. Apenas nestes termos é que suas realizações essenciais podem ser estimadas.
Isolar o propósito abstrato do horror, portanto, não requer um operação filosófica suplementar. O horror define a si mesmo através de um pacto com a abstração, de tamanha compulsão primordial que a metafísica disciplinada pode apenas lutar, tardiamente, para recapturá-lo. Alguma ‘coisa’ sublime – abstraída radicalmente do que ela é para nós – pertence ao horror muito antes da razão dar início à sua busca. O horror encontra primeiro ‘aquilo’ que a filosofia eventualmente busca saber.
O alto modernismo na literatura foi bem menos enfeitiçado pelo projeto da abstração do que seu desenvolvimento contemporâneos nas artes visuais, ou mesmo na música. Reciprocamente, a abstração na literatura, como exemplificada mais marcadamente pelas extremidades da escuridão miltoniana – embora possivelmente ‘moderna’ – está dessincronizada por séculos do clímax da experimentação modernista. A abstração no horror literário coincidiu com, e mesmo antecipou, as explorações filosóficas que o cânone estético modernista foi capaz de pressupor. O horror – sob outros nomes – excedeu o zênite modernista antecipadamente e com uma orientação histórica invertida que remonta à Noite Antiga da religião de mistério grega, adentrando uma antiguidade abismal (e abismos arcaicos). Sua abstração é uma escavação que progride implacavelmente para dentro do passado profundo.
A destinação do horror não pode ser exatamente um ‘lugar’ – mas não é impreciso, pelo menos provisoriamente, pensar em tais termos. É para dentro, e para além, do quadro estruturante da existência que a inteligência fobotrópica é atraída. Lovecraft descreve bem o impulso:
Eu escolho as estória esquisitas porque elas se adequam melhor às minhas inclinações – um dos mais desejos mais fortes e mais persistentes sendo alcançar, momentaneamente, a ilusão de alguma estranha suspensão ou violação das irritantes limitações de tempo, espaço e lei natural que para sempre nos aprisionam e frustram nossa curiosidade sobre os espaços cósmicos infinitos para além do raio de nossa visão e análise. Essas estórias frequentemente enfatizam o elemento do horror, porque o medo é nossa mais profunda e mais forte emoção e a que melhor se empresta à criação de ilusões desafiadoras da natureza. O horror e o desconhecido, ou o estranho, estão sempre intimamente conectados, de modo que é difícil criar um quadro convincente de lei natural estilhaçada ou de alienação cósmica ou de “exterioridade” sem colocar ênfase na emoção do medo. A razão pela qual o tempo desempenha uma grande parte em tantos dos meus contos é que este elemento avulta-se em minha mente como a coisa mais profundamente dramática e sombriamente terrível no universo. Conflito com o tempo me parece o tema mais potente e frutífero em toda a expressão humana.
Um monstro, em comparação, não pode ser mais do que um guia – a menos que se funda (como Yog Sothoth) no tecido extracósmico envolvente, como uma concentração super-senciente de portas. Podemos, não obstante, nos aproveitar desses guias, cuja monstruosidade – ‘propriamente entendida’ – diz muito sobre o caminho do inominável.
O filme O Segredo do Abismo (1989) de James Cameron não está atmosfericamente associado ao nosso tópico, mas ele se recomenda a esta investigação não apenas através de seu título, mas também em um único momento crítico de seu roteiro. Quando os outros (cuja natureza positiva não precisa nos atrasar aqui) são primeiro registrados por certas indicações técnicas, eles são identificados apenas como “algo que não nós”. Neste aspecto, eles alcançam o estágio inicial da monstruosidade, que é a ‘simples’ além-idez, considerada enquanto característica principal.
O escritor de sinister-punk China Miéville, cujos projetos de horror tipicamente falham no teste de abstração, é convincente sobre esse ponto. Monstros com tentáculos se emprestam à divindade horrorífica precisamente porque eles não são, de nenhuma forma que seja, ‘nós’ – sublimados para além do prospecto de reconhecimento antropomórfico por sua ‘Cefalópodidade’. Em comparação com a figura humanoide do ser inteligente, eles exercem um força repulsiva preliminar, o que já é um incremento de abstração. Formas insectoides (tais como o lendário Louva-a-Deus Alexiano) tem um papel tradicional comparável.
Seria uma débil monstruosidade, contudo, a que viesse a repousar sobre uma negação tão elementar. As formas intrinsecamente fervilhantes e plásticas de cefalópodes e de seres insectoides incompreensivelmente complexos já avançam a um estágio adicional de abstração corpórea, onde uma outra forma é suplantada por um outro à forma e uma alienação intensificada da apreensão.
O cinema, devido – paradoxalmente – a seus laços estritos de concretude sensível, fornece exemplos especialmente vívidos dessa monstruosidade elevada. O comprometimento do filme com a tarefa do horror provoca ainda mais subdivisão, ao longo de um espectro de amorfismo. A escapada inicial para fora da forma é representada por um processo de mutação imprevisível, tal como aquela retratada graficamente em A Mosca (1986) de David Cronenberg, que subverte, em sequência, cada momento de aquisição perceptiva junto com seu objeto morfológico corolário. A monstruosidade é um deslize contínuo, ou processo de devir, que não se parece com nada.
Para além do mutante, há um amorfismo superior, que pertence ao monstruo que não tem nenhuma forma intrínseca própria, ou sequer uma trajetória morfológica inerente. Este horror metamorfo ocupa o planalto da monstruosidade cinemática, como exemplificado por três criaturas que podem ser produtivamente discutidas em concerto: The Thing (1982; o Alien (da franquia) e o Exterminador (da franquia).
Estes monstros compartilham de uma abstração positiva extrema. Em cada caso, eles emprestam a forma de sua presa, de modo que o que se vê – o que o cinema mostra – é apenas como eles caçam. Conforme as franquia de Alien e do Exterminador do Futuro evoluíram, este traço abstrato básico se tornou cada vez mais explícito, passando por uma consolidação narrativa e visual. O primeiro Exterminador já havia sido construído para imitar a forma humana, mas, no segundo episódio da série (Cameron, 1991), o T-1000 era um predador robótico de metal líquido com um corpo de fluxo estabilizado, submergindo inteiramente a forma na função militar. Similarmente, o corpo mutável do Alien, ao longo do curso da franquia, alcançou um estado cada vez mais elevado de variabilidade morfológica, conforme se fundia com seu ciclo predatório. (Que a “Thing” não tinha nenhuma aparência separável daquela de sua presa era ‘evidente’ desde o princípio.)
Depois que o T-1000 é congelado e estilhaçado, ele gradualmente derrete e começa e se recombinar em si mesmo, fluindo de volta de seu estado de desintegração. Esta onda convergente não é a ‘forma’ da própria Skynet? O que não pode ser visto é tornado perceptível, através do horror gráfico. (Agora ‘vemos’ que sistemas tecnocomerciais, cujo ser catalático é uma onda convergente estritamente análoga, pertencem ao mundo do horror e aguardam seu cineastas.)
Nada para ver aqui.
[uma reanimação do Materialismo Shoggótico, a seguir]
Original.